Artigo comentado: Avaliação anatomopatológica de uma nova agulha de ultrassom endoscópico projetada para obter amostras de teciduais: um estudo piloto

shark

Objetivos:

As agulhas endoscópicas atuais (EUS-FNA) têm seu uso bastante disseminado. Diferenças significativas entre as agulhas atualmente disponíveis foram difíceis de identificar. Recentemente, uma nova agulha (Shark Core®, Covidien, Dublin, Leinster, Irlanda) para aquisição de amostras teciduais através de ultrassom endoscópico foi introduzida numa tentativa de melhorar a precisão diagnóstica. Para obter tais amostras foi realizado um estudo piloto prospectivo para avaliar esta nova agulha quando comparada a uma agulha fina (FNA) padrão.

Materiais e Métodos:

Análise dos primeiros 15 pacientes submetidos a punção com a agulha Shark Core foi comparada à 15 pacientes submetidos punção através de uma agulha fina padrão.

Resultados:

A agulha Shark Core necessitou de menos passagens para obter a mesma precisão diagnóstica do que a agulha fina padrão. [(Χ2(1) = 11,3, P <0,001]. A agulha Shark Core necessitou de 1,5 passagens para atingir o diagnóstico, enquanto que a agulha padrão necessitou de três. Para casos com blocos celulares (emblocados), a agulha Shark Core produziu material diagnóstico em 85% dos casos [95% de confiança Intervalo (CI): 54-98], enquanto a agulha padrão em apenas 38% dos casos (95% IC: 9-76). A agulha Shark Core produziu em 82% das vezes material para anatomopatológico (IC 95%: 48-98) enquanto a agulha fina não conseguiu adquirir nenhum material para anatomopatológico (IC95%: 0-71) (P = 0,03).

Conclusão:

Este estudo piloto concluiu que a agulha Shark Core tem uma alta taxa de aquisição de material para realização de anatomopatológico no diagnóstico de lesões pancreáticas e peri-pancreáticas. Obteve ainda, o diagnóstico definitivo com maior quantidade de material a ser analisado e um menor número de passagens quando comparada com uma agulha fina padrão.

Comentário:

Esse trabalho, apesar de apresentar algumas limitações, como: não ser randomizado, não ser cego, apresentar um N pequeno e ter sido realizado em um único centro; mostrou resultados animadores e que provavelmente devem se confirmar em estudos futuros. Isso mostra um avanço no campo da ecoendoscopia, pois com um menor número de passagens, as complicações advindas da punção tendem a ser menores.

Tenha acesso ao artigo original no link abaixo:

Pathologic evaluation of a new endoscopic ultrasound needle designed to obtain core tissue samples: A pilot study Douglas G. Adler, Benjamin Witt1 , Barbara Chadwick1 , Jason Wells1 , Linda Jo Taylor, Christopher Dimaio2 , Robert Schmidt1 Department of Gastroenterology and Hepatology, University of Utah School of Medicine, 1Department of Pathology, ARUP Laboratories, University of Utah School of Medicine, Salt Lake City, Utah, 2Department of Gastroenterology and Hepatology, Mount Sinai School of Medicine, New York, USA




Resultados a longo prazo da ressecção de neoplasias escamosas do esôfago por técnica de mucosectomia com ligadura elástica.

 

Este é um estudo retrospectivo, relatando resultados com seguimento médio maior do que 2 anos do tratamento das neoplasias escamosas precoces esofágicas por  técnica de mucosectomia com ligadura elástica.

A mucosectomia esofágica através da ligadura elástica e posterior ressecção com alça da lesão tem sido bastante utilizada no tratamento das neoplasias da transição esôfago gástrica e também nas lesões precoces do esôfago de Barret. Apesar disso, raramente se encontram relatos da utilização desta técnica para o tratamento das neoplasias precoces de células escamosas.

A técnica consiste primeiramente na marcação das margens da lesão. Após isso é aplicada uma ligadura elástica, transformando-a em uma lesão polipóide. Este pólipo então é ressecado com o auxílio de uma alça de polipectomia. Se a lesão não for ressecada em uma única ligadura uma outra banda elástica pode ser aplicada e novamente ressecada até a remoção completa da lesão.

mucosectomia-com-ligadura-elastica

Este estudo incluiu 125 pacientes.  As lesões foram ressecadas conforme a técnica descrita anteriormente.  Nestes pacientes foram identificadas 135 lesões (40 neoplasias intra-epiteliais de baixo grau, 57 neoplasias intra-epiteliais de alto grau, 34 CEC precoces e 4 lesões não neoplásicas).

Tamanho médio das lesões de 4,63 cm2.

Seguimento médio de 27,7 meses.

Recorrência local de apenas 2,4% (3 casos em 135), todas tratadas endoscopicamente.

Houve apenas uma perfuração tratada endoscopicamente através da utilização de clipes.

COMENTÁRIOS

Este artigo foi publicado na edição de dezembro de 2016 da Gastrointestinal Endoscopy. Foi realizado no Departamento de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital Jinling na China. É um estudo retrospectivo e de centro único.  Ele concluiu que a técnica de mucosectomia com auxílio de ligadura elástica é segura e pode ser utilizada em pacientes com neoplasia precoce de células escamosas. Além disso, concluíram que a taxa de recorrência com a utilização desta técnica é baixa.

Após uma breve revisão bibliográfica foi possível encontrar uma grande quantidade de artigos demonstrando um ótimo resultado desta técnica no esôfago de Barret. Apesar disso, foi encontrado apenas um artigo, publicado na Endoscopy em 2006 (link aqui), relatando o uso desta técnica em lesões escamosas. Neste artigo foram demonstrados 5 casos de lesões grandes, ocupando mais da metada da circunferência esofágica, todas ressecados com sucesso através desta técnica, sem complicações e sem recidiva em um seguimento médio de 14 meses.

Já é muito bem estabelecido que a ressecção das lesões precoces através de técnicas de dissecção submucosa (ESD) em um único bloco tem uma menor incidência de recidiva e facilita bastante a avaliação histológica.  Porém, esta é uma técnica difícil, de curva de aprendizado longa e no ocidente é realizada em pouquíssimos serviços de endoscopia.  Este artigo demonstra que a remoção destas lesões através de mucosectomia com ligadura elástica é uma opção que aparentemente apresenta segurança e bons resultados a longo prazo.  Apesar dos ótimos resultados apresentados, na literatura ainda existe pouca evidência confirmando estes achados.

REFERÊNCIA

Long-term outcomes of endoscopic multiband mucosectomy for early esophageal squamous cell neoplasia: a retrospective, single-center study (link)

Zhenkai Wang, Heng Lu, Lin Wu, Boshi Yuan, Jiong Liu, Hui Shi, Fangyu Wang

 




Risco de Câncer pós-CPRE

Introduzida em 1974, a colangiografia pancreática endoscópica retrógrada (CPRE) com papilotomia (ES) tornou-se o procedimento de escolha no tratamento de cálculos na via biliar comum.

Vários estudos então, tem alertado para os possíveis efeitos a longo prazo da papilotomia endoscópica. A destruição do esfíncter de Oddi levaria a colonização bacteriana da via biliar principal, resultando em colangite e formação de novos cálculos. Tal crescimento bacteriano poderia levar a inflamação crônica , com aumento de incidência de colangiocarcinoma.

Com o intuito de avaliar a risco de colangiocarcinoma e outros tumores pós CPRE por doença benigna, os autores promoveram um estudo retrospectivo. O objetivo primário foi a avaliação do risco de câncer em uma grande coorte de pacientes com longo período de follow-up. O objetivo secundário foi estudar a relação entre a exposição grave da via biliar a cálculos e relação com câncer.

Materiais e métodos:  

Foram avaliados pacientes submetidos a CPRE por doenças benignas, na Finlândia e na Suécia, de 1976 a 2010. Os pacientes foram divididos em 2 grupos:

  • CPRE apenas.
  • CPRE com papilotomia.

 

Pacientes com tumor de vias biliares diagnosticado até dois anos após a CPRE foram retirados do estudo.

Os dados de diagnóstico de neoplasias (ductos biliares, pâncreas, fígado) foram obtidos junto aos Cancer Centers nacionais, tanto para a população normal, quanto a estudada.

Resultados:

Foram incluídos no estudo, 69.925 pacientes (16.575 da Finlândia e o restante da Suécia), sendo 40.193 no grupo que foi submetido a papilotomia.

Os dados de comparação entre os dois grupos e o resultados de incidência de cânceres nos dois grupos podem ser avaliados nas tabelas que se seguem (clique nas imagens para melhor visualização).

tabela1

tabela2

O risco de neoplasia, baseado no tempo de acompanhamento pós CPRE pode ser avaliado abaixo (clique nas imagens para melhor visualização).

tabela4

tabela5

O estudo  incluiu dados de dois países, e cobre quase todos os procedimentos realizados, comparando com dados fidedignos do restante da população.

Assim, os autores provaram um risco aumentado de 4 vezes para tumores de vias biliares, e de 2 vezes para tumores de vias biliares, pâncreas e fígado conjuntamente, em pacientes que realizaram a papilotomia. Este risco diminui com o tempo após o procedimento

Os autores inferem que a papilotomia não seria fator de risco para os tumores, já que um aumento com o passar dos anos de acompanhamento seria o esperado. Também discutem que o provável fator de risco observado no estudo se deva a exposição das vias biliares a cálculos. Inclusive tendo sido observado neste estudo, que em pacientes onde a colecistectomia foi realizada antes da CPRE, o risco de câncer foi menor.

Concluem então que há risco maior de neoplasia após CPRE, mas este risco não é devido a papilotomia ou outro procedimento inerente, mas sim à exposição a agentes carcinogênicos anteriores à CPRE, muito provavelmente a litíase biliar.

 

Artigo original (Open):

Strömberg C, Böckelman C, Song H, Ye W, Pukkala E, Haglund C, Nilsson M.Endoscopic sphincterotomy and risk of cholangiocarcinoma: a population-based cohort study in Finland and Sweden. Endosc Int Open. 2016 Oct;4(10):E1096-E1100.

Confira também: CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II




ARTIGO COMENTADO – Utilidade da fistulotomia com needle-knife como método inicial na canulação biliar para prevenção de pancreatite pós CPRE

A CPRE é um procedimento amplamente utilizado no diagnóstico e tratamento de doenças do trato biliar e pancreáticas. Pancreatite pós CPRE (PEP) é o evento adverso mais comum após o procedimento, variando de 2-10% em casos não selecionados e podendo elevar substancialmente a morbidade, mortalidade e custos médicos associados. Entre os fatores de risco associados a PEP cita-se: pacientes jovens (<60 anos), sexo feminino, com ducto biliar comum (CBD) de calibre normal (<9 mm), disfunção de esfíncter de Oddi (SOD), ou uma história prévia de pancreatite. Diante da associação de fatores de risco as taxas de PEP podem alcançar até 67%.

A fistulotomia suprapapilar com needle-knife (NKF) tem sido usada como uma técnica alternativa a falha de canulação convencional via óstio papilar em casos difíceis, e pode ser recomendada como um artifício em casos de canulação pancreática repetida não intencional. O uso dessa técnica está associada a uma redução potencial do risco de PEP, enquanto a canulação biliar difícil aumenta o risco.

Objetivo:

Em artigo publicado na edição de novembro de 2016 da Gastrointestinal Endoscopy, Young-Joo Jin e colaboradores apresentaram um estudo prospectivo preliminar que objetivou avaliar a viabilidade do NKF como procedimento inicial no acesso biliar em pacientes com cálculos biliares e que possuíam risco aumentado de PEP. Foram avaliadas: taxa de incidência de pancreatite pós CPRE após NKF e taxas de sucesso da canulação biliar e remoção de cálculos após NKF.

Metodologia:

Prospectivamente, entre Julho de 2013 e Maio de 2015, foram selecionados 55 pacientes que se submeteram a CPRE com NKF por cálculos biliares em um centro de referência na Coréia do Sul. Todos os casos possuíam um ou mais do seguintes fatores de risco para PEP: pacientes jovens (<60 anos), sexo feminino ou CBD de calibre normal (<9 mm).

Resultados:
  • Risco para PEP:
    • 1 fator: 17 pacientes
    • 2 fatores: 27 pacientes
    • 3 fatores: 11 pacientes
  • Tempo médio de procedimento para NKF: 2.1 minutos (0.2–8.7 min)
  • Tempo médio de remoção de calculo biliar: 6.5 minutos (1.1–28.3 min)
  • Taxas de sucesso na canulação biliar usando NKF: 96.3% (53/55)
  • Taxas de sucesso na remoção de cálculo biliar: 92.7% (51/55)
  • Complicações:
    • Não houve caso de PEP
    • Dor: 4 pacientes (7,3%)
    • Febre: 9 pacientes (16,4%)
    • Sangramento: 2 pacientes (3,6%)
    • Perfuração duodenal retroperitoneal: 1 paciente (1.8%) que foi manejado conservadoramente

Conclui-se portanto, que NKF pode ser uma técnica viável como procedimento inicial no acesso biliar em pacientes com cálculos biliares que possuem risco elevado de pancreatite pós CPRE se o procedimento é realizado por um endoscopista biliar experiente.

Comentários:

A pancreatite é um evento comum e muito temido após CPRE. Muito tem sido discutido sobre estratégias de prevenção de PEP nos últimos anos e algumas condutas tem sido implementadas de forma regular em centros de referência como uso de AINE e de próteses pancreáticas¹.

A fistulotomia suprapapilar é uma estratégia previamente conhecida e discutida como alternativa técnica ao acesso biliar, potencialmente reduzindo o risco de pancreatite quando implementada de forma precoce².

O estudo apresentado traz novos dados a literatura atualmente existente por abordar de forma prospectiva e chamar a atenção para a potencial prevenção de pancreatite pós CPRE com uso de fistulotomia suprapapilar em pacientes de risco. Contudo, o estudo possui limitações a serem consideradas como: ter sido realizado de forma não randomizada, em centro único, com somente um endoscopista realizando os procedimentos. Novos estudos com desenho multicêntrico, prospectivos e randomizados seriam recomendáveis.

Referência e link para o artigo:

Jin YJ, Jeong S, Lee DH. Utility of needle-knife fistulotomy as an initial method of biliary cannulation to prevent post-ERCP pancreatitis in a highly selected at-risk group: a single-arm prospective feasibility study. Gastrointest Endosc. 2016 Nov;84(5):808-813.

Outras referências:
  1. Dumonceau, J.M., Andriulli, A., Elmunzer, B.J. et al. Prophylaxis of post-ERCP pancreatitis: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline – updated June 2014. Endoscopy. 2014; 46: 799–815
  2. Mariani A, Di Leo M, Giardullo N, et al. Early precut sphincterotomy for difficult biliary access to reduce post-ERCP pancreatitis: a randomized trial. Endoscopy. 2016;48:530–535.



Achados endoscópicos da colite colagenosa

Colite colagenosa é uma das duas entidades classificadas como colite microscópica, que cursa com diarréia crônica e conceitualmente não apresenta alterações macroscópicas na colonoscopia. Entretanto nos últimos anos algumas características endoscópicas desta entidade vem sendo relatadas, sendo as principais:

  • Alteração do padrão vascular (enantema  / diminuição da vascularização da mucosa)
  • Nodularidade da mucosa
  • Irregularidades da mucosa e cicatrizes
  • Pseudomembranas

 

O encontro destes achados estão diretamente relacionados a experiência do endoscopista, da disponibilidade de endoscópios de alta resolução e de tecnologias como a cromoscopia digital.

Os protocolos atuais para diagnóstico de colite colagenosa recomendam a realização de biópsias seriadas do cólon, sendo estas realizadas “às cegas”.  A identificação de sinais endoscópicos sugestivos desta patologia pode aumentar a acurácia de seu diagnóstico.

Este estudo relata os achados endoscópicos de oito casos confirmados de colite colagenosa. Os critérios histológicos para o diagnóstico foram: aumento da celularidade da lamina própria, linfocitose intraepitelial (>25/100), injúria epitelial (perda de mucina, achatamento, irregularidade nuclear), e estrutura de cripta normal.

Os achados endoscópicos foram: lesão aftóide em cólon esquerdo, rupturas da mucosa de cólon esquerdo, pseudomembranas, diminuição da vascularização do cólon esquerdo ao FICE, sinais do tipo “arranhadura de gato” no cólon ascendente, nodosidade da mucosa do cólon ascendente.

Discussão:

O uso do termo colite microscópica é muito restritivo pois considera que não possa existir alterações macroscópicas passíveis de reconhecimento endoscópico. Apesar de ainda muito inespecíficas, o reconhecimento das alterações endoscópicas que possam sugerir o diagnóstico podem guiar o endoscopista no momento da realização das biópsias e assim aumentar a acurácia diagnóstica.

Artigo de referência:  Diana E. Yung, Anastasios Koulaouzidis, Paul Fineron, John N. Plevris. Microscopic colitis –  a misnomer for a clearly defined entity? Endoscopy 2015; 47: 754–757

 




Artigo Comentado – Polipose serrilhada e sua correlação com a neoplasia colorretal

Polipose Serrilhada: Desenvolvimento rápido e grave da neoplasia colorretal

A polipose serrilhada é uma doença rara com vários pólipos colorretais hiperplásicos e muitas vezes associados também a adenomas sésseis. Embora associado com o câncer colorretal, o curso da PS não está bem estabelecido.

Objetivo

Este estudo tem o objetivo de avaliar a polipose serrilhada de acordo com o fenótipo colorretal, incluindo a multiplicidade e desenvolvimento temporal da neoplasia colorretal e de pólipos extracolônicos.

Métodos

44 pacientes com polipose serrilhada foram estudados. Esse grupo, ao longo do estudo, foi submetido à 146 colonoscopias. Foi acompanhado por cerca de 2 anos, e os exames de colonoscopia foram realizados com um intervalo em média de 1 ano. Endoscopia digestiva alta (EDA) foi realizada em metade dos pacientes estudados.

Resultados
  1. A idade média do diagnóstico foi de 52,5 anos (± 11,9) . Em dois casos (5%) outro membro da família também era acometido por polipose serrilhada. Nenhum dos 22 pacientes que realizaram EDA apresentavam pólipos gastroduodenais.
  2. Todos os pacientes tiveram pólipos colorretais adicionais na colonoscopia de controle. Pólipos serrilhados ou adenomas foram encontrados em 25 pacientes (61%) na primeira colonoscopia e em 83% na última. Nas colonoscopias de controle, 68 % dos pacientes apresentaram pólipos (serrilhados ou adenoma). Três pacientes tiveram câncer colorretal.
  3. Onze pacientes (25%) foram submetidos a cirurgia (tempo médio de diagnóstico da PS 2,0 ± 0,9 anos), com as seguintes indicações: pólipos não passíveis de ressecção endoscópica, múltiplos pólipos, neoplasia já estabelecida, displasia de alto grau e tortuosidade colônica que impediu a remoção de um pólipo serrilhado.
  4. Após a cirurgia, sete pacientes pesquisados desenvolveram pólipos recorrentes no cólon remanescente. Não foi encontrada associação entre neoplasia colorretal e sexo, idade no momento do diagnóstico, ou mesmo com o número inicial de pólipos.

 

Conclusões

A polipose serrilhada foi responsável pelo aparecimento da neoplasia colorretal e se manifestou também no cólon remanescente nos pacientes operados. Estes resultados sustentam a conduta da vigilância com colonoscopia anual e a realização de colectomia quando indicada.

Comentário

Os critérios da Organização Mundial de Saúde para a síndrome da polipose serrilhada exige a presença de uma ou mais das seguintes características:

  • Pelo menos cinco pólipos serrilhados proximais ao cólon sigmóide, dos quais dois ou mais são ≥ 10 mm
  • Pólipos serrilhados proximais ao sigmóide em um indivíduo que tem um parente de primeiro grau com síndrome da polipose serrilhada
  • Quantidade superior a 20 pólipos serrilhados, de qualquer tamanho, distribuídos por todo o cólon

 

Um pequeno subconjunto de pólipos serrilhados, particularmente os com displasia, podem evoluir para adenocarcinoma através de uma via diferente que a já conhecida até então, isto é, a sequência adenoma-carcinoma, a qual se desenvolve através de alterações nas proteínas: APC, K-ras, DCC, p53 hMMR – hMSH2, hMLH1, hPMS1 e hMSH6.

Os pólipos serrilhados (também denominados adenoma serrilhado séssil) correspondem a uma forma agressiva de pólipo hiperplásico, com potencial para malignidade de maior tamanho, com localização predominante em cólon direito, e que podem evoluir para o câncer colorretal devido a uma alteração genética causada por uma instabilidade microssatélite, através da metilação do DNA das ilhas CpG e uma mutação do gene BRAF (veja nosso post sobre carcinogênese colorretal clicando neste link).

O reconhecimento dessa nova via representa uma grande mudança de paradigma em nossa compreensão da carcinogênese do cólon. Embora essa via já esteja bem estabelecida, muitos desafios ainda terão que ser enfrentados, incluindo a melhoria na detecção de lesões serrilhadas e a determinação dos intervalos de vigilância adequados após a sua remoção.

Mais estudos são necessários para melhorar a detecção dos pólipos serrilhados e para fornecer mais informações sobre a sua história natural, a fim de elaborar diretrizes baseadas em evidências para o manejo clínico.

Referência e link do artigo:

Edelstein DL, Axilbund JE, Hylind LM, Romans K, Griffin CA, Cruz-Correa M, Giardiello FM. Serrated polyposis: rapid and relentless development of colorectal neoplasia. Gut. 2013 Mar;62(3):404-8.

Department of Medicine and Oncology, The Johns Hopkins University School of Medicine, Baltimore, Maryland, USA.

Leia mais sobre esse assunto (link):

Conceitos em Carcinogênese Colorretal

 




ARTIGO COMENTADO Avaliação endoscópica da Doença Celíaca

Dr Mauro Bonatto comenta seu artigo publicado recentemente sobre os achados endoscópicos da Doença Celíaca e sua correlação com a histologia.

Avaliação endoscópica da severidade da Doença Celíaca e sua correlação com os aspectos histopatológicos da mucosa duodenal. 

A Doença Celíaca ( DC) é   uma afecção crônica autoimune sistêmica, deflagrada e mantida pelo glúten (proteína encontrada no trigo, centeio, cevada e aveia) em indivíduos geneticamente predispostos.  A prevalência  está estimada em 1% da população mundialClinicamente os sintomas típicos da DC são caracterizados por má absorção de início precoce (4-24 meses de idade) com perda de peso, diarreia e desnutrição.  Já na maioria dos adultos, os sintomas gastrointestinais são inespecíficos e vagos. Apresentam-se geralmente com alteração da consistência das fezes, constipação intestinal, distensão abdominal pós prandial, cólicas, náuseas, e vômitos.

O diagnóstico sorológico é realizado através dos Anticorpos antiendomísio (EmA  IgA),  Antitransglutaminase (anti-tTG  IgA) e também pelos Anticorpos antigliadina (IgA e IgG)   que são melhores p/ crianças até dois anos de idade.   A pesquisa do Antígeno de Histocompatibilidade tem alto valor preditivo negativo. Quando o  HLA DQ2/DQ8 estão negativos, excluem o diagnóstico de DC  com confiança de 99%. A sua positividade não confirma o diagnóstico, pois, 30% da população pode ter o antígeno positivo e não desenvolver a DC.

Diagnóstico endoscópico da Doença Celíaca

Os marcadores endoscópicos específicos para a DC são; perdas das pregas de Kerkring, pregas denteadas, fissuras entre as vilosidades, aglutinações e atrofia das vilosidades (dando o aspecto em mosaico), vasos submucosos visíveis e micro nódulos. O diagnóstico deve ser confirmado pela histopatologia utilizando a classificação de Marsh.  (MARSH, 1992).

Estas alterações  podem ser  identificadas mesmo com aparelhos sem magnificação de imagem. A utilização da cromoscopia com índigo carmim facilita a avaliação destas alterações permitindo a realização de uma classificação endoscópica que está associada com os achados da histologia. Com isso é possível estimar a gravidade da atrofia duodenal tanto ao diagnóstico  como no acompanhamento da regressão das lesões. A classificação endoscópica aqui apresentada,  é de aplicação prática, pois pode ser facilmente reprodutível e traz informações sobre  as alterações suspeitas da doença para realizar o diagnóstico e permite estimar a extensão da doença.

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Classificação Endoscópica da DC e sua correlação com a histologia. Bonatto 2016.

Bonatto MW et al. Endoscopic evaluation of celiac disease severity and its correlation with histopathological aspects of the duodenal mucosa. DOI http://dx.doi.org/ 10.1055/s-0042-108190 Published online: 29.6.2016 Endoscopy International Open 2016; 04: E767–E777

Link para o artigo completo – clique aqui

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ARTIGO COMENTADO – Manejo da Neoplasia Intraductal Papilar Mucinosa (IPMNs) de ductos secundários: um grande estudo unicêntrico para avaliar preditores de malignidade e resultados a longo prazo

As neoplasias mucinosas papilares intraductais de ductos secundários (BD-IPMNs) são a variante mais comum de IPMNs e são, em sua maioria, diagnosticadas incidentalmente. O Guideline de Consenso Internacional (ICG) publicado em 2012 – Fukuoka – para o manejo de BD-IPMNs, propões que a indicação de ressecção cirúrgica ou seguimento se baseie nos achados de estigmas de alto risco (HRS) ou características preocupantes (WFs) vistas em tomografia computadorizada ou ressonância magnética (MRI). Tais exames de imagem são amplamente usados na investigação de primeira linha dos pacientes com BD-IPMNs e fundamentam a avaliação dessas lesões.

Fukuoka

Estígmas de alto risco

Icterícia obstrutiva

Componente sólido captante

Ducto pancreático principal (DPP) ≥ 10 mm

Características preocupantes

Cisto≥ 3 cm

Parede do cisto espessada/captante

DPP entre 5-9 mm

Nódulo mural não captante

Mudança abrupta no calibre do ducto pancreático com atrofia pancreática distal

 

Ver consenso ICG 2012 aqui

Já a ecoendoscopia com punção por agulha fina (EUS-FNA) também tem sido usada para a caracterização dos BD-IPMNs, mas seu impacto geral no manejo dessa doença permanece incerto. Alguns trabalhos sugerem que a ecoendoscopia seja o método mais confiável para a caracterização de IPMNs, sendo o seu uso substanciado em algumas situações nos algoritmos de investigação do ICG 2012. Recentemente, a American Gastroenterological Association (AGA) lançou novo guideline no diagnóstico e manejo de neoplasias císticas pancreáticas assintomáticas. Esse guideline sugere, entre outras coisas, que a EUS-FNA seja realizada em cistos pancreáticos com pelo menos 02 características de alto risco (cisto ≥ 3 cm, ducto pancreático principal dilatado ou presença de conteúdo sólido associado ao cisto). De modo geral, o que se percebe é que os guidelines recentemente publicados derivam de um baixo nível de evidência e de um limitado número de estudos, levando a uma falta de consistência sobre a utilidade da ecoendoscopia no manejo dos BD-IPMNs.

American Gastroenterological Association

Características de alto risco

Cisto≥ 3 cm

Componente sólido associado

DPP dilatado

 

Ver Guideline AGA aqui

Em setembro de 2016 foi publicado na revista Gastrointestinal Endoscopy um estudo que objetivou primariamente avaliar a associação entre os achados de HRS e WFs do ICG 2012 e a confirmação de BD-IPMNs malignos, além de determinar a performance do EUS-FNA em identificar BD-IPMNs malignos. Através de um desenho de estudo retrospectivo foram incluídos todos os pacientes com BD-IPMNs pelo ICG 2012 e/ou BD-IPMNs patologicamente confirmados em um serviço de referência terciário entre os anos de 2001 e 2013. Resultados: De 364 pacientes com BD-IPMN

  • 229 foram seguidos por imagem
  • 135 foram submetidos a cirurgia

De um total de 135 BD-IPMNs ressecados:

  • HRS/WFs vistos na TC/MRI foram similares entre os grupos com lesões malignas e benignas
  • A dilatação do ducto pancreático principal (DPP) entre 5-9 mm foi mais frequentemente identificada em lesões malignas

A EUS-FNA foi capaz de detectar de forma mais frequente no grupo com lesões malignas:

  • Nódulos murais (Sensibilidade (S): 33%; Especificidade (E): 94%; Acurácia (A): 86%)
  • Suspeita de envolvimento do DPP (S: 42%; E: 91%; A: 83%)
  • Citologia maligna suspeita ou positiva (S: 33%; E: 91%; A: 82%)
  • Chamou a atenção que nódulos murais identificados na EUS não foram vistos através de TC/MRI em 28% dos casos no grupo com lesões malignas

Pacientes com lesões malignas tiveram um maior risco de recorrência de IPMN durante um período médio de seguimento de 131 meses (P = .01). O trabalho ressalta assim, entre outros achados, o potencial valor da ecoendoscopia em identificar BD-IPMNs malignos, particularmente na série apresentada, em pacientes sem WFs e que possuíam cistos menores (tamanho médio de 2.2 ± 0.7 cm em cistos malígnos x 2.9 ± 2.5 cm nos cistos benígnos; NS ). Os dados apresentados trazem informações interessantes a literatura em um momento de grande discussão sobre o manejo dos cistos pancreáticos, principalmente, os BD-IPMNs. Todos os guidelines publicados sobre o assunto parecem apresentar imperfeições, com destaque para a maior capacidade de detecção de lesões precoces no guideline ICG 2012 – Fukuoka e de detecção de lesões mais tardias com uso do guideline da AGA. Recentemente, Singhi e colaboradores reportaram que o guideline da AGA, quando aplicado a sua coorte de pacientes, deixava de detectar 45% dos IPMNs com displasia de alto grau ou adenocarcinoma. No algoritmo utilizado na série de pacientes apresentada por tal autor, entre outras condutas, a realização de EUS-FNA em lesões císticas acima de 1,5 cm associado a análise de fluído do cisto (incluindo análise molecular), detectava neoplasias avançadas com sensibilidade de 100% e especificidade de 90%. Tais dados apontam para o potencial benefício da utilização precoce do EUS-FNA associado a avaliação molecular do fluído coletado na melhoria do manejo da lesões císticas pancreáticas.

 

Presented at Digestive Disease Week 2015, May 17-19, 2015, Washington, DC (Gastrointest Endosc 2015;81:AB115-16).

Wiriyaporn Ridtitid, MD, John M. DeWitt, MD,C. Max Schmidt, MD, PhD, Alexandra Roch, MD, Jennifer Schaffter Stuart, BS, Stuart Sherman, MD, Mohammad A. Al-Haddad, MD, MSc, FASGE

Referências Ridtitid, W., DeWitt, J.M., Schmidt, C.M. et al. Management of branch-duct intraductal papillary mucinous neoplasms: a large single-center study to assess predictors of malignancy and long-term outcomes. Gastrointest Endosc. 2016; 84: 436–445

Tanaka, M., Fernandez-del Castillo, C., Adsay, V. et al. International Consensus Guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology. 2012; 12: 183–197 Vege, S.S., Ziring, B., Jain, R. et al.

American Gastroenterological Association Institute guideline on the diagnosis and management of asymptomatic neoplastic pancreatic cysts. Gastroenterology. 2015; 148: 819–822 (quiz 12-3)

Singhi, A.D., Zeh, H.J., Brand, R.E. et al. The AGA guidelines are inaccurate in detecting pancreatic cysts with advanced neoplasia: a clinicopathological study of 225 patients with supporting molecular data. Gastrointest Endosc. 2016; 83: 1107–1117




Esfincterotomia precoce através de pré-corte não aumenta o risco de pancreatite pós CPRE em pacientes com acesso biliar difícil

Esse artigo foi publicado em março de 2016 no The Journal of the American Medical Association.

O uso da esfincterotomia através do pré-corte durante colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) pode aumentar as chances de sucesso na cateterização da via biliar, porém está associada a um risco aumentado de pancreatite pós-CPRE. A realização do pré-corte mais precocemente para casos com acesso biliar difícil pode reduzir este risco. Foi realizada uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados para determinar como o uso pré-corte influencia o risco de pancreatite e a taxa de sucesso de canulação da via biliar em comparação com persistentes tentativas de canulação padrão.

Métodos: Foram pesquisados MEDLINE, EMBASE, e a biblioteca Cochrane de ensaios clínicos, juntamente com resumos de reuniões, até agosto de 2014 para ensaios clínicos randomizados em que a esfincterotomia precoce por pré-corte foi comparada com canulação padrão persistente em adultos com acesso biliar difícil. Os eventos pesquisados foram:

  • Taxa de sucesso de canulação primária (ou seja, não foram necessárias outras técnicas de acesso a via biliar)
  • Taxa global de canulação
  • Incidência de pancreatite pós-CPRE pancreatite
  • Taxa de eventos adversos em geral

Os resultados de um modelo de efeitos aleatórios foram expressos como razões de risco agrupados (RR) com intervalo de confiança de 95% (IC).

Resultados: Foram analisados dados a partir de 5 estudos (523 participantes). A incidência de pós-CPRE pancreatite e sucesso de canulação geral não diferiram significativamente entre o pré-corte precoce e em grupos onde foi tentada a canulação persistente. O uso precoce do pré-corte foi associado à maior chance de sucesso da canulação (RR, 1,32; IC 95%, 1,04-1,68). Na análise de um subgrupo de estudos que envolveram somente endoscopistas (não residentes), encontramos uma redução significativa no risco de pancreatite em pacientes que tiveram sua via biliar acessada através de pré-cortes precoces vs o acesso pela técnica padrão (RR, 0,29; IC 95%, 0,10-0,86).

Conclusão: Em comparação com a terapia padrão, o uso precoce da esfincterotomia pelo pré-corte não aumentou o risco de pancreatite pós-CPRE nessa meta-análise. Quando o procedimento é realizado por endoscopistas experientes e qualificados, o pré-corte precoce pode reduzir o risco de pancreatite pós-CPRE. As taxas de cateterização aumentaram quando o pré-corte precoce foi adotado. Mais estudos são necessários para confirmar estes resultados.

Comentário: 

Pontos fortes desse estudo:

  • Incluiu apenas trabalhos controlados e randomizados
  • Todos os trabalhos incluídos foram bem conduzidos
  • Grupo estudado bem pré-definido (pacientes com acesso difícil da via biliar)
  • O grupo estudado teoricamente está mais susceptível a ser necessário  a adoção do pré-corte

Pontos fracos desse estudo:

  • Pequeno número de trabalhos incluídos e a heterogenicidade entre os desenhos do estudo
  • A definição de canulação difícil variou entre os estudos
  • A técnica de pré-corte variou entre os estudos (foi incluído também pacientes que foram submetidos à fistulopapilotomia, técnica que já demonstrou em diversos estudos diminuir a taxa de pancreatite pós-CPRE).
  • Os pacientes incluídos nesses trabalhos não foram submetidos a nenhuma profilaxia para pancreatite (AINESs e/ou prótese pancreática), o que pode ter tido impacto na taxa de pancreatite pós-CPRE.

O presente estudo mostra que embora não haja nenhuma diferença na taxa global de acesso em pacientes com via biliar de acesso difícil, a adoção precoce da esfincterotomia pelo pré-corte parece aumentar as taxas de canulação em comparação com a técnica padrão (diversas tentativas). O uso precoce do pré-corte não aumentou o risco de pancreatite pós-CPRE e em mãos experientes pode realmente reduzir esse risco. Novos estudos que usam critérios de consenso para definir o acesso biliar difícil são necessários para confirmar a segurança dos pré-corte e determinar o momento ideal para adotá-lo.

Acesse o link desse artigo : aqui  

Confira também: CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II




Qualidade em Endoscopia – Como diagnosticar o câncer gástrico precoce?

Quanto mais cedo for realizado o diagnóstico do câncer gástrico, melhor o prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes. Lesões diagnosticadas e tratadas quando ainda estão restritas à mucosa ou submucosa e sem comprometimento linfonodal (estadio I) apresentam sobrevida média em 5 anos acima de 90%.  No Japão, metade dos cânceres gástricos são diagnosticados nesta fase. Esta é uma realidade muito diferente da brasileira. Por aqui, o diagnóstico no estadio I está bem abaixo dos 10% com grande variação entre os trabalhos e a sobrevida média em 5 anos é em torno de 20% (1).

 

sobrevida ca gastrico

Tabela 1. (Clique para ampliar) Sobrevida média em 5 anos de pacientes com câncer gástrico. Nashimoto A, et al. Gastric Cancer 2013.

A pergunta que fica é:  O que nós podemos fazer para melhorar nosso diagnóstico? Neste post tentaremos responder essa pergunta através de dicas para melhorar a técnica endoscópica, caracterizar melhor as alterações endoscópicas sugestivas de neoplasia precoce e discutir sobre como descrever corretamente estas lesões.   Este artigo é baseado na conferência da ESGE “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia”, realizada em Berlin na Alemanha no mês de abril deste ano. Todas as aulas desta conferência estão disponíveis no link http://www.quality-in-endoscopy.org/meeting-presentations-qie9.html.

 

O exame endoscópico

Para melhorar o diagnóstico precisamos melhorar a nossa técnica de avaliação. Muitas vezes, devido à falta de tempo, baixa remuneração ou grande número de pacientes para fazer exame,  deixamos de observar algumas coisas de extrema importância.

  1. Preparo

A presença de saliva, bolhas e muco durante o exame pode impedir a identificação de lesões discretas. Além disso, os movimentos peristálticos ou a hipercontratilidade do órgão também podem prejudicar a avaliação.  Para reduzir estes problemas algumas medidas podem ser utilizadas:

  • Administrar alguns minutos antes do exame:
    • Pronase 20.000 U ou 2 ml de  Acetilcisteína (Fluimucil) para diminuir o muco.
    • Simeticona – 2 ml diluídos em 50 ml de água para reduzir as bolhas.
  • Logo antes de iniciar o procedimento:
    • Administrar Buscopan 10 mg por via endovenosa para reduzir o peristaltismo.
  • Após a introdução do aparelho:
    • Aspirar todo o líquido  e se ainda houverem bolhas ou muco, realizar a lavagem com simeticona diluída em água até a limpeza completa.

 

muco ca gastrico precoce

Figura 1. (Clique para ampliar) Estômago com grande quantidade de saliva e bolhas, prejudicando a avaliação. Lesão deprimida identificada após a limpeza, insuflação e cromoscopia com índigo carmin. Imagem da aula “What we can learn with the japanese” de Akido Ono, apresentada na conferência “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia” da ESGE.

 

2. Insuflação

A falta de uma insuflação adequada muitas vezes impede a avaliação completa do órgão. O endoscopista deve insuflar completamente o estômago até as pregas se afastarem permitindo a avaliação da mucosa entre elas. Se o paciente tem um esfíncter esofágico inferior muito frouxo, com escape de ar impedido a adequada insuflação, a manobra de Sellick (compressão suave da cartilagem crico-tireóidea colabando o esôfago) pode ser utilizada para obter uma boa insuflação.

 

insuflacao ca gastrico precoce

Figura 2. (Clique para ampliar) Estômago mal insulflado. Lesão deprimida com retração de pregas identificada após a adequada insuflação. Imagem da aula “What we can learn with the japanese” de Akido Ono, apresentada na conferência “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia” da ESGE.

 

3. Exame cuidadoso

Para diagnosticar alterações discretas é necessário procurar com cuidado. Todas as paredes do órgão devem ser avaliadas e de preferência mais de uma vez, utilizando níveis diferentes de insuflação. Também é necessário dedicar tempo ao exame. Quanto maior o tempo de exame, maior a chance de identificar uma lesão precoce. Utilizando um valor de corte de 7 minutos é observada uma taxa de detecção 2 x maior de lesões de alto risco (atrofia, metaplasia intestinal e displasia gástrica) e 3 x maior no diagnóstico de displasia e câncer gástrico (2).

 

Reconhecendo as lesões

As lesões precoces muitas vezes apresentam alterações muito sutis que podem inclusive ser confundidas com mucosa normal ou trauma causado pelo aparelho. A utilização de um equipamento com alta definição e a utilização de corantes pode ajudar muito no diagnóstico.  Sempre que uma área suspeita é identificada, ela deve ser avaliada com cuidado. Todo o muco e saliva devem ser removidos, o estômago deve ser bem distendido e a cromoscopia eletrônica (NBI, Fice, I-Scan) ou com corantes (Índigo Carmin) devem ser utilizadas para caracterizar melhor a lesão.

 

caracteristicas ca gastrico precoce

Figura 3. (Clique para ampliar) Características endoscópicas das lesões precoces. Figura editada utilizando imagens da aula “What we can learn with the japanese” de Akido Ono, apresentada na conferência “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia” da ESGE.

 

Descrevendo as lesões

 

A descrição das lesões é muito importante. O laudo deve descrever todos os detalhes da lesão. Isto é fundamental para a decisão terapêutica e também para reduzir a repetição desnecessária do exame endoscópico.

Deve ser descrita a localização, distância de áreas de referência (cárdia, TEG, piloro, incisura angularis), tamanho e extensão da lesão, número, morfologia e suspeita clínica.  Também, se aplicável, deve ser descrita a presença de sinais de hemorragia, cirurgias prévias, presença de estenose, se a lesão é transponível ou não e também as técnicas endoscópicas utilizadas (cromoscopia, magnificação, biópsias, ressecções).  A documentação fotográfica ou em vídeo também é importante para a avaliação da lesão pela equipe que vai decidir a conduta terapêutica.

Para a descrição morfológica das lesões é importante utilizarmos classificações validadas. Isso permite uma comunicação eficiente entre o endoscopista e qualquer outro médico que avaliar o laudo. A mais indicada é  a classificação  Japonesa do câncer gástrico precoce. Utilizando esta classificação é possível estimar o risco de invasão submucosa.

Classificação Japonesa do Câncer Gástrico precoce:classificacao ca gastrico precoce

Figura 4. Clique para ampliar.

morfologia e invasao de submucosa ca gastrico

Figura 5. (Clique para ampliar) Classificação endoscópica e correlação com risco de invasão submucosa. Figura editada utilizando imagens da aula “What we can learn with the japanese” de Akido Ono, apresentada na conferência “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia” da ESGE.

 

Conclusão

No Brasil, o câncer gástrico é o quarto mais comum entre os homens e o sexto mais comum entre as mulheres. A mortalidade desta doença no nosso país continua bastante alta. Ainda vai demorar muito para nos aproximarmos das taxas de sobrevida japonesas, pois, não temos um programa de rastreamento (que provavelmente não seria custo-efetivo devido à nossa incidência), não temos a mesma tecnologia de imagem e muitos de nós, também não tem o tempo (ou a remuneração adequada)  para um exame tão detalhado. Porém, nós podemos tentar melhorar um pouco esta situação nos pacientes que passam por nós, através da aplicação  das medidas descritas anteriormente.  Podemos também, selecionar os pacientes que tem um risco aumentado e nestes casos, dedicar um pouco mais de tempo.  Pacientes acima de 50 anos que realizam o exame pela primeira vez, pacientes com HP positivo e principalmente os pacientes portadores de atrofia gástrica com metaplasia intestinal, tem um risco aumentado. Realizando um exame dedicado nestes pacientes podemos aumentar significativamente a taxa de identificação de câncer gástrico precoce.

Referências

 

1.Bruno Zilberstein; Carlos Malheiros; Laercio Gomes Lourenço; Paulo Kassab; Carlos Eduardo Jacob; Antonio Carlos Weston; Cláudio José Caldas Bresciani; Osvaldo Castro; Joaquim Gama-Rodrigues e Grupo do Consenso. Consenso brasileiro sobre câncer gástrico: diretrizes para o câncer gástrico no Brasil. Arq Bras Cir Dig; 26 (1); 2013

2. Teh JL, Tan JR et al. Longer examination time improves detection of gastric cancer during diagnostic upper gastrointestinal endoscopy. Clin Gastroenterol Hepatol. 2015.

3. ESGE “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia”, conferência realizada em Berlin na Alemanha no mês de abril deste ano. Todas as aulas desta conferência estão disponíveis no link http://www.quality-in-endoscopy.org/meeting-presentations-qie9.html.