Síndrome da Polipose Juvenil

Definição:

A síndrome da Polipose Juvenil (SPJ) é caracterizada por predisposição a pólipos hamartomatosos no trato gastrointestinal.

Primeiramente, vamos lembrar o que são pólipos hamartomatosos:

  • Os pólipos hamartomatosos são compostos por elementos celulares normais, mas com arquitetura distorcida.

  • As síndromes de polipose hamartomatosa incluem Síndrome da Polipose Juvenil, Síndrome de Peutz-Jeghers e Síndrome do Tumor Hamartomatoso PTEN.

  • As síndromes de polipose hamartomatosas são incomuns, e juntas são responsáveis por menos que 1% dos casos de câncer colorretal nos EUA.

A SPJ É uma condição autossômica dominante, associada a mutação do gene SMAD4 ou BMPR1A. 75% dos pacientes têm história familiar positiva, mas 25% são mutação de novo. É uma condição rara, com incidência na população geral de 1:100.000 – 1:160.000 (Figuras 1 a 4)

Figura 1


Figura 2


Figura 3


Figura 4

.

 

Apresentação clínica

O número de pólipos varia, podendo indivíduos da mesma família ter 4 – 5 pólipos por todo o tempo de vida, enquanto outros podem apresentar centenas.

Os pólipos estão presentes em sua maioria no cólon (98%) sendo mais comum no cólon direito (70%), mas também podem estar presentes no estômago (14%), duodeno (7%), jejuno e íleo (7%). O tamanho varia de pólipos sésseis pequenos até pólipos pediculados maiores que 3 cm, geralmente têm a superfície lisa, enantematosa, podendo haver um exsutado esbranquiçado em sua superfície (Figuras 5 a 7).

Figura 5


Figura 6


Figura 7

Os sintomas começam geralmente nas primeiras duas décadas de vida, e os mais comuns são sangramento e anemia (90%), mas os pacientes também podem apresentar dor abdominal, diarreia, intussuscepção e obstrução intestinal.

A SPJ também pode estar associado a condições extracolônicas, como telangiectasia hemorrágica hereditária, macrocefalia, hidrocéfalo, coarctação de aorta e tetralogia de Fallot.

 

Histologia

A histologia mostra glândulas dilatadas e ecctasiadas, com espaços císticos preenchidos por mucina, lâmina própria abundante e infiltrado inflamatório crônico. Diferentemente de Peutz-Jeghers, não há proliferação da camada muscular lisa.  Cerca de 50% dos pólipos tem áreas de adenoma.

nota-se glandula dilatada e ectasiada

nota-se glândula dilatada e ectasiada


Notam se glandulas dilatadas e ectasiadas algumas preenchidas com mucina alem de congestao vascular

Notam-se glândulas dilatadas e ectasiadas, algumas preenchidas com mucina, além de congestão vascular


Notam-se glândulas dilatadas e preenchidas por mucina setas amarelas_glandulas normais seta azul

Notam-se glândulas dilatadas e preenchidas por mucina (setas amarelas); glândulas normais representadas pela seta azul

Risco de Câncer

  • Estes pacientes têm risco aumentado de câncer gástrico, colorretal, duodenal e pâncreas.
  • O risco de câncer colorretal varia de 17-22% aos 35 anos, chegando a 68% aos 60 anos.
  • A incidência de câncer no trato gastrointestinal superior pode chegar a 30%.

 

Diagnóstico

O diagnóstico da SPJ exige o preenchimento de 1 dos seguintes critérios:

  • Cinco ou mais pólipos juvenis do cólon e reto,
  • Pólipos juvenis em outros segmentos do trato gastrointestinal
  • Qualquer número de pólipos juvenis se história familiar positiva.

Importante: A presença de pólipos juvenis esporádicos no cólon não é tão incomum, estando presente em até 2% das crianças abaixo de 10 anos, sem caracterizar SPJ ou representar risco aumentado de câncer.

 

Rastreamento e vigilância

Para o rastreamento / vigilância, o guideline da ACG de 2015 recomenda para os pacientes em risco:

  • Colonoscopia inicialmente aos 12 anos ou quando iniciarem os sintomas, devendo ressecar os pólipos maiores que 5 mm e repetir anualmente até erradicação dos pólipos, depois pode-se espaçar para 3/3 anos.
  • Endoscopia inicialmente aos 12 anos, repetir a cada 1-3 anos, devendo ressecar todos os pólipos maiores que 5 mm.
  • Estudo do delgado: Se houver pólipos no duodeno, anemia ou enteropatia perdedora de proteínas, recomenda-se cápsula endoscópica, enteroscopia ou enterotomografia

 

Tratamento:

Pacientes com número limitado de pólipos podem ser manejados com polipectomia e vigilância endoscópica (Figuras 8 a 10).

Figura 8


Figura 9


Figura 10

Colectomia com anastomose ileorretal é indicado em caso de câncer, displasia de alto grau ou se não for possível controlar a polipose adequadamente. O reto no entanto deve permanecer em vigilância endoscópica.

Proctocolectomia pode ser necessária dependendo do número de pólipos no reto. Metade dos pacientes submetidos a colectomia, vão precisar de proctectomia posteriormente.

Gastrectomia total ou parcial pode ser necessária para pacientes com displasia avançada, câncer gástrico ou polipose que não pode ser adequadamente controlada por endoscopia.

 

Como citar esse artigo:

Figueiredo LZ, Martins BC. Síndrome da Polipose Juvenil. Endoscopia Terapêutica. 2022; vol 1. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-da-polipose-juvenil

 

Referências:

Zbuk KM, Eng C. Hamartomatous polyposis syndromes. Nat Clin Pract Gastroenterol Hepatol. 2007 Sep;4(9):492-502. doi: 10.1038/ncpgasthep0902. PMID: 17768394.

Larsen Haidle J, MacFarland SP, Howe JR. Juvenile Polyposis Syndrome. 2003 May 13 [updated 2022 Feb 3]. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, Wallace SE, Bean LJH, Gripp KW, Mirzaa GM, Amemiya A, editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993–2022. PMID: 20301642.

Calva, Daniel, and James R Howe. “Hamartomatous polyposis syndromes.” The Surgical clinics of North America vol. 88,4 (2008): 779-817, vii. doi:10.1016/j.suc.2008.05.002

Syngal S, Brand RE, Church JM, Giardiello FM, Hampel HL, Burt RW; American College of Gastroenterology. ACG clinical guideline: Genetic testing and management of hereditary gastrointestinal cancer syndromes. Am J Gastroenterol. 2015 Feb;110(2):223-62; quiz 263. doi: 10.1038/ajg.2014.435. Epub 2015 Feb 3. PMID: 25645574; PMCID: PMC4695986.




Gastrite atrófica – guia prático sobre OLGA e OLGIM

A gastrite atrófica é um achado frequente de exames endoscópicos, sendo um dos fatores de risco para o desenvolvimento de câncer gástrico.  Para identificar e estratificar grupos de risco foi criada uma classificação denominada OLGA (Operative Link of Gastritis Assesment), baseada na localização das biópsias e achados histológicos avaliando de forma objetiva o grau de atrofia.  A classificação é reprodutível, de fácil execução, permitindo selecionar o grupo de pacientes de maior risco que devem ter seguimento mais rígido, mantendo a custo-efetividade do rastreamento.

Resumidamente, as biópsias devem ser realizadas nos seguintes locais e identificadas em três frascos separados, com ao menos dois fragmentos de cada local: 

  1. Parede anterior e parede posterior de corpo (C1 e C2) 
  2. Incisura angular (A3)
  3. Pequena e grande curvatura de antro (A1 e A2)

Obs: se quiser uma discussão mais aprofundada a respeito dos locais de biópsia, confira esse outro artigo: onde coletar as biópsias para estadiamento OLGA?

O escore OLGA é classificado de acordo com o resultado destas biópsias, conforme tabela abaixo: 

Escore OLGA
Escore de OLGA para avaliação de atrofia gástrica

Essa classificação não leva em consideração a avaliação de outro fator de risco relevante caracterizado pela metaplasia intestinal. Para suprir esta deficiência, a classificação de OLGIM foi criada e basicamente reproduz a mesma ideia de avaliar a localização de biópsias com aspectos histológicos, porém voltadas para a metaplasia intestinal.

Os estágios são muito parecidos conforme disposto na tabela abaixo:

Score OLGIM
Score de OLGIM para avaliação de metaplasia intestinal

É realmente necessário fazer essas biópsias? A avaliação endoscópica não é suficiente?? 

Diversas publicações mostraram ao longo do tempo que os scores OLGA III/IV possuem maior risco para desenvolvimento de câncer gástrico, sendo relevante realizar seguimento cuidadoso neste subgrupo. Dentre elas destaca-se a publicação da GUT de 2007 envolvendo 448 pacientes  estratificados utilizando o sistema OLGA com identificação de aumento gradativo da faixa etária e prevalência de infeção com H. Pylori (HP) nos escores maiores. Além disso, lesões neoplásicas foram identificadas apenas nos estágios OLGA III e IV. 

Publicações mais recentes corroboram estes achados como a extensa metanálise envolvendo cerca de 2700 pacientes (8 estudos , dos quais 6 caso-controle) realizada por Yue H et al em 2018. Nessa publicação, foi descrito maior risco de desenvolvimento de câncer gástrico em escores  OLGA III e IV (OR 2,64; 95% IC p<0,00001) e OLGIM III e IV (OR  3.99;  95%  IC , p< 0,00001), confirmando a importância dos escores descritos nesse post e ressaltando a importância de fazer sim as biópsias. 

O que dizem então os guidelines?

ASGE (2021 )

  • As biópsias devem ser realizadas em antro, incisura e corpo;
  • A presença de metaplasia intestinal implica em diagnóstico de gastrite atrófica; 
  • Achados endoscópicos típicos: mucosa gástrica pálida, aumento da visualização de vascularização submucosa e perda de pregas gástricas;
  • Pacientes com gastrite atrófica e com HP + devem realizar tratamento e confirmar erradicação;
  • Rastreamento a cada 3 anos em pacientes com atrofia gástrica avançada (baseado na histologia e extensão de acometimento); 
  • Na presença de gastrite autoimune, pesquisar vitamina B12, Ferro e anticorpos anticorpos anti-célula parietal e anti-fator intrínseco, doenças tireoideanas. Suspeitar de gastrite autoimune em pacientes com deficiência de B12 e/ou de Ferro;
  • Anemia perniciosa é uma manifestação tardia de gastrite autoimune – no diagnóstico realizar biópsias para confirmar predominância de atrofia em corpo e excluir neoplasia e tumores neuroendócrinos;
  • Pacientes com gastrite autoimune devem ser rastreados para tumor neuroendócrino tipo 1 e os menores que 1cm devem ser ressecados. Controle endoscópico a cada 1-2 anos. 

ESGE (2019 – MAPSII)

  • Pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal possuem risco aumentado de adenocarcinoma;
  • Endoscopia com equipamentos de alta definição e cromoscopia (CE) são superiores a endoscópios de alta definição com luz convencional
  • Cromoscopia pode direcionar as biópsias para áreas mais representativas, com maior risco de malignidade;  
  • Realizar biópsias em ao menos dois locais (corpo e antro – grande e pequena curvaturas) e enviar em frascos separados; 
  • Pacientes com atrofia leve a moderada restrita ao antro não possuem evidência para recomendação de rastreamento;
  • Pacientes com metaplasia intestinal em uma única região porém com histórico familiar de câncer gástrico, metaplasia incompleta ou gastrite crônica com HP persistente – considerar rastreamento e biópsias guiadas por CE em 3 anos; 
  • Casos de gastrite atrófica severa devem ser rastreados a cada 3 anos;
  • Displasia, sem lesão endoscópica definida devem ser submetidos a endoscopia com CE; 
  • Lesão endoscópica com displasia de baixo ou alto grau / carcinoma devem ser estadiados e tratados; 
  • Erradicação de H. pylori traz cicatrização do tecido não atrófico reduzindo o risco de câncer.

Referências:

  1. Yue, H., Shan, L., & Bin, L. (2018). The significance of OLGA and OLGIM staging systems in the risk assessment of gastric cancer: a systematic review and meta-analysis. In Gastric Cancer (Vol. 21, Issue 4, pp. 579–587).
  2. Rugge, M., Meggio, A., Pennelli, G., Piscioli, F., Giacomelli, L., de Pretis, G., & Graham, D. Y. (2007). Gastritis staging in clinical practice: The OLGA staging system. Gut, 56(5), 631–636.
  3. Coelho, M. C. F., et al. (2021). Helicobacter pylori chronic gastritis on patients with premalignant conditions: Olga and olgim evaluation and serum biomarkers performance. Arquivos de Gastroenterologia, 58(1), 39–47.
  4. Pimentel-Nunes, P., Libânio, D., Marcos-Pinto, R., et al. (2019). Management of epithelial precancerous conditions and lesions in the stomach (MAPS II): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE), European Helicobacter and Microbiota Study Group (EHMSG), European Society of Pathology (ESP), and Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED) guideline update 2019. Endoscopy, 51(4)

Quer saber mais? Acompanhe esse outro post que preparamos para você.






Você sabe quais são os critérios de indicação de ressecção endoscópica do câncer gástrico precoce e os critérios de cura (eCura)?

A Sociedade Japonesa de Endoscopia (JGES) publicou em 2021(1) um guideline atualizado de Mucosectomia e Dissecção Endoscópica da Submucosa (ESD) para câncer gástrico precoce.

Em relação às recomendações de 2016(2), os critérios expandidos foram considerados absolutos na atual edição. Persistem como critérios expandidos somente as lesões recidivadas. Algumas lesões que antes eram contraindicadas à ressecção endoscópica foram alocadas nas indicações relativas.

Avaliação pré-operatória

Importante ressaltar que, no estômago, a avaliação endoscópica pré-operatória nem sempre consegue predizer com acurácia a profundidade de invasão (diferente do cólon e esôfago, onde temos classificações que guiam a conduta). Achados endoscópicos que sugerem invasão da submucosa:

  • hipertrofia ou convergência de pregas,
  • tamanho do tumor >3cm,
  • lesões muito avermelhadas,
  • superfície irregular,
  • elevação das margens,
  • sinal da não extensão (quando a mucosa gástrica é expandida pela insuflação, as lesões com invasão maciça da submucosa não se estendem e formam uma elevação trapezoide, além disso, as pregas convergem e se tornam elevadas).

Em alguns casos, quando há dificuldade nesta informação, a Ecoendoscopia pode ser ferramenta útil.

Em geral, a ressecção endoscópica deve ser realizada quando o risco de metástase linfonodal é extremamente baixo e os resultados a longo prazo são semelhantes aos da cirurgia. Além disso, o tamanho e a localização devem permitir a ressecção em bloco.

Para determinar se uma lesão gástrica é passível de ressecção endoscópica curativa, devemos avaliar:

  1. tipo histológico
  2. tamanho
  3. profundidade de invasão
  4. presença ou não de ulceração.

Indicações

Segundo o Guideline de 2021 da JGES, podemos dividir as indicações de ressecção endoscópica do câncer gástrico precoce em:

  • Absolutas: quando o risco de metástase linfonodal é <1% e os resultados da ressecção endoscópica se mostraram semelhantes aos da cirurgia.
  • Relativas: quando a lesão não preenche os critérios absolutos, mas nos casos em que a cirurgia é arriscada ou para obter uma avaliação histopatológica acurada.
  • Expandidas: lesões intramucosas recidivadas após ressecção endoscópica eCura C1

O quadro abaixo resume os critérios de indicação (tabela 1):

Tabela 1: Indicações de ESD

Critérios de cura:

Já os critérios de cura são divididos em:

eCuraA (ressecção curativa):

  • A ressecção endoscópica é igual ou superior à cirúrgica em desfechos a longo termo. É indicado seguimento a cada 6-12 meses.

eCuraB:

  • Apesar de estudos com resultados de longo prazo ainda não terem sido publicados, a cura é esperada. Estão incluídas nesses grupos lesões diferenciadas, ≤ 3 cm, SM1 (invasão até 500 micras). É indicado seguimento a cada 6-12 meses com EDA + CT.

 eCuraC:

  • quando a lesão não preenche os critérios acima. Pode ser dividida em:
  • C-1: quando a lesão é diferenciada mas não foi ressecada em bloco ou teve margens horizontais positivas. Nesse caso, o risco de metástase é baixo. Pode-se observar, repetir a ESD, fazer ablação ou operar.
  • C-2: todas as outras lesões que não preencheram os critérios. Na maioria destes casos, é indicada cirurgia devido ao potencial risco de recorrência e metástases.

DESCOMPLICANDO….

Indicações absolutas = tumores intramucosos (T1a)

  • Diferenciados sem ulceração: qualquer tamanho
  • Diferenciados com ulceração: <3cm
  • Indiferenciados sem ulceração: <2cm

Critérios de cura:

  • eCuraA = critérios absolutos + margens negativas, ausência de invasão angiolinfática à seguimento
  • eCuraB = T1b (SM1), diferenciado, <3cm, margens negativas, ausência de invasão angiolinfática à seguimento
  • eCuraC-1 = piecemeal ou margens horizontais positivas à seguimento
  • eCura C-2 = quando não preenchem os critérios acima à cirurgia

A tabela 2 e o algorítimo 1 sedimentam os critérios de eCura e seguimento pós ESD:

Tabela 2 : Resumos dos critérios de eCura

Algorítimo de seguimento

Para saber mais sobre este tema, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Como citar esse artigo:

Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Ono H, Yao K, Fujishiro M, et al. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer (second edition). Dig Endosc. 2021 Jan;33(1):4-20.
  2. Ono H, Yao K, Fujishiro M et al. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer. Dig Endosc 2016; 28: 3–15.

Saiba mais sobre ESD:

Dissecção Endoscópica Submucosa (ESD): dicas para iniciar e aprimorar a técnica

Saiba mais sobre a detecção do câncer gástrico precoce clicando aqui:

 




Gastroparesia

A gastroparesia é uma desordem motora caracterizada clinicamente por saciedade precoce, distensão abdominal, náusea, regurgitação e vômito. Seu diagnóstico costuma ser dado por sintomas típicos e confirmado por cintilografia do esvaziamento gástrico.

Existem alguns escores para mensurar o impacto clínico da gastroparesia. O mais validado é o Gastroparesis Cardinal Symptom Index (GCSI). Uma somatória maior ou igual a 20 é indicativa de sintomas importantes com sério comprometimento da qualidade de vida (tabela 1).

Tabela 1

PATOGÊNESE

A patogênese do retardo do esvaziamento gástrico ainda não é inteiramente compreendida, mas possui dois pilares: a hipomotilidade gástrica e o aumento da pressão pilórica sem evidência de obstrução mecânica.

As causas mais frequentes são a diabetes mellitus e a lesão cirúrgica do nervo vago. Outras etiologias como doenças de depósito, neurológicas e infecciosas também podem estar relacionadas.

 

MANEJO

Clínico

O manejo clínico é baseado no controle glicêmico associado a agentes procinéticos, antieméticos e analgésicos. Contudo, esta abordagem possui eficácia limitada e efeitos colaterais indesejáveis(2).

Cirúrgico

Nos pacientes refratários ao tratamento clínico, a piloroplastia é uma opção terapêutica eficaz. O racional de atuar sobre o piloro foi clinicamente comprovado em estudo envolvendo 177 pacientes submetidos a piloroplastia laparoscópica. O seguimento por cinco anos identificou a normalização da cintilografia de esvaziamento gástrico em 77% dos pacientes. Apesar dos bons resultados, há um risco cirúrgico relevante de eventos adversos como vazamento, sangramento e infecção de ferida operatória(3).

Endoscópico

Abordagens endoscópicas como gastrostomia descompressiva, gastrojejunostomia (Figura 1), injeção pilórica de toxina botulínica e até colocação de stent transpilórico são alternativas com eficácia. Contudo os resultados ainda são insatisfatórios e a evidência é limitada(4).

Figura 1 : PEG- jejuno

G-POEM

Com a escalada da endoscopia do terceiro espaço , Kashab transportou o racional da piloroplastia cirúrgica para a esfera da endoscopia terapêutica, realizando a primeira piloromiotomia endoscópica (genericamente chamada de G-POEM) em 2013(5). A técnica vem ganhando espaço na literatura com seus baixíssimos índices de complicação e resultados clínicos similares à piloroplastia videolaparoscópica(6).

A técnica consiste em uma incisão na mucosa do antro (mucosotomia) para acesso e confecção de um túnel submucoso rente à muscular própria até transpor o canal pilórico. Após a dissecção do esfíncter, ele é seccionado sob visão direta. Com esta intervenção, observamos uma clara ampliação do canal pilórico à visão endoscópica no antro. O tempo final do procedimento é o fechamento da mucosotomia com clipes ou sutura endoscópica(7).

 

Figura 2: Piloro cerrado + injeção submucosa no trajeto do túnel

 

Figura 3: Cap afunilado para a confecção da mucosotomia

 

Figura 4: Túnel submucoso

 

Figura 5: Início da piloromiotomia

 

Figura 6: Piloro inteiramente seccionado

 

Figura 7: Piloro ampliado

 

Em metanálise realizada em 2020, foram identificados mais de 7000 publicações sobre a piloromiotomia endoscópica, dimensionando a popularidade do tema(Dra. Karime Lucas -ref 8). Visando a objetiva mensuração da eficácia técnica, foram incluídos apenas os trabalhos com documentação do GCSI e da cintilografia antes e após o procedimento, totalizando 281 pacientes. O levantamento identificou 100% de sucesso técnico e 71% de sucesso clínico. Havendo uma maior taxa de sucesso nas etiologias pós cirúrgicas e idiopáticas. Uma pior resposta foi encontrada nos pacientes diabéticos e nos portadores de GCSI muito elevados (superior a 30).

Uma taxa de êxito mais modesta foi encontrada em estudo prospectivo multicêntrico envolvendo 80 pacientes publicado em 2022(9). O sucesso clínico, definido como queda ≥25% em duas subescalas do escore GCSI, foi de 56% em 12 meses. Um número inferior à média das publicações sobre o tema, ressaltando a necessidade de mais estudos para identificar o perfil de pacientes que obterão melhores resultados com a piloromiotomia endoscópica.

CONCLUSÃO

A gastroparesia afeta de maneira marcante a qualidade de vida e o estado nutricional dos pacientes. A piloromiotomia endoscópica (genericamente chamada de G-POEM) surgiu como uma alternativa promissora e segura no tratamento dos pacientes refratários. Mais estudos prospectivos são necessários para confirmar os atuais resultados e individualizar o perfil de pacientes que mais se beneficiarão da técnica.

BIBLIOGRAFIA

1. Cardinal G, Index S, Res QL, Pubmed N. Gastroparesis Cardinal Symptom Index ( GCSI ): development and validation of a patient reported assessment of severity of gastroparesis. 2013;11–2.

2. Camilleri M, Parkman HP, Shafi MA, Abell TL, Gerson L. Clinical guideline: Management of gastroparesis. Am J Gastroenterol. 2013;108(1):18–37.

3. Shada AL, Dunst CM, Pescarus R, Speer EA, Cassera M, Reavis KM, et al. Laparoscopic pyloroplasty is a safe and effective first-line surgical therapy for refractory gastroparesis. Surg Endosc. 2016;30(4):1326–32.

4. Xu J, Chen T, Elkholy S, Xu M, Zhong Y, Zhang Y, et al. Gastric Peroral Endoscopic Myotomy (G-POEM) as a Treatment for Refractory Gastroparesis: Long-Term Outcomes. Can J Gastroenterol Hepatol. 2018;2018.

5. Khashab MA, Stein E, Clarke JO, Saxena P, Kumbhari V, Chander Roland B, et al. Gastric peroral endoscopic myotomy for refractory gastroparesis: First human endoscopic pyloromyotomy (with video). Gastrointest Endosc. 2013;78(5):764–8.

6. Landreneau JP, Strong AT, El-Hayek K, Tu C, Villamere J, Ponsky JL, et al. Laparoscopic pyloroplasty versus endoscopic per-oral pyloromyotomy for the treatment of gastroparesis. Surg Endosc [Internet]. 2019;33(3):773–81. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s00464-018-6342-6

7. Li L, Spandorfer R, Qu C, Yang Y, Liang S, Chen H, et al. Gastric per-oral endoscopic myotomy for refractory gastroparesis: a detailed description of the procedure, our experience, and review of the literature. Surg Endosc [Internet]. 2018;32(8):3421–31. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s00464-018-6112-5

8. Uemura KL, Chaves D, Bernardo WM, Uemura RS, de Moura DTH, de Moura EGH. Peroral endoscopic pyloromyotomy for gastroparesis: a systematic review and meta-analysis. Endosc Int Open. 2020;08(07):E911–23.

9. Vosoughi K, Ichkhanian Y, Benias P, Miller L, Aadam AA, Triggs JR, et al. Gastric per-oral endoscopic myotomy (G-POEM) for refractory gastroparesis: Results from an international prospective trial. Gut. 2022;71(1):25–33.




Você conhece a técnica Funitel ???

Já ouviu falar da  técnica de Funitel para coleta de amostra da via biliar proximal?

Tsuyoshi Hamada e colaboradores da Universidade de Tokio, publicaram recentemente a técnica  funitel para direcionamento da biópsia de lesões intraductais biliares proximais, especificamente em área de bifurcação, que consiste :

  • Utilização de dois fios guias 0,025 posicionados na região de interesse da biópsia. Com uma pinça de biópsias fenestrada pediátrica, previamente preparada com dois pequenos laços de nylon, os quais servem de suporte para os fios guias, possibilitando o direcionamento até a área da lesão alvo (fig.1).

 

Figura 1

 

  • O efeito final pode ser visualizado na figura 2:

 

Figura 2

 

Seung Bae Yoon, em 2021, publicou uma meta-análise comparando métodos de coleta de material para diagnóstico de lesões intraductais. Foram 32 estudos, totalizando 1123 pacientes com diagnóstico de colangiocarcinoma, A sensibilidade foi de 56% para o escovado, 67% para a biópsia, 70,7% associando a biópsia ao escovado e 73,6% través da ecopunção com agulha fina.

A biópsia sob visão direta, utilizando o colangioscópio de operador único com pinça dedicada, é uma opção atrativa, porém tem como fatores limitantes o custo elevado e a pequena quantidade de material coletado pelas diminutas pinças.

A técnica de funitel é uma técnica criativa que vem como mais uma opção para coleta de amostras da via biliar proximal.

Em tempo, funitel é um tipo de teleférico suportado por dois cabos de aço!

Clique aqui para o artigo completo com vídeo!




Tumores neuroendócrinos do pancreas

Introdução

A incidência dos tumores neuroendócrinos do pâncreas está crescendo, possivelmente devido à realização com maior frequência exames de imagem e à qualidade destes exames. No entanto, sua prevalência felizmente ainda é rara. Esse post do Endoscopia Terapêutica tem a finalidade de servir como um guia de consulta quando eventualmente nos depararmos com uma dessas situações no dia a dia.

Conceitos gerais importantes sobre tumores neuroendócrinos do trato gastrointestinal

Os TNE correspondem a um grupo heterogêneo de neoplasias que se originam de células neuroendócrinas (células enterocromafins-like), com características secretórias.

Todos os TNE gastroenteropancreáticos (GEP) são potencialmente malignos e o comportamento e prognóstico estão correlacionados com os tipos histológicos.

Os TNE podem ser esporádicos (90%) ou associados a síndromes hereditárias (10%), como a neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM-1), SD von Hippel-Lindau, neurofibromatose e esclerose tuberosa.

Os TNE são na sua maioria indolentes, mas podem determinar sintomas. Desta forma, podem ser divididos em funcionantes e não funcionantes:

  • Funcionantes: secreção de hormônios ou neurotransmissores ativos: serotonina, glucagon, insulina, somatostatina, gastrina, histamina, VIP ou catecolaminas. Podem causar uma variedade de sintomas
  • Não funcionantes: podem não secretar nenhum peptídeo/ hormônios ou secretar peptídeos ou neurotransmissores não ativos, de forma a não causar manifestações clínicas.

Tumores neuroendócrinos do pâncreas (TNE-P)

Os TNE funcionantes do pâncreas são: insulinoma, gastrinoma, glucagonoma, vipoma e somatostatinoma.

Maioria dos TNE-P são malignos, exceção aos insulinomas e TNE-NF menores que 2 cm.

A cirurgia é a única modalidade curativa para TNE-P esporádicos, e a ressecção do tumor primário em pacientes com doença localizada, regional e até metastática, pode melhorar a sobrevida do paciente.

De maneira geral, TNE funcionantes do pancreas devem ser ressecados para controle dos sintomas sempre que possível. TNE-NF depende do tamanho (ver abaixo).

Tumores pancreáticos múltiplos são raros e devem despertar a suspeita de NEM1.

A SEGUIR VAMOS VER AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE CADA SUBTIPO HISTOLÓGICO

INSULINOMAS

  • É o TNE mais frequente das ilhotas pancreáticas.
  • 90% são benignos, porém são sintomáticos mesmo quando pequenos.
  • Cerca de 10% estão associadas a NEM.
  • São lesões hipervascularizadas e solitárias, frequentemente < 2 cm.
  • Tríade de Whipple:
    • hipoglicemia (< 50)
    • sintomas neuroglicopenicos (borramento visual, fraqueza, cansaço, cefaleia, sonolência)
    • desaparecimento dos sintomas com a reposição de glicose
  • insulina sérica > 6 UI/ml
  • Peptídeo C > 0,2 mmol/l
  • Pró-insulina > 5 UI/ml
  • Teste de jejum prolongado positivo (99% dos casos)

 

GASTRINOMAS

  • É mais comum no duodeno, mas 30% dos casos estão no pâncreas
  • São os TNE do pâncreas mais frequentes depois dos insulinomas.
  • Estão associados a Sd. NEM 1 em 30%, e nesses casos se apresentam como lesões pequenas e multifocais.
  • Provocam hipergastrinemia e síndrome de Zollinger-Ellison.
  • 60% são malignos.
  • Tratamento: cirúrgico nos esporádicos (DPT).
  • Na NEM 1, há controvérsia na indicação cirúrgica, visto que pode não haver o controle da hipergastrinemia mesmo com a DPT (tumores costumam ser múltiplos)

GLUCAGONOMAS

  • Raros;  maioria esporádicos.
  • Geralmente, são grandes e solitários, com tamanho entre 3-7 cm ocorrendo principalmente na cauda do pâncreas.
  • Sintomas: eritema necrolítico migratório (80%), DM, desnutrição, perda de peso, tromboflebite, glossite, queilite angular, anemia
  • Crescimento lento e sobrevida longa
  • Metástase linfonodal ou hepática ocorre em 60-75% dos casos.

VIPOMAS

  • Extremamente raros
  • Como os glucagonomas, localizados na cauda, grandes e solitários.
  • Maioria maligno e metastático
  • Em 10% dos casos pode ser extra-pancreático.
  • Quadro clínico relacionada a secreção do VIP (peptídeo vasoativo intestinal):
    • diarréia (mais de 3L litros por dia) – água de lavado de arroz
    • Distúrbios hidro-eletrolítico: hipocalemia, hipocloridria, acidose metabólica
    • Rubor
  • Excelente resposta ao tratamento com análogos da somatostatina.

 

SOMATOSTATINOMAS

  • É o menos comum de todos
  • Somatostatina leva a inibição da secreção endócrina e exócrina e afeta a motilidade intestinal.
  • Lesão solitária, grande, esporádico, maioria maligno e metastatico
  • Quadro clínico:
    • Diabetes (75%)
    • Colelitíase (60%)
    • Esteatorréia (60%)
    • Perda de peso

TNE NÃO FUNCIONANTES DO PÂNCREAS

  • 20% de todos os TNEs do pâncreas.
  • 50% são malignos.
  • O principal diagnóstico diferencial é com o adenocarcinoma

TNE-NF bem diferenciados menores que 2 cm: duas sociedades (ENETS e NCCN) sugerem observação se for bem diferenciado. Entretanto, a sociedade norte-americana NETS recomenda observação em tumores menores que 1 cm e conduta individualizada, entre 1-2 cm.

TNE PANCREÁTICO RELACIONADOS A SINDROMES HEREDITARIAS

  • 10% dos TNE-P são relacionados a NEM-1
  • Frequentemente multicêntricos,
  • Geralmente acometendo pessoas mais jovens.
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)

PS: Você se recorda das neoplasias neuroendócrinas múltiplas? 

As síndromes de neoplasia endócrina múltipla (NEM) compreendem 3 doenças familiares geneticamente distintas envolvendo hiperplasia adenomatosa e tumores malignos em várias glândulas endócrinas. São doenças autossômicas dominantes.

NEM-1
  • Doença autossômica dominante
  • Predispoe a TU (3Ps): Paratireóide; Pituitária (hipófise); Pâncreas,
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)
NEM-2A:
  • Carcinoma medular da tireoide,
  • Feocromocitoma,
  • Hiperplasia ou adenomas das glândulas paratireoides (com consequente hiperparatireoidismo).
NEM-2B:
  • Carcinoma medular de tireoide,
  • Feocromocitoma
  • Neuromas mucosos e intestinais múltiplos

Referências:

  1. Pathology, classification, and grading of neuroendocrine neoplasms arising in the digestive system – UpToDate ; 2021
  2. Guidelines for the management of neuroendocrine tumours by the Brazilian gastrointestinal tumour group. ecancer 2017,11:716 DOI: 10.3332/ecancer.2017.716

Como citar esse artigo:

Martins BC, de Moura DTH. Tumores neuroendócrinos do pancreas. Endoscopia Terapêutica. 2022; vol 1.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/tumores-neuroendocrinos-do-pancreas




Seis perguntas que você sempre quis fazer sobre técnicas de ressecção a frio e as respostas inusitadas baseadas em evidências que só o endoscopia terapêutica traz!

O câncer colorretal é atualmente o segundo em incidência em homens e mulheres do Brasil e o terceiro em mortalidade geral. A detecção e remoção de pólipos é uma estratégia que reduz a mortalidade e a incidência dessa neoplasia. A colonoscopia é o exame de escolha para o diagnóstico e tratamento dos pólipos, tendo um papel determinante na prevenção do câncer colorretal.

A avaliação acurada das margens verticais das lesões é de extrema importância. A maior parte das lesões de risco, com histologia avançada, são lesões grandes, maiores que 10 mm. Vale a pena lembrar, no entanto, que cerca de 5,2% dos pólipos pequenos (até 5 mm) são associados à histologia avançada. Independente do tamanho, para lesões com histologia avançada, a ressecção incompleta está associada a um pior prognóstico. Discutir indicações, técnicas de ressecção e as evidências mais recentes tem uma grande importância para todos nós.

Pensando nisso, selecionamos algumas perguntas em relação às chamadas técnicas de ressecção a frio. Vamos lá!

1. O que é melhor para pólipos pequenos (< 5 mm): polipectomia com alça ou com pinça?

A melhor técnica para ressecção de pólipos pequenos (< 5 mm) ainda é motivo de debate. Seriam essas lesões mais bem tratadas pela polipectomia com alça a frio? Será que a polipectomia com pinça é suficiente para tratá-las ?

Sabemos que a maior parte dos pólipos encontrados durante colonoscopias têm tamanho < 10 mm, e as técnicas usadas para a remoção dessas lesões são muito heterogêneas entre os endoscopistas.

Joon Sung Kim e cols conduziram um estudo clínico randomizado muito interessante em seu serviço (Hospital St Mary em Seul, Coreia do Sul) e que foi publicado no ano de 2015. Um total de 139 pacientes foi randomizado entre os grupos polipectomia com pinça e polipectomia com alça a frio. Depois do procedimento, todos os pacientes foram submetidos à mucosectomia para avaliar os leitos de ressecção em busca de lesões residuais.

Os resultados mostram que para as lesões diminutas, ou seja, com tamanho igual ou inferior a 4 mm, os resultados não diferem em relação às duas opções (uso de alça a frio ou polipectomia com pinça). No entanto, para as lesões com tamanho superior a 5 mm, a polipectomia com alça a frio está associada a uma maior taxa de ressecção completa e, por esse motivo, deve ser a preferência para essas lesões.

 

2. Fazer injeção submucosa melhora os resultados da polipectomia a frio?

Esse é um questionamento interessante. Será que há a necessidade de proceder injeção submucosa para melhorar os resultados da polipectomia a frio? Será que a injeção submucosa permite uma ressecção de mais tecido e garante as margens?

Yuichi Shimodate e cols conduziram um estudo prospectivo e randomizado em sua instituição em Okayama, no Japão, para responder a esses questionamentos. Os autores fizeram uma comparação entre a polipectomia com alça a frio auxiliada por injeção de salina na submucosa (salina + índigo carmine + adrenalina) e a polipectomia com alça a frio convencional.

Os desfechos estudados foram a taxa de ressecção completa da muscular da mucosa (definida como taxa de ressecção da muscular da mucosa > 80%), margens lateral e vertical, fragmentação das lesões e complicações, como sangramento e perfuração. Duzentos e quatorze pacientes foram randomizados entre os dois grupos. As taxas de ressecção completa de muscular da mucosa foram 43,9% no grupo com injeção submucosa e 53,3% no grupo de polipectomia convencional, e as taxas de margens vertical e lateral livres foram menores no grupo com uso de injeção submucosa (58% x 76% p=0,03 e 42,3% x 56,7% p=0,006, respectivamente). Os autores concluem que o uso de solução salina na submucosa, de maneira diferente ao que era esperado, não promoveu melhoria no manejo das lesões e, além disso, esteve associado a piores desfechos das ressecções em relação às margens.

O estudo de Shimodate mostra que vale a pena investir em uma boa técnica convencional de polipectomia a frio, sem a necessidade de injeção submucosa. Essa informação favorece, ainda, a polipectomia underwater como método de ressecção completa de lesões.

3. É possível remover lesões grandes com a técnica de polipectomia com alça a frio?

Ressecções de lesões maiores que 10 mm são usualmente realizadas com alça diatérmica e/ou mucosectomia. Esse tem sido o padrão de tratamento. O racional para o uso de corrente elétrica no manejo dessas lesões inclui facilidade na transecção dos tecidos, cauterização de eventuais tecidos displásicos remanescentes e prevenção do sangramento imediato, pela coagulação térmica dos vasos locais.

Nos últimos anos, no entanto, os impactos e riscos da injúria térmica aos tecidos têm sido demonstrados. Podemos citar a perfuração, sangramento tardio e a síndrome pós-polipectomia como exemplos de lesões causadas pelo uso do bisturi elétrico durante ressecções endoscópicas.

A ESGE (European Society of Gastrointestinal Endoscopy) recomenda o uso de polipectomia com uso de bisturi elétrico para lesões com tamanhos entre 10 e 19 mm e mucosectomia para as lesões ≥ 20 mm.

Nesse contexto, o uso da polipectomia a frio para lesões maiores que 10 mm vem sendo investigado, com as primeiras publicações datando de 2014.

Chandrasekar V e cols conduziram uma meta-análise para responder a esses questionamentos e mostraram resultados animadores em relação à segurança e eficácia da polipectomia a frio para lesões > 10 mm.

A meta-análise incluiu 8 estudos e 522 pólipos ressecados, com uma média de tamanho de 17,5 mm (10-60 mm). A taxa de efeitos adversos foi de 1,1%, com 0,7% de sangramento durante o procedimento (IC95%, 0%-1.4%), 0,5% de sangramento pós-procedimento (IC95% 1%-1,2%) e 0,6% de dor abdominal (IC95% 0,1%-1,3%). Não foi observada perfuração na análise. A taxa de complicações foi maior para pólipos ≥ 20 mm (1,3% de sangramento durante o procedimento e 1,2% de dor abdominal, sem sangramento tardio observado). A taxa de ressecção completa foi 99,3% (IC95% 98,6%-100%), e a taxa de lesão residual variou entre 1% e 11,1%, com um período de seguimento de 154 a 258 dias.

4. As taxas de sangramento são maiores com a técnica a frio?

O sangramento pode ocorrer durante o procedimento e após a ressecção. O sangramento durante o procedimento é definido como aquele com duração superior a 60s ou que requer abordagem e ocorre em cerca de 2,8% das polipectomias e 11,3% das mucosectomias. O sangramento pós-procedimento pode ocorrer a partir de 6h até 30 dias, associado à instabilidade hemodinâmica e que requer abordagem. Ocorre em cerca de 6-7% dos casos e está associado a lesões maiores que 20 mm, uso de antitrombóticos e lesões em cólon direito.

polipectomia com alça a frio e polipectomia com pinçaNa questão anterior, mostramos os resultados da meta-análise de Chadrasekar e cols, que mostraram taxas de sangramento intra e pós-procedimento por volta de 1%, mesmo para lesões maiores que 20 mm.

5. O que é aquela “coisinha branca protrusa e revirada” que fica no leito de ressecção? Devo me preocupar com aquilo?

A polipectomia com alça a frio é usualmente usada para remoção segura e efetiva de pólipos e é uma estratégia muito interessante para a prevenção do câncer colorretal. Como mencionado previamente neste texto, a polipectomia com alça a frio é mais usada para lesões pequenas, com tamanho entre 3 e 9 mm, no entanto, a técnica é também efetiva para lesões maiores.

Um dos riscos da polipectomia com alça a frio é a formação de protrusões de tecido no leito de ressecção após a realização da polipectomia.

polipectomia com alça a frio

A prevalência dessas protrusões é de cerca de 14 a 36% e, em sua maioria, correspondem a parte da muscular da mucosa ou da submucosa. Inicialmente, a maioria dos autores não considerou que essas protrusões tivessem algum significado clínico relevante. No entanto, alguns grupos têm valorizado esses achados durante o exame do leito de ressecção. Seriam essas protrusões associadas a problemas?

Tatsuya Ishii et al conduziram um interessante estudo retrospectivo, publicado no periódico GIE de Maio de 2021, estudando os leitos de ressecção e também as peças (pólipos) ressecadas. Os autores acessaram um total de 1.026 lesões, e, dessas, 116 (11,3%) exibiam protrusões de tecido no leito de ressecção. As protrusões estavam associadas à fragmentação das peças tanto em análise univariada (OR 3,74 IC95% 2,47-5,66 p<0.001) quanto em análise multivariada (OR 3,13 IC95% 2,04-4,82 p<0.001). Apesar disso, a proporção de taxas de ressecção completa não foi diferente nos pacientes, independente do fato de existirem as protrusões. A proporção de muscular da mucosa < 50% foi mais elevada no grupo que apresentava as protrusões (48,5 x 29,1% p<0.001).

As protrusões foram associadas com um maior tamanho dos pólipos e dos espécimes ressecados, tanto em análise univariada quanto em análise multivariada. Os autores argumentam que a presença dessas protrusões pode ser um alerta para um diagnóstico patológico fragilizado, pela associação com menor proporção de muscular da mucosa representada na peça e maior associação com fragmentação, que prejudica a análise das margens. Em pólipos malignizados isso torna-se um problema grave.

6. E a polipectomia/mucosectomia underwater? Tem alguma vantagem em relação à técnica convencional?

Nas chamadas técnicas underwater, o espaço luminal é preenchido por água, o que mantém a camada muscular própria sob tensão, fazendo com que as camadas submucosa e mucosa “flutuem”. Dessa maneira, os riscos de lesão térmica e de perfuração estão minimizados, e as técnicas underwater surgem como alternativas às técnicas ditas convencionais.

A injeção na submucosa é considerada um passo importante nos procedimentos de mucosectomia convencional e tem a função de elevar as lesões, tornando-as polipoides e, dessa maneira, facilitando a apreensão com alça de polipectomia. Além disso, afasta as lesões da camada muscular própria, minimizando os riscos de sangramento e perfuração, e, em teoria, aumentaria as taxas de ressecção completa e margens negativas.

O estudo prospectivo e randomizado de Shimodate e cols (mencionado previamente neste post) mostrou resultados que contrariam as premissas das técnicas de mucosectomia convencional e destacam as qualidades dos procedimentos underwater.

Recentemente, uma meta-análise de Choi e cols comparou a mucosectomia underwater (614 pacientes) e a mucosectomia convencional (623 pacientes), mostrando resultados inusitados. Os autores observaram que os procedimentos underwater estavam mais associados a ressecções “em bloc” e menores índices de recorrência em relação às técnicas convencionais, principalmente para lesões maiores que 20 mm. O quadro abaixo mostra os principais achados do estudo:

Sabemos que a recorrência das lesões está fortemente associada a ressecções incompletas ou ressecções piecemeal. As técnicas underwater têm se mostrado seguras, factíveis em diferentes contextos e associadas a maiores taxas de ressecção completa em estudos diversos, estudos head to head, publicados recentemente.

Como citar este artigo

Cardoso DMM. 6 perguntas que você sempre quis fazer sobre técnicas de ressecção a frio e as respostas inusitadas baseadas em evidências que só o endoscopia terapêutica traz. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/6-perguntas-que-voce-sempre-quis-fazer-sobre-tecnicas-de-resseccao-a-frio

Referências

  1. Kim JS, Lee Bo-In, Choi H et al. Cold snare polypectomy versus cold forceps polypectomy for diminutive and small colorectal polyps: a randomized controlled trial. (Gastrointest Endosc 2015;81:741-7.
  2. Shimodate Y, Itakura J, Takayama H et al. Impact of submucosal saline solution injection for cold snare polypectomy of small colorectal polyps: a randomized controlled study. Gastrointest Endosc 2020;92:715-22.
  3. Ferlitsch M, Moss A, Hassan C, et al. Colorectal polypectomy and endoscopic mucosal resection (EMR): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Clinical Guideline. Endoscopy 2017;49:270-97.
  4. Chandrasekar VT, Spadaccini M, Aziz M et al. Cold snare endoscopic resection of nonpedunculated colorectal polyps larger than 10 mm: a systematic review and pooled-analysis. Gastrointest Endosc 2019;89:929-36.
  5. Ishii T, Harada T, Tanuma T et al. Histopathologic features and fragmentation of polyps with cold snare defect protrusions. Gastrointest Endosc 2021;93:952-9.

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Divertículos gástricos

Os divertículos gástricos (DG) são saculações que protruem pela parede gástrica, geralmente ocorrendo no fundo, pela parede posterior. Alguns fatos:

  • São os divertículos menos comuns do trato gastrointestinal;
  • Anormalidade anatômica rara;
  • Em geral é um achado incidental;
  • Incidência é difícil de ser avaliada, estimada em cerca de 0,04% dos exames radiológicos de estômago e de 0,01 a 0,11% em endoscopias.

Quanto a sua origem, podem ser congênitos (ou verdadeiros), compostos por todas as camadas do estômago, ou serem adquiridos (ou falsos) ,compostos apenas pela mucosa, estes últimos ainda podem ser subdivididos pela origem, como tração ou inflamação, em que uma força externa traciona a mucosa – causando os divertículos (pós-operatórios, pancreatites, úlceras) –, ou de pressão, em que a força interna causa a protrusão (tosse, obesidade).

Os DGs do tipo congênitos são mais comuns (70% dos casos), com localização mais habitual no fundo pela grande curvatura, cerca de 3 cm abaixo do cárdia, e podem conter mucosa ectópica (FIGURA 1 E 2). A origem deve-se a alterações de divisão das fibras longitudinais perto do cárdia, gerando uma área de fraqueza DG, quando localizados na área prepilórica tendem a estar associados ao pâncreas ectópico.

FIGURA 1

FIGURA 2

Apesar de a maioria dos portadores serem assintomáticos, sintomas podem ocorrer, como dor epigástrica, náuseas, dispepsia, saciedade precoce, halitose e até disfagia. Complicações, como perfuração, sangramento ou neoplasia, são mais raras. O sintoma mais comum é a dor epigástrica, presente em cerca de 18 a 30% dos casos. Arrotos e halitose por crescimento bacteriano e estase alimentar podem ocorrer, sendo socialmente desagradáveis. Assim, o diagnóstico clínico dessa alteração é muito difícil.

O diagnóstico do DG é incomum, mas importante, pois, apesar das complicações serem raras, podem ocorrer, entre elas, alterações na mucosa do divertículo com risco aumentado de transformação para câncer. Assim, o melhor método diagnóstico é a endoscopia digestiva cuidadosa, podendo avaliar a localização, tamanho e alterações mucosas. Exames contrastados gástricos e CT também podem ser utilizados, mas são menos específicos.

O tratamento depende do tamanho e sintomas. Em geral, pacientes assintomáticos devem ser apenas observados. Divertículos grandes com complicações ou muito sintomáticos devem ser ressecados. Uma abordagem não cirúrgica também pode ser inicialmente indicada, com PPI por algumas semanas. DGs maiores que 4 cm em geral estão associados a pior resposta clínica. Nas complicações, principalmente sangramentos, a terapêutica endoscópica já está bem estabelecida.

Por fim, o tratamento cirúrgico de ressecção fica reservado aos pacientes com divertículos maiores que 4 cm, sintomáticos após tratamento clínico, complicações não tratadas endoscopicamente (perfuração e sangramentos), sendo a via de acesso (aberta ou laparoscópica) de escolha do cirurgião.

Como citar este artigo

Sauniti G. Divertículos gástricos. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/diverticulos-gastricos/

Referências

  1. Shah J, Patel K, Sunkara T, Papafragkakis C, Shahidullah A. Gastric Diverticulum: A Comprehensive Review. Inflamm Intest Dis. 2019 Apr;3(4):161-166. doi: 10.1159/000495463. Epub 2019 Jan 10. PMID: 31111031; PMCID: PMC6501548.
  2. Rashid F, Aber A, Iftikhar SY. A review on gastric diverticulum. World J Emerg Surg. 2012 Jan 18;7(1):1. doi: 10.1186/1749-7922-7-1. PMID: 22257431; PMCID: PMC3287132.

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Podemos considerar a ecoendoscopia um exame seguro?

A ecoendoscopia é um método emergente e minimamente invasivo que dia a dia vem se aprimorando e adquirindo novas tecnologias e, com isso, ampliando suas finalidades diagnósticas e terapêuticas. No Brasil, deixou de ser exame restrito aos grandes hospitais das capitais, estando atualmente difundido por quase todo o país. No entanto, com o aumento da sua demanda, observam-se também maiores índices de eventos adversos. Mas, afinal, podemos considerá-la um método seguro?

A perfuração é um dos eventos adversos mais temidos, pois na maioria das vezes requer tratamento cirúrgico. Os locais mais comumente acometidos são as áreas de maior angulação, como a hipofaringe, o duodeno (durante a passagem do aparelho do bulbo para a segunda porção) e a transição do retossigmoide. O maior risco de perfuração em relação à endoscopia digestiva alta é devido principalmente às características do aparelho: o ecoendoscópio, além de calibroso, possui uma ponta pouco flexível devido a um segmento rígido nos 4 cm distais, aumentando o desafio na introdução do aparelho, principalmente se o paciente possuir alterações pós-cirúrgicas, divertículos e estenoses associadas. Essa dificuldade se torna ainda mais acentuada pelo campo de visão restrito quando há necessidade de utilização do aparelho linear, dedicado à realização das punções ecoguiadas.

Para minimizar o risco de perfuração, é importante que o ecoendoscopista esteja familiarizado com o equipamento e conheça bem a anatomia. Pacientes submetidos a punções ecoguiadas estão até dez vezes mais propensos a eventos adversos, comparativamente àqueles não puncionados, mesmo assim com incidência em torno de 1-3%. Dor, infecções, pancreatite aguda e hemorragia são os eventos mais observados. Peritonite biliar e implante tumoral são extremamente raros, com poucos casos reportados na literatura, e a mortalidade relatada, estimada em 0,02%.

O risco de infecção pós-punção pode ocorrer especialmente nas lesões de natureza cística. Para tanto, recomendam-se alguns cuidados no intuito de diminuir esse evento, como realizar punção única, esvaziar, sempre que possível, completamente o conteúdo do cisto e administrar antibiótico profilático.

A possibilidade de pancreatite iatrogênica sempre deve ser considerada nas punções pancreáticas e ocorre em cerca de 2% dos casos, sendo a forma leve a mais frequentemente observada, estando os pacientes com história de pancreatite aguda recorrente e aqueles com doenças pancreáticas benignas sob maior risco. Para aumentar a segurança do procedimento, deve-se evitar transfixar o ducto pancreático, além de grandes segmentos de parênquima pancreático saudável com a agulha da punção.

Hemorragias leves e autolimitadas intraluminais são reportadas em até 4% dos casos e usualmente não requerem intervenção endoscópica, cirúrgica ou transfusões. Estão sob maior risco os pacientes com lesões císticas, bem vascularizadas (como tumores neuroendócrinos, lesões subepiteliais mesenquimais e algumas metástases) ou aquelas próximas aos grandes vasos, e portadores de hipertensão portal. O uso do doppler para calcular o melhor trajeto da agulha e o questionamento sob uso de anticoagulantes e antiplaquetários são primordiais para diminuir o risco de hemorragia.

Devido ao relativo baixo risco de eventos adversos, principalmente considerando casos fatais, podemos considerar a ecoendoscopia, com ou sem punção, procedimento seguro, estando o sucesso da técnica diretamente relacionado ao treinamento adequado e experiência do médico executante, além da pronta identificação/tratamento do evento adverso e apropriada seleção do paciente.

Podemos considerar a ecoendoscopia um exame seguro? - Punção ecoguiada de cisto pancreático

Punção ecoguiada de cisto pancreático

 

Podemos considerar a ecoendoscopia um exame seguro? - Material de punção ecoguiada

Material de punção ecoguiada

 

Como citar este artigo

Ribeiro MSI. Podemos considerar a ecoendoscopia um exame seguro?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/podemos-considerar-a-ecoendoscopia-um-exame-seguro/

Referências

  1. Jenssen C et al. World J Gastroenterol. 2012 Sep 14; 18(34): 4659–4676.

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PMAE x colecistite aguda: mitos e verdades

A neoplasia pancreática da vesícula biliar e do ducto biliar é a causa mais comum de obstrução biliar maligna extra-hepática. Em caso de câncer avançado irressecável, o prognóstico é bastante reservado, com uma taxa de sobrevida em 5 anos inferior a 2%. Nesses casos, o tratamento da icterícia obstrutiva é paliativo e realizado de forma não cirúrgica por meio da colocação de prótese endoscópica ou percutânea, esta última geralmente considerada após tentativa endoscópica malsucedida.

Vários tipos de próteses estão comercialmente disponíveis, incluindo as de plástico (PP) e as metálicas autoexpansíveis (PMAE). As últimas são superiores às primeiras em termos de patência e consideradas mais custo-efetivas para pacientes com obstrução biliar maligna irressecável. Existem dois tipos de PMAE: a descoberta (PMAED), que é um tubo construído a partir de fios de liga metálica; e a recoberta (PMAER), que possui um material sintético fornecendo cobertura à liga metálica, seja parcial (excluindo as extremidades) ou total (incluindo toda a prótese). O ímpeto por trás do desenvolvimento da PMAER foi diminuir o risco de crescimento interno de tecido através da malha metálica da PMAED, melhorando, assim, a duração da patência.

Como resultado dos avanços na CPRE terapêutica e do desenvolvimento de uma variedade de PMAE, complicações após procedimentos com colocação de próteses, embora não sejam frequentes, estão sendo cada vez mais identificadas. As principais complicações incluem migração, colangite, pancreatite, colecistite e obstrução, que podem ser fatais quanto acometem pacientes com uma expectativa de vida curta.

A migração e a obstrução da prótese são complicações mais frequentes e com causas bem estabelecidas. Já no que se refere à colecistite, a incidência varia bastante na literatura, oscilando entre 1,9% e 12% dos casos, e sua causa permanece um assunto bastante controverso na literatura, com trabalhos apresentando resultados conflitantes. Existem várias teorias que tentam justificar a razão pela qual as próteses biliares podem estar associadas à colecistite: colonização bacteriana da bile após esfincterotomia endoscópica; preenchimento da vesícula biliar por meio de contraste não estéril e interrupção do fluxo de bile. Outras duas variáveis que também poderiam ser consideradas associadas ao surgimento da colecistite são o comprometimento do orifício do ducto cístico por tumor e a presença de cálculos no interior da vesícula biliar.

Além da compressão causada pelo material de cobertura das próteses, que se sobrepõe ao orifício do ducto cístico, os mecanismos pelos quais a interrupção do fluxo biliar pode ocorrer são por meio de 2 vias distintas (mas não mutuamente excludentes): obstrução pelo crescimento de tecido através ou sobre a PMAE e agregação de detritos dentro do lúmen da prótese. Embora úteis na prevenção do crescimento interno de tecido, os materiais de cobertura das PMAERs, que incluem silicone, policaprolactona e poliuretano, podem aumentar o desenvolvimento de biofilme aderente, que eventualmente promove o rápido acúmulo de detritos e consequente entupimento. Isso poderia explicar, inclusive, as taxas de oclusão semelhantes observadas em vários trabalhos entre os grupos de PMAER e PMAED.

A relação do orifício do ducto cístico com a localização do tumor pode interferir no surgimento da colecistite. Diferentemente dos tumores localizados acima ou abaixo, o que compromete diretamente o orifício do ducto cístico pode ocasionar uma redução significativa da drenagem da vesícula biliar, culminando com a inflamação/infecção da vesícula.

Em alguns trabalhos, além da confirmação de que a obstrução do ducto cístico pode ser responsável pelo desenvolvimento de colecistite, a presença de colelitíase findou por ser constatada como outro fator de risco. A hipomotilidade da vesícula biliar ou infecção da bile, como fatores de risco para a formação de cálculos biliares, podem resultar no desenvolvimento de colecistite após a colocação de prótese.

A despeito do racional fisiopatológico elencado acima, a ocorrência da colecistite após inserção de PMAE persiste como ponto bastante polêmico. Diversas metanálises não evidenciaram risco aumentado de colecistite após passagem de próteses recobertas quando comparado com as próteses descobertas, o que, em teoria, é contrário ao esperado com base nas explicações mais óbvias. Ademais, tanto a colelitíase quanto o envolvimento do ducto cístico por tumor aqui mencionados, apesar de citados em poucos trabalhos, não figuraram de forma definitiva nas revisões sistemáticas.

Assim sendo, à luz da medicina baseada em evidências, não é possível estabelecer de maneira incontestável a relação entre as PMAE e o surgimento da colecistite, de forma que não há de se falar em contraindicação ao procedimento ou tipo do material utilizado por essa razão.

Por fim, a escolha do modelo de prótese a ser utilizado deve seguir uma formatação multidisciplinar e parcimoniosa, muito mais individualizada do que genérica, levando-se em consideração todas as variáveis que permeiam o caso clínico. A opção pela PMAED pode ser preferida em pacientes com doença avançada, de baixa expectativa de sobrevida e com menor probabilidade de apresentar ingrowth. Por outro lado, nos pacientes sabidamente com neoplasia pancreática ou colangiocarcinoma, em que sobrevida estimada tende a ser maior, a escolha pode recair sobre a PMAER, pois, além de prevenir o ingrowth, permite futuras trocas em caso de disfunção.

PMAE x Colecistite aguda – Mitos e Verdades

Mitos e Verdades PMAE x Colecistite aguda

Como citar este artigo

Brasil G. PMAE x Colecistite aguda – Mitos e Verdades. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/pmae-x-colecistite-aguda-mitos-e-verdades

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