Tratamento de estenose benigna gastrointestinal com prótese de aposição de lúmen

O artigo publicado na edição de Junho de 2017 da revista Gastrointestinal Endoscopy testa uma alternativa ao tratamento convencional da estenose benigna do trato gastrointestinal.

Essas estenoses são tradicionalmente tratadas com dilatação, estenotomias ou injeção de corticosteroides. Stents metálicos auto-expansíveis são raramente usados nessas situações e geralmente são reservados para casos refratários. Cabe destacar, ainda, a elevada taxa de migração desses stents que pode atingir 30 a 40%.

O stent metálico com aposição de lúmen tem um design diferente e foi aprovado para uso nos EUA inicialmente para a drenagem de coleções pancreáticas (Axios stent, Boston Scientific). Esse stent tem extensão longitudinal curta (limitada em apenas 10 mm) com extremidades amplas (23 a 28 mm) e com diâmetros que variam de 10 a 15 mm. O artigo trata de um estudo multicêntrico que avalia o uso desse stent para o tratamento de estenoses benignas do TGI.

Axios stent. Divulgação Boston Scientific

 

MÉTODO

No período de Agosto de 2014 a Novembro de 2015, 25 pacientes de 2 hospitais terciários foram tratados. A programação era que os pacientes permanecessem com os stents por cerca de 90 dias.

O Sucesso técnico foi definido como a colocação adequada dos stents, confirmada endoscopicamente e radiologicamente. Sucesso clínico foi definido como a melhora clínica dos sintomas por pelo menos 6 meses após a colocação dos stents.

Foram realizadas 28 colocações de stents (3 pacientes colocaram stents com diâmetro de 10 mm que imediatamente foram removidos para recolocarem um de 15 mm) para tratar diferentes estenoses benignas com extensão menor do que 1 cm.

A localização das estenoses variou incluindo anastomoses esofagogástricas (n=4), anastomoses gastrojejunais (n=13), estenoses pilóricas (n=6), estenose pós gastroplastia vertical (n=1) e anastomose ileocolócia (n=1).

Vinte pacientes haviam sido previamente tratados com dilatação isolada, 11 pacientes com dilatação e injeção de corticosteroides, 2 pacientes com estenotomia e 1 paciente com colocação de um stent metálico auto-expansível totalmente recoberto convencional, que migrou precocemente.

Prótese metálica de aposição de lúmen. Tratamento de estenose de anastomose. Adaptado de Shayan et al. http://dx.doi.org/10.1016/j.gie.2016.08.028

RESULTADOS

  • Média de idade  de 54 anos. Foram tratados 7 pacientes do sexo masculino e 18 do sexo feminino.
  • Sucesso técnico foi alcançado em todos os pacientes,
  • Sucesso clínico foi alcançado em 15 dos 25 pacientes (60%).
  • Tempo médio de permanência do stent  de 92 dias com seguimento médio  de 301 dias para as diferentes causas de estenose.
  • As estenoses de anastomoses gastrojejunais e estenoses pilóricas apresentaram as respostas mais favoráveis.

Complicações

  • Migração de stent foi observada em 2 de 28 procedimentos (7%)
  • 5 eventos adversos: Dor que necessitou remoção do stent em 2 pacientes, formação de nova estenose em 2 pacientes e sangramento em 1 paciente.

 

DISCUSSÃO

Estenose benigna não constitui indicação precisa para o uso de stent. Próteses parcialmente recobertas são de difícil manejo e remoção. As próteses totalmente recobertas migram com facilidade e mesmo quando são utilizados dispositivos para evitar a migração como clipes ou  sutura endoscópica as taxas podem atingir 15%. O estudo apresentado mostrou uma taxa de migração baixa, de 7%, provavelmente devido ao design do stent utilizado.

Outro fato a ser destacado é que as próteses tradicionais são muito longas em relação à extensão das estenoses e podem provocar lesões teciduais adicionais. Neste estudo, dois pacientes desenvolveram estenoses proximais aos stents, associadas a tecido de granulação. Isso pode ter ocorrido, também, devido ao design do stent (curta extensão e extremidades amplas), os mesmos atributos que resultam em menores taxas de migração.

O pequeno número de pacientes e o curto acompanhamento limitam as conclusões, bem como seu desenho retrospectivo, abordagem de causas diversas de estenose e a falta de um braço de tratamento de controle.

Os autores concluem que a colocação desses stents é tecnicamente fácil e relativamente segura. No entanto, algumas questões permanecem: apesar do sucesso técnico ter sido obtido em todos os pacientes, a resposta clínica global foi de 60%. Não se sabe qual é o diâmetro ideal do stent, não há estudos de custo-efetividade e a comparação entre as diferentes técnicas é difícil.

A abordagem algorítmica usual para estenoses GI benignas permanece a mesma. Deve-se começar com a dilatação endoscópica, aumentando até atingir 14 a 15 mm. Estenotomia pode ser realizada para estenoses curtas e semelhantes a anéis. Injeções de corticosteroides podem ser tentadas após falha na dilatação isolada e progredindo para colocação de stent em casos selecionados, apenas após sucessivas falhas das intervenções acima.

 

REFERÊNCIA

Use of a lumen-apposing metal stent to treat GI stricture. Gastrointestinal endoscopy Vol 85 N.06, 2017.  Link para o artigo – clique aqui

Nota: O artigo contém um  vídeo muito didático demonstrando a técnica, porém, é necessário login e senha para acessar o conteúdo restrito do Jornal Gastrointestinal Endoscopy.




Artigo Comentado – Ecoendoscopia na hipertensão portal e no seguimento de pacientes após terapia com ligadura elástica

As recomendações atuais para profilaxia secundária após hemorragia varicosa são a terapia endoscópica com ligadura elástica associada ao uso oral de betabloqueadores. Apesar do tratamento endoscópico ser efetivo na erradicação das varizes, a recidiva das varizes esofágicas é frequente no primeiro ano de acompanhamento. Motivo pelo qual está indicado um seguimento endoscópico para detecção precoce da recidiva das varizes esofágicas. Entretanto, somente a análise endoscópica não é capaz de predizer esse desfecho e quais pacientes irão apresentar novo episódio de sangramento.

Uma vez que as varizes esofágicas são apenas a porção endoscopicamente visível da circulação colateral portossistêmica, a ecoendoscopia pode fornecer imagens anatômicas de alta resolução dos vasos colaterais ao redor do esôfago. Alguns estudos prévios correlacionaram alterações de estruturas vasculares paraesofágicas com a recidiva de varizes esofágicas, sendo as mais estudadas: a veia ázigos, o ducto torácico e as varizes paraesofágicas.

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Desenho esquemático da anatomia paraesofágica  na hipertensão portal.

O estudo a ser comentado foi publicado na revista Gastrointestinal Endoscopy em Setembro de 2016 e foi originado da minha tese de doutorado na faculdade de medicina de São Paulo (USP) que teve como orientador Dr Fauze Maluf.

Metodologia e Objetivo

  • Estudo prospectivo em pacientes cirróticos, acima de 18 anos e após o primeiro episódio de hemorragia digestiva por varizes esofágicas;
  • A profilaxia secundária instituída foi terapia endoscópica com ligadura elástica e uso de betabloqueador por via oral;
  • Utilização da ecoendoscopia na análise do diâmetro máximo de três estruturas paraesofágicas: veia ázigos, ducto torácico e varizes paraesofágicas;
  • As análises ecoendoscópicas foram realizadas em 2 momentos: antes da terapia com ligadura elástica e após a erradicação das varizes esofágicas;
  • Correlacionar os diâmetros máximos destas estruturas com a recidiva de varizes esofágicas após 1 ano de seguimento endoscópico trimestral.

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Visão esquemática de imagem ecoendoscópica da anatomia paraesofágica

 

Resultados

  • Foram encaminhados 317 pacientes para terapia endoscópica das varizes esofágicas. Dos quais, um total de 30 foram inclusos no estudo e acompanhados com endoscopia trimestral por um período de 1 ano.

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Fluxograma dos pacientes do estudo

Com o seguimento endoscópico, foi identificada recidiva das varizes esofágicas em 17 (57%) pacientes; e não houve caso de ressangramento. Sendo os pacientes divididos em dois grupos:

  • recidivantes
  • não recidivantes das varizes esofágicas

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Paciente recidivante. A: Visão endoscópica após a erradicação das varizes esofágicas; Imagem ecoendoscópica; – B: Ducto torácico (2,1 mm); C: Veia ázigos (7 mm); D: Varizes paraesofágicas (7,8 mm)

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Paciente não recidivante. A: Visão endoscópica após a erradicação das varizes; Imagem ecoendoscópica – B: Ducto torácico (4,2 mm); C: Veia ázigos (7,8 mm); D: Varizes paraesofágicas

(3,1 mm)

  • Após análise estatística, foi observado que não houve correlação entre os diâmetros máximos da veia ázigos e do ducto torácico com a recidiva das varizes esofágicas.
  • Entretanto, o diâmetro máximo das varizes paraesofágicas foi um fator preditivo na recidiva das varizes em ambos os momentos de avaliação, antes (p17) e após (p 0.004) a terapia com ligadura elástica.

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  • Para determinar os melhores valores de corte para estes parâmetros, foi realizada uma curva ROC. Os valores de corte obtidos foram: 6,3 mm antes (52% de sensibilidade e 92,3% de especificidade) e 4 mm após a terapia com ligadura elástica (70,6% de sensibilidade e 84,6% de especificidade).

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Curva ROC para determinação dos melhores valores de corte para o diâmetro máximo das varizes paraesofágicas

Discussão

  • Alterações vasculares encontradas nos pacientes com hipertensão portal podem estar relacionadas a recidiva das varizes esofágicas. Desta forma, talvez seja possível individualizar o seguimento destes pacientes de acordo com estes achados.
  • O diâmetro máximo das varizes paresofágicas apresentou correlação estatística com a recidiva das varizes esofágicas em ambos os momentos de estudo. Entretanto, a análise ecoendoscópica após a terapia com ligadura elástica foi um melhor preditor, devido a um menor valor de corte (4 mm), a uma maior sensibilidade e a uma maior área sob a curva na curva ROC (AUC 0,801 vs 0,749).
  • Na maioria dos estudos prévios, não de pôde determinar qual o melhor período para avaliação ecoendoscópica. O diferencial deste estudo foi a realização de duas análises ecoendoscópicas.
  • Apesar das varizes paraesofágicas terem sido preditoras em ambos os períodos, foi sugerido que após a terapia com ligadura elástica seja um melhor momento para avaliação.
  • Outro aspecto importante desse trabalho foi que um tratamento individualizado visando especificamente as varizes paraesofágicas poderia ser proposto:
    1. Caso uma avaliação ecoendoscópica antes da terapia com ligadura elástica evidenciasse varizes paraesofágicas maiores que 6,3 mm, uma terapia combinada de ligadura elástica e escleroterapia poderia ser proposta ao invés de ligadura elástica isolada.
    2. Caso uma avaliação ecoendoscópica após a terapia com ligadura elástica evidenciasse varizes paraesofágicas maiores que 4 mm, uma escleroterapia ecoguiada diretamente nas varizes paraesofágicas poderia ser considerada. Procedimento que já foi demonstrado factível em trabalho prévio realizado no Brasil pelo Dr Gustavo Andrade de Paulo.

 

Link para o artigo




ARTIGO COMENTADO – Eficácia da reavaliação segmentar do cólon proximal para detecção de adenomas durante a colonoscopia: um estudo randomizado e controlado

Atualmente a taxa de detecção de adenomas (ADR) é um fator preditor independente no risco de câncer colorretal (CRC) e, assim como o tempo de retirada do aparelho, está entre os mais importantes indicadores de qualidade em colonoscopia. No entanto, a colonoscopia tem mais a oferecer na prevenção e redução da mortalidade por CRC. Segundo evidências crescentes na literatura parece haver uma brecha nessa proteção quando falamos do cólon proximal. A morfologia das lesões (mais frequentemente planas), bem como a localização por trás de pregas, a dificuldade de estabilização do aparelho em flexuras e o preparo inadequado, são alguns fatores que podem explicar uma maior dificuldade em flagrar lesões no cólon direito.

O estudo a ser comentado abaixo, foi publicado na revista Endoscopy em março de 2017.

Seus autores pertencem ao Departamento de Gastroenterologia e ao de Epidemiologia da Universidade de Shandong, China.

Colonoscopia em tandem, em retrovisão, colonoscopia com água e de espectro ampliado têm sido apresentadas como estratégias para melhorar a ADR.

Esse estudo comparou prospectivamente duas opções mais facilmente aplicáveis : reavaliação do segmento proximal e o exame por tempo prolongado.

Metodologia : estudo simples-cego, randomizado e prospectivo em centro único.

População: 386 pacientes com moderado a alto risco de CRC (escore APCRC ≥ 2).

Grupo A: colonoscopia com duplo exame desde o ceco até a ângulo esplênico (duas vezes ceco-ângulo hepático e duas vezes hepático-esplênico).

Grupo B: colonoscopia com tempo estendido (tempo alvo de 4 minutos no cólon proximal) em única retirada.

Excluídos :  A (-15) e B (-11), por diversos motivos, a saber: preparo ruim, exame incompleto, CRC atual ou prévio, doença inflamatória intestinal, síndrome poliposa.

N final: 360 pacientes

Objetivo primário: comparar a taxa de detecção de adenomas entre os grupos

Objetivo secundário: taxas de detecção de pólipos, adenomas, e tempo de retirada.

Resultados e comentário

Foi observada maior taxa de detecção de adenomas proximais (33.1% vs. 23.6%; P= 0.045), bem como um maior número de adenomas proximais por pacientes 0.54 vs. 0.36; P=0.048) no grupo da reavaliação, sem diferença quanto a adenomas avançados. Os autores apontam para a possibilidade de que a reintrodução do aparelho e a segunda retirada permitam que áreas não apropriadamente examinadas na primeira inspeção possam ser observadas em novos ângulos. O mesmo não ocorreria em exames feitos apenas com a retirada mais lenta do aparelho.

Aí você pode estar se perguntando – mas seria viável fazer a reavaliação de segmentos proximais no cotidiano de um serviço de endoscopia? Todos sabemos da pressão que o volume de exames exerce no fluxo de uma unidade, e esse poderia ser apontado como um fator limitante. No entanto, no estudo não foi observada diferença entre os grupos quanto ao tempo de retirada nos segmentos proximais ou no tempo total do exame.

Fora dos seus objetivos principais, o artigo ainda traz outras informações que merecem destaque. No grupo da reavaliação foi observada uma taxa de 36,6% de lesões perdidas na primeira inspeção. Os autores ponderam que isso pode ser resultado da pouca experiência de examinadores, uma vez que 2 colonoscopistas com menos de 3 anos de experiência foram responsáveis por mais da metade (56,7%) dos procedimentos do grupo da reavaliação. Outro dado que merece atenção é o fato de 90% das lesões encontradas nas flexuras hepática e esplênica só terem sido identificadas na reavaliação.

Em razão das fragilidades no desenho do estudo, apontados pelos próprios autores, como o fato de não ser multicêntrico por exemplo, seus resultados devem ser tomados com parcimônia. Porém, esse trabalho provoca uma discussão valiosa sobre como encaramos o cólon proximal e também se poderíamos oferecer maior prevenção do CRC a nossos pacientes.

O assunto deve ser tratado com franqueza, sobretudo no ambiente de treinamento em colonoscopia. É comum observar médicos em treinamento preocupados em serem rápidos, na mesma medida em que é raro encontrar aquele que saiba a sua própria taxa de detecção de adenomas. Neste estudo, aliás, na análise por regressão logística, tempo de retirada mais curto foi o único preditor de uma menor taxa de detecção de adenomas.

Guardadas suas limitações, o estudo aponta, que a reavaliação do cólon proximal aumenta a detecção de lesões nesse segmento com facilidade e segurança. No entanto, antes disso, princípios como preparo e limpeza do cólon, exame sistemático e cuidadoso, devem ser sempre reafirmados e lembrados como necessários e obrigatórios.

Artigo original:

Eficácia da reavaliação segmentar do cólon proximal para detecção de adenomas durante a colonoscopia: um estudo randomizado e controlado

Leitura sugerida:

Como aumentar sua taxa de detecção de adenomas?

 

 




Solução de Ringer Lactado em combinação com indometacina via retal para prevenção da pancreatite pós-CPRE e readmissão: um ensaio prospectivo randomizado, duplo cego, controlado por placebo

  • Objetivos do estudo: Dados prospectivos mostraram o benefício da indometacina retal (Ind) para a prevenção da pancreatite pós-CPRE (PEP). Um estudo piloto recente demonstrou uma menor incidência de PEP após 8 horas da infusão de uma solução de Ringer de lactato (RL). O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da indometacina via retal com ou sem o bolus de ringer lactato em pacientes de alto risco para PEP

 

  • Métodos: Neste ensaio randomizado, duplo-cego, controlado com placebo, 192 pacientes foram divididos em 4 grupos:

1. Solução salina (SS) + placebo = 48 pacientes

2. Solução salina + indometacina = 48 pacientes

3. Ringer lactato + placebo = 48 pacientes

4. Ringer lactato + indometacina = 48 pacientes

Todos os grupos receberam um litro de fluido em um período de 30 minutos.

Os critérios de inclusão foram estabelecidos afim de selecionar os pacientes que apresentavam alto risco para PEP .

Os critérios de exclusão foram : pancreatite, contraindicações a indometacina ou sinais de sobrecarga de volume.

O desfecho primário foi a PEP, definido por critério padronizado.

Os desfechos secundários foram pancreatite aguda grave, eventos adversos, morte, tempo de permanência e readmissão.

 

Resultados: a amostra foi constituída por 192 pacientes (48 por grupo) que completaram o seguimento às 24 horas e aos 30 dias pós-CPRE.

  • Todos os pacientes tinham pelo menos um critério de alto risco para PEP, e 56% tinham> 1.
  • PEP ocorreu em 3 pacientes (6%) no grupo RL + Ind versus 10 (21%) no grupo SS + placebo (p = 0,04).
  • As taxas de readmissão foram menores no grupo RL + Ind (1 [2%]) versus o grupo SS + placebo (6 [13%]; P = 0,03).
  • Não foram encontradas diferenças entre os outros grupos do estudo. Houve 1 caso de pancreatite grave (SS + Ind) e 1 caso de pseudocisto (RL + Ind).

 

Conclusões: em doentes com elevado risco de pancreatite, o ringer lactato +  indometacina via retal, reduziram a incidência de PEP e as taxas de readmissão em comparação com a infusão de solução salina + placebo.

 

Comentário: Claramente, o uso de indometacina retal está se tornando mais uma profilaxia rotineira para pacientes com risco médio e alto. Esse estudo surpreendeu, pois a vantagem do ringer lactato em relação a solução salina foi bem melhor. O mecanismo sugerido para a tal vantagem do seria por diminuição da acidificação do tecido pancreático, inibindo assim a ativação do zimogênio e mantendo a microcirculação pancreática. Dado que a solução de ringer é segura e barata, e que os pacientes estão recebem fluidos intravenosos para cada CPRE, sugere-se que também seja realizada uma infusão (em 30 min) antes do procedimento. Apesar do resultados animadores, estudos mais aprofundados devem ser realizados para confirmar os resultados obtidos nesse presente trabalho.

 

Clique aqui para ter acesso ao artigo original.




ARTIGO COMENTADO – HEMOSPRAY no tratamento do sangramento gastrointestinal

O HemosprayTM é um novo pó hemostático desenvolvido para uso endoscópico.

É composto de partículas não orgânicas, biologicamente inertes, que se tornam aderentes e coesas quando entram em contato com a umidade do TGI. Funciona portanto, como uma barreira hemostática mecânica.

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Clique para ampliar: Mecanismo de ação do Hemospray

Para que ocorra a ação eficaz do Hemospray, é necessário que haja sangramento ativo. Ele não estaria indicado, por exemplo, em casos de úlceras Forrest IIa, IIb ou IIc.

Algumas séries de casos já haviam descrito bons resultados com o uso deste produto. Este artigo canadense publicado na Endoscopy em 2015, resume a maior experiência clínica até então com o uso do Hemospray.

Link para o artigo original: Hemostatic powder TC-325 in the management of upper and lower gastrointestinal bleeding: a two-year experience at a single institution. Chen YI, Barkun A, Nolan S. Endoscopy. 2015 Feb;47(2):167-71.

Métodos

Análise retrospectiva dos pacientes submetidos a tratamento com Hemospray entre 2011 e 2013 na Universidade de McGill (Canada).

Indicações
  • HDA não varicosa não maligna
  • HDA por doença maligna
  • HDB
  • Sangramento intra-procedimento
Resultados
  • 67 aplicações de Hemospray em 60 pacientes
  • Hemostasia imediata com sucesso em 66 aplicações (98.5%)
  • Ressangramento precoce em 6 (9.5%)  e tardio em 9 (14.3%)
  • Não houve complicações relacionadas ao uso do pó hemostático.
Resultados em pacientes com HDA não varicosa não maligna
  • 21 pacientes
  • Hemostasia inicial com sucesso em 20 pacientes.
    • Hemostasia não foi possível em um paciente com sangramento oriundo de úlcera de anastomose gastrojejunal, que apresentava grande quantidade de sangue e coágulos no estômago (hemostasia obtida com aplicação de 3 hemoclipes)
  • Ressangramento precoce em 5 casos e tardio em 3
  • Endoscopia de controle (second-look) foi realizada em 9 pacientes:
    • Três apresentavam leve sangramento em porejamento:
      • 1 com úlcera da anastomose (recebeu segunda aplicação de Hemospray),
      • 1 devido a angioectasia (tratado com cateter multipolar),
      • 1 devido a lesão de Dieulafoy (tratado com clipes + epinefrina).
  • Interessante notar que nestes 9 pacientes submetidos a nova endoscopia em 24-48 horas, não havia resquícios do pó hemostático no local da aplicação.
Resultados em pacientes com HDA por doença maligna
  • 19 pacientes
  • Hemostasia inicial com sucesso em 100%
  • Ressangramento precoce em 1 paciente e tardio em 6 pacientes
  • Mortalidade em 30 dias: 21.1%
Resultados em pacientes com HDB (no Brasil o Hemospray não está liberado para ser usado nesta indicação)
  • 11 pacientes com sangramento ativo
  • Hemostasia inicial com sucesso em 100%
  • Não houve ressangramento
Resultados em sangramentos intra-procedimentos
  • 16 pacientes, incluindo sangramentos pós-biópsias, polipectomias, ESD e dilatação balonada
  • Hemostasia inicial com sucesso em 100%
  • Não houve ressangramento
Discussão

A grande vantagem do HemosprayTM reside na sua facilidade de uso e nas excelentes taxas de hemostasia imediata. A hemostasia endoscópica convencional pode ser um verdadeiro desafio em lesões de difícil acesso, em que o posicionamento do endoscópio não é favorável, dificultando por exemplo, a aplicação de um clipe metálico. Esse posicionamento preciso não é necessário com o HemosprayTM. Quando acionado o cateter, o pó hemostático se espalha por todo o campo de ação, aderindo nos locais com sangramento, onde o pó exerce seu efeito hemostático.

Este estudo corrobora as descrições anteriores de sucesso na hemostasia inicial (98.5% para causa não varicosas, não tumorais e 100% para as outras causas)

As taxas de ressangramento aparentemente variaram em função das causas iniciais de sangramento. Foram 5 casos de ressangramento PRECOCE:

  • 3 pacientes com úlceras pépticas
  • 1 paciente com lesão de Dieulafoy
  • 1 paciente com angioectasia

 

Apesar do sucesso inicial nestes casos, houve necessidade de tratamento complementar endoscopico por método mecânico ou térmico.

A ação do Hemospray ocorre principalmente na etapa inicial, estancando o sangramento em atividade. Seu benefício além do primeiro dia da aplicação, parece pouco provável. Por conta disso, os autores deste artigo sugerem que seu uso como monoterapia deva ser evitado em pacientes com risco significativo de ressangramento além das 24 horas.

 

Resumo da utilização do Hemospray:

Algoritmo Hemospray - clique na imagem para ampliar

Algoritmo Hemospray – clique na imagem para ampliar

 

A seguir, fizemos uma pequena entrevista com Prof. Alan Barkun, pioneiro nesta tecnologia.

  1. How safe is HemosprayTM for the patients and for the Endoscope?
    A.B.: The mineral product used in HemosprayTM has been used for decades towards medical uses. As far as is known, it is a very safe product to use with no reports in humans of bowel obstruction, or vascular or tissue embolization. It also has no long-term negative effects on endoscopes as far as is known. Of course, ongoing vigilance is indicated as with every relatively new technology used for novel indications.
  2. What are the main indications for using HemosprayTM?
    A.B.: HemosprayTM is thought to only adhere to actively bleeding sites and as such is indicated in the hemostasis of spurting or oozing lesions of the gastrointestinal tract. It is only approved for use in the lower gi tract in certain countries, and the manufacturer does not recommend it for portal hypertension-related bleeding. Having said this many data exist suggesting its effectiveness in both latter types of hemorrhagic pathologies.
  3. In the article discussed here, you comment that HemosprayTM should not be use as monotherapy in patients at high risk of rebledding. How would be your preferred approach? 
    – Hemospray, than perform a second-look endoscopy to apply the definitive treatment?
    – or should the second treatment modality be attempted at the initial endoscopy?
    A.B. Observational results and now very limited comparative data as well have shown that the hemostatic powder only stays bound to a bleeding site for around 12-24 hours and for this reason learned reviews suggest it be used as one of a multimodality endoscopic therapeutic approach if the risk of rebleeding extends beyond this period either at a given initial endoscopy session, or during a pre-planned second-look, depending on the clinical situation and judgment of the endoscopist.

Dr Alan Barkun

Dr. Alan Barkun é Prof. Titular de Gastroenterologia e Diretor da Endoscopia Terapêutica da McGill University – Montreal, Canada

 




A colite linfocítica sempre tem achados endoscópicos normais?

 

A colite linfocítica, junto com a colite colagenosa, é considerada como uma colite microscópica, que originalmente não apresenta achados macroscópicos durante o exame endoscópico e apresenta quadro de diarréia crônica com linfocitose intraepitelial.

Alguns estudo tem demostrado que até 30% dos casos de colite calagenosa apresentam alterações macroscópicas, o que levanta o questionamento se isto também não poderia acontecer na colite linfocítica.

Apesar da etiologia e fisiopatologia da colite microscópica ainda não ser conhecida, alguns medicamentos como AINHS e IBP parecem estar relacionados com o aparecimento de lesão macroscópicas em pacientes com este diagnóstico.

Este estudo teve o objetivo de avaliar retrospectivamente a presença de alterações macroscópicas ao exame endoscópico em pacientes com diagnóstico de colite linfocítica. Também foram avaliados outros fatores como o uso crônico de medicamentos, sintomatologia e aspectos histopatológicos.

Foram estudados 14 pacientes com diagnóstico clinico e histológico (linfocitose intraepitelial > 20 por campo de grande aumento e inflamação crônica da lâmina própria).

 

Achados macroscópicos na colonoscopia foram encontrados em 7 pacientes, sendo estes:

  • hipervascularização da mucosa  (6/7 pacientes, principalmente em cólon esquerdo)

hipervascularizacao

 

  • exsudato sanguinolento (3/7 pacientes, principalmente em transverso)

exsudato

 

Achados de úlceras longitudinais relatados em casos de colite colagenosa não foram encontrados neste análise.

Todos os pacientes que apresentavam alterações macroscópicas faziam uso de IBP e/ ou AAS, o que chama atenção pois alguns artigos relatam a associação destes medicamentos em pacientes com colite colagenosa sem alterações macroscópicas.

O grau de infiltração linfocitária na lâmina própria teoricamente favorece a não absorção de eletrólitos e ao quadro de diarréia. Neste análise realizada o grau de linfocitose foi maior nos pacientes que apresentavam lesões macroscópicas, porém esta não se caracterizou com pior quadro de diarréia.

 

DISCUSSÃO:

Apesar do número pequeno na amostra, e de achados muito inespecíficos, este é o primeiro estudo que relata algumas alterações macroscópicas que podem estar relacionadas a colite colagenosa. Estes achados podem ser valorizados em pacientes em investigação de diarréia crônica e eventualmente guiar o endoscopista para o local da realização das biópsias seriadas.

 

 

Link para o artigo original:

Does Lymphocytic Colitis Always Present with Normal Endoscopic Findings?

 

 




Artigo comentado: Avaliação anatomopatológica de uma nova agulha de ultrassom endoscópico projetada para obter amostras de teciduais: um estudo piloto

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Objetivos:

As agulhas endoscópicas atuais (EUS-FNA) têm seu uso bastante disseminado. Diferenças significativas entre as agulhas atualmente disponíveis foram difíceis de identificar. Recentemente, uma nova agulha (Shark Core®, Covidien, Dublin, Leinster, Irlanda) para aquisição de amostras teciduais através de ultrassom endoscópico foi introduzida numa tentativa de melhorar a precisão diagnóstica. Para obter tais amostras foi realizado um estudo piloto prospectivo para avaliar esta nova agulha quando comparada a uma agulha fina (FNA) padrão.

Materiais e Métodos:

Análise dos primeiros 15 pacientes submetidos a punção com a agulha Shark Core foi comparada à 15 pacientes submetidos punção através de uma agulha fina padrão.

Resultados:

A agulha Shark Core necessitou de menos passagens para obter a mesma precisão diagnóstica do que a agulha fina padrão. [(Χ2(1) = 11,3, P <0,001]. A agulha Shark Core necessitou de 1,5 passagens para atingir o diagnóstico, enquanto que a agulha padrão necessitou de três. Para casos com blocos celulares (emblocados), a agulha Shark Core produziu material diagnóstico em 85% dos casos [95% de confiança Intervalo (CI): 54-98], enquanto a agulha padrão em apenas 38% dos casos (95% IC: 9-76). A agulha Shark Core produziu em 82% das vezes material para anatomopatológico (IC 95%: 48-98) enquanto a agulha fina não conseguiu adquirir nenhum material para anatomopatológico (IC95%: 0-71) (P = 0,03).

Conclusão:

Este estudo piloto concluiu que a agulha Shark Core tem uma alta taxa de aquisição de material para realização de anatomopatológico no diagnóstico de lesões pancreáticas e peri-pancreáticas. Obteve ainda, o diagnóstico definitivo com maior quantidade de material a ser analisado e um menor número de passagens quando comparada com uma agulha fina padrão.

Comentário:

Esse trabalho, apesar de apresentar algumas limitações, como: não ser randomizado, não ser cego, apresentar um N pequeno e ter sido realizado em um único centro; mostrou resultados animadores e que provavelmente devem se confirmar em estudos futuros. Isso mostra um avanço no campo da ecoendoscopia, pois com um menor número de passagens, as complicações advindas da punção tendem a ser menores.

Tenha acesso ao artigo original no link abaixo:

Pathologic evaluation of a new endoscopic ultrasound needle designed to obtain core tissue samples: A pilot study Douglas G. Adler, Benjamin Witt1 , Barbara Chadwick1 , Jason Wells1 , Linda Jo Taylor, Christopher Dimaio2 , Robert Schmidt1 Department of Gastroenterology and Hepatology, University of Utah School of Medicine, 1Department of Pathology, ARUP Laboratories, University of Utah School of Medicine, Salt Lake City, Utah, 2Department of Gastroenterology and Hepatology, Mount Sinai School of Medicine, New York, USA




Resultados a longo prazo da ressecção de neoplasias escamosas do esôfago por técnica de mucosectomia com ligadura elástica.

 

Este é um estudo retrospectivo, relatando resultados com seguimento médio maior do que 2 anos do tratamento das neoplasias escamosas precoces esofágicas por  técnica de mucosectomia com ligadura elástica.

A mucosectomia esofágica através da ligadura elástica e posterior ressecção com alça da lesão tem sido bastante utilizada no tratamento das neoplasias da transição esôfago gástrica e também nas lesões precoces do esôfago de Barret. Apesar disso, raramente se encontram relatos da utilização desta técnica para o tratamento das neoplasias precoces de células escamosas.

A técnica consiste primeiramente na marcação das margens da lesão. Após isso é aplicada uma ligadura elástica, transformando-a em uma lesão polipóide. Este pólipo então é ressecado com o auxílio de uma alça de polipectomia. Se a lesão não for ressecada em uma única ligadura uma outra banda elástica pode ser aplicada e novamente ressecada até a remoção completa da lesão.

mucosectomia-com-ligadura-elastica

Este estudo incluiu 125 pacientes.  As lesões foram ressecadas conforme a técnica descrita anteriormente.  Nestes pacientes foram identificadas 135 lesões (40 neoplasias intra-epiteliais de baixo grau, 57 neoplasias intra-epiteliais de alto grau, 34 CEC precoces e 4 lesões não neoplásicas).

Tamanho médio das lesões de 4,63 cm2.

Seguimento médio de 27,7 meses.

Recorrência local de apenas 2,4% (3 casos em 135), todas tratadas endoscopicamente.

Houve apenas uma perfuração tratada endoscopicamente através da utilização de clipes.

COMENTÁRIOS

Este artigo foi publicado na edição de dezembro de 2016 da Gastrointestinal Endoscopy. Foi realizado no Departamento de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital Jinling na China. É um estudo retrospectivo e de centro único.  Ele concluiu que a técnica de mucosectomia com auxílio de ligadura elástica é segura e pode ser utilizada em pacientes com neoplasia precoce de células escamosas. Além disso, concluíram que a taxa de recorrência com a utilização desta técnica é baixa.

Após uma breve revisão bibliográfica foi possível encontrar uma grande quantidade de artigos demonstrando um ótimo resultado desta técnica no esôfago de Barret. Apesar disso, foi encontrado apenas um artigo, publicado na Endoscopy em 2006 (link aqui), relatando o uso desta técnica em lesões escamosas. Neste artigo foram demonstrados 5 casos de lesões grandes, ocupando mais da metada da circunferência esofágica, todas ressecados com sucesso através desta técnica, sem complicações e sem recidiva em um seguimento médio de 14 meses.

Já é muito bem estabelecido que a ressecção das lesões precoces através de técnicas de dissecção submucosa (ESD) em um único bloco tem uma menor incidência de recidiva e facilita bastante a avaliação histológica.  Porém, esta é uma técnica difícil, de curva de aprendizado longa e no ocidente é realizada em pouquíssimos serviços de endoscopia.  Este artigo demonstra que a remoção destas lesões através de mucosectomia com ligadura elástica é uma opção que aparentemente apresenta segurança e bons resultados a longo prazo.  Apesar dos ótimos resultados apresentados, na literatura ainda existe pouca evidência confirmando estes achados.

REFERÊNCIA

Long-term outcomes of endoscopic multiband mucosectomy for early esophageal squamous cell neoplasia: a retrospective, single-center study (link)

Zhenkai Wang, Heng Lu, Lin Wu, Boshi Yuan, Jiong Liu, Hui Shi, Fangyu Wang

 




Risco de Câncer pós-CPRE

Introduzida em 1974, a colangiografia pancreática endoscópica retrógrada (CPRE) com papilotomia (ES) tornou-se o procedimento de escolha no tratamento de cálculos na via biliar comum.

Vários estudos então, tem alertado para os possíveis efeitos a longo prazo da papilotomia endoscópica. A destruição do esfíncter de Oddi levaria a colonização bacteriana da via biliar principal, resultando em colangite e formação de novos cálculos. Tal crescimento bacteriano poderia levar a inflamação crônica , com aumento de incidência de colangiocarcinoma.

Com o intuito de avaliar a risco de colangiocarcinoma e outros tumores pós CPRE por doença benigna, os autores promoveram um estudo retrospectivo. O objetivo primário foi a avaliação do risco de câncer em uma grande coorte de pacientes com longo período de follow-up. O objetivo secundário foi estudar a relação entre a exposição grave da via biliar a cálculos e relação com câncer.

Materiais e métodos:  

Foram avaliados pacientes submetidos a CPRE por doenças benignas, na Finlândia e na Suécia, de 1976 a 2010. Os pacientes foram divididos em 2 grupos:

  • CPRE apenas.
  • CPRE com papilotomia.

 

Pacientes com tumor de vias biliares diagnosticado até dois anos após a CPRE foram retirados do estudo.

Os dados de diagnóstico de neoplasias (ductos biliares, pâncreas, fígado) foram obtidos junto aos Cancer Centers nacionais, tanto para a população normal, quanto a estudada.

Resultados:

Foram incluídos no estudo, 69.925 pacientes (16.575 da Finlândia e o restante da Suécia), sendo 40.193 no grupo que foi submetido a papilotomia.

Os dados de comparação entre os dois grupos e o resultados de incidência de cânceres nos dois grupos podem ser avaliados nas tabelas que se seguem (clique nas imagens para melhor visualização).

tabela1

tabela2

O risco de neoplasia, baseado no tempo de acompanhamento pós CPRE pode ser avaliado abaixo (clique nas imagens para melhor visualização).

tabela4

tabela5

O estudo  incluiu dados de dois países, e cobre quase todos os procedimentos realizados, comparando com dados fidedignos do restante da população.

Assim, os autores provaram um risco aumentado de 4 vezes para tumores de vias biliares, e de 2 vezes para tumores de vias biliares, pâncreas e fígado conjuntamente, em pacientes que realizaram a papilotomia. Este risco diminui com o tempo após o procedimento

Os autores inferem que a papilotomia não seria fator de risco para os tumores, já que um aumento com o passar dos anos de acompanhamento seria o esperado. Também discutem que o provável fator de risco observado no estudo se deva a exposição das vias biliares a cálculos. Inclusive tendo sido observado neste estudo, que em pacientes onde a colecistectomia foi realizada antes da CPRE, o risco de câncer foi menor.

Concluem então que há risco maior de neoplasia após CPRE, mas este risco não é devido a papilotomia ou outro procedimento inerente, mas sim à exposição a agentes carcinogênicos anteriores à CPRE, muito provavelmente a litíase biliar.

 

Artigo original (Open):

Strömberg C, Böckelman C, Song H, Ye W, Pukkala E, Haglund C, Nilsson M.Endoscopic sphincterotomy and risk of cholangiocarcinoma: a population-based cohort study in Finland and Sweden. Endosc Int Open. 2016 Oct;4(10):E1096-E1100.

Confira também: CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II




ARTIGO COMENTADO – Utilidade da fistulotomia com needle-knife como método inicial na canulação biliar para prevenção de pancreatite pós CPRE

A CPRE é um procedimento amplamente utilizado no diagnóstico e tratamento de doenças do trato biliar e pancreáticas. Pancreatite pós CPRE (PEP) é o evento adverso mais comum após o procedimento, variando de 2-10% em casos não selecionados e podendo elevar substancialmente a morbidade, mortalidade e custos médicos associados. Entre os fatores de risco associados a PEP cita-se: pacientes jovens (<60 anos), sexo feminino, com ducto biliar comum (CBD) de calibre normal (<9 mm), disfunção de esfíncter de Oddi (SOD), ou uma história prévia de pancreatite. Diante da associação de fatores de risco as taxas de PEP podem alcançar até 67%.

A fistulotomia suprapapilar com needle-knife (NKF) tem sido usada como uma técnica alternativa a falha de canulação convencional via óstio papilar em casos difíceis, e pode ser recomendada como um artifício em casos de canulação pancreática repetida não intencional. O uso dessa técnica está associada a uma redução potencial do risco de PEP, enquanto a canulação biliar difícil aumenta o risco.

Objetivo:

Em artigo publicado na edição de novembro de 2016 da Gastrointestinal Endoscopy, Young-Joo Jin e colaboradores apresentaram um estudo prospectivo preliminar que objetivou avaliar a viabilidade do NKF como procedimento inicial no acesso biliar em pacientes com cálculos biliares e que possuíam risco aumentado de PEP. Foram avaliadas: taxa de incidência de pancreatite pós CPRE após NKF e taxas de sucesso da canulação biliar e remoção de cálculos após NKF.

Metodologia:

Prospectivamente, entre Julho de 2013 e Maio de 2015, foram selecionados 55 pacientes que se submeteram a CPRE com NKF por cálculos biliares em um centro de referência na Coréia do Sul. Todos os casos possuíam um ou mais do seguintes fatores de risco para PEP: pacientes jovens (<60 anos), sexo feminino ou CBD de calibre normal (<9 mm).

Resultados:
  • Risco para PEP:
    • 1 fator: 17 pacientes
    • 2 fatores: 27 pacientes
    • 3 fatores: 11 pacientes
  • Tempo médio de procedimento para NKF: 2.1 minutos (0.2–8.7 min)
  • Tempo médio de remoção de calculo biliar: 6.5 minutos (1.1–28.3 min)
  • Taxas de sucesso na canulação biliar usando NKF: 96.3% (53/55)
  • Taxas de sucesso na remoção de cálculo biliar: 92.7% (51/55)
  • Complicações:
    • Não houve caso de PEP
    • Dor: 4 pacientes (7,3%)
    • Febre: 9 pacientes (16,4%)
    • Sangramento: 2 pacientes (3,6%)
    • Perfuração duodenal retroperitoneal: 1 paciente (1.8%) que foi manejado conservadoramente

Conclui-se portanto, que NKF pode ser uma técnica viável como procedimento inicial no acesso biliar em pacientes com cálculos biliares que possuem risco elevado de pancreatite pós CPRE se o procedimento é realizado por um endoscopista biliar experiente.

Comentários:

A pancreatite é um evento comum e muito temido após CPRE. Muito tem sido discutido sobre estratégias de prevenção de PEP nos últimos anos e algumas condutas tem sido implementadas de forma regular em centros de referência como uso de AINE e de próteses pancreáticas¹.

A fistulotomia suprapapilar é uma estratégia previamente conhecida e discutida como alternativa técnica ao acesso biliar, potencialmente reduzindo o risco de pancreatite quando implementada de forma precoce².

O estudo apresentado traz novos dados a literatura atualmente existente por abordar de forma prospectiva e chamar a atenção para a potencial prevenção de pancreatite pós CPRE com uso de fistulotomia suprapapilar em pacientes de risco. Contudo, o estudo possui limitações a serem consideradas como: ter sido realizado de forma não randomizada, em centro único, com somente um endoscopista realizando os procedimentos. Novos estudos com desenho multicêntrico, prospectivos e randomizados seriam recomendáveis.

Referência e link para o artigo:

Jin YJ, Jeong S, Lee DH. Utility of needle-knife fistulotomy as an initial method of biliary cannulation to prevent post-ERCP pancreatitis in a highly selected at-risk group: a single-arm prospective feasibility study. Gastrointest Endosc. 2016 Nov;84(5):808-813.

Outras referências:
  1. Dumonceau, J.M., Andriulli, A., Elmunzer, B.J. et al. Prophylaxis of post-ERCP pancreatitis: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline – updated June 2014. Endoscopy. 2014; 46: 799–815
  2. Mariani A, Di Leo M, Giardullo N, et al. Early precut sphincterotomy for difficult biliary access to reduce post-ERCP pancreatitis: a randomized trial. Endoscopy. 2016;48:530–535.