ARTIGO COMENTADO Avaliação endoscópica da Doença Celíaca

Dr Mauro Bonatto comenta seu artigo publicado recentemente sobre os achados endoscópicos da Doença Celíaca e sua correlação com a histologia.

Avaliação endoscópica da severidade da Doença Celíaca e sua correlação com os aspectos histopatológicos da mucosa duodenal. 

A Doença Celíaca ( DC) é   uma afecção crônica autoimune sistêmica, deflagrada e mantida pelo glúten (proteína encontrada no trigo, centeio, cevada e aveia) em indivíduos geneticamente predispostos.  A prevalência  está estimada em 1% da população mundialClinicamente os sintomas típicos da DC são caracterizados por má absorção de início precoce (4-24 meses de idade) com perda de peso, diarreia e desnutrição.  Já na maioria dos adultos, os sintomas gastrointestinais são inespecíficos e vagos. Apresentam-se geralmente com alteração da consistência das fezes, constipação intestinal, distensão abdominal pós prandial, cólicas, náuseas, e vômitos.

O diagnóstico sorológico é realizado através dos Anticorpos antiendomísio (EmA  IgA),  Antitransglutaminase (anti-tTG  IgA) e também pelos Anticorpos antigliadina (IgA e IgG)   que são melhores p/ crianças até dois anos de idade.   A pesquisa do Antígeno de Histocompatibilidade tem alto valor preditivo negativo. Quando o  HLA DQ2/DQ8 estão negativos, excluem o diagnóstico de DC  com confiança de 99%. A sua positividade não confirma o diagnóstico, pois, 30% da população pode ter o antígeno positivo e não desenvolver a DC.

Diagnóstico endoscópico da Doença Celíaca

Os marcadores endoscópicos específicos para a DC são; perdas das pregas de Kerkring, pregas denteadas, fissuras entre as vilosidades, aglutinações e atrofia das vilosidades (dando o aspecto em mosaico), vasos submucosos visíveis e micro nódulos. O diagnóstico deve ser confirmado pela histopatologia utilizando a classificação de Marsh.  (MARSH, 1992).

Estas alterações  podem ser  identificadas mesmo com aparelhos sem magnificação de imagem. A utilização da cromoscopia com índigo carmim facilita a avaliação destas alterações permitindo a realização de uma classificação endoscópica que está associada com os achados da histologia. Com isso é possível estimar a gravidade da atrofia duodenal tanto ao diagnóstico  como no acompanhamento da regressão das lesões. A classificação endoscópica aqui apresentada,  é de aplicação prática, pois pode ser facilmente reprodutível e traz informações sobre  as alterações suspeitas da doença para realizar o diagnóstico e permite estimar a extensão da doença.

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Classificação Endoscópica da DC e sua correlação com a histologia. Bonatto 2016.

Bonatto MW et al. Endoscopic evaluation of celiac disease severity and its correlation with histopathological aspects of the duodenal mucosa. DOI http://dx.doi.org/ 10.1055/s-0042-108190 Published online: 29.6.2016 Endoscopy International Open 2016; 04: E767–E777

Link para o artigo completo – clique aqui

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ARTIGO COMENTADO – Manejo da Neoplasia Intraductal Papilar Mucinosa (IPMNs) de ductos secundários: um grande estudo unicêntrico para avaliar preditores de malignidade e resultados a longo prazo

As neoplasias mucinosas papilares intraductais de ductos secundários (BD-IPMNs) são a variante mais comum de IPMNs e são, em sua maioria, diagnosticadas incidentalmente. O Guideline de Consenso Internacional (ICG) publicado em 2012 – Fukuoka – para o manejo de BD-IPMNs, propões que a indicação de ressecção cirúrgica ou seguimento se baseie nos achados de estigmas de alto risco (HRS) ou características preocupantes (WFs) vistas em tomografia computadorizada ou ressonância magnética (MRI). Tais exames de imagem são amplamente usados na investigação de primeira linha dos pacientes com BD-IPMNs e fundamentam a avaliação dessas lesões.

Fukuoka

Estígmas de alto risco

Icterícia obstrutiva

Componente sólido captante

Ducto pancreático principal (DPP) ≥ 10 mm

Características preocupantes

Cisto≥ 3 cm

Parede do cisto espessada/captante

DPP entre 5-9 mm

Nódulo mural não captante

Mudança abrupta no calibre do ducto pancreático com atrofia pancreática distal

 

Ver consenso ICG 2012 aqui

Já a ecoendoscopia com punção por agulha fina (EUS-FNA) também tem sido usada para a caracterização dos BD-IPMNs, mas seu impacto geral no manejo dessa doença permanece incerto. Alguns trabalhos sugerem que a ecoendoscopia seja o método mais confiável para a caracterização de IPMNs, sendo o seu uso substanciado em algumas situações nos algoritmos de investigação do ICG 2012. Recentemente, a American Gastroenterological Association (AGA) lançou novo guideline no diagnóstico e manejo de neoplasias císticas pancreáticas assintomáticas. Esse guideline sugere, entre outras coisas, que a EUS-FNA seja realizada em cistos pancreáticos com pelo menos 02 características de alto risco (cisto ≥ 3 cm, ducto pancreático principal dilatado ou presença de conteúdo sólido associado ao cisto). De modo geral, o que se percebe é que os guidelines recentemente publicados derivam de um baixo nível de evidência e de um limitado número de estudos, levando a uma falta de consistência sobre a utilidade da ecoendoscopia no manejo dos BD-IPMNs.

American Gastroenterological Association

Características de alto risco

Cisto≥ 3 cm

Componente sólido associado

DPP dilatado

 

Ver Guideline AGA aqui

Em setembro de 2016 foi publicado na revista Gastrointestinal Endoscopy um estudo que objetivou primariamente avaliar a associação entre os achados de HRS e WFs do ICG 2012 e a confirmação de BD-IPMNs malignos, além de determinar a performance do EUS-FNA em identificar BD-IPMNs malignos. Através de um desenho de estudo retrospectivo foram incluídos todos os pacientes com BD-IPMNs pelo ICG 2012 e/ou BD-IPMNs patologicamente confirmados em um serviço de referência terciário entre os anos de 2001 e 2013. Resultados: De 364 pacientes com BD-IPMN

  • 229 foram seguidos por imagem
  • 135 foram submetidos a cirurgia

De um total de 135 BD-IPMNs ressecados:

  • HRS/WFs vistos na TC/MRI foram similares entre os grupos com lesões malignas e benignas
  • A dilatação do ducto pancreático principal (DPP) entre 5-9 mm foi mais frequentemente identificada em lesões malignas

A EUS-FNA foi capaz de detectar de forma mais frequente no grupo com lesões malignas:

  • Nódulos murais (Sensibilidade (S): 33%; Especificidade (E): 94%; Acurácia (A): 86%)
  • Suspeita de envolvimento do DPP (S: 42%; E: 91%; A: 83%)
  • Citologia maligna suspeita ou positiva (S: 33%; E: 91%; A: 82%)
  • Chamou a atenção que nódulos murais identificados na EUS não foram vistos através de TC/MRI em 28% dos casos no grupo com lesões malignas

Pacientes com lesões malignas tiveram um maior risco de recorrência de IPMN durante um período médio de seguimento de 131 meses (P = .01). O trabalho ressalta assim, entre outros achados, o potencial valor da ecoendoscopia em identificar BD-IPMNs malignos, particularmente na série apresentada, em pacientes sem WFs e que possuíam cistos menores (tamanho médio de 2.2 ± 0.7 cm em cistos malígnos x 2.9 ± 2.5 cm nos cistos benígnos; NS ). Os dados apresentados trazem informações interessantes a literatura em um momento de grande discussão sobre o manejo dos cistos pancreáticos, principalmente, os BD-IPMNs. Todos os guidelines publicados sobre o assunto parecem apresentar imperfeições, com destaque para a maior capacidade de detecção de lesões precoces no guideline ICG 2012 – Fukuoka e de detecção de lesões mais tardias com uso do guideline da AGA. Recentemente, Singhi e colaboradores reportaram que o guideline da AGA, quando aplicado a sua coorte de pacientes, deixava de detectar 45% dos IPMNs com displasia de alto grau ou adenocarcinoma. No algoritmo utilizado na série de pacientes apresentada por tal autor, entre outras condutas, a realização de EUS-FNA em lesões císticas acima de 1,5 cm associado a análise de fluído do cisto (incluindo análise molecular), detectava neoplasias avançadas com sensibilidade de 100% e especificidade de 90%. Tais dados apontam para o potencial benefício da utilização precoce do EUS-FNA associado a avaliação molecular do fluído coletado na melhoria do manejo da lesões císticas pancreáticas.

 

Presented at Digestive Disease Week 2015, May 17-19, 2015, Washington, DC (Gastrointest Endosc 2015;81:AB115-16).

Wiriyaporn Ridtitid, MD, John M. DeWitt, MD,C. Max Schmidt, MD, PhD, Alexandra Roch, MD, Jennifer Schaffter Stuart, BS, Stuart Sherman, MD, Mohammad A. Al-Haddad, MD, MSc, FASGE

Referências Ridtitid, W., DeWitt, J.M., Schmidt, C.M. et al. Management of branch-duct intraductal papillary mucinous neoplasms: a large single-center study to assess predictors of malignancy and long-term outcomes. Gastrointest Endosc. 2016; 84: 436–445

Tanaka, M., Fernandez-del Castillo, C., Adsay, V. et al. International Consensus Guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology. 2012; 12: 183–197 Vege, S.S., Ziring, B., Jain, R. et al.

American Gastroenterological Association Institute guideline on the diagnosis and management of asymptomatic neoplastic pancreatic cysts. Gastroenterology. 2015; 148: 819–822 (quiz 12-3)

Singhi, A.D., Zeh, H.J., Brand, R.E. et al. The AGA guidelines are inaccurate in detecting pancreatic cysts with advanced neoplasia: a clinicopathological study of 225 patients with supporting molecular data. Gastrointest Endosc. 2016; 83: 1107–1117




Esfincterotomia precoce através de pré-corte não aumenta o risco de pancreatite pós CPRE em pacientes com acesso biliar difícil

Esse artigo foi publicado em março de 2016 no The Journal of the American Medical Association.

O uso da esfincterotomia através do pré-corte durante colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) pode aumentar as chances de sucesso na cateterização da via biliar, porém está associada a um risco aumentado de pancreatite pós-CPRE. A realização do pré-corte mais precocemente para casos com acesso biliar difícil pode reduzir este risco. Foi realizada uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados para determinar como o uso pré-corte influencia o risco de pancreatite e a taxa de sucesso de canulação da via biliar em comparação com persistentes tentativas de canulação padrão.

Métodos: Foram pesquisados MEDLINE, EMBASE, e a biblioteca Cochrane de ensaios clínicos, juntamente com resumos de reuniões, até agosto de 2014 para ensaios clínicos randomizados em que a esfincterotomia precoce por pré-corte foi comparada com canulação padrão persistente em adultos com acesso biliar difícil. Os eventos pesquisados foram:

  • Taxa de sucesso de canulação primária (ou seja, não foram necessárias outras técnicas de acesso a via biliar)
  • Taxa global de canulação
  • Incidência de pancreatite pós-CPRE pancreatite
  • Taxa de eventos adversos em geral

Os resultados de um modelo de efeitos aleatórios foram expressos como razões de risco agrupados (RR) com intervalo de confiança de 95% (IC).

Resultados: Foram analisados dados a partir de 5 estudos (523 participantes). A incidência de pós-CPRE pancreatite e sucesso de canulação geral não diferiram significativamente entre o pré-corte precoce e em grupos onde foi tentada a canulação persistente. O uso precoce do pré-corte foi associado à maior chance de sucesso da canulação (RR, 1,32; IC 95%, 1,04-1,68). Na análise de um subgrupo de estudos que envolveram somente endoscopistas (não residentes), encontramos uma redução significativa no risco de pancreatite em pacientes que tiveram sua via biliar acessada através de pré-cortes precoces vs o acesso pela técnica padrão (RR, 0,29; IC 95%, 0,10-0,86).

Conclusão: Em comparação com a terapia padrão, o uso precoce da esfincterotomia pelo pré-corte não aumentou o risco de pancreatite pós-CPRE nessa meta-análise. Quando o procedimento é realizado por endoscopistas experientes e qualificados, o pré-corte precoce pode reduzir o risco de pancreatite pós-CPRE. As taxas de cateterização aumentaram quando o pré-corte precoce foi adotado. Mais estudos são necessários para confirmar estes resultados.

Comentário: 

Pontos fortes desse estudo:

  • Incluiu apenas trabalhos controlados e randomizados
  • Todos os trabalhos incluídos foram bem conduzidos
  • Grupo estudado bem pré-definido (pacientes com acesso difícil da via biliar)
  • O grupo estudado teoricamente está mais susceptível a ser necessário  a adoção do pré-corte

Pontos fracos desse estudo:

  • Pequeno número de trabalhos incluídos e a heterogenicidade entre os desenhos do estudo
  • A definição de canulação difícil variou entre os estudos
  • A técnica de pré-corte variou entre os estudos (foi incluído também pacientes que foram submetidos à fistulopapilotomia, técnica que já demonstrou em diversos estudos diminuir a taxa de pancreatite pós-CPRE).
  • Os pacientes incluídos nesses trabalhos não foram submetidos a nenhuma profilaxia para pancreatite (AINESs e/ou prótese pancreática), o que pode ter tido impacto na taxa de pancreatite pós-CPRE.

O presente estudo mostra que embora não haja nenhuma diferença na taxa global de acesso em pacientes com via biliar de acesso difícil, a adoção precoce da esfincterotomia pelo pré-corte parece aumentar as taxas de canulação em comparação com a técnica padrão (diversas tentativas). O uso precoce do pré-corte não aumentou o risco de pancreatite pós-CPRE e em mãos experientes pode realmente reduzir esse risco. Novos estudos que usam critérios de consenso para definir o acesso biliar difícil são necessários para confirmar a segurança dos pré-corte e determinar o momento ideal para adotá-lo.

Acesse o link desse artigo : aqui  

Confira também: CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II




Qualidade em Endoscopia – Como diagnosticar o câncer gástrico precoce?

Quanto mais cedo for realizado o diagnóstico do câncer gástrico, melhor o prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes. Lesões diagnosticadas e tratadas quando ainda estão restritas à mucosa ou submucosa e sem comprometimento linfonodal (estadio I) apresentam sobrevida média em 5 anos acima de 90%.  No Japão, metade dos cânceres gástricos são diagnosticados nesta fase. Esta é uma realidade muito diferente da brasileira. Por aqui, o diagnóstico no estadio I está bem abaixo dos 10% com grande variação entre os trabalhos e a sobrevida média em 5 anos é em torno de 20% (1).

 

sobrevida ca gastrico

Tabela 1. (Clique para ampliar) Sobrevida média em 5 anos de pacientes com câncer gástrico. Nashimoto A, et al. Gastric Cancer 2013.

A pergunta que fica é:  O que nós podemos fazer para melhorar nosso diagnóstico? Neste post tentaremos responder essa pergunta através de dicas para melhorar a técnica endoscópica, caracterizar melhor as alterações endoscópicas sugestivas de neoplasia precoce e discutir sobre como descrever corretamente estas lesões.   Este artigo é baseado na conferência da ESGE “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia”, realizada em Berlin na Alemanha no mês de abril deste ano. Todas as aulas desta conferência estão disponíveis no link http://www.quality-in-endoscopy.org/meeting-presentations-qie9.html.

 

O exame endoscópico

Para melhorar o diagnóstico precisamos melhorar a nossa técnica de avaliação. Muitas vezes, devido à falta de tempo, baixa remuneração ou grande número de pacientes para fazer exame,  deixamos de observar algumas coisas de extrema importância.

  1. Preparo

A presença de saliva, bolhas e muco durante o exame pode impedir a identificação de lesões discretas. Além disso, os movimentos peristálticos ou a hipercontratilidade do órgão também podem prejudicar a avaliação.  Para reduzir estes problemas algumas medidas podem ser utilizadas:

  • Administrar alguns minutos antes do exame:
    • Pronase 20.000 U ou 2 ml de  Acetilcisteína (Fluimucil) para diminuir o muco.
    • Simeticona – 2 ml diluídos em 50 ml de água para reduzir as bolhas.
  • Logo antes de iniciar o procedimento:
    • Administrar Buscopan 10 mg por via endovenosa para reduzir o peristaltismo.
  • Após a introdução do aparelho:
    • Aspirar todo o líquido  e se ainda houverem bolhas ou muco, realizar a lavagem com simeticona diluída em água até a limpeza completa.

 

muco ca gastrico precoce

Figura 1. (Clique para ampliar) Estômago com grande quantidade de saliva e bolhas, prejudicando a avaliação. Lesão deprimida identificada após a limpeza, insuflação e cromoscopia com índigo carmin. Imagem da aula “What we can learn with the japanese” de Akido Ono, apresentada na conferência “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia” da ESGE.

 

2. Insuflação

A falta de uma insuflação adequada muitas vezes impede a avaliação completa do órgão. O endoscopista deve insuflar completamente o estômago até as pregas se afastarem permitindo a avaliação da mucosa entre elas. Se o paciente tem um esfíncter esofágico inferior muito frouxo, com escape de ar impedido a adequada insuflação, a manobra de Sellick (compressão suave da cartilagem crico-tireóidea colabando o esôfago) pode ser utilizada para obter uma boa insuflação.

 

insuflacao ca gastrico precoce

Figura 2. (Clique para ampliar) Estômago mal insulflado. Lesão deprimida com retração de pregas identificada após a adequada insuflação. Imagem da aula “What we can learn with the japanese” de Akido Ono, apresentada na conferência “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia” da ESGE.

 

3. Exame cuidadoso

Para diagnosticar alterações discretas é necessário procurar com cuidado. Todas as paredes do órgão devem ser avaliadas e de preferência mais de uma vez, utilizando níveis diferentes de insuflação. Também é necessário dedicar tempo ao exame. Quanto maior o tempo de exame, maior a chance de identificar uma lesão precoce. Utilizando um valor de corte de 7 minutos é observada uma taxa de detecção 2 x maior de lesões de alto risco (atrofia, metaplasia intestinal e displasia gástrica) e 3 x maior no diagnóstico de displasia e câncer gástrico (2).

 

Reconhecendo as lesões

As lesões precoces muitas vezes apresentam alterações muito sutis que podem inclusive ser confundidas com mucosa normal ou trauma causado pelo aparelho. A utilização de um equipamento com alta definição e a utilização de corantes pode ajudar muito no diagnóstico.  Sempre que uma área suspeita é identificada, ela deve ser avaliada com cuidado. Todo o muco e saliva devem ser removidos, o estômago deve ser bem distendido e a cromoscopia eletrônica (NBI, Fice, I-Scan) ou com corantes (Índigo Carmin) devem ser utilizadas para caracterizar melhor a lesão.

 

caracteristicas ca gastrico precoce

Figura 3. (Clique para ampliar) Características endoscópicas das lesões precoces. Figura editada utilizando imagens da aula “What we can learn with the japanese” de Akido Ono, apresentada na conferência “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia” da ESGE.

 

Descrevendo as lesões

 

A descrição das lesões é muito importante. O laudo deve descrever todos os detalhes da lesão. Isto é fundamental para a decisão terapêutica e também para reduzir a repetição desnecessária do exame endoscópico.

Deve ser descrita a localização, distância de áreas de referência (cárdia, TEG, piloro, incisura angularis), tamanho e extensão da lesão, número, morfologia e suspeita clínica.  Também, se aplicável, deve ser descrita a presença de sinais de hemorragia, cirurgias prévias, presença de estenose, se a lesão é transponível ou não e também as técnicas endoscópicas utilizadas (cromoscopia, magnificação, biópsias, ressecções).  A documentação fotográfica ou em vídeo também é importante para a avaliação da lesão pela equipe que vai decidir a conduta terapêutica.

Para a descrição morfológica das lesões é importante utilizarmos classificações validadas. Isso permite uma comunicação eficiente entre o endoscopista e qualquer outro médico que avaliar o laudo. A mais indicada é  a classificação  Japonesa do câncer gástrico precoce. Utilizando esta classificação é possível estimar o risco de invasão submucosa.

Classificação Japonesa do Câncer Gástrico precoce:classificacao ca gastrico precoce

Figura 4. Clique para ampliar.

morfologia e invasao de submucosa ca gastrico

Figura 5. (Clique para ampliar) Classificação endoscópica e correlação com risco de invasão submucosa. Figura editada utilizando imagens da aula “What we can learn with the japanese” de Akido Ono, apresentada na conferência “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia” da ESGE.

 

Conclusão

No Brasil, o câncer gástrico é o quarto mais comum entre os homens e o sexto mais comum entre as mulheres. A mortalidade desta doença no nosso país continua bastante alta. Ainda vai demorar muito para nos aproximarmos das taxas de sobrevida japonesas, pois, não temos um programa de rastreamento (que provavelmente não seria custo-efetivo devido à nossa incidência), não temos a mesma tecnologia de imagem e muitos de nós, também não tem o tempo (ou a remuneração adequada)  para um exame tão detalhado. Porém, nós podemos tentar melhorar um pouco esta situação nos pacientes que passam por nós, através da aplicação  das medidas descritas anteriormente.  Podemos também, selecionar os pacientes que tem um risco aumentado e nestes casos, dedicar um pouco mais de tempo.  Pacientes acima de 50 anos que realizam o exame pela primeira vez, pacientes com HP positivo e principalmente os pacientes portadores de atrofia gástrica com metaplasia intestinal, tem um risco aumentado. Realizando um exame dedicado nestes pacientes podemos aumentar significativamente a taxa de identificação de câncer gástrico precoce.

Referências

 

1.Bruno Zilberstein; Carlos Malheiros; Laercio Gomes Lourenço; Paulo Kassab; Carlos Eduardo Jacob; Antonio Carlos Weston; Cláudio José Caldas Bresciani; Osvaldo Castro; Joaquim Gama-Rodrigues e Grupo do Consenso. Consenso brasileiro sobre câncer gástrico: diretrizes para o câncer gástrico no Brasil. Arq Bras Cir Dig; 26 (1); 2013

2. Teh JL, Tan JR et al. Longer examination time improves detection of gastric cancer during diagnostic upper gastrointestinal endoscopy. Clin Gastroenterol Hepatol. 2015.

3. ESGE “Quality in Endoscopy – Upper GI endoscopy and neoplasia”, conferência realizada em Berlin na Alemanha no mês de abril deste ano. Todas as aulas desta conferência estão disponíveis no link http://www.quality-in-endoscopy.org/meeting-presentations-qie9.html.




Dilatação endoscópica de estenoses em Doença de Crohn : Uma metanálise.

Dentro das doenças inflamatórias intestinais, a Doença de Crohn (DC) é conhecida por sua característica inflamação transmural, e assim, com possibilidade de evolução para formação de fístulas e estenoses do trato digestório.

Mesmo com o advento das medicações antiinflamatórias biológicas, que mudaram radicalmente a evolução das doenças inflamatórias intestinais, ainda hoje vemos vários pacientes que evoluem com estenoses, principalmente de intestino delgado e anastomoses ileocolônicas. Vale a premissa de que as cirurgias e procedimentos sobre o intestino delgado de pacientes com DC, devem ser as menores possíveis , “poupando” intestino”.

Em pacientes com estenoses sintomáticas, a dilatação balonada endoscópica pode ajudar a aumentar o intervalo “livre de cirurgia” do paciente, melhorando sua qualidade de vida .

Assim, os autores Udayakumar Navaneethan e cols, publicaram um metanálise de estudos sobre o uso de dilatação com balão em pacientes com estenose por Doença de Crohn, tendo como objetivo primário a taxa de intervenção cirúrgica e a segurança do procedimento de dilatação determinado pela taxa de complicações maiores (perfuração, sangramento, abscesso ou fístula), e como objetivo secundário, estudar os fatores que influenciam a eficácia da dilatação.

MÉTODOS :

  • Pesquisa no MEDLINE e EMBASE de estudos com pacientes submetidos a dilatação de estenose por DC, de 1980 a 2015. Foram excluídos estudos onde a dilatação foi realizada com enteroscopia (balão ou spiral).

 

RESULTADOS :

  • 24 estudos foram incluídos, totalizando 1163 pacientes (1571 estenoses que foram dilatadas), com idade variando entre 32,5 a 51 anos, com estenoses de extensão entre 1 e 4 cm, seguidos por um intervalo de tempo entre 15 e 70 meses.
  • A maioria das estenoses (69%) eram anastomóticas, e o restante, estenoses primárias (não anastomóticas), sendo a maioria da região de íleo .
  • Dilatações realizadas com balão de diâmetro máximo entre 18 e 20 mm (alguns estudos com dilatação até 25 mm), a maioria com progressão de diâmetro de balões. Oito estudos utilizaram injeção de corticóide em alguns dos pacientes.
  • A taxa de sucesso (estenose dilatada) foi de 89%, sendo o restante considerada falha da técnica.
  • Com seguimento de 15 a 70 meses, uma dilatação foi efetiva para 44% dos pacientes, sendo necessária mais de um procedimento para o restante dos pacientes. Em 314 pacientes, a cirurgia foi necessária devido falha na terapêutica ou evento adverso desta.
  • Eventos adversos maiores ocorreram em 4%, sendo que a perfuração ocorreu em 3%. Não houve mortalidade diretamente ligada ao procedimento.
  • Houve maior necessidade de cirurgia em pacientes com dilatação de estenoses não anastomóticas (29 vs 18%), porém esta diferença não é estatisticamente significante.
  • Estenoses mais extensas que 4cm tiveram maior taxa de cirurgia (21 vs 11%), sendo estatisticamente significativa a diferença

 

Assim , os autores concluem que a dilatação endoscópica com balão de estenoses em DC é um procedimento seguro e pode ser usado como alternativa a cirurgia , com melhores resultados em pacientes com estenoses menores que 4 cm.

Em minha clínica privada (Gastrosaúde-Marília), temos atualmente muitos pacientes em tratamento para Doença de Crohn, e pude realizar dilatação em vários destes. Em geral, o procedimento é efetivo, com melhora importante do sintomas (distensão abdominal pós alimentar e dor principalmente). Assim, quando há estenoses sintomáticas, sempre tentamos a dilatação. Observo também, que ao contrário do estudo, em nossa clínica é mais incomum o achado de estenoses de anastomose ileocolônica, muito provavelmente pela orientação mais atual de realizar anastomoses mecânicas longas.

 

Artigo original :

Navaneethan U, Lourdusamy V, Njei B, Shen B. Endoscopic balloon dilation inthe management of strictures in Crohn's disease: a systematic review and meta-analysis of non-randomized trials. Surg Endosc. 2016 Apr 28. [Epub ahead of print] PubMed PMID: 27126619.



ARTIGO COMENTADO – História natural e manejo de estenoses benignas de esôfago refratárias

Bases do estudo:

Estenoses benignas de esôfago possuem múltiplas etiologias, incluindo: cáustica, péptica, pós cirúrgica, por esofagite eosinofílica, pós ablação e ressecção endoscópica e pós radioterapia. As estenoses potencialmente possuem um impacto negativo significativo na qualidade de vida dos pacientes levando, não só a disfagia, mas também a desnutrição, perda de peso e risco de broncoaspiração. A maioria das estenoses benignas são tratadas com dilatação por sonda (“bougie”) ou balão, com resolução após 1 ou somente poucas sessões.  Contudo 30% – 40% das estenoses possuem recorrência em longo prazo. Em um grupo de pacientes (<10%), pelo menos 5 dilatações para, pelo menos, 14 mm não conseguem estabelecer adequada e persistente passagem do bolo alimentar. Esses casos são definidos como estenose esofagiana benígna refratária (RBES)

Algumas alternativas técnicas podem ser utilizadas para se evitar o tratamento cirúrgico, ou mesmo a necessidade de suporte nutricional via gastrostomia, entre elas cita-se: dilatação associada a injeção de esteroides no sítio de lesão, uso de próteses auto expansíveis plásticas ou metálicas, e mesmo auto dilatação. Tais técnicas possuem resultado ainda não bem estabelecido na literatura, com dados incertos sobre sua eficácia e pequeno tempo de seguimento dos pacientes.

Objetivo:

Avaliar o resultado do seguimento de longo prazo em pacientes com estenose esofagiana benigna refratária (> 6 meses)

Pacientes e método:

Análise retrospectiva de prontuários dos últimos 15 anos em dois centros terciários acadêmicos (Humanitas Research Hospital, Milan, Italy, e Hospital of the University of Pennsylvania, Philadelphia, Pennsylvania, USA). Selecionados pacientes com diagnóstico de estenose esofagiana recorrente ou refratária, definidos como a persistência ou recorrência de disfagia apesar do tratamento por, ao menos, 5 sessões de dilatação.

Foram realizadas sessões de dilatações com vários tipos de aparelhos, de diferentes marcas e diâmetro, com uso ou não de radioscopia, de acordo com a disponibilidade local de instrumentos, as características da estenose e o tipo de tratamento aplicado. O tratamento incluiu dilatação com sonda (“bougie”) ou balão, injeção de esteroides, colocação de próteses, realização de gastrostomia e cirurgia.

Foram extraídos de prontuário: dados clínicos e demográficos de cada paciente, incluindo sexo, idade do diagnóstico, etiologia, local e extensão da estenose, tipo e números de tratamentos aplicados, tempo livre de disfagia entre os tratamentos, resultados finais e eventos adversos.

O resultado primário avaliado foi a resolução clínica de disfagia definida por: manutenção do status livre de disfagia por, ao menos, 6 meses, sem necessidade de abordagem adicional no seguimento. Resultado desfavorável foi definido como a necessidade de abordagem adicional com tratamento endoscópico, gastrostomia ou cirurgia nesse intervalo.

Resultados:
  • Selecionados 70 pacientes com RBES (46 homens; média de idade de 60 anos
  • Seguimento médio de 43.9 meses (3.7-157 meses)
  • Etiologia:
    • Cáustica – 7 (10%)
    • Pós radioterapia – 10 (14,3%)
    • Cirúrgica – 22 (31,4%)
    • Mista – 28 (40%)
    • Pós inflamatória – 3 (4,3%)
  • Localização da estenose:
    • Cervical – 29 (41.4%)
    • Esôfago médio – 8 (11.4%)
    • Esôfago distal – 29 (41.4%).
    • Múltipla – 4 (5.8%)
  • Extensão da estenose:
    • < 2 cm – 15 (21.4%)
    • Entre 2 – 5 cm – 14 (20%)
    • > 5 cm – 7 (10%)
    • Informação não disponível – 34 (48.6%).
  • Todos os pacientes foram submetidos a sessões sequenciais de dilatação pneumática ou por sonda – média de 15.5 sessões por pacientes
  • Injeção de esteroide foi usada em 20 pacientes (28.6%), média de 1.65 sessões por paciente (1-7 sessões).
  • Stents
    • Metálico auto expansível (SEMSs) – 18 (25.7%) pacientes
    • Biodegradável – 14 (20%) pacientes
  • Eventos adversos:
    • Perfuração – 3 pacientes (4.3%)
    • Fistula – 4 (5.7%) – 2 em casos de dilatação e 2 em colocação de stent
    • Duas mortes (3%) foram relacionadas a RBES
  • A resolução dos casos RBES foi alcançada em somente 22 dos 70 (31.4%) pacientes.
  • A taxa de sucesso foi menor nos pacientes que foram tratados também com stents ( [OR] 3.7; 95% [CI], 1.01-18.0).
    • O tempo médio livre de disfagia foi de 3.3 meses (95% CI, 2.4-4.1) para pacientes tratados com dilatação e 2.4 meses (95% CI, 1.2-3.6) para pacientes tratados com stent (P = .062).
  • Ao longo do tempo, o tempo total livre de disfagia aumentou em uma taxa de 4.1 dias (95% CI, 1.7-6.4) por dilatação.
Conclusões:

O estudo apresentado demonstrou um resultado desapontador no seguimento a longo prazo das estenoses esofagianas benígnas refratárias, com resolução clínica alcançada somente em 1 a cada 3 pacientes. O tempo livre de disfagia foi relativamente pequeno, afetando a qualidade de vida. Stents não parecem afetar o resultado o tratamento dos pacientes com RBES.

Comentários:

O presente estudo constitui-se em uma das grandes séries da literatura que abordam pacientes com estenose esofagiana benígna refratária e apresentam dados de grande valor na avaliação e seguimento de tais casos. Assim como outras séries, percebe-se a complexidade no manejo dos pacientes com estenose refratária e baixa percentagem de resolução clínicas de tais casos.

Ao se analisar os dados detalhadamente, percebe-se que a maioria das estenoses refratárias descritas são de conhecido díficil manejo, como as de localização cervical (41.4% dos casos) e de maior tamanho (>2 cm em 21/36 – 58.3% – de tamanho conhecido), e que portanto, necessitam de abordagens em centros terciários especializados.

Chama atenção ainda, a incapacidade dos stents atualmente disponíveis em melhorar o resultado endoscópico final de tais pacientes. Novos stents específicos para tais lesões são necessários.

O fato do trabalho ser retrospectivo, não randomizado, não usar algorítmos definidos no tratamento e não usar escores de disfagia na avaliação traz limitações, sem dúvida. Estudos prospectivos e com desenho específico serão bem vindos.

 

Natural history and management of refractory benign esophageal strictures

DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.gie.2016.01.053

Alessandro Repici, Aaron J. Small,  Aaron Mendelson, Manol Jovani, Loredana Correale, Cesare Hassan, Lorenzo Ridola, Andrea Anderloni, Elisa Chiara Ferrara,Michael L. Kochman.




Características endoscópicas dos tumores neuroendócrinos retais podem prever metástases linfonodais?

 

A  incidência de tumores neuroendócrinos (TNE) retais tem aumentado ao longo dos últimos 35 anos. A maioria dos TNEs retais são diagnosticados por acaso, provavelmente devido ao aumento do número de sigmoidoscopias e colonoscopias de rastreamento.

 

O National Comprehensive Cancer Network recomenda que os TNEs retais ≤ 2 cm de diâmetro podem ser ressecados por excisão transanal ou por via endoscópica e os > 2 cm de diâmetro sejam submetidos a ressecção radical. No entanto, acometimento linfonodal (LNM) têm sido relatado em pacientes com TNE retais <6 mm de diâmetro, o que sugere que o tamanho do tumor por si só não é preditivo de invasão linfonodal.

Embora o tamanho do TNE retal esteja associado a presença de invasão linfonodal, este estudo descobriu que as características atípicas, especialmente mudanças de superfície, foram fortemente preditivas de acometimento linfonodal. Vide mais neste artigo.

 

 

Mas algumas características são incomuns como superfície irregular, base pediculada e coloração enantemática. Estas características incomuns têm sido associados com acometimento linfonodal, sugerindo uma associação entre os achados endoscópicos e acometimento linfonodal.

 

 

A capacidade de prever a probabilidade de acometimento linfonodal é importante para o tratamento, principalmente se a cirurgia radical for necessária para evitar a progressão do tumor. Na colonoscopia, o tamanho do TNE retal foi o único preditor de acometimento linfonodal. Este estudo foi desenhado para validar a associação entre características endoscopicas atípicas e acometimento linfonodal.

 

Pacientes

Os dados de 287 pacientes com TNE retais diagnosticados e tratados no Centro Nacional do Câncer (Goyang, Coréia do Sul) e Daehang Hospital (Seul, Coréia do Sul) entre janeiro de 2008 e dezembro de 2010 foram revisados. Oito pacientes com câncer colorretal síncrono, oito que foram submetidos a biópsias múltiplas antes de visitar as instituições e 24 cujas imagens endoscópica não estavam disponíveis foram excluídos deste estudo. Finalmente, 247 pacientes com TNE retais foram analisados. Destas 247 lesões, 208 foram submetida à ressecção endoscópica, 22 foram removidos por via transanal e 16 foram tratados com cirurgia radical. Um paciente recebeu apenas quimioterapia paliativa, porque tinha várias metástases hepáticas irressecáveis e peritoneal. Variáveis clínico-patológicas foram retrospectivamente coletadas dos prontuários dos pacientes. Este estudo foi aprovado pelo Institutional Review Board do Centro Nacional de Câncer da Coreia (NCC2014-0104).

 

Avaliação

Os pacientes foram submetidos a exame endoscópico com colonoscopia para diagnóstico e tratamento. As imagens endoscópicas foram revisadas independentemente por dois endoscopistas, resultando em coeficiente kappa de 0,76 para concordância. Quaisquer divergências entre os dois endoscopistas foram resolvidas por discussões abertas com todos os endoscopistas especializados.

Todos os pacientes foram submetidos a tomografia computadorizada (TC) do abdome e da pelve para a avaliação de acometimento linfonodal. Os pacientes foram considerados positivos para acometimento linfonodal se a tomografia computadorizada revelasse linfonodos > 3 mm na área periretal ou  linfonodos > 1 cm na pelve.

O tamanho dos tumores foram confirmados por relatórios de patologia, com exceção de um paciente que não foi submetidos a ressecção curativa, por causa de extensas metástases hepáticas. Todos os tumores foram classificados por tamanho (diâmetro mais longo), e, em seguida, por características endoscópicas, tais como forma, cor, e as alterações de superfície como: depressão, erosão e ulceração. Dos 247 lesões, 217 também foram avaliados imunohistoquimicamente.

 

 

 

 

 

O valor de corte para o tamanho do tumor neuroendócrino que pode determinar o plano de tratamento e avaliar o prognóstico do paciente não foi definitivamente estabelecido. Os tumores ≤ 10 mm de diâmetro podem ser localmente ressecados por métodos tais como a ressecção endoscópica, a excisão transanal ou microcirurgia endoscópica transanal.

O American Joint Committee  recomenda que pacientes com tumores ≥ 20 mm, seja realizada a ressecção cirurúrgica radical com dissecção de linfonodos. No entanto, o método adequado de remoção TNE retais 11-19 mm em tamanho permanece indeterminado, e nenhum estudo prospectivo controlado foi realizado para o planejar o tratamento para estes pacientes. Além disto dados da literatura demonstram em alguns estudos que metástases para linfonodos e órgãos distantes podem ocorrer em pacientes com TNE retais ≤ 10 mm de tamanho.

No levantamento feito neste artigo, 3 pacientes com tumores <10 mm de diâmetro tinham comprometimento linfonodal ao diagnóstico. Assim, o tamanho dos TNE de retais por si só é insuficiente para predizer o comprometimento linfonodal e assim determinar planos de tratamento.

Dos 3 pacientes com TNE retais ≤ 10 mm e comprometimento linfonodal, um apresentava característica atípica, sendo uma lesão semipediculada com erosão de superfície. Enquanto todos os 9 pacientes com tumores >10mm e <20mm e comprometimento linfonodal apresentavam lesões com uma ou mais características atípicas.

 

 

 

Limitações do estudo

A análise retrospectiva dos dados. Para avaliar o comprometimento dos linfonodos, foram usados como critérios na tomografia, nódulos > 3 mm de diâmetro na área periretal ou > 1 cm de diâmetro na pelve. Estes critérios demonstraram uma sensibilidade de cerca de 73% e uma especificidade de 58%. Assim, deve-se considerar a diferença entre a constatação na tomografia e na patologia. Tempo médio de follow-up dos pacientes do estudo foi de 44 meses (intervalo de 0-78 m), que, embora maior do que em outros estudos, ainda é curto para avaliar metástases distantes ou recorrência do tumor. Estudos de acompanhamento prospectivo de longo prazo são necessários para as análises de sobrevivência.

 

Conclusão

Em conclusão, o presente estudo sugere que os TNE retais ≤ 10 mm de diâmetro podem ser tratados por excisão local, enquanto que os tumores ≥ 20 mm de diâmetro devem ser tratados por ressecção radical com dissecção de linfonodos. Características endoscópicas atípicas podem ajudar a selecionar os planos de tratamento ideal para pacientes com redes retais 11-19 mm de diâmetro.

 

Clique aqui e leia o artigo na íntegra:  Clinical impact of atypical endoscopic features in rectal neuroendocrine tumors




Tratamento da infecção recorrente por Clostridium utilizando transplante de microbiota fecal

 

Artigo publicado na revista Clin Exp Gastroenterol. 2014, por Rahul Pathak e col

 

A infecção pelo Clostridium difficile (ICD) tornou-se uma preocupação global na última década. Nos Estados Unidos, houve um aumento escalonado  na incidência no período de 1996 a 2005, de 31 casos para 64/100.000 habitantes. Em 2010, houve 500.000 casos de ICD, com uma mortalidade estimada de até 20.000/ano. A importância deste problema torna-se mais evidente à partir dos custos hospitalares de mais de 3 bilhões de dólares por ano.

O transplante de microbiota fecal (TMF) foi descrito pela primeira vez em 1958 e, desde então, cerca de 500 casos foram publicados na literatura em várias séries e em diversos relatos. Este procedimento tem sido realizado principalmente em centros fora dos Estados Unidos, porém a aceitação de sua prática tem sido difícil.

Recentemente a Food and Drug Administration (FDA) rotulou o transplante de fezes como sendo uma droga biológica; e que futuramente diretrizes serão necessárias para ajudar a estabelecê-lo como um tratamento padrão. Mais desses procedimentos precisarão ser realizados nos EUA para que o método popularize-se e que diretrizes possam ser estabelecidas.

 

Método

Revisão retrospectiva de série de pacientes com infecção pelo Clostridium difficile que foram tratados com transplante de microbiota fecal ao longo de um período de 3 anos.

 

Resultados

  • 12 pacientes foram submetidos ao TMF , sendo 4 homens e 8 mulheres
  • Idades variaram de 37-92
  • O seguimento variou de 2-30 meses
  • Todos apresentavam ICD grave não-responsivas aos tratamentos convencionais
  • Apenas um paciente não respondeu e exigiu um segundo TMF.
  • Não houve complicações associadas ao transplante e todos os pacientes tiveram resolução dos sintomas dentro de 48 horas após o transplante.

 

Conclusão

O transplante de microbiota fecal para as infecções recorrentes e graves por C. difficile é barato, bastante disponível e extremamente eficaz. Pode ser realizado com segurança em hospitais que não sejam centros de referência com resultados semelhantes aos apresentados nos grandes centros.

Comentário

A aceitação do transplante fecal ainda é difícil. A noção de doação de fezes não é tão nobre como a doação de um rim ou parte do fígado. Os resultados, no entanto, são incomparavelmente melhores. As taxas de sucesso do transplante fecal têm se mostrado muito superiores aos tratamentos padrões atualmente disponíveis. A aceitação do TMF melhora quando a taxa de sucesso é exposta aos membros da família.

O TMF apresenta benefícios com base em evidências. Seu primeiro relato foi em 1958 e ficou “esquecido” durante décadas, até que em 2013 um grupo holandês publicou no New England Journal of Medicine um ensaio clínico comparando 3 grupos de pacientes, onde dois deles eram submetidos a antibioticoterapia e um recebia o TMF através da infusão fecal pelo duodeno. Esse estudo revelou uma taxa de cura de 94% nos pacientes que receberam o transplante de fezes em comparação a taxas bem menores dos outros dois grupos (23 e 31%). Esse trabalho colocou novamente o tranplante fecal em evidência no meio científico, deixando de ser um procedimento pouco atraente para o ponto onde os médicos começaram a falar sobre suas altas taxas de cura em estudos posteriores. O ressurgimento dessa terapia nos últimos anos, pode ter sido impulsionado pelos elevados custos gerados com tratamentos padrões, o aumento da incidência de doença recorrente, e a morbidade que provocada a esses pacientes.

 

Atualmente são raros os serviços no Brasil que já realizaram essa modalidade terapêutica, porém acreditamos que com esses resultados expressivos corroborados por diversos estudos, e associados ainda, a raros efeitos colaterais e ao baixo custo, seu emprego tende a difundir-se  para se tornar o padrão-ouro em casos recorrentes onde houve falha do tratamento convencional.

 

Referência do artigo original:

Pathak R, Enuh HA, Patel A, Wickremesinghe P. Treatment of relapsing Clostridium difficile infection using fecal microbiota transplantation. Clinical and Experimental Gastroenterology. 2014;7:1-6. doi:10.2147/CEG.S53410. Link do artigo

 




Gastroenterostomia guiada por ecoendoscopia: primeira experiência clínica dos EUA

O tratamento da síndrome de obstrução ao esvaziamento gástrico (SOEG) pode ser realizado endoscopicamente com a passagem de prótese metálica, ou mesmo através da abordagem cirúrgica.

Entretanto a passagem de prótese metálica coberta está associada com disfunção a longo prazo, seja por migração ou oclusão do lúmen da prótese. E a abordagem cirúrgica, por ser mais invasiva, pode estar associada a maiores custos e a um maior tempo de internação hospitalar.

A realização de gastroenterostomia guiada por ecoendoscopia (EUS-GE) é um procedimento novo, minimamente invasivo, que tem sido descrito principalmente em modelos animais. É uma técnica que pode oferecer patência prolongada da prótese, sem o risco de ingrowth ou overgrowth tumoral.

Objetivo:

 Reportar a primeira experiência com a realização de EUS-GE nos EUA, com relação a taxa de sucesso técnico, clínico, e de eventos adversos

Pacientes e métodos:

  • Estudo retrospectivo realizado em 2 centros americanos (Johns Hopkins, and University of North Carolina).
  • Pacientes com SOEG de origem benigna e maligna foram selecionados.
  • Sucesso técnico foi definido como o adequado posicionamento e liberação da prótese sob visão direta e fluoroscópica.
  • Sucesso clínico foi definido como a possibilidade do paciente tolerar a ingestão de dieta oral sem vômitos.

Procedimento:

Todos os pacientes receberam antibiótico profilaticamente. A técnica foi realizada de 2 formas: direta através de ecoendoscopia; ou com auxílio de balão.

A técnica direta é realizada pela punção da alça de delgado adjacente ao estômago, com posterior realização de enterografia, dilatação do trajeto, e por fim com passagem de prótese coberta com aposição dos lúmens (15 x 10 mm; Axios, Xlumena, Mountain View, Calif). A técnica assistida por balão envolve a passagem e posicionamento de um balão dilatador no delgado, que posteriormente é insulflado para guiar a puncão ecoendoscópica. O estouro e esvaziamento do balão indica a realização de uma punção adequada, a seguir os passos são semelhantes a técnica descrita anteriormente.

Os pacientes foram mantidos no hospital após o procedimento, e receberam antibiótico por mais 3 dias. Dieta líquida foi iniciada no dia seguinte, sendo progredida conforme aceitação. Pacientes receberam alta quando demonstraram aceitação adequada da dieta.

Resultados:

No período do estudo, 10 pacientes foram submetidos a EUS-GE, sendo:

  • Idade média: 55,8 anos; 7 homens;
  • Etiologia por câncer em 3 pacientes;
  • 9 pacientes realizaram a EUS-GE assistida por balão, e apenas 01 com a técnica direta;
  • Houve falha na realização de EUS-GE em 1 caso, pela perda do fio-guia durante a dilatação do trajeto com balão.

Dessa forma:

  • Sucesso técnico: 90% (9/10);
  • Não houve eventos adversos relacionados ao procedimento;
  • Tempo médio de realização: 96 min (rg 45 – 152 min) e tempo médio de hospitalização de 2.2 dias (2- a 3 dias);
  • Sucesso clínico com aceitação de dieta sólida foi possível em todos os 9 pacientes (100%)
  • Não houve recorrência após um acompanhamento médio de 150 dias (96 a 227 dias).

Conclusão:

A realização de gastroenteroanastomose por ecoendoscopia é um procedimento novo, ainda com poucos casos realizados em centros avançados de endoscopia, entretanto por sua abordagem prática e menos invasiva pode ser no futuro próximo o método de primeira linha para tratamento de pacientes com SOEG.

Referência e link para acesso ao artigo:

Khashab MA, Kumbhari V, Grimm IS, et al. EUS-guided gastroenterostomy: the first U.S. clinical experience (with video). Gastrointest Endosc 2015 Nov;82(5):932-8.

 




Realização rotineira de ileoscopia com biópsias de íleo terminal

Não existe argumentação contra a realização da ileoscopia terminal durante a colonoscopia. Adiciona pouco tempo ao exame, ajuda no diagnóstico de várias doenças e também confere a certeza de que a colonoscopia foi completa.

Porém, ainda se discute o papel de biópsias quando macroscopicamente não há alterações mucosas do íleo terminal e o paciente apresenta queixas clínicas compatíveis com doenças que possam afetar a região. Assim, para melhor avaliar este aspecto, um grupo de pesquisadores do Sri Lanka decidiu realizar o estudo : Usefulness of Routine Terminal Ilescopy and Biopsy during Colonoscopy in a Tropical Setting: A retrospective Record Based Study .

Materias e métodos :

O estudo retrospectivo incluiu todos os pacientes que realizaram colonoscopia no serviço de 2008 a 2011. Foram excluídos da análise os pacientes com diagnóstico conhecido de doença de Crohn, retocolite ulcerativa (“ileíte de refluxo”), ileíte inespecífica ou com dados insuficientes para o estudo. Assim, de 1096 pacientes (988 intubações do íleo – 90,1%), 764 foram incluídos no estudo.

Os pacientes foram divididos em dois grupos :

Grupo A :

indicação definitiva de biópsias (paciente com diarreia, dor em fossa ilíaca direita, anemia, suspeita de doença inflamatória e aumento de provas inflamatórias).

Grupo B :

sem indicação definitiva de biópsias (todos os pacientes com outras indicações de colonoscopia).

Foi considerado anormal o achado de úlceras, estenoses ou sinais inflamatórios. As biópsias foram dirigidas às lesões quando presentes  e onde não haviam lesões as biópsias foram realizadas aleatoriamente por quadrantes à cerca de 5 cm da válvula íleocecal.

Resultados :

Dos 764 pacientes submetidos à ileoscopia, foram detectados 81 pacientes com anormalidades do íleo terminal. Destes, 54 possuíam anormalidades macroscópicas, dos quais, 20 também possuíam anormalidades microscópicas (10 casos de Doença de Crohn, 6 casos de tuberculose, 3 casos de infecção e 1 caso de ileíte por AINES). Vinte e sete pacientes possuíam apenas lesões microscópicas (18 casos de Doença de Crohn, 5 casos de Infecção e 4 de ileíte por AINES).

Foram alocados 555 pacientes no grupo A (indicação de biópsias) e 209 pacientes no grupo B (sem indicação definitiva). O achado de alterações macroscópicas, sem implicação microscópica, foi maior no grupo A, porém, não foi estatisticamente significativo em relação ao grupo B (29 vs 5 casos p=0.14). Também houve maior número de achado de lesões microscópicas no grupo A, sendo esta diferença estatisticamente significativa (43 vs 4 casos , p=0.0048)

Assim, os autores concluem a utilidade das biópsias, em pacientes com sinais ou sintomas (diarreia, anemia , alteração de provas inflamatórias ou suspeita de doença inflamatória), mesmo na ausência de achados macroscópicos em íleo terminal.

Este trabalho é interessante pelo aspecto de ser realizado em um país tropical, que talvez possa se assemelhar ao nosso. Outro aspecto importante é a conclusão de biopsiar o íleo terminal mesmo na ausência de lesões. Esta indicação até é seguida por alguns, principalmente em casos de diarreia, mas é incomum para outras indicações.

Vejo na prática clínica, em minha região, um distanciamento da conduta indicada, já que muitos endoscopistas sequer fazem ileoscopia (mesmo com indicação clara de suspeita de, por exemplo, doença inflamatória). Logicamente como especialista, tento realizar a ileoscopia em todos os pacientes (a taxa de intubação do íleo também é considerada marcador de qualidade do endoscopista) e realizo biópsias em todos os pacientes com diarreia e suspeita de doença  de Crohn, mesmo com mucosa aparentemente normal. E você, qual sua conduta? Discuta conosco no campo de comentários !

Artigo original (free) :

Wijewantha HS, de Silva AP, Niriella MA, Wijesinghe N, Waraketiya P,Kumarasena RS, Dassanayake AS, Hewawisenthi Jde S, de Silva HJ. Usefulness of Routine Terminal Ileoscopy and Biopsy during Colonoscopy in a Tropical Setting: A Retrospective Record-Based Study. Gastroenterol Res Pract. 2014;2014:343849. doi:10.1155/2014/343849

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