Aerossóis e transmissibilidade na prática endoscópica: a dúvida que paira no ar

Desde março de 2020, quando a OMS definiu que estávamos diante de uma pandemia de consequências desconhecidas, uma grande mobilização da comunidade científica mundial buscou acúmulo de conhecimento sobre o novo vírus, porém, por meses à frente, ainda agiríamos no escuro em muitas situações, contando com muito menos informação de qualidade do que gostaríamos.  

No quesito transmissibilidade, por exemplo, muito se assumiu como verdade a partir do comportamento de outros coronavírus, dada a semelhança estrutural do SARS-CoV-2 com seus predecessores.  

Ainda em março, aqui no site, alguns artigos trouxeram uma parte importante do que já era conhecido e relevante (links abaixo).  

 

Infelizmente, quase nada tratava especificamente do comportamento viral no ambiente da endoscopia. Na verdade, até recentemente a endoscopia digestiva estava fora da lista de procedimentos geradores de aerossóis, havendo apenas a evidência de disseminação bacteriana demonstrada por culturas de amostras de face shields usadas por endoscopistas. Apesar disso, medidas para a redução da transmissão por aerossóis foram e seguem recomendadas. E muitas perguntas seguiram sem respostas. Endoscopia de fato produz aerossol? O vírus em suspensão é capaz de infectar alguém durante ou após o exame? 

Recentemente, uma revisão buscou tratar do assunto com olhar voltado à prática endoscópica. Nessa revisão, intitulada “Extent of infectious SARS-CoV-2 aerosolisation as a result of oesophagogastroduodenoscopy or colonoscopy”, os autores selecionaram 26 artigos dentre 3745 inicialmente localizados. 

Foram incluídos estudos que relatassem riscos por aerossol em pacientes com COVID-19, tendo sido excluídos os não relacionados à COVID-19, com metodologia considerada fraca, não escritos em inglês, e aqueles não indexados à PubMed. 

Flow chart com eligibilidade, inclusão e exclusão de artigos.

Figura 1  Flow chart com elegibilidade, inclusão e exclusão de artigos.

Os autores relatam que os estudos selecionados na revisão sugerem alta infectividade por contato e por gotículas, no entanto, afirmam não haver em sua amostra nenhum estudo clínico que demonstre carga viral presente no aerossol, não sendo possível a definição de uma “dose” infectante, mas afirma que isso pode corresponder a algumas centenas de partículas virais. Entenda-se por dose a menor quantidade de partículas virais necessárias para iniciar uma infecção. 

Abaixo, estão listadas algumas afirmações colocadas pelos autores em sua discussão: 

  • Não se isolou vírus em amostras fecais, independente da concentração de RNA viral nas fezes. 
  • Não há relato de casos de transmissão fecal-oral até o momento, apesar da presença de RNA viral em amostras fecais.  
  • O pico de concentração viral, nas diversas amostras ocorre antes do 5º dia de sintomas, sugerindo a patogenicidade e infectividade em período de sintomas discretos, semelhantes aos de outras infecções respiratórias altas. 
  • Quanto ao risco de infecção, a endoscopia digestiva alta diagnóstica ou terapêutica é um procedimento de alto risco, sendo a endoscopia baixa considerada de risco baixo a moderado. 
  • O estudo reconhece como conflitantes as evidências de que há aerossolização durante procedimentos endoscópicos, mas reforça a necessidade de medidas para redução do risco de contaminação por essa via. 
  • Afirma não haver relatos confirmados de transmissão por aerossol. 
  • Cita as recomendações da OMS quanto à necessidade de troca de ar nos ambientes. Menciona, sem maior detalhamento, que para circulação segura, sem máscara FFP3, deve haver troca de, ao menos, 6 vezes o volume de ar, sendo de 12 vezes em ambientes com pressão negativa. 
  • Cita ainda que, em amostras de escarro, a carga viral média é de 7 x 106 cópias/ml e que amostras com carga menor que 10nunca resultaram em isolamento de vírus viável, sugerindo uma possível “dose” capaz de gerar replicação e infecção clínica. 

 

Figura 2 - Agregado das amostras e dias de início dos sintomas.

Figura 2 Agregado das amostras e dias de início dos sintomas.

Figura 3 Resultados agregados de sucesso de isolamento viral em diferentes dias desde o início dos sintomas.

Figura 4 Sucesso de isolamento viral e carga viral da amostra.

A revisão apresenta dificuldades para trazer, de fato, luz ao assunto, seja por limitações em seu desenho, seja pela escassez de informações na literatura

Em resumo, as evidências que sustentam o papel da aerossolização como via de transmissão de COVID-19 na prática endoscópica são limitadas até o momento e o assunto ainda carece de melhor entendimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Harding H, Broom A, Broom J. Aerosol-generating procedures and infective risk to healthcare workers from SARS-CoV-2: the limits of the evidence. J Hosp Infec 105, 4, P717-725, Aug 01, 2020.https://doi.org/10.1016/j.jhin.2020.05.037 
  2. Johnston ER, Habib-Bein N, Dueker JM, Quiroz B, Corsaro E, Ambrogio M, et al. Risk of bacterial exposure to the endoscopist’s face during endoscopyGastrointest Endosc 2019;89:818e24. https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.10.034. 
  3. Hussain A, Singhal T, EL-Hasani S. Extent of infectious SARSCoV-2 aerosolisation as result of oesophagogastroduodenoscopy or colonoscopy. Br J Hosp Med. 2020. https://doi.org/10.12968/hmed.2020.0348 

 

Como citar esse artigo:

Rodrigues R. Aerossóis e transmissibilidade na prática endoscópica: a dúvida que paira no ar. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/aerossois-e-transmissibilidade-na-pratica-endoscopica-a-duvida-que-paira-no-ar/

 

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Estudo controlado e randomizado em pacientes com cálculos biliares grandes

Endoscopia Terapêutica

Recentemente, foi publicado na Endoscopy por Korugue e colaboradores o resultado de um estudo japonês multicêntrico, controlado e randomizado, em que pacientes com cálculos biliares grandes foram alocados em dois grupos: dilatação balonada da papila com balão dilatador grande (DBP) sem esfincterotomia ou somente esfincterotomia isolada.

O estudo foi realizado em 19 centros japoneses. Todos os pacientes com idade de 60 anos ou mais que foram encaminhados para CPRE por cálculos grandes do ducto biliar comum (maior ou igual a 10 mm) foram colocados no estudo. Para permitir o uso da dilatação balonada da papila, o tamanho do colédoco distal precisava ser maior ou igual a 12 mm e não apresentar sem estenose distal.

PROCEDIMENTOS:

* Dilatação sem papilotomia: após a canulação biliar, dilatação com balão grande tipo CRE (Boston) foi realizada. O tamanho máximo da dilatação foi determinado de acordo com o tamanho dos cálculos, mas não excedia o diâmetro do colédoco distal. O balão era desinsuflado imediatamente após a perda da cintura. Pacientes sem dilatação ou com estenose do colédoco distal eram relocados para o grupo da papilotomia.

* Papilotomia sem dilatação: após a canulação, a papilotomia foi feita, podendo ser completa (até a prega duodenal) ou média (cerca de 2/3 da completa).

papilotomia

CÁLCULOS DOS RESULTADOS:

A análise do estudo foi planejada inicialmente em duas etapas. Na primeira etapa, foram avaliados os resultados a curto prazo, como a eficácia da remoção do cálculo. Na segunda etapa, resultados a longo prazo, como eventos biliares tardios (os pacientes serão seguidos por 5 anos). Nesse estudo, eles relatam a análise de curto prazo, da primeira etapa.

O resultado primário foi a taxa de remoção completa do cálculo em uma única sessão. Os resultados secundários foram a taxa geral de remoção completa do cálculo, uso de litotripsia, tempo de procedimento, eventos adversos iniciais e custos do procedimento.

RESULTADOS:

Pacientes

Um total de 181 pacientes foram inscritos entre fevereiro de 2013 a janeiro 2015, sendo 91 randomizados para o grupo dilatação balonada da papila (DBP) e 90 para o grupo da papilotomia isolada (PI). Após exclusão de 10 pacientes, 171 foram colocados na análise (86 no grupo dilatação e 85 no grupo papilotomia).

Eficácia em remover o cálculo

A taxa de remoção completa do cálculo em uma única sessão foi significativamente maior no grupo da dilatação: 90,7% (78/86) vs. 78,8% (67/85) da papilotomia.

Embora o grupo da dilatação tenha tido taxa alta de cálculos maiores que 15 mm, o uso da litotripsia não foi frequente 30,2% (26/86) vs. 48,2% (41/85) da papilotomia.

A taxa de remoção completa usando somente um único acessório não foi alta em grupo algum: < 5% com basket e cerca de 30% com balão extrator.

O tempo e o custo do procedimento foram semelhantes nos dois grupos.

A análise do subgrupo de 67 pacientes que tinham cálculos maiores que 15 mm mostrou que: remoção completa do cálculo em sessão única foi maior no grupo da DBP (85,4%) comparado ao grupo da papilotomia isolada (53,8%). Uma diferença absoluta na taxa de remoção completa do cálculo entre DBP e papilotomia foi mais proeminente naqueles com cálculos maiores que 15 mm: 31,6% comparado com 11,9%.

A necessidade de litotripsia nesse grupo com cálculos maiores de 15 mm também foi maior: 43,9% no grupo DBP e 69,2% no grupo papilotomia.

papilotomia

papilotomia

Segurança

Os efeitos adversos precoces foram semelhantes: 9,3% DBP vs. 9,4% papilotomia. Pancreatite ocorreu em 4,7% no grupo DBP e 5,9% no grupo papilotomia, todas classificadas com leve. Não houve mortes dentro de 30 dias.

DISCUSSÃO

Muitos estudos comparativos prospectivos têm sido feitos para avaliação da DBP, com ou sem papilotomia. Não há diferença significativa na remoção completa do cálculo nos estudos, porém dois deles demonstraram uma maior taxa de remoção completa do cálculo em uma só sessão na DBP com papilotomia quando comparada à papilotomia isolada. Houve dois estudos comparando a DBP sem papilotomia com a papilotomia, mas esse estudo foi o primeiro a mostrar a superioridade da DBP sem papilotomia sobre a papilotomia isolada, com taxa de remoção completa em uma sessão única de 90,7 % (contra 78,8% no grupo da papilotomia, com p=0,04).

A DBP pode ser realizada com ou sem papilotomia prévia. Enquanto a papilotomia completa (até a prega transversal) foi relatada como sendo fator de risco para hemorragia após dilatação em um estudo multicêntrico, a segurança da DBP sem papilotomia gera preocupação, incluindo sobre o risco de pancreatite. Nos estudos controlados e randomizados prévios, a papilotomia prévia não teve efeito sobre a remoção completa do cálculo nem sobre os efeitos adversos. As vantagens da DBP sem papilotomia são a natureza simples do procedimento e seu custo. Em pacientes com divertículo periampular, com anatomia alterada cirurgicamente ou naqueles em uso de agentes antitrombóticos, a DBP sem papilotomia é o tratamento de primeira escolha para cálculos grandes.

Sobre as limitações do estudo: os endoscopistas não eram blindados para o tipo de procedimento, mas o limite de tempo para cada procedimento foi de 1 hora; foi definido como cálculo grande quando maior ou igual a 10 mm, mas a vantagem do DBP sem papilotomia foi maior em cálculos > 15 mm. Além disso, foram selecionados somente pacientes > 60 anos por causa da ausência de dados nos resultados a longo prazo pós-DBP sem papilotomia, o que também limita a generalização do estudo. Uma análise dos resultados a longo prazo será conduzida sobre as alterações biliares após 5 anos. DBP sem papilotomia pode potencialmente preservar a função do esfíncter quando comparada com a esfincterotomia. A função do esfíncter preservada após comparada com a papilotomia.

Em resumo, dilatação balonada da papila com balão grande sem papilotomia alcançou uma taxa significativamente maior de remoção completa do cálculo em uma única sessão, sem aumentar os eventos adversos. Os resultados a longo prazo, como cálculos recorrentes do ducto biliar comum, devem ser avaliados no futuro.

Considerações:

  • No Brasil, o grupo do Serviço de Endoscopia Gastrointestinal do Hospital das Clínicas (FMUSP) realizou uma metanálise envolvendo 9 estudos controlados randomizados e 1.230 pacientes com coledocolitíase (611 pacientes submetidos a papilotomia isolada e 619 submetidos papilotomia e dilatação com balão) em que não se observou diferença na taxa de remoção de cálculos como desfecho primário, no entanto a dilatação balonada da papila com papilotomia obteve menor necessidade de litotripsia mecânica. Não foram observadas, ainda, diferenças estatísticas nas taxas de eventos adversos (pancreatite, sangramento e perfuração).

  • A Endoscopy publicou na última edição um editorial sobre esse trabalho, escrito pelo Prof. James Lau, denominado “Endoscopic papillary large ballon dilation: more questions than answers” em que ele interroga o que aprendemos com esse trabalho, citando:

    • Os pacientes devem ser selecionados cuidadosamente;
    • Os cálculos devem ser grandes (> 10 mm) para justificar a dilação com balão grande e a porção distal do ducto também deve ser suficientemente dilatada para acomodar o balão;
    • O balão não deve ser inflado além do diâmetro máximo do colédoco distal;
    • Quando a papilotomia sabidamente será difícil como nos pacientes com gastrectomia a Billroth II ou com coagulopatia, a dilatação com balão grande é uma solução legítima a aceitável.

Referências:

  1. Kogure Hirofume et al. Multicenter randomized trial of endoscopic papillary large balloon dilation without sphincterotomy versus endoscopic sphincterotomy for removal of bile duct stones: MARVELOUS trial. Endoscopy 2020; 52 (09): 736-744. DOI: 10.1055/a-1145-3377
  2. Lau, J. Endoscopic papillary large balloon dilation: more questions than answers Endoscopy 2020; 52(09): 745 – 746 DOI: 10.1055/a-1189-3035
  3. Moura, EGH; Sakai, P.; Bernardo, V.M. Série Manual do Médico-Residente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Volume Endoscopia Baseada em Evidências 2017.



Manejo endoscópico de dumping após bypass gástrico em Y de Roux através de dispositivo de sutura (TORe)

O bypass gástrico em Y de Roux é uma técnica cirúrgica consagrada para o tratamento da obesidade com comprovada eficácia e segurança. Queixas de dumping são consideradas comuns principalmente no primeiro e segundo ano após a cirurgia, sendo habitualmente de leve intensidade e manejadas com orientação dietética.

A síndrome de dumping ocorre pelo trânsito acelerado de secreção digestiva e alimentar para o intestino proximal podendo estar relacionado a distensão de alças e hipersecreção com alteração da osmolaridade, estímulo vagal e hipoglicemia por hiperinsulinemia. As queixas podem ser precoces, quando ocorrem até 30 minutos após a alimentação, ou tardias, quando ocorrem entre 1-3h após a ingesta alimentar. Pacientes com dumping tardio também podem apresentar dumping precoce.

O escore de Sigstad é utilizado como uma maneira de identificar se a etiologia dos sintomas está relacionada ao dumping e mesmo estratificar sua gravidade e a resposta ao tratamento. Este escore é realizado através da ingestão de dieta rica em glicose e avaliação dos sintomas posteriormente atribuindo uma pontuação para cada um, estando descritos na tabela 1. Escores iguais ou superiores a 7 sugerem que a etiologia está relacionada a dumping e estimam a gravidade do quadro.

Escore de Sigstad. Vargas et al, 2020.

O manejo clínico envolve fracionamento da dieta com baixo volume (6 ou mais refeições por dia), restrição de ingesta de líquido durante as refeições (fazer ingesta 1h antes ou 1h depois), restrição de açúcar e carboidratos simples, aumento de ingesta de fibras e proteínas. O tratamento medicamentoso tem como objetivo retardar o trânsito alimentar e pode ser realizado com espessantes como goma guar e pectina porém a aderência ao tratamento é baixa devido ao paladar. Octreotide pode ser usado em casos de dumping precoce ou tardio, porém possui algumas desvantagens como administração subcutânea, custo elevado e tendência a formação de cálculos, sendo pouco utilizado. A medicação mais utilizada é a acarbose, um inibidor da alfa-glicosidase intestinal, que interfere na digestão de carboidratos reduzindo a resposta insulínica e hipoglicemia, com boa resposta para casos de dumping tardio.

Alguns pacientes apresentam quadros moderados a graves de difícil manejo, sendo refratários a modificação dos hábitos alimentares e ao tratamento medicamentoso. Em situações assim, acabamos nos deparando com uma encruzilhada entre o impacto negativo na qualidade de vida do paciente que consegue reduzir um pouco os sintomas do dumping, porém ainda possui queixas persistentes, enquanto o tratamento através de abordagem cirúrgica revisional possui sua própria morbidade e riscos.

Métodos:

Os autores realizaram um estudo prospectivo, em dois centros terciários (Estados Unidos e Alemanha), entre os anos de 2014 e 2018, envolvendo pacientes com queixa de dumping no pós operatório de bypass gástrico em Y de Roux,  submetidos a tratamento endoscópico através de remodelamento da anastomose gastrojejunal (endoscopic transoral outlet reducion – TORe) com uso de sutura endoscópica e plasma de argônio.

Foram avaliados o peso e IMC em três momentos (antes da cirurgia, no momento da intervenção endoscópica e no seguimento com 3 meses), a intensidade das queixas de dumping através do escore de Sigstad e uso de medicação sintomática para dumping (antes e depois da intervenção).

O procedimento foi realizado por apenas um médico especialista em cada centro, utilizando aparelho terapêutico (duplo canal). Inicialmente foi realizada aplicação de plasma de argônio no pouch gástrico com potência de 55W. Foi utilizado dispositivo de sutura de parede total modelo Overstich, iniciando a sutura na face jejunal utilizando fio de prolene, com pontos interrompidos em forma de oito ou separados, com objetivo final de reduzir a anastomose para 10mm.  Os pacientes receberam prescrição de antieméticos, analgésicos e foram orientados a manter dieta específica por 2 semanas. Não há detalhamento sobre o tipo de dieta prescrita.

Ilustração sobre técnica de TORe. Vargas et al, 2020.

Foi definida como falha terapêutica a necessidade de repetir o procedimento (TORe), utilizar sondas alimentares ou necessitar de cirurgia de reversão do bypass.

Resultados:

O procedimento foi realizado em 115 pacientes, com idade média de 44,7 ± 9 anos, predominantemente sexo feminino (84%), em média 8,9 ± 1,1 anos após o bypass.  A anastomose gastrojejunal possuia em média 39,8 ± 6,7mm antes do procedimento. A maior parte dos pacientes (87%, n=100) fazia uso de terapêutica medicamentosa com acarbose para controle do quadro de dumping. O escore de sigstad era de 17,02 ± 6,1 no momento da intervenção.

Resultados escore de Sigstad e perda de peso após procedimento. Vargas et al, 2020.

Foi obtido sucesso técnico em 100% dos casos, com tempo médio de 38,9 ± 17,3min para realização do procedimento, necessitando em média de 3 suturas (2-5).

O procedimento teve sucesso em controlar o dumping após 3 meses em 97% dos casos (n=109), com interrupção do uso de medicação em todos pacientes nesse grupo.

Houve falha em 6 pacientes, dos quais três foram referenciados para tratamento cirúrgico e três foram submetidos a novo procedimento endoscópico por apresentarem anastomose gastrojejunal ampla durante exame de controle. Não há relato do índice de sucesso nesse grupo de três pacientes que foi submetido a novo procedimento (TORe).

Não houve eventos adversos graves como sangramento, perfuração, estenose ou óbito.

Os autores sugerem o seguinte fluxograma para manejo de dumping após bypass gástrico em Y de Roux.

Fluxograma proposto para tratamento de dumping pós BGYR. Vargas et al, 2020.

Considerações

A publicação é muito interessante por apresentar uma alternativa eficaz, segura e minimamente invasiva para tratamento de casos refratários ou muito sintomáticos de dumping pós bypass gástrico em Y de Roux. Trata-se de estudo prospectivo, embora sem caso controle, com casuística bastante relevante, envolvendo 115 pacientes, majoritariamente com dumping moderado a severo (escore de 17) com resposta satisfatória na redução do escore para valores inferiores a 7 (não sugestivo de dumping) em 97% dos casos. Dos 6 casos de falha terapêutica, apenas três foram encaminhados para cirurgia. O artigo incluiu como falha três pacientes que foram submetidos a novo procedimento endoscópico através da técnica de TORe porém seria interessante que fosse relatada a resposta deste pequeno grupo ao procedimento.

Embora o seguimento seja curto, de apenas 3 meses, temos outras publicações na literatura mostrando manutenção de perda de peso após TORe com seguimento mais longo, sendo razoável extrapolar esses resultados para o caso de dumping. Brunaldi publicou trabalho comparando sutura isoladamente e sutura associada a plasma de argônio para perda de peso sendo evidenciada de perda do excesso de peso após TORe de 24,98%, 26,95% e 24,22% em 3, 6 e 12 meses, respectivamente.

Perda da % de excesso de peso após remodelamento de anastomose gastrojejunal. Brunaldi et al, 2017.

Perda de peso (Kg) após remodelamento de anastomose gastrojejunal. Brunaldi et al, 2017.

Uma importante limitação do procedimento está relacionada ao custo elevado que ainda está associado aos dispositivos de sutura endoscópica, além de quantidade restrita de endoscopistas com experiência em seu uso. Com o tempo, espera-se uma redução dos custos e popularização do método.

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Referências:

Artigo original: Vargas EJ, Abu Dayyeh BK, Storm AC, Bazerbachi F, Matar R, Vella A, et al. Endoscopic management of dumping syndrome after Roux-en-Y gastric bypass: a large international series and proposed management strategy. Gastrointest Endosc 2020;92(1):91–6.

Outras referências:

Brunaldi VO, Jirapinyo P, Turiani D, De Moura H, Okazaki O, Bernardo WM, et al. Endoscopic Treatment of Weight Regain Following Roux-en-Y Gastric Bypass: a Systematic Review and Meta-analysis. 2017;

Berg P, McCallum R. Dumping Syndrome: A Review of the Current Concepts of Pathophysiology, Diagnosis, and Treatment. Dig Dis Sci. 2016;61(1):11–8.

Moon RC, Teixeira AF, Neto MG, Zundel N, Sander BQ, Ramos FM, et al. Efficacy of Utilizing Argon Plasma Coagulation for Weight Regain in Roux-en-Y Gastric Bypass Patients: a Multi-center Study. Obes Surg. 2018;28(9):2737–44.




Artigo comentado pelo autor: Peroral endoscopic pyloromyotomy for gastroparesis: a sistematic review and meta-analysis

Neste artigo, foi realizada uma revisão sistemática e metanalise sobre a eficácia do GPOEM em pacientes com gastroparesia.

A gastroparesia é uma doença crônica incapacitante, com fisiopatologia complexa, caracterizada por sintomas como náusea, vômito, saciedade precoce e dor abdominal.

As principais causas são idiopática, decorrente do diabetes mellitus ou pós-cirúrgica.

O diagnóstico é obtido através da suspeição clínica e exames demonstrando atraso do esvaziamento gástrico na cintilografia de 4h (GES) e endoscopia digestiva alta sem sinais de obstrução mecânica.

O tratamento de primeira linha inclui modificação da dieta (com baixo teor de  gordura e pobre em fibras) e medicamentos como agentes antieméticos e procinéticos. Entretanto, a terapia medicamentosa deixa de fazer efeito em algum momento ou o seu uso precisa ser suspenso devido seus efeitos adversos. Além disso, a progressão da própria doença, faz opções terapêuticas se tornam necessárias.

Sabe-se que a disfunção pilórica pode desempenhar um papel na fisiopatologia da gastroparesia e portanto, algumas técnicas tem sido sugeridas com o objetivo de interromper a função da barreira pilórica e facilitar o esvaziamento gástrico. Injeções de botox, dilatação endoscópica com balão, piloroplastia, piloromiotomia (cirúrgica e endoscópica – G-POEM) e colocação de stent transpilórico têm sido empregadas com sucessos variados. O uso de toxina botulínica é controverso e não demonstrou benefício em estudos randomizados, não sendo, portanto, mais recomendado pelo American College of Gastroenterology.

Embora pareça haver um papel para a estimulação gástrica e a piloroplastia laparoscópica, ambas são técnicas invasivas com altas taxas de complicações e recorrência dos sintomas, fazendo da piloromiotomia endoscópica (G-POEM) uma técnica cada vez mais promissora e cada vez mais realizada em todo o mundo.

 

Métodos: Revisão sistemática e metanálise de estudos que analisaram o índice de sintomas cardinais da gastroparesia (GCSI) e a cintilografia de esvaziamento gástrico em fase sólida (GES) de 4 horas, antes e após o G-POEM, para verificar a sua eficácia, desde o início da sua descrição até janeiro 2019.

Segue uma tabela para melhor entendermos as pontuações GCSI que são calculadas usando uma escala Likert de 6 pontos e relatadas como subescores médios para as respostas dos pacientes à 9 perguntas que envolvem 3 principais grupos de sintomas: inchaço (2 perguntas), náusea/vômito (3 perguntas) e plenitude pós prandial (4 perguntas).

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Resultados: Dez estudos com 281 pacientes foram incluídos nesta revisão sistemática. – A diferença média do GCSI após o procedimento foi de 1,76 (IC 95%: [1,43, 2,08], I2 = 72%)

– Análise do subgrupo do GCSI pelo tempo de acompanhamento (3, 6, 12 e 18 meses), mostrou uma diferença média de 1,84 (IC 95%: [1,57, 2,12], I2 = 71%).

– A diferença média do GES após o procedimento foi de 26,28 (IC95%: [19,74, 32,83], I2 = 87%), correspondendo a uma queda significativa nos valores percentuais da cintilografia de retenção gástrica em quatro horas.

 

Discussão:

A taxa de sucesso clínico entre os trabalhos avaliados variou de 69% a 90%. Essa metanálise demonstrou melhora significativa dos sintomas, produzindo uma diferença média de sucesso clínico de 0,71 (IC 95%, [0,63, 0,79] I2 = 45%), conforme figura abaixo.

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Apenas um estudo foi encontrado na literatura que comparava G-POEM com a piloroplastia laparoscópica (LP) e ambas as técnicas obtiveram melhora significativa nos índices GES e GCSI, sem diferenças desses resultados entre as intervenções. No entanto, o G-POEM parece ser superior à LP porque demonstrou menos morbidade perioperatória, incluindo tempo operatório, perda estimada de sangue e menor tempo de internação.

Quatro dos dez estudos analisaram as subclassificações do GCSI. Dois desses estudos mostraram melhora significativa em todas as subclassificações do GCSI (náusea/vômito, saciedade precoce e inchaço) aos 3 meses, enquanto a melhora sustentada até 12 meses, foi relatada em apenas no grupo de sintomas referentes à náusea/vômito e em um único estudo.

Diabetes e o sexo feminino foram associados a uma resposta ruim e falha terapêutica, enquanto as etiologias idiopática e pós-operatórias foram preditivas de sucesso.

A sonda de imagem luminal funcional endoscópica (Endo-FLIP) é um sistema que pode avaliar a disfunção pilórica em pacientes com gastroparesia. Foi utilizado em dois estudos, e observado que essa tecnologia pode desempenhar um papel quando realizada antes do G-POEM para definir quem se beneficiaria da intervenção pilórica, mas são necessários mais estudos para validar o seu uso.

Todos os estudos, exceto um, mostraram uma redução significativa do GCSI após o G-POEM. Isso se deve, provavelmente, ao fato dos valores basais do GCSI terem sido mais baixos nesse estudo. Pode-se observar, também, que pacientes com um GSCI inicial mais baixo e com sintomas menos graves apresentaram uma melhor resposta, sugerindo que a piloromiotomia deva ser realizada mais cedo no curso da doença para alcançar melhores resultados.

A melhora na cintilografia de 4h (GES) após o G-POEM foi significativa mas variável entre os estudos, e a sua normalização foi alcançada entre 70% e 100% dos casos. No entanto, o esvaziamento gástrico normal não parece ser necessário para se obter uma boa resposta clínica.

A cintilografia (GES), juntamente com o escore GSCI, foram os únicos dois parâmetros para medir o sucesso clínico na maioria dos estudos. Ainda não há consenso sobre como definir o sucesso terapêutico do tratamento da gastroparesia, foi proposto por um dos estudos que pacientes a serem submetidos ao G-POEM deveriam ter um GCSI basal de pelo menos 2.0 e uma taxa de retenção gástrica GES maior que 20% em 4 horas.

O sangramento gastrointestinal foi o evento adverso mais comum (32%), seguido de dor abdominal (30%) e pneumoperitônio (24%). Duas mortes foram relatadas, porém, relacionadas a eventos cardiovasculares. A figura abaixo se refere a todos os eventos adversos descritos.

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Conclusão:

O G-POEM é eficaz, seguro, minimamente invasivo e mostra resultados promissores nos estudos. Esse procedimento deve estar no arsenal de opções de tratamento para gastroparesia refratária. Quando realizado por mãos experientes, mostra baixo risco de eventos adversos, contudo, estudos randomizados são necessários para prever quem responderá melhor a esse tratamento e estabelecer a eficácia a longo prazo dessa técnica.

Referência

Karime Lucas Uemura, Dalton Chaves, Wanderley M. Bernardo, Ricardo Sato Uemura, Diogo Turiani Hourneaux de Moura, Eduardo Guimarães Hourneaux de Moura. Peroral endoscopic pyloromyotomy for gastroparesis: a systematic review and meta-analysis. Endosc Int Open 2020; 08(07): E911-E923. DOI: 10.1055/a-1119-6616.

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Guideline da ASGE sobre o papel da endoscopia na avaliação e tratamento da coledocolitíase

Guideline da ASGE sobre o papel da endoscopia na avaliação e tratamento da coledocolitíase

A cada ano, a coledocolitíase causa obstrução biliar, colangite e pancreatite em um número significante de pacientes. O tratamento primário, CPRE, é minimamente invasivo, mas associado a eventos adversos de 6% a 15% dos casos. Este guideline fornece recomendações baseadas em evidências para avaliação e tratamento endoscópico da coledocolitíase. O framework GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation) foi usado para revisar e sintetizar de forma rigorosa a literatura atual sobre os seguintes tópicos:

  • Ecoendoscopia x CPRM para diagnóstico;
  • Papel da CPRE precoce na pancreatite biliar;
  • Dilatação endoscópica da papila após esfincterotomia x esfincterotomia isolada para cálculos grandes;
  • Impacto da terapia intraductal guiada por CPRE para cálculos grandes e difíceis.

 

Revisões sistemáticas também foram usadas para avaliar:

  • Colecistectomia na mesma internação para pancreatite biliar;
  • Preditores clínicos de coledocolitíase;
  • Momento ideal da CPRE em relação a colecistectomia;
  • Tratamento da síndrome de Mirizzi e hepatolitíase;
  • Prótese biliar para coledocolitíase.

 

Todas essas questões clínicas foram avaliadas através de uma extensa revisão da literatura e as recomendações foram baseadas em opiniões de consenso. As recomendações são rotuladas como “fortes” ou “condicionais”, de acordo com a abordagem GRADE. As palavras “o painel de diretrizes recomenda” são usadas para recomendações fortes e “sugere” para recomendações condicionais.

QUESTÃO 1: Qual a utilidade diagnóstica da ecoendoscopia versus CPRM para confirmar a coledocolitíase em paciente com risco intermediário?

RESPOSTA: Em paciente com risco intermediário (10-50%) para coledocolitíase, sugerimos ecoendoscopia ou CPRM para conformar o diagnóstico. A escolha do teste deve levar em consideração fatores como preferencia do paciente, experiência local e disponibilidade de recursos (recomendação condicional, baixo grau de evidência).

DISCUSSÃO:

A ecoendoscopia tem uma acurácia comparável a CPRE diagnóstica para avaliação da coledocolitíase e está associada a uma taxa de eventos adversos significativamente mais baixa. Entre os pacientes com risco indeterminado, a ecoendoscopia antes da CPRE pode evitar a necessidade desta última. A CPRM é superior ao US abdominal. Uma metanálise mostrou que as especificidades da ecoendoscopia e da CPRM foram muito altas (0,97 x 0,92). Na revisão Cochrance, a sensibilidade da CPRM e ecoendoscopia foi comparável também. Entretanto, outra metanalise mostrou que a sensibilidade da ecoendoscopia foi superior a CPRM. Nos dois estudos individuais com a maior discrepância entre a ecoendoscopia e CPRM, as CPRMs falso-negativas foram para cálculos menores que 6 mm.  Kondo et al propuseram que a ecoendoscopia fosse considerada nos pacientes com CPRM negativa. Entretanto, deve-se levar em consideração o custo relativo de uma ecoendoscopia com acompanhamento anestésico. Além disso, a taxa de eventos adversos da ecoendoscopia, embora baixo, não é zero e este não é um exame disponível em todos os centros. Outras considerações incluem fatores específicos do paciente que podem limitar a viabilidade de um dos métodos, como claustrofobia e marcapassos para CPRM ou história de Bypass gástrico em Y de Roux para ecoendoscopia.

QUESTÃO 2: Em pacientes com pancreatite biliar, qual o papel da CPRE precoce?

RESPOSTA: Em pacientes com pancreatite biliar sem colangite ou obstrução biliar/coledocolitíase, nossa recomendação é contra a CPRE de urgência (em 48 horas) (recomendação forte, baixa qualidade de evidências).

DISCUSSÃO:

O conceito de CPRE precoce para pancreatite biliar origina-se de relatórios cirúrgicos observacionais: aqueles que foram submetidos à exploração cirúrgica após 48 horas exibiram lesões histológicas mais graves. Nesta teoria multitemporal da pancreatite biliar, postula-se que a passagem de diminutos cálculos pela ampola inicia a pancreatite aguda e um cálculo maior obstruindo persistentemente a papila resulta em doença grave. No entanto, um trial controlado e randomizado de cirurgia precoce para pancreatite biliar demonstrou que a intervenção precoce resultou em aumento da morbimortalidade. Isso favoreceu uma hipótese alternativa de que a pancreatite biliar resulta da passagem de um cálculo biliar inicial pela ampola e que a manipulação cirúrgica ou endoscópica adicional da região tem mais probabilidade de exacerbar do que aliviar a inflamação. Evidências adicionais de suporte para essa abordagem são encontradas em séries endoscópicas nas quais a maioria dos pacientes com pancreatite biliar apresenta colangiografia negativa, mesmo entre aqueles com alteração das enzimas hepáticas. Em sua meta-análise, Tse e Yuan demonstraram que a CPRE precoce não diminui a mortalidade ou os eventos adversos da pancreatite biliar. A recomendação do painel contra o CPRE foi, portanto, motivada pela necessidade de minimizar riscos e danos indevidos. A CPRE pode levar a feitos adversos, além do custo, sem benefício claro.
Nossa recomendação contra a CPRE precoce não se aplica a pacientes com pancreatite e colangite, dado o benefício demonstrado pela CPRE no cenário de colangite.
Um desafio ao informar a recomendação para CPRE precoce para pancreatite de biliar é a falta de um método para diagnosticar pancreatite pós-CPRE.

QUESTÃO 3: Em pacientes com cálculos grandes da via biliar, a dilatação papilar após a esfincterotomia é preferida à esfincterotomia isolada?
RESPOSTA: Em pacientes com cálculos grandes, sugerimos a realização de esfincterotomia endoscópica seguida de dilatação por balão de grande calibre em vez de esfincterotomia endoscópica isoladamente (recomendação condicional, evidência moderada).
DISCUSSÃO:
A dilatação balonada da papila pós-esfincterotomia foi desenvolvida para facilitar a remoção de cálculos grandes e para evitar o aumento da taxa de pancreatite observada quando a dilatação com balão foi realizada sem esfincterotomia.
Nove estudos randomizados e controlados além de 22 estudos observacionais indicaram que a dilatação balonada da papila pós-esfincterotomia apresenta maior chance de clareamento completo da via biliar, diminui a chance de litotripsia mecânica e não há diferença nos efeitos adversos totais e específicos como pancreatite, colangite, sangramento e perfuração.
Estudos adicionais usando definições bem caracterizadas de eventos adversos, tamanhos de balão e extensão da esfincterotomia podem impactar esta recomendação.

QUESTÃO 4: Qual é o papel da terapia intraductal versus convencional em pacientes com coledocolitíase grande e difícil?
RESPOSTA: Para pacientes com cálculos grandes e difíceis, sugerimos terapia intraductal ou terapia convencional com dilatação papilar. A escolha da terapia pode ser impactada pela experiência local, custo e preferências de pacientes e médicos (recomendação condicional, qualidade de evidência muito baixa).
DISCUSSÃO:
Cálculos grandes (> 10 mm) e aquelas muito duros ou com formas excêntricas podem ser difíceis de remover. Além disso, a presença da porção distal anormal do colédoco (oblíquo, estreitado), impactação ou grande quantidade de cálculos podem tornar o quadro refratário ao tratamento.
A recente evolução dos colangioscópios, incluindo aqueles descartáveis ​​e fornecem imagens de alta resolução, intensificou o interesse no tratamento intraductal da coledocolitíase difícil usando litotripsia a laser ou o sistema eletro-hidraulico.
Uma revisão sistemática mostrou proporções semelhantes de clareamento bem-sucedido da via biliar (0,92 para ambos) com o uso de abordagens tradicionais e intraductais. Isso contrasta com um estudo randomizado que compara o tratamento intraductal versus o convencional, que demonstrou clareamento maior com a terapia introductal (0,93 vs 0,67, P= 0,009). Existem várias explicações para essa diferença. Quando estratificada pelo uso de dilatação balonada, a metanálise constatou que a terapia intraductal era superior ao tratamento convencional quando a esfincterotomia + dilatação balonada da papila não foi realizada como parte da terapia convencional. No estudo randomizado, a esfincterotomia + dilataçao foi subutilizada, pois dilatações com balões maiores (> 12 mm) foram usadas em menos de 20% dos pacientes no braço convencional.
Outros pesquisadores estudaram a terapia intraductal apenas em pacientes que falharam na terapia convencional (litotripsia mecânica ou dilatação papilar). No trial controlado e randomizado de Buxbaum et al, a randomização foi estratificada sobre se o procedimento foi a primeira CPRE ou se foi submetido a CPRE nos 3 meses anteriores. Maior sucesso para intraductal versus terapia convencional foi observada naqueles que foram submetidos a CPRE prévia (0,90 versus 0,54), sem diferença entre aqueles que não foram submetidos a um procedimento prévio.
O painel concordou com a recomendação condicional de que o cálculo grande ou difícil pode ser tratado por terapia intraductal ou por terapia convencional, incluindo esfincterotomia seguida de dilatação balonada da papila. Houve uma extensa discussão sobre o alto custo, tempo do procedimento e inconveniência (como necessidade de encaminhamento para centros terciários) relacionados à colangioscopia.

Questões clínicas para as quais uma revisão abrangente foi usada.
As seguintes questões clínicas foram abordadas pelo painel de diretrizes com base em uma revisão abrangente da literatura, mas não aderindo à metodologia GRADE.

É necessário realizar colecistectomia na mesma admissão em pacientes com pancreatite biliar leve?

Recomendação: A colecistectomia na mesma admissão é recomendada para pacientes com pancreatite biliar leve.
Revisão:
Uma metanalise avaliou a segurança da colecistectomia durante a mesma admissão em pancreatite biliar leve e os riscos de efeitos adversos entre a alta e a colecistectomia naqueles que não foram submetidos na internação inicial. A pesquisa dos autores na literatura de 1992 a 2010 revelou dados de 948 pacientes: 483 pacientes que foram submetidos a colecistectomia na mesma admissão e 515 que foram submetidos a colecistectomia após uma média de 40 dias após a alta. Nesse último grupo, 95 pacientes (18%) foram readmitidos antes da colecistectomia; 43 (8%) por pancreatite recorrente, 35 (7%) por cólica biliar e 17 (3%) por colecistite aguda. Não houve diferenças nos eventos adversos ou na conversão para procedimento aberto entre aqueles submetidos na mesma hospitalização ou colecistectomia após o intervalo. Em um estudo randomizado e controlado “Pancreatite de origem biliar, momento ideal para colecistectomia (PONCHO)”, 266 pacientes de 23 centros holandeses com pancreatite biliar leve foram randomizados para colecistectomia na mesma admissão versus colecistectomia com intervalo. O desfecho primário foram eventos adversos relacionados a cálculos biliares que requeressem readmissão, incluindo colangite, obstrução biliar, pancreatite recorrente, cólica biliar ou mortalidade. Eventos adversos da via biliar ocorreram em 17% dos pacientes no intervalo versus 5% nos pacientes da colecistectomia na mesma admissão. Não houve diferença nos eventos adversos ou na conversão para procedimento aberto.
O painel recomendou que a colecistectomia fosse realizada na mesma admissão para pacientes com pancreatite biliar. Esta recomendação está de acordo com a recente declaração da American Gastroenterological Association.
Sobre a questão se a esfincterotomia protege contra eventos adversos biliares naqueles em que a vesícula biliar permanece in situ, o painel concordou que a CPRE com esfincterotomia profilática para prevenir pancreatite recorrente ou outros eventos adversos biliares não deve ser usada como uma alternativa à colecistectomia para pacientes com pancreatite biliar, a menos que a cirurgia seja absolutamente contraindicada (por exemplo, pancreatite recorrente em paciente com doença hepática crônica terminal).

As combinações de testes de função hepática, características clínicas e US abdominal são capazes de predizer a coledocolitíase?
Recomendação: sugerimos os seguintes critérios de alto risco para coledocolitíase, que devem indicar a CPRE:
1. Cálculo do hepatocolédoco no US abdome
2. Bilirrubina total> 4 mg / dL e ducto biliar comum dilatado
3. Colangite ascendente
Sugerimos que pacientes com outros critérios, como alteração de enzimas e função hepáticas, idade> 55 anos e ducto biliar comum dilatado na US (risco intermediário de coledocolitíase) sejam submetidos a ecoendoscopia, CPRM ou colangiografia intraoperatória ou US intraoperatório na laparoscopia para avaliação adicional.
Revisão:
Depois de revisar as evidências atuais, o painel recomendou os seguintes critérios de alto risco: colangite, cálculo em exame de imagem e a combinação de bilirrubina total > 4 mg / dL e dilatação do hepatocolédoco. Este último foi definido como > 6 mm nos adultos com vesícula biliar e > 8 mm nos que foram submetidos à colecistectomia.
Critério intermediário foi definido como bioquímica hepática anormal, idade> 55 anos ou dilatação do hepatocolédoco. Ele propôs que pacientes com qualquer um dos critérios de alto risco fosse submetidos a CPRE e aqueles com critério de risco intermediário fossem submetidos a ecoendoscopia, CPRM, colangiografia intraoperatória ou US intraoperatório. Aqueles sem fatores clínicos de risco devem ser submetidos a colecistectomia com ou sem colangiografia intraoperatória ou US intraoperatório. Essa abordagem de estratificação e gerenciamento exigirá validação em futuros estudos prospectivos.
Diretrizes específicas para CPRE em pacientes pediátricos com coledocolitíase provavelmente exigirão mais pesquisas, e as diretrizes atuais para adultos podem não ser diretamente aplicáveis.

Qual é o momento ideal da CPRE para a coledocolitíase em pacientes submetidos à colecistectomia?
Recomendação: Sugerimos que CPRE pré ou pós-operatória ou tratamento laparoscópico sejam realizados para pacientes com alto risco de coledocolitíase ou com colangiografia intraoperatória positiva, dependendo expertise da equipe cirúrgica e endoscópica local.
Revisão:
Existem várias abordagens para o manejo da coledocolitíase quando a colecistectomia é planejada. Pode ser uma abordagem somente cirúrgica e a cirurgia associado a um procedimento minimamente invasivo para clareamento da via biliar. Frequentemente a CPRE é realizada antes da colecistectomia em pacientes com alto risco de coledocolitíase. Uma alternativa também é fazer a colangiografia intraoperatória durante a colecistectomia e realizar a CPRE se tiver cálculo.

Qual o papel do CPRE no tratamento da síndrome de Mirizzi e hepatolitíase?
Recomendação: Para pacientes com síndrome de Mirizzi, a terapia colangioscópica peroral pode ser uma alternativa ao tratamento cirúrgico, dependendo da experiência local; no entanto, a ressecção da vesícula biliar é necessária, independentemente da estratégia. Para hepatolitíase, sugerimos uma abordagem multidisciplinar, incluindo endoscopia, radiologia intervencionista e cirurgia.
Revisão:
Aproximadamente 0,3% a 1,4% dos pacientes desenvolverão a síndrome de Mirizzi, na qual a obstrução biliar se desenvolve pela presença do cálculo no ducto cístico ou no infundíbulo da vesícula biliar. A CPRE está bem estabelecida como um método para diagnosticar a síndrome de Mirizzi e desobstruir a via biliar com colocação de prótese antes do tratamento cirúrgico definitivo. Colangioscopia com laser intraductal ou sistema eletrohidraulico parecem expandir o papel do tratamento endoscópico. Séries maiores revelaram uma taxa de sucesso de 75% a 91% para abordagens intraductais guiadas por colangioscopia para tratar a síndrome de Mirizzi. No entanto, se a vesícula biliar não for removida após terapia endoscópica, a maioria dos pacientes desenvolve complicações biliares e, mesmo após a colecistectomia, 10% podem desenvolver problemas biliares subsequentes. Experts advogam que o tratamento por colangioscopia deveria ser limitado a Mirizzi tipo II visto que a tipo I é de difícil abordagem por essa técnica e que a abordagem cirúrgica requer apenas colecistectomia sem exploração da via biliar.
Embora os estudos sejam limitados, aproximadamente dois terços dos pacientes com doença biliar intra-hepática apresentam respostas favoráveis às abordagens endoscópicas convencionais. Os avanços na colangioscopia peroral, incluindo o desenvolvimento de endoscópios flexíveis de alta resolução, permitiram uma terapia endoscópica bem-sucedida no tratamento a laser ou com sistema eletrohidráulico em mais de 85% dos pacientes. Há ainda papel para terapia percutânea. Em uma grande série de casos de pacientes com colangite supurativa recorrente, 85,3% alcançou clareamento com essa abordagem. No entanto, em certos casos, estenoses e alguns formatos de cálculo podem impedir o clareamento por abordagens endoscópicas ou percutâneas, e a ressecção parcial do fígado naquelas com boa função hepática permite sucesso em mais 80% dos pacientes com litíase intrahepática grave.
Qual o papel dos stents do ducto biliar no tratamento da coledocolitíase?
Recomendação: Os stents plásticos e metálicos recobertos podem facilitar a remoção de coledocolitíase difícil, mas requerem remoção ou troca planejada.
Revisão:
Os stents biliares são comumente usados para manter a drenagem biliar em pacientes com coledocolitíase difícil submetidos a CPRE ou que apresentem sinais de infecção. No entanto, também foi proposto como estratégia de tratamento para coledocolitíase difícil. A colocação temporária de stents biliares parece ser uma terapia eficaz para a coledocolitíase. Estudos de coorte demonstram que a colocação de stents para coledocolitíase resulta em uma diminuição significativa no volume e no número de cálculos. No momento da remoção do stent, programada para 2 a 6 meses após a colocação inicial, o clareamento completo foi alcançada em 65% a 93% dos casos. Dois pesquisadores também demonstraram que a colocação de stents metálicos recobertos, por uma média de 6 e 8 semanas, permitiu um clareamento completo de mais de 80% dos pacientes durante a segunda CPRE. Em outras séries maiores, os cálculos difíceis puderam ser removidos por simples varredura com balão em 66%.
A hipótese dos autores é de que o stent favorece a remoção da coledocolitíase difícil por fragmentação através atrito mecânico direto e por indução de dilatação papilar.

O resumo das questões clínicas está na tabela abaixo:

Acesse: https://www.giejournal.org/article/S0016-5107(18)33162-6/fulltext

 




COMO RESSECAR ENDOSCOPICAMENTE LESÕES COLORRETAIS BENIGNAS?

 

 

Já é comprovado que a polipectomia endoscópica reduz a incidência e mortalidade pelo câncer colorretal (CCR). Na prática há diversas técnicas de polipectomias, a depender do tamanho das lesões, localização, morfologia, histologia e estimativa da profundidade da invasão das mesmas.

Ao longo de muitos anos não foi dada adequada importância às técnicas de ressecção das lesões colônicas. Hoje sabemos que até 1/4 das polipectomias consideradas completas permanecem com lesão residual e alguns estudos sugerem que até 1/5 dos casos de CCR surgem destas lesões parcialmente ressecadas.

Partindo-se desse princípico, a US Multi-Society Task Force realizou revisão sistemática publicada agora em 2020 avaliando essas técnicas e suas indicações, visando uma ressecção completa e segura.

Como primeiro passo, sugere-se utilizar a classificação de Paris para avaliação morfológica mais detalhada das lesões e auxílio na escolha da técnica. Outras classificações, como Kudo e NICE, também são complementares para o estudo detalhado da lesão.

Segue abaixo o resumo das sugestões do grupo:

TÉCNICAS DE RESSECÇÃO:

  1. Lesões não pediculadas:

Diminutas (5 mm) ou pequenas (6-9 mm): Ressecção com alça fria deve ser o método de escolha. O uso de pinças para biópsias de frio pode ser considerada para lesões ≤ 2 mm. Hot biopsy não é recomendada.

– Intermediárias (10-19 mm): Ressecção com alça fria ou diatérmica (com ou sem injeção em submucosa). No entanto, considerar sempre mucosectomia (EMR), principalmente para lesões não polipóides ou serrilhadas, por estudos revelarem menores taxas de recorrência local.

Grandes (20 mm): Mucosectomia. Sugere-se lançar mão de corantes (índigo-carmin ou azul de metileno), bem como soluções viscosas (Voluven, Eleview e outros) para injeção submucosa, ressecando a lesão no menor número de fragmentos possível e em um único momento. Dissecção de submucosa pode ser considerada em situações nas quais a ressecção em bloco por mucosectomia seja tecnicamente difícil. Utilizar ablação térmica adjuvante nas margens pós-ressecção, apenas quando não há lesão residual visível.

2. Lesões pediculadas:

10 mm: Ressecção com alça diatérmica. Utilizar profilaxia mecânica contra sangramentos com endoloops ou clipes caso porção cefálica ≥ 20 mm ou pedículo com espessura ≥ 5 mm.

3. Situações especiais:

 

Casos suspeitos de recorrência da lesão: ressecar lesão por EMR, se possível, alça diatérmica ou avulsão, associando métodos de ablação em seus bordos.

E aí, o que você achou? Você já está aplicando essas recomendações na sua prática clínica? Para quem quiser ler o artigo na íntegra segue a referência.

Colaboração científica do Dr Leonardo Hackbart Bermudes CRM 166091 SP. Gastroenterologista e endoscopista pelo Hospital das Clínicas da USP.

 

 




Quer aumentar sua taxa de detecção de adenoma? Um monitor maior ajudaria? Uma sedação mais profunda talvez?

A ADR (taxa de detecção de adenoma) é um dos principais indicadores de qualidade em colonoscopia pois está inversamente correlacionada ao risco de desenvolvimento de câncer colorretal de intervalo. Muitos artigos e esforços têm tentado encontrar caminhos para aumentar a frequência com que encontramos essas lesões. De fato, é difícil imaginar que fatores não ligados diretamente à execução do exame, não interfiram de alguma forma no yield do procedimento.

Já são conhecidos fatores ligados ao paciente (qualidade do preparo, gênero), ao examinador (experiência, conhecimento, técnica e tempo de retirada, fadiga) e ao equipamento (alta resolução, campo de visão), como interferentes na ADR. Alguns autores estão ampliando o olhar para outros elementos que possam interferir no indicador.

Pensando assim, pesquisadores do Massachusetts General Hospital e da Columbia University avaliaram o efeito das dimensões do monitor na visibilização da mucosa e, como consequência, na ADR, com a hipótese de que monitores maiores poderiam melhorar o indicador.

O estudo foi feito em um único centro, com inclusão de todos os pacientes atendidos ambulatorialmente durante o período do estudo, num total de 1795 pacientes. Caso o paciente tivesse mais de um exame, apenas o primeiro foi levado em conta. A maior parte dos pacientes faziam exame de screening (57%), e tinham boas/excelentes condições de preparo (93%, escala de Aronchick modificada) Todos os dias, os médicos eram aleatoriamente encaminhados a duas salas de exame. Em uma das salas era usado um monitor padrão de 19 polegadas (1280×1024) e na outra um monitor de 32 polegadas (1920×1080). Além das dimensões dos monitores, não houve qualquer mudança na rotina dos procedimentos e a distância entre a tela e o examinador era de 1,20 m. A tabela 1 traz mais detalhes sobre os monitores.

Foi definida como desfecho primário a comparação entre as ADRs obtidas nos dois grupos. Como desfechos secundários, foram observadas as ADRs específicas de cada médico, bem como as taxa de detecção de pólipos global e individuais (PDR).

 

Tabela 1 – Especificações dos monitores usados no estudo.

Size Model Technology Resolution Pixel pitch Viewing angle Contrast ratio
19-inch SC-SX19- A1A11 active matrix with in-plane switching 1280x 1024 .294 mm 178- degree 600:1
32-inch SC-WU32-A1A11 active matrix thin-film-transistor screen with lightemitting diode backlight 1920×1080 .364 mm 178-degree 3000:1

 

Como vemos, embora fosse, até certo ponto, intuitivo imaginar que uma maior amplitude da imagem pudesse favorecer a detecção de lesões, isso não foi demonstrado no estudo. A única exceção parece ser que o uso de um monitor maior foi associado estatisticamente ao aumento na detecção de pólipos por endoscopistas com menor PDR basal (PDR < 35%, P=.04).

A tabela 2 sumariza os achados do estudo.

Tabela 2 – Achados e estatística dos resultados.

19”

(n-905)

32”

(n=890)

P
Qualquer lesão polipoide 297 (32.8) 306 (34.4) .50
Adenoma 248 (27.4) 248 (27.9) .80
Polipos hiperplásicos 80 (8.8) 83 (9.3) .60
Outras benignas 52 (5.8) 39 (4.4) .26
Câncer colorretal 8 (.9) 8 (.9) .98

 

Os autores comentam que não foram consideradas outras variáveis como tempo de retirada e ponderam que as maiores dimensões do monitor possam trazer outros benefícios que não o aumento da ADR.

Ok, parece que trocar de monitor não vai ajudar muito. E se a gente caprichasse na sedação e deixasse o paciente sempre quietinho, sem interferir na paz do exame?

Existem evidências de que o exame com sedação moderada não é superior em ADR e PDR quando comparado a exames sem sedação. Será que o mesmo ocorre ao se comparar sedação com benzodiazepínicos e opióides versus sedação profunda com propofol?

Com essa pergunta e de olho no uso crescente de propofol em exames de screening, um grupo da Universidade do Missouri comparou retrospectivamente estes indicadores em colonoscopias índice conduzidas com os dois modelos de sedação, em períodos não coincidentes. No total, foram 338 pacientes no grupo de sedação moderada e 247 receberam sedação profunda. Nenhuma diferença estatística foi observada entre os grupos, quanto à ADR ou PDR, independente do gênero ou em avaliações de subgrupos. No passado, outros estudos falharam em demonstrar benefícios da sedação profunda na detecção de lesões, mas incluíam pacientes de perfil heterogêneo, o que poderia ter comprometido os resultados. Este estudo do Missouri seria o primeiro a considerar apenas colonoscopias índice e em pacientes ASA 1 e 2.

Ambos os trabalhos que eu trouxe aqui têm limitações de desenho, mas apontam para conclusões que reforçam a importância de um exame cuidadoso e atento, independente dos recursos tecnológicos que estejam ao dispor.

 

Referências

Impact of moderate versus deep sedation on adenoma detection rate in index average-risk screening colonoscopies.

Gastrointest Endosc. 2019 Sep;90(3):502-505. doi: 10.1016/j.gie.2019.05.011. Epub 2019 May 15.

PMID: 31102644 DOI: 10.1016/j.gie.2019.05.011

 

Effect of video monitor size on polyp detection: a prospective, randomized, controlled trial.

Gastrointest Endosc. 2019 Aug;90(2):254-258.e2. doi: 10.1016/j.gie.2019.03.1172. Epub 2019 Apr 12.

PMID: 30986402 DOI: 10.1016/j.gie.2019.03.1172




Tratamento endoscópico de estenose gastroduodenal através de punção ecoguiada e liberação de prótese LAMS

Artigo original:  EUS-Guided Gastroenteric Anastomosis as A Bridge to Definitive Treatment In Benign Gastric Outlet Obstruction. James TW, Greenberg S, Grimm IS, Baron TH. Gastrointestinal Endoscopy (2019), doi: https://doi.org/10.1016/j.gie.2019.11.017.

Os autores realizaram um estudo retrospectivo em pacientes submetidos a tratamento endoscópico de obstrução gastroduodenal através do uso de próteses introduzidas por punção ecoguiada, sendo apresentado no DDW deste ano.

Métodos
Série de casos, retrospectiva, entre janeiro de 2013 e julho de 2019, avaliando pacientes encaminhados para hospital terciário para tratamento de estenose gastroduodenal de etiologia benigna.

Procedimento realizado sob anestesia geral pelo risco de broncoaspiração.
Ecoendoscopio terapêutico Olympus, modelo GF-UCT180
Material: Agulha de punção eco-guiada 19G , fio guia 0,025 polegadas
Prótese tipo LAMS (lumen-apposing metal stent), modelo Axios, Boston Scientific com ou sem ponta de cautério, de 15mm e 20mm.

Técnicas de punção

  1. Free-hand / water assisted / abordagem direta – ver publicação Chen et al, GIE 2017

A técnica mais simples é realizada através da instilação de solução salina e azul de metileno através da área estenótica para distender a alça jejunal e facilitar a visualização por ecoendoscopia. É realizada a punção com aspiração do líquido confirmando posicionamento adequado, seguido da passagem do fio-guia e posteriormente da prótese.

Técnica de abordagem direta (free-hand). A)injeção de solução salina B,C,D) punção ecoguiada da alça E,F) prótese LAMS liberada. Chen et al, GIE 2018

2. “Orojejunal tube-assisted” – Descrita por Itoi em 2015

Passagem de sonda com duplo balão, com ou sem auxílio de overtube, através da área estenótica e progressão do balão até a alça jejunal. Realizada insuflação dos dois balões e instilação de solução salina no segmento de alça localizado entre os balões, facilitando a identificação da alça a ser puncionada por eco-endoscopia.

Técnica de punção ecoguiada com duplo balão (Itoi T et al, GUT 2015)

3. Balloon-assisted  – Descrita com detalhes por Khashab et al em publicação da GIE em 2015

Um fio-guia é passado através da estenose seguido de progressão de um balão de extração de cálculos ou balão dilatador. Este balão é posicionado na alça após a área estenótica e preenchido com contraste ou água, facilitando a identificação através da ecoendoscopia. É realizada a punção ecoguiada com rompimento do balão, confirmando posição adequada. Posteriomente passagem de fio-guia e prótese.

Técnica Balloon-assisted. Ecoendoscópio terapêutico e balão extrator com contraste, guiando a punção. Khashab et al GIE 2015

Obs: Chen et. al descreve dois modelos de próteses tipo LAMS.
– Prótese LAMS sem eletrocautério: É necessária dilatação do trajeto estomago-alça com balão de 4mm para permitir passagem do sistema introdutor da prótese.
Cautery-assisted LAMS (Hot Axios). Neste caso a próprio sistema introdutor da prótese possui em sua extremidade uma área circular que conduz a corrente diatérmica, fazendo a abertura do trajeto estômago-alça, sem necessidade de dilatação.

Cautery-assisted LAMS – Modelo de prótese Hot Axios

Resultados

22 pacientes foram submetidos a tratamento endoscópico de estenose gastroduodenal através uso de prótese metálica introduzida através de punção ecoguiada. Os pacientes possuíam idade média de 54.2 ± 13.4 anos, sendo 40% do sexo feminino. A maior parte dos pacientes foi classificada como ASA III e IV (68,2 e 13,6%, respectivamente), com apenas 4 casos ASA II (18,2%). A obstrução gastroduodenal era de etiologia péptica (22,7%), pós cirúrgica (18,2% – dois casos de gastrojejunostomia em Y de Roux, um caso de BI e um de BII), hematoma duodenal (13,6%), pancreatite aguda/crônica (22,7%), pseudocisto e necrose pancreática (31,8%). Metade dos pacientes foi submetida a tentativas de tratamento minimamente invasivo previamente ao estudo (dilatação n=3; dilatação + prótese n=2; necrosectomia/drenagem de pseudocisto n=5; gastrojejunostomia n=1).

Evidenciado tempo médio de procedimento de 66 ± 33,5 minutos com sucesso técnico de 95,45% (21 de 22). A falha técnica ocorreu em um paciente com estenose duodenal onde a alça jejunal estava muito distante do estômago para permitir a punção ecoguiada com segurança.

Foram utilizadas as três técnicas descritas, punção direta (40,9%), com auxilio de balão (36,4%) e com tubo orojejunal (22,7%). As próteses foram colocadas de forma gastrojejunal em 76,2% dos casos e gastroduodenal em 23,8%.

Eventos adversos (n=4, 19%)
– dor abdominal sem necessidade de terapêutica específica ou internamento
– sangramento de úlcera gástrica na anastomose no 2º DPO – tratamento com injeção adrenalina e plasma de argônio.
– migração da prótese após cerca de um ano com quadro de obstrução intestinal – retirada endoscópica sem sucesso, submetido a tratamento cirúrgico para remoção da prótese porém não foi necessário abordar o estômago.
– prótese transfixando o cólon. A complicação potencialmente mais grave foi registrada neste caso onde a prótese transfixou o cólon no trajeto entre estômago e alça jejunal. Aconteceu em um paciente com pancreatite crônica submetido a múltiplas necrosectomias. Apesar da transfixar o cólon, estudo contrastado não evidenciou extravasamento de contraste, sendo liberada dieta para o paciente. Posteriormente, após melhora do status nutricional deverá ser encaminhado para cirurgia.

Cinco pacientes (22,72%) apresentaram recidiva de sintomas obstrutivos durante o tempo de permanência da prótese, após tempo médio de 228 dias. Três pacientes (14,3%) tiveram recorrência de sintomas obstrutivos após remoção da prótese.

Recidiva de sintomas obstrutivos com prótese in situ (n=5; 22,72%)

  • impactação de alimentos na prótese (n=3)
  • prótese patente porém com sintomas obstrutivos (n=1) – realizada gastrostomia + sonda jejunal
  • impactação alimentar após 185 dias de prótese (n=1) – encaminhado para cirurgia

Recidiva de sintomas obstrutivos após remoção da prótese (n=3; 14,3%)

  • (n=2) – submetidos a colocação de novas próteses já que persistiam com status ruim para realização de cirurgia
  • (n=1) –  um paciente com úlcera péptica, submetido a cirurgia após 577 dias da remoção do stent

As próteses foram removidas de maneira eletiva em 18 pacientes após resolução dos sintomas obstrutivos com tempo médio de 270± 273 dias. Ao término do estudo, três pacientes ainda aguardam remoção dos stents (um caso de Bilroth I, uma pancreatite crônica e o caso da prótese transfixando o cólon).  Tempo de seguimento médio de 564 dias.

Considerações

A punção ecoguiada seguida de aposição de próteses tipo LAMS é uma técnica relativamente nova para o tratamento de estenose digestiva de etiologia benigna, com poucas publicações a respeito além da ausência de uniformidade sobre a nomenclatura das técnicas.  O tratamento endoscópico é uma excelente alternativa para estes pacientes já que a maioria deles possuem status nutricional ruim com risco elevado ao tratamento cirúrgico.  Uma das principais limitações da terapêutica endoscópica é a impossibilidade de acessar o duodeno, o que pode ser superado através da punção ecoguiada, ampliando consideravelmente a desobstrução não cirúrgica de casos de obstrução gastroduodenal.

A publicação em questão é muito interessante, com resultados expressivos principalmente quando considerada a gravidade dos pacientes (81,8% com ASA III/IV) onde uma abordagem cirúrgica poderia trazer considerável morbidade. Apesar de encontrarmos 37% de recorrência de sintomas obstrutivos, é salutar considerar que houve grande tempo livre com resolução dos sintomas quando a prótese ainda estava posicionada (média de 228 dias) permitindo melhora do status nutricional. Nos casos de recorrência de sintomas após a remoção da prótese, foi possível a colocação de novas prótese (2 de 3 casos) com apenas um caso de encaminhamento para cirurgia.

Dos efeitos adversos chama atenção o caso do paciente onde a punção transfixou o cólon e a prótese foi liberada porém não houve repercussão clínica. Ao término do estudo o paciente permanecia em dieta oral, aguardando melhora do status nutricional para a cirurgia.  Seria interessante destacar qual técnica foi utilizada para a punção porém isto não fica claro no texto.

A descrição da técnica ficou um pouco confusa sendo melhor esclarecida em outras publicações, motivo pelo qual inseri um pequeno resumo das mesmas na secção de métodos.

Artigos:

EUS-Guided Gastroenteric Anastomosis as A Bridge to Definitive Treatment In Benign Gastric Outlet Obstruction. James TW, Greenberg S, Grimm IS, Baron TH, Gastrointest Endosc. 2019 Nov 20.

Prospective evaluation of endoscopic ultrasonography-guided double-balloon-occluded gastrojejunostomy bypass (EPASS) for malignant gastric outlet obstruction. Itoi TIshii KIkeuchi NSofuni AGotoda TMoriyasu FDhir VTeoh AYBinmoeller KF.,  Gut. 2016 Feb;65(2):193-5

EUS-guided gastroenterostomy: the first U.S. clinical experience (with video). Mouen A. Khashab, Vivek Kumbhari, Ian S. Grimm, Saowanee Ngamruengphong, Gerard Aguila,  Mohamad El Zein, Anthony N. Kalloo, Todd H. Baron. Gastrointest Endosc. 2015 Nov;82(5):932-8

EUS-guided gastroenterostomy: a multicenter study comparing the direct and balloon-assisted techniques  Yen-I Chen, Christopher C. Thompson, Todd H. Baron, Khashab et al  Gastrointest Endosc. 2018, Vol 87, No 5




O que podemos fazer para evitar pancreatite pós-CPRE ? Essas duas publicações recentes tratam desse assunto.

Atualização sobre pancreatite pós-CPRE: artigos recentes

 

 

A pancreatite aguda pós-CPRE é a mais frequente complicação desse procedimento e, embora em grande parte dos casos apresente-se de forma leve a moderada, por vezes a evolução pode ser grave. Os endoscopistas buscam, portanto, todas as técnicas e condutas para evitá-la. Abaixo, seguem dois estudos de 2019 sobre essa temida complicação.

 

  1. Pharmacological prophylaxis versus pancreatic duct stenting plus pharmacological prophylaxis for prevention of post-ERCP pancreatitis in high risk patients: a randomized trial (ENDOSCOPY DOI: 10.1055/a-0977-3119)

 

Objetivo: o objetivo desse estudo de não-inferioridade foi avaliar a eficácia da colocação de prótese pancreática associada a profilaxia farmacológica versus somente profilaxia farmacológica na prevenção de pancreatite pós-CPRE (PEP), em pacientes de alto risco.

 

Métodos: estudo de não-inferioridade, randomizado, controlado, duplo cego, em um único hospital terciário de Tehran, Irã. Os pacientes foram randomizados em dois grupos. As drogas utilizadas como profilaxia foram indomedacina por via retal, dinitrato de isosorbida via sublingual, ambas administradas imediatamente antes do procedimento, além de hiper-hidratação com ringer lactato (6 ml/kg/h durante a CPRE, seguida de bolus de 20ml/kg após e 3 ml/kg nas 8 horas seguintes).

A prótese pancreática utilizada foi 5 fr x 4 cm, single pigtail.

Foram avaliados o índice e gravidade da PEP, níveis séricos de amilase, e tempo de internação hospitalar.

 

Resultados:

  • 414 pacientes (207 em cada grupo) foram avaliados em 21 meses.
  • Média de idade 55,5 anos, 60,2% eram mulheres.
  • PEP ocorreu em 59 pacientes (14,3%, IC 95%, 11.1 % – 17.9 % ): 26  pacientes (12.6 %,  IC 95 %  8.6%–17.6% ) no grupo farmacológico + prótese e 33 pacientes (15.9%, IC 95%, 11.4%– 21.4 % ) no grupo somente farmacológico.
  • Não houve diferença significativa entre os dois grupos com relação à gravidade da pancreatite (p=0,59), níveis séricos de amilase após 2 horas (p=0,31) ou em 24 horas (p=0,08) e no tempo de internação hospitalar (p=0,07).

 

Discussão: o design de não-inferioridade foi escolhido para esse estudo porque se for demonstrado ser a profilaxia farmacológica igualmente efetiva, ela oferece muitas vantagens sobre a prótese pancreática. Essas vantagens incluem uma única e fácil administração da droga, baixo risco de complicação, além de custo-efetividade favorável.  Assim como a indometacina via retal, vários estudos já demonstraram os benefícios da prótese pancreática como profilaxia da PEP. Porém, esta técnica apresenta algumas poucas desvantagens: prolonga o tempo do procedimento, tecnicamente desafiador, a falha na colocação aumenta o risco de PEP e torna mais caro um procedimento que já tem alto custo; além da necessidade de retirada da prótese, nos casos em que não há saída espontânea. Se essa a saída espontânea for precoce, perde-se o benefício da prótese. Se houver migração para o ducto pancreático, embora rara, trata-se de um evento adverso grave, que pode requerer várias abordagens endoscópicas e até tratamento cirúrgico. Muitos estudos de profilaxia com prótese pancreática foram conduzidos antes do uso difundido da indometacina via retal como profilaxia. A demonstração de não-inferioridade da terapia farmacológica poderia, portanto, ser suficiente para recomendar essa estratégia como método primário de profilaxia de PEP. Entretanto o estudo falhou em demonstrar a não-inferioridade ou inferioridade da profilaxia farmacológica isolada. Embora os resultados não tenham sido conclusivos, o benefício de adicionar a prótese pancreática à profilaxia farmacológica (se houver) deve ser pequeno. Novos estudos são necessários.

 

Conclusão: o estudo falhou em demonstrar a não-inferioridade ou a inferioridade da profilaxia farmacológica isolada ou associada à colocação de prótese pancreática na prevenção de PEP.

 

Link para acessar o artigo original 

 

  1. Comparative Efficacy of 9 Major Drugs for Postendoscopic Retrograde Cholangiopancreatography Pancreatitis: A Network Meta-Analysis (Surgical Laparoscopy Endoscopy & Percutaneous Techniques doi: 10.1097/SLE.0000000000000707)

 

A droga ótima para reduzir o risco de PEP ainda é incerta.

 

Objetivo: O objetivo desse estudo foi comparar a eficácia das 9 maiores drogas usadas no mundo todo para profilaxia da PEP.

 

Método: foi feita uma pesquisa sistemática na literatura até outubro 2018 no Pubmed, Embase, Web of Science, the Cochrane Central Library e ClinicalTrials.gov. Foram incluídos estudos controlados e randomizados comparando alopurinol, diclofenaco, gabexate (GAB), nitroglicerina (GTN), indometacina, nafamostat, octreotide, somatostatina e ulinastatin.

 

Resultados:

  • 86 estudos controlados e randomizados envolvendo 25.246 pacientes foram incluídos.
  • Os resultados indicam que diclofenaco, GAB, GTN, indometacina, somatostatina e ulinastatin foram mais efetivos que placebo com odds ratios variando entre 0,48 (IC 95% 0,26 – 0,86) para GAB e 0,61 (0,39-0,94) para somatostatina.
  • Alopurinol, nafamostat e octreotide mostraram eficácia similar ao placebo em reduzir o risco de PEP.
  • Não foram encontradas diferenças significativas entre diclofenaco, GAB, GTN, indometacina, somatostatina e ulinastatin.
  • Em termos de prognóstico, GAB pode ser o tratamento mais efetivo e octreotide, o menos efetivo.

 

Discussão:  esse estudo foi a primeira metanálise com drogas mais usadas na prevenção da PEP e incluiu um grande número de estudos. Entretanto as seguintes limitações devem ser consideradas: primeiro, diferentes drogas com diferentes doses e vias de administração foram usadas nos estudos, o que pode ter um certo impacto nos resultados. Os estudos têm mostrado que diferentes vias de administração afetam o papel dos AINES e da somatostatina em prevenir PEP. Segundo, as definições de PEP usadas são as mesmas a despeito do grande período de tempo de condução dos estudos incluídos. Terceiro, há poucos estudos head-to-head nos estudos incluídos.

 

Conclusão: embora a análise sugira que GAB pode ser o mais efetivo em prevenir PEP, as limitações do estudo justificam mais estudos head-to-head futuros, usando doses e vias de administração similares, para aprimorar e validar a comparação entre as drogas na prevenção de PEP.

 

Link para acessar o artigo original

 

 

 

 

Para saber mais sobre este tema, acesse o site Gastropedia clicando aqui!




Qual agulha é melhor para punção ecoguiada do fígado ? FNA ou FNB ? Leia o ARTIGO COMENTADO !

Endoscopy. 2019 Jul 23. doi: 10.1055/a-0956-6922.
 
19 G aspiration needle versus 19 G core biopsy needle for endoscopic ultrasound-guided liver biopsy: a prospective randomized trial.
 
Ching-Companioni RA1, Diehl DL1, Johal AS1, Confer BD1, Khara HS1.
Department of Gastroenterology and Nutrition, Geisinger Medical Center, Danville, Pennsylvania, United States.
 
Introdução
 
A doença hepática crônica tem várias causas e é um importante fator de morbimortalidade. Embora exames laboratoriais e de imagem sejam úteis na avaliação hepatica, eles podem não ser capazes de determinar sua etiologia e, em alguns casos, podem não conseguir estimar com precisão o grau de fibrose hepática. A biópsia continua sendo uma ferramenta importante no diagnóstico e tratamento de algumas doenças crônicas do fígado. A biópsia percutânea ou pela via transjugular continuam sendo o padrão ouro utilizado para obtenção de fragmentos hepáticos, porém as biópsias guiadas por ultrassonografia endoscópica (EUS-LB) estão sendo cada vez mais utilizadas. Um benefício das biópsias ecoguiadas é a capacidade de executar com rapidez e segurança a obtenção de fragmentos de ambos os lobos hepáticos sob controle ultrassonográfico em tempo real durante todo o procedimento, minimizando o risco de punção inadvertida de um vaso ou mesmo outro órgão. Outros benefícios potenciais incluem o conforto do paciente durante o procedimento, pois habitualmente o mesmo encontra-se sob sedação profunda, e maior eficiência e conveniência para pacientes que necessitam de um biópsia hepática, uma esofagogastroduodenoscopia e/ou uma ecoendoscopia. Vários estudos usando a punção ecoguiada com aspiração com agulha fina (FNA) de 19 G mostraram a viabilidade e precisão do dessa técnica, com rendimento superior a 90%. Um estudo retrospectivo comparando biópsia hepática guiada por ecoendoscopia com biópsias adquiridas pela via percutânea ou transjugular mostrou que os diferentes métodos eram comparáveis ​​em termos de quantidade de tecido obtido. Pesquisas em andamento se concentram em como melhorar as amostras obtidas com esta técnica (EUS-LB). Os estudos iniciais com EUS-LB utilizaram uma agulha 19 G FNA ou a agulha TruCut 19 G (Merit Medical, South Jordan, Utah, EUA). Desde o desenvolvimento de agulhas para biópsia guiada por EUS, esses dispositivos foram testados para EUS-LB, com resultados encorajadores. No entanto, nenhuma comparação prospectiva in vivo dessas agulhas tinha sido realizada. Neste estudo, objetivamos comparar o rendimento tecidual de uma agulha de EUS de 19 G (FNB) com o de uma agulha 19 G EUS (FNA)  em um estudo prospectivo randomizado. A hipótese do nosso estudo foi que as agulhas de 19 G do tipo FNB proporcionaria melhores rendimentos teciduais do que a agulha FNA.
 
Métodos
 
Este foi um estudo prospectivo, paralelo, randomizado, comparando fragmentos de tecidos hepáticos obtidos por dois tipos diferentes de agulhas de 19 G, FNA versus FNB.
O desfecho primário obtido foi o comprimento do fragmento. Os desfechos secundários foram, comprimento agregado da amostra, número de tríades portais completas (CPTs) e eventos adversos.
Uma passagem transgástrica e uma transduodenal foram realizadas com a mesma agulha em cada paciente.
Os comprimentos das amostras foram medidos antes e após o processamento histológico.

Fragmentos obtidos logo após a punção. Foram peneirados com solução salina

Fragmentos posicionados ao lado de uma régua para aferição do comprimento das amostras 

 
Resultados
 
Os 40 pacientes encaminhados para realização das biópsias guiadas por ecoendoscopia foram randomizados em dois grupos distintos.
Um grupo foi submetido a FNA (n = 20) e outro foi submetido a FNB (n = 20).
Todos os pacientes selecionados para o estudo eram portadores de alguma doença parenquimatosa crônica e foram submetidos a biópsias de ambos os lobos hepáticos.
As biópsias de FNB produziram amostras médias mais longas (média de pré-processamento de 2,09 cm vs. média 1,47 cm e pós-processamento médio de 1,78 cm vs. média 1,05 cm; (P <0,001), e um comprimento agregado da amostra maior (média de pré-processamento de 15,78 cm vs. 10,89 cm; (P = 0,003) e mais CPTs (média 42,6 vs 18,1; (P <0,001) em comparação com a agulha FNA. Não houve eventos adversos graves em nenhum dos grupos. A incidência de efeitos adversos foi semelhante entre ambos. A dor pós-biópsia foi observada em 30% dos que foram submetidos a FNB e 35% e a 30% no grupo da FNA, porém sem diferença estatisticamente significativa.
 
Conclusão
 
Os fragmentos obtidos através da punção ecoguiada por FNB foram maiores, mais longos, e com uma maior quantidade de tríade portais completas do que o tecido obtido através de FNA.  Não houve diferença em relação a incidência de efeitos adversos entre os dois grupos estudados.
 
Comentário
A biópsia transjugular ou percutânea continuam sendo o padrão-ouro para a obtenção de fragmentos hepáticos na avaliação da fibrose nas doenças  crônicas do fígado. Porém, com o advento das punções ecoguiadas isso tende a mudar, já que esse método apresenta diversas vantagens sobre os métodos atualmente utilizados. Para citar algumas :
 

  • É uma abordagem tecnicamente reprodutível, independentemente do tipo corporal, pois a agulha necessita apenas atravessar a parede gástrica ou duodenal para alcançar o parênquima hepático;
  • É teoricamente menos dolorosa que a abordagem percutânea, pois não requer punção na parede abdominal;
  • É uma abordagem guiada por imagens em tempo real, que permite visualizar e evitar a punção de vasos de tamanho tão pequeno quanto 1 mm;
  • Fornece acesso a uma área muito maior do parênquima hepático, pois todo o lobo esquerdo e a maioria do lobo direito podem ser avaliados para possíveis locais de punção da agulha;
  • Além de obter tecido, a biópsia hepática guiada por ecoendoscopia também oferece o benefício de uma avaliação abrangente do trato digestivo alto, incluindo rastreio ou acompanhamento de varizes esofágicas.

 
Portanto, o atual artigo está entre tantos que corroboram a vantagem da punção guiada por ecoendoscopia sobre os demais métodos atualmente utilizados, e ainda, com o advento de novas agulhas (FNB) conseguimos com a mesma incidência de efeitos colaterais, uma precisão diagnóstica maior.

 
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Vídeo ilustrativo de um caso onde foram realizadas biópsias hepáticas por FNB.

 
 
Referências
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[2] Rockey DC, Bissell DM. Noninvasive measures of liver fibrosis. Hepatology 2006; 43: S113 – S120
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[4] Ziol M, Handra-Luca A, Kettaneh A et al. Noninvasive assessment of liver fibrosis by measurement of stiffness in patients with chronic hepatitis C. Hepatology 2005; 41: 48 – 54
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[6] Stavropoulos SN, Im GY, Jlayer Z et al. High yield of same-session EUSguided liver biopsy by 19-gauge FNA needle in patients undergoing EUS to exclude biliary obstruction. Gastrointest Endosc 2012; 75: 310 – 318
[7] Diehl DL, Johal AS, Khara HS et al. Endoscopic ultrasound-guided liver biopsy: a multicenter experience. Endosc Int Open 2015; 3: E1 – 6
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