Terapia endoscópica com vácuo (EVT) – Principais resultados de uma metanálise.

A endoscopia possui um papel de destaque no tratamento de fístulas pós cirúrgicas, particularmente bariátricas. Temos diversas opções de tratamento, com enfoques distintos e diversas publicações sobre estes métodos.

A terapia endoscópica com vácuo – Endoscopic Vacuum Therapy (EVT) – é uma técnica mais recente e por tal motivo ainda conta com menor quantidade de publicações e nenhuma metanálise, ao menos até a publicação do artigo original que iremos comentar aqui. 

Artigo original: Intriago JMV, de Moura DTH, do Monte Junior ES, et al. Endoscopic Vacuum Therapy (EVT) for the Treatment of Post-Bariatric Surgery Leaks and Fistulas: a Systematic Review and Meta-analysis. Obes Surg. 2022.

Os principais mecanismos de ação da EVT estão relacionados a sua capacidade de promover macro e microdeformação, mudanças na perfusão através de estímulo a angiogênese, controle de exsudato e clearance bacteriano. Resumidamente, a EVT atinge seus resultados promovendo estímulo a cicatrização ao mesmo tempo que mantém drenagem. A localização da sonda pode ser intracavitária (sonda alocada dentro da cavidade perigástrica) ou intraluminal (no lúmen esofágico/gástrico); em ambos casos o sistema é mantido com pressão negativa entre 125 a 175mmHg.

Os modelos utilizados podem ser de quatro tipos:

  • Open-pore sponge (OPS) – esponja localizada na extremidade da sonda
  • Open-pore film (OPF) – filme fino de drenagem na extremidade da sonda
  • Sonda EVT modificada* – modelo modificado de sonda, difundido por Flaubert Sena
  • Sonda EVT três lumens – modelo com sonda de três vias, permitindo a terapêutica com EVT ao mesmo tempo que oferece via alimentar com sonda única

 * Em nossas referências procure o artigo publicado na VideoGIE com um vídeo gratuito, detalhando como montar a sonda.

Métodos

O estudo foi protocolado na PROSPERO e aprovado pelo comitê de ética da Universidade de São Paulo seguindo as normativas da Cochrane (PRISMA).

Dois avaliadores independentes realizaram a busca com os alguns descritores em diversas bases de dados incluindo MEDLINE, Embase, Cochrane e outros com os descritores “negative pressure, vaccum, EVT, Evac , leak, leakage” e outros. Um terceiro avaliador esteve disponível para casos de não concordância.

Foram excluídos estudos com desenho inapropriado ou não descrito, dados insuficientes e estudos duplicados (neste caso, sendo utilizado apenas o mais recente). Em casos de estudos comparativo, foram selecionados apenas os dados referentes a EVT. Os pacientes inclusos na metanalise incluíam pacientes pós cirurgia bariátrica, fistulas ou vazamentos, independente do tempo de evolução, tratados com EVT.

Desfechos

Sucesso clínico (fechamento do defeito) e perfil de segurança (efeitos adversos e deslocamento da sonda EVT), número e intervalo entre trocas, tempo de permanência do dispositivo, terapia adjuvante utilizada, tempo de internamento hospitalar.

Estatística

O risco de viés foi avaliado considerando os critérios da Grading Recommendations Assessment, Development, and Evaluation (GRADE), utilizando software GRADE-pro. Para variáveis dicotomicas foi utilizado o método de Mantel–Haenszel, com intervalo de confiança de 95%. Foram utilizados testes de Higgins para avaliação de heterogenicidade, considerada alta com I2 maior que 50 % enquanto gráficos de Forest plot foram utilizados para avaliação dos estudos.

Resultados  

A busca inicial encontrou 5803 artigos, sendo selecionados 207 para avaliação de resumo. 12 estudos foram selecionados porém 7 foram excluídos por tratarem do mesmo grupo de pacientes, sendo mantido apenas os estudos mais recentes. Para análise final foram selecionados 5 artigos, todos retrospectivos (4 séries de caso e 01 coorte).

Características dos estudos:

O número total foi de 55 pacientes, assim divididos:

Morell B. et al – 6 pacientes, casos de fístula aguda após bypass gástrico (RYGB) e sleeve, utilizando (OPS) Eso-Esponge isoladamente ou em associação a com prótese em caso de fístulas de largo calibre (técnica stent over sponge).  Dois pacientes utilizaram EVT como terapia primária e quatro como terapia de resgate. Sucesso clínico em todos casos, sem relato de eventos adversos.

Christogianni V. et al – 21 pacientes com fístulas precoces (até 10 dias), pós sleeve. Todos pacientes foram submetidos a laparoscopia, lavagem e drenagem para posterior uso do EVT. Sucesso clínico em todos casos sendo 18 apenas com EVT; em três casos houve persistência de fístula onde o tratamento realizado foi drenagem interna através de cateter tipo duplo pigtail. Em quatro casos houve deslocamento/desalojamento do EVT.

Archid R. et al – coorte retrospectiva avaliando 27 pacientes comparando EVT e prótese no tratamento de fístulas agudas e crônicas após LSG. Foram utilizados dois modelos de sistema EVT o Eso-Esponge (nos casos intracavitários) e o sistema open-pore film (OPF) em intra-luminais. O EVT foi realizado como terapêutica primária em 10 casos e como método complementar em 4 (após radiologia intervencionista ou drenagem cirúrgica). Houve sucesso em 85,7% (12/14), um deles necessitando uso de stent após EVT. Um paciente com múltiplas comorbidades foi a óbito por sepse (evento não relacionado ao EVT).

Leeds SG. et al – EVT realizado com dispositivo manufaturado utilizando esponja para tratamento de fístulas pós sleeve, agudas ou crônicas. Nove pacientes foram selecionados dos quais 3 tiveram EVT como terapêutica primária. Oito pacientes obtiveram sucesso clínico (8/9) dos quais 5 utilizaram próteses em alguma etapa do tratamento. Um paciente foi a óbito por falência múltipla de órgãos, não sendo relacionado ao EVT. Houve relato de um quadro de pancreatite como evento adverso moderado.

Zaveri et at – 6 pacientes com fístulas agudas ou crônicas após sleeve, dos quais 3 tiveram EVT como terapêutica primária. Houve sucesso clínico em 5/6 pacientes e um paciente foi submetido a tratamento complementar com prótese. Não houve relato de evento adverso ou óbito.

Metanálise

Taxa de sucesso clínico (6 estudos): 87,2% (95% CI 75,4–93,8%; I2 = 0%; P = 0,000)

Número de trocas do sistema EVT (4 estudos): 6,47 (95% CI 4.00–8.94; I2 = 85,30%; P = 0,000)

Intervalo entre a troca de sistemas (2 estudos): 4,39 dias (95% CI 3,60–5,17; I2 = 93,31%; P = 0,000)

Tempo de permanência EVT (6 estudos): 5,67 dias (95% CI 15,16–36,18; I2 = 93,31%; P = 0,000)

Terapia adjuvante durante EVT (2 estudos): 35,3% (95% CI 19,3–75,2; I2 = 14,617%; P = 0,284), ambos estudos descrevendo cirurgia como um dos métodos

Internamento hospitalar (4 estudos): 44,43 dias (95% CI 30,01–58,84 dias; I2 = 80,82%; P = 0,000)

Deslocamento do sistema EVT (2 estudos): 2,5% (95% CI 2,7–42,7; I2 = 35,52%; P = 0,021)

Eventos adversos (seis estudos): 6%, todos moderados (95% CI 1,9%–17%; I2 = 0%; P = 0,000) 

Mortalidade – dois casos foram relatados porém ambos não relacionados ao EVT

Discussão

O tratamento com EVT foi realizado de forma isolada em apenas 32.72% (18 de 55) dos casos apresentados na metanálise, o que dificulta a interpretação dos resultados. De toda forma, os resultados foram positivos tanto em casos agudos quanto em casos crônicos, estes últimos mais difíceis de tratar habitualmente.

A experiência das equipes e uso de sondas distintas podem influenciar nos resultados embora não exista um número grande de casos para fazer estudos comparativos. Foi observada diferença relevante no tempo de tratamento em alguns dos estudos com destaque para a publicação de Leeds com média de 81,3 dias de permanência, todos casos utilizando sondas OPS em contraste com Archid R que utilizou OFD em todos casos e obteve 37,04 dias de permanência. Uma possível explicação pode estar relacionada ao uso de sondas OPS que estão associadas a criação de tecido ingrowth e obstrução, requerendo intervalo mais curto entre as trocas.  

Os dados apresentados na metanálise são muito relevantes porém o estudo possui suas limitações pela pequena quantidade de dados disponíveis na literatura, tempo relativamente curto do desenvolvimento da técnica, característica de estudos retrospectivos, uso de sondas de EVT diferentes e realização de terapias combinadas (mais de um método endoscópico ou uso de outros métodos como cirurgia e drenagem percutânea).

Referências

de Moura DTH, Hirsch BS, Do Monte Junior ES, et al. Cost-effective modified endoscopic vacuum therapy for the treatment of gastrointestinal transmural defects: step-by-step process of man-ufacturing and its advantages. VideoGIE. 2021;6:523–8 *

de Moura DTH, Hirsch BS, Boghossian MB,  et al. Low-cost modified endoscopic vacuum therapy using a triple-lumen tube allows nutrition and drainage for treatment of an early post–bari-atric surgery leak. Endoscopy. 2021;

Kuehn F, Loske G, Schiffmann L, et al. Endoscopic vacuum ther-apy for various defects of the upper gastrointestinal tract. Surg Endosc. 2017;31:3449–58

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Como você está fazendo a fotodocumentação do seu laudo endoscópico?  Será que pode melhorar?  Revisão e discussão da escassa literatura sobre o assunto.

A captura eletrônica de imagens facilitou bastante o registro dos exames endoscópicos sem aumentar o custo do procedimento.  Registrar  uma ou 100 fotos não influencia quase nada no custo do exame, mas pode influenciar bastante na qualidade do laudo e na decisão terapêutica do paciente.

Apesar da endoscopia digestiva  alta ser o procedimento mais realizado no trato gastrointestinal, o número de imagens e locais a serem registrados  no esôfago, estômago e duodeno não são padronizados e variam bastante no mundo todo. Não existe nenhum guideline amplamente aceito e utilizado.

Neste  artigo vamos abordar as recomendações existentes até agora e tentar organizar um pouco as informações para você poder melhorar a sua prática.

Dicas para uma foto de qualidade

Uma boa foto começa com um bom preparo.   Não adianta tirar várias imagens durante o exame se as fotos não forem nítidas e não permitirem uma boa avaliação da mucosa.   Imagens de qualidade devem ser livres de saliva, bolhas e resíduos.  

Lembrar-se de sempre  utilizar o botão freeze antes de capturar a imagem para confirmar se está nítida antes da captura definitiva!

Para preparar o estômago e se livrar do muco e das bolhas, os japoneses costumam utilizar   Pronase, que é um potente mucolítico.  Como não temos Pronase disponível em nosso mercado uma opção é a combinação de  100-200 mg de simeticona associada à 500-600 mg de N-acetilcisteína diluídos em 100 ml de água e administrados 20 minutos antes do exame.  Esta medida  melhora significativamente a visibilidade da mucosa do trato digestivo alto quando comparado com apenas água1.

Outra dica importante é a insuflação.  As imagens devem ser capturadas com o órgão com distensão moderada, facilitando a visualização de lesões2.

O que existe na literatura sobre a documentação fotográfica do exame normal?

A sociedade europeia (ESGE) publicou em 2001  um artigo sugerindo princípios gerais para o registro de imagens do exame normal.   As imagens deveriam mostrar os principais pontos anatômicos, documentar a extensão do exame e indicar a qualidade do preparo e a visibilidade da mucosa2

Para isso recomendaram a captura de 8 imagens para registro do exame normal: esôfago superior, transição esofagogástrica, cárdia e fundo, corpo, incisura, antro, bulbo e segunda porção duodenal (figura 1).

Figura 1: Oito imagens sugeridas pela ESGE no artigo de 2001

Em 2016, uma nova publicação da ESGE recomendou aumentar  o número de imagens a serem capturadas para registrar o exame normal de oito para pelo menos dez.   As imagens recomendadas incluem um fato do duodeno, papila maior, antro, incisura, corpo, retrovisão do fundo, cárdia,  transição esofagogástrica e esôfago distal e proximal.  Também recomendam incluir imagens de todos os achados anormais mencionados no laudo3

O professor  Yao em 2013 publicou um método chamado de Systematic  Screening of the Stomach (SSS)4.  Este método recomenda a captura  de 22 imagens e é utilizado  para documentar  exclusivamente o estômago, não incluindo o esôfago, transição esofagogástrica e duodeno. O mesmo artigo contém ainda recomendações para uso de cromoscopia e magnificação de imagem na avaliação gástrica.  Apesar disso, alguns centros de referência no Japão recomendam um número ainda maior de imagens, no mínimo 40 para uma avaliação adequada do estômago1.  

O SSS deve ser iniciado quando se chega ao antro gástrico.   São capturadas imagens dos quatro quadrantes do antro, corpo médio e corpo alto.  Depois em retrovisão se captura imagnes dos quatro quadrantes do fundo e cárdia, e 3 quadrantes  do corpo médio e incisura (figura 2) 4

Figura 2:  Systematic  Screening of the Stomach (SSS) proposto pelo professor Yao.

Recentemente, em 2020, a World Endoscopy Organization publicou na Digestive  Endoscopy uma nova recomendação de avaliação sistematizada e  documentação fotográfica incluindo 28 imagens para o exame normal (figura 3 e tabela 1).   No caso de achados alterados esse número de imagens pode ser aumentado.  Esta recomendação é bem mais ampla do que as anteriores e inclui todos os  segmentos do trato digestivo alto além de incluir uma imagem da laringe1.

Tabela 1: Localização e codificação da avaliação e captura de imagens sistematizada recomendada pela WEO. 

Apesar de não existirem dados conclusivos comprovando que a fotodocumentação de todas as áreas anatômicas irá melhorar o diagnóstico e resultado clínico dos pacientes,  as vantagens de um registro completo não podem ser minimizadas. 

O exame sistematizado pode reduzir o risco de não visualizar lesões, protege o endoscopista no ponto de vista legal, confirma o exame completo e muitas vezes reduz a necessidade de repetir o exame por dúvidas no laudo já que os achados descritos podem ser confirmados nas imagens.   

Figura 3: Vinte e oito imagens recomendadas pela WEO.

Documentação de achados patológicos

O registro das alterações é muito importante para a decisão terapêutica.  O objetivo da  imagem é demonstrar   lesões  focais identificadas ou áreas representativas de patologias difusas para adequada localização, caracterização,  comparação com exames prévios ou futuros e guiar a  decisão terapêutica3,5.

Quando um procedimento terapêutico  é realizado se deve registrar imagens de antes do procedimento, durante e também do resultado  final (figura 4).

Figura 4: Exemplo de registro de terapêutica. Polipectomia com alça fria. Da esquerda para a direita, imagem do pólipo pré ressecção, imagem registrando o posicionamento da alça e imagem registrando o leito de ressecção sem sangramento e sem lesões residuais.

Nas lesões focais é importante incluir na imagem a lesão e sua relação com áreas anatômicas próximas permitindo uma adequada orientação da sua localização.  Uma imagem com uma pinça aberta próxima da lesão facilita a estimativa do tamanho.  Quando necessário, imagens adicionais devem demonstrar a lesão toda e também áreas específicas que sejam relevantes  como sua base, borda, pedículo, etc.   Quando disponível e indicado imagens de cromoscopia e magnificação detalhando a regularidade da superfície e capilares podem adicionar informações relevantes3,5.

Nas patologias difusas imagens que demonstrem a extensão e severidade da patologia e também as áreas de transição devem ser capturadas3.

Como colocar isso na nossa prática?

Um bom registro fotográfico é fundamental para fortalecer nosso laudo, registrar os achados descritos além de passar uma impressão de qualidade.

Os sistemas de captura atuais permitem o armazenamento de um grande número de  imagens sem aumento do custo.  Esse registro facilita a revisão do laudo sempre que necessário.   Uma rotina de captura de imagens também garante que iremos avaliar todos os segmentos de forma sistematizada, reduzindo o risco de esquecermos alguma área sem avaliação.

 O que pode  variar bastante  é o número de imagens que iremos colocar no nosso laudo.  A impressão de várias folhas de fotos  pode sim impactar no custo do exame.  Além disso, alguns sistemas de laudo permitem um número pré-definido de imagens para impressão. 

A sugestão é que os sistemas sejam configurados para permitir a inclusão de um número maior de imagens.   Esse é um futuro que não teremos como escapar.   A alternativa  para evitar a impressão de uma grande quantidade de material é a disponibilização dos laudos de forma digital ou online.  Esta opção  reduz os custos com impressão,  o paciente tem acesso sempre que precisar  além  de ser ecológica.

O objetivo dessa revisão é estimular a discussão e demonstrar o que existe hoje publicado sobre a fotodocumentação do exame endoscópico.   Reforçamos que não existe nenhum guideline amplamente utilizado e o número de imagens capturados e incluídos no laudo varia bastante entre os endoscopistas.  

Como está a sua prática? Quantas fotos você costuma colocar no laudo?  Compartilhe conosco a sua opinião e experiência!

Referências

  1. Emura, F., Sharma, P., Arantes, V., Cerisoli, C., Parra-Blanco, A., Sumiyama, K., Araya, R., Sobrino, S., Chiu, P., Matsuda, K., Gonzalez, R., Fujishiro, M. and Tajiri, H. (2020), Principles and practice to facilitate complete photodocumentation of the upper gastrointestinal tract: World Endoscopy Organization position statement. Digestive Endoscopy, 32: 168-179. https://doi.org/10.1111/den.13530
  • Rey JF, Lambert R. ESGE recommendations for quality control in gastrointestinal endoscopy: guidelines for image documentation in upper and lower GI endoscopy. Endoscopy 2001; 33: 901–3.
  • Bisschops R, Areia M, Coron E et al. Performance measures for upper gastrointestinal endoscopy: a European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Quality Improvement Initiative. Endoscopy 2016; 48: 843–64.
  • Yao K. The endoscopic diagnosis of early gastric cancer. Ann. Gastroenterol. 2013; 26: 11–22.
  • Aabakken, L., Barkun, A.N., Cotton, P.B., Fedorov, E., Fujino, M.A., Ivanova, E., Kudo, S.-e., Kuznetzov, K., de Lange, T., Matsuda, K., Moine, O., Rembacken, B., Rey, J.-F., Romagnuolo, J., Rösch, T., Sawhney, M., Yao, K. and Waye, J.D. (2014), Standardized endoscopic reporting. J Gastroenterol Hepatol, 29: 234-240. https://doi.org/10.1111/jgh.12489



A papilotomia antes da passagem de prótese para drenagem biliar é eficaz em prevenir pancreatite pós-CPRE?

Visto que a eficácia da papilotomia para prevenir pancreatite pós-CPRE antes da passagem de prótese para drenagem biliar não está bem estabelecida, este estudo controlado e randomizado japonês publicado em Agosto de 2021 objetivou avaliar o efeito de realizar papilotomia antes da passagem de prótese biliar na ocorrência dessa complicação.

Risk of pancreatitis following biliary stenting with/without endoscopic sphincterotomy: A randomized controlled trialClinical Gastroenterology and Hepatology
DOI: 10.1016/j.cgh.2021.08.016

Introdução

A pancreatite pós-CPRE ocorre em cerca de 3-4% em paciente submetidos a colocação de prótese para drenagem biliar, com uma taxa de mortalidade de 0,7%.

Nessas situações, a papilotomia antes da colocação da prótese é realizada para prevenir pancreatite pós-CPRE, por separar os orifícios do ducto pancreático principal e biliar, o que provavelmente diminui a pressão no orifício do ducto pancreático.

Embora estudos prévios tenham mostrado que a papilotomia nessas situações previne a pancreatite pós-CPRE, tiveram limitações por serem retrospectivos e com amostras pequenas. Por outro lado, um outro estudo não mostrou eficácia da papilotomia em pacientes com obstrução biliar distal submetidos a passagem de prótese de 10 fr. Os autores realizaram então um estudo multicêntrico controlado e randomizado para avaliar o efeito da papilotomia antes da colocação da prótese com relação a pancreatite pós-CPRE. 

Além disso, eles consideraram o cenário de não-inferioridade como ideal porque a papilotomia é geralmente considerada como método padrão-ouro na prática clínica. Então, o estudo objetivou avaliar prospectivamente a não-inferioridade de não fazer a papilotomia em relação a fazer a papilotomia antes de colocação de prótese em pacientes com estenose biliar de qualquer etiologia.

Material e métodos

Estudo realizado em 26 centros com alto volume no Japão. Entre fevereiro de 2017 e julho de 2020, os autores recrutaram pacientes com obstrução biliar distal ou hilar de qualquer etiologia que necessitassem de descompressão biliar com passagem de prótese por via endoscópica. Nesse estudo, obstrução distal foi definida como aquela localizada a jusante do ducto cístico e a obstrução hilar, a montante do cístico.  Foram alocados 370 pacientes (185 em cada grupo).

Os critérios de inclusão foram: 1) diagnóstico clínico de obstrução biliar confirmado por imagem (TC, RM, US ou ecoendoscopia), 2) necessidade de drenagem biliar endoscópica com prótese plástica ou dreno nasobiliar, 3) papila duodenal maior sem manipulação prévia, 4) idade >20 anos. Pacientes com colangite grave, pancreatite aguda, história de CPRE prévia, entre outros, foram excluídos.

Todos os procedimentos foram realizados por endoscopistas com mais de 10 anos de experiência em CPRE ou que estavam em treinamento sob rigorosa supervisão. Após a canulação seletiva da via biliar e colangiografia, os participantes foram então formalmente registrados e randomizados nos grupos papilotomia ou não-papilotomia. As papilotomias foram realizadas utilizando a técnica padrão, com corrente blend. Em ambos os grupos, próteses de 7, 8,5 ou 10 Fr ou drenos nasobiliares (em pacientes que necessitavam de drenagem em dois segmentos) de 5,6 ou 7 fr foram usados para drenagem biliar.

Foram registrados eventos adversos ao procedimento (pancreatite, colangite, colecistite, perfuração, sangramento e outros eventos com risco de vida que ocorreram dentro de 30 dias.

Resultados

Entre os 185 pacientes do grupo não-papilotomia, 175 terminaram o acompanhamento e no grupo papilotomia, 181 pacientes.

A etiologia mais comum em ambos os grupos foi câncer de pâncreas. A localização da estenose não diferiu em ambos os grupos (p=0,911). Em relação a característica dos procedimentos, uma proporção significativamente maior de pacientes do grupo não-papilotomia foram submetidos a colocação de prótese pancreática (28/185 vs 14/185; p=0,022). Não houve diferença significativa entre os grupos em relação a outras características do procedimento, incluindo uso de AINE via retal (p=0,729). Em ambos os grupos, a prótese mais usada foi de 7 fr.

  • Desfecho primário

Pancreatite pós-CPRE ocorreu em 36 pacientes no grupo não-papilotomia (20,6%; 26 leves, 5 moderadas 3 e 5 graves) e em 7 pacientes no grupo papilotomia (3,9%; 5 leves e 2 graves), com p <0,001. Houve uma diferença de 16,7% na incidência de pancreatite entre os grupos (IC 95% 10,1% – 23,3%). Isto indica que a diferença entre os dois grupos no IC 95% não estava dentro da margem de não-inferioridade definida de 6%; isto é, a não-inferioridade da não realização de papilotomia em relação a papilotomia antes da colocação da prótese não foi atestada. Eles obtiveram um resultado similar no cenário intenção de tratar (15,7%; IC95% 9,3% – 22%).

  • Desfechos secundários

Não houve diferença significativa entre as incidências de colangite, colecistite, perfuração e recorrência da obstrução entre os grupos. Entretanto, a ocorrência de sangramento foi significativamente maior no grupo papilotomia que no grupo não-papilotomia (8/181 vs 1/175, p=0,048). Entre os 8 casos de sangramento no grupo papilotomia, um foi considerado evento adverso grave porque o paciente necessitou de terapia intensiva e múltiplas intervenções para hemostasia.

  • Análise de subgrupos

Entre os pacientes com câncer de pâncreas ou dilatação do ducto pancreático principal (diâmetro > 6mm), não houve diferença significativa na incidência de pancreatite entre os grupos papilotomia e não-papilotomia. Por outro lado, independente da localização da estenose, a ocorrência de pancreatite foi significativamente maior no grupo não-papilotomia. Em relação ao diâmetro da prótese, não houve diferença significativa na ocorrência de pancreatite entres os grupos com próteses de grande calibre ou múltiplas próteses enquanto foi significativamente maior no grupo não-papilotomia com próteses finas.

  • Análise multivariada

Na análise multivariada, os autores encontraram que a não realização de papilotomia e a inserção do fio-guia no ducto pancreático principal foi associado de forma significativa com a ocorrência de pancreatite pós-CPRE (não-papilotomia: OR 5,54, IC 95% 2,475 – 12,421, p< 0,001; inserção do fio-guia: OR 2,466, IC 95% 1,100 – 5,529, p=0,028)

Discussão

Neste estudo, a não-inferioridade de não realizar a papilotomia em relação a realização da papilotomia antes da passagem da prótese não foi comprovada. Por outro lado, os resultados suportam o efeito preventivo da papilotomia antes da prótese na ocorrência de pancreatite pós-CPRE.

Uma preocupação é que a maior proporção de pacientes nos quais a canulação do ducto biliar foi difícil talvez poderia ter aumentado a incidência de pancreatite pós-CPRE no grupo de não-papilotomia.  Análise univariada usada para identificar fatores associados a dificuldade de canulação (tempo de canulação > 14 minutos, endoscopista em treinamento ou troca de operador) nos casos com pancreatite em cada grupo revelou que o tempo de canulação tendeu a ser maior no grupo não-papilotomia, embora a diferença não tenha sido significativa. Assim, descartar completamente a relação entre dificuldade de canulação e alta incidência de pancreatite no grupo não-papilotomia permanece difícil. No entanto, a análise multivariada mostrou que os fatores relacionados a dificuldade de canulação, incluindo tempo de canulação maior que 14 mm e colocação de prótese pancreática, não afetou a incidência de pancreatite. Em outras palavras, a dificuldade de canulação não aumentou diretamente a incidência de pancreatite no grupo não-papilotomia.

A incidência de sangramento após o procedimento foi significativamente maior no grupo papilotomia, incluindo um caso grave. Assim, embora a papilotomia seja benéfica para prevenção de pancreatite em casos de colocação de próteses de diâmetros menores, ela não deve ser realizada rotineiramente em todos os pacientes, e sim avaliada caso a caso, atentando para o uso de anticoagulantes e alterações na coagulação do paciente. 

Entre as limitações do estudo estão: 1) maior proporção de estenoses malignas que benignas (apenas 20/370, 5,4%), portanto talvez o resultado desse estudo não deva ser extrapolado para estenoses benignas; 2) as intervenções para profilaxia pós-CPRE, incluindo prótese pancreática e uso de supositórios de AINE, foram realizadas a critério de cada endoscopista após randomização. A proporção de pacientes que receberam AINE não foi diferente entre os grupos. Porém, o número de pacientes submetidos a colocação de prótese pancreática foi maior no grupo não-papilotomia; 3) o estudo não foi realizado em cenário completamente cego. Os resultados da randomização não foram ocultados dos participantes ou dos endoscopistas que realizaram o procedimento. Essas condições de cegamento incompleto podem resultar em viés de avaliação, o que pode ter afetado o resultado primário do estudo.

Conclusão

A realização de papilotomia antes da colocação da prótese biliar em pacientes com estenose biliar pode ter efeito preventivo sobre a ocorrência de pancreatite pós-CPRE.

Esse mês, na mesma revista, foi publicada uma carta ao editor muito interessante sobre esse artigo, intitulada: Endoscopic sphincterotomy and Post Endoscopic Retrograde Cholangiopancreatography Pancreatitis: In an Era of Declining Mystery, the Unknown Persists.  DOI: 10.1016/j.cgh.2021.08.045

Os autores escrevem que, embora o estudo tenha sido bem desenhado e forneça evidencias que a papilotomia deva ser realizada antes da colocação da prótese em estenose biliar, merece algumas considerações:

  1. Em situações em que a maioria das CPREs foi realizada por endoscopistas em treinamento, uma análise de subgrupo em casos de canulação difícil de acordo com os critérios da ESGE (mais que 5 contatos com papila, mais que 5 minutos de tentativa de canulação e mais que 1 canulação não-intencional do ducto pancreático) seria útil;
  2. O uso de AINE via retal e passagem de prótese pancreática para prevenção de pancreatite foi decidida pelo endoscopista. É importante saber qual grupo de pacientes recebeu as estratégias preventivas combinadas em cada grupo e, entre aqueles, quantos desenvolveram pancreatite;
  3. No grupo não-papilotomia, mais procedimentos foram feitos por estagiários em treinamento e a troca de operadores foi necessária com mais frequência para concluir o procedimento. Assume-se que a troca de operadores teria sido necessária em caso tecnicamente desafiadores e de canulação difícil. É importante saber se teve alguma diferença na incidência de pancreatite nesse subgrupo de pacientes;
  4. Nesse estudo, onde todos os pacientes apresentavam estenose, os autores não mencionaram se foi feita dilatação da papila ou da área de estenose para passagem das próteses ou se feita colangioscopia. Isso pode ter afetado de forma independente os resultados (pancreatite, colangite ou sangramento).

Os autores concluíram que a papilotomia reduziu o risco de pancreatite pós-CPRE. Entretanto, essa conclusão pode ser prematura sem considerar outras variáveis de confusão.

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Vale a reflexão!

E você? Faz papilotomia de rotina antes de passar a prótese nesses pacientes com estenose biliar?




Artigo comentado: Taxa de detecção de adenomas. Até quando mensurar?

Importância:

De todos os indicadores de qualidade em colonoscopia apontados pelas sociedades, a taxa de detecção de adenoma (ADR) (figura 1), embora tenha limitações, segue como a principal maneira de acompanhar e estimar a real proteção ofertada pelo rastreamento colonoscópico.

Figura 1

Apesar da importância do indicador, em nosso meio, a maioria dos serviços desconhece sua própria estatística e são poucas as publicações sobre o assunto. Isso ocorre pelo fato da apuração do indicador não ser habitualmente automatizada, demandando a entrada manual de dados para posterior processamento estatístico.

Muitos colegas acabam fazendo estimativas pouco exigentes de sua ADR, o que pode levar a leituras enviesadas e pouco precisas. A adoção de ferramentas eletrônicas e uso de inteligência artificial pode mudar esse cenário em breve.

Atualmente, tem-se como limite mínimo recomendado uma ADR de 25 %, devendo-se aspirar taxas de 50%, até onde haveria aumento da proteção contra o câncer colorretal.

Artigo comentado:

Artigo recente trouxe uma provocação interessante. Qual seria a importância e a necessidade da medida contínua da taxa de detecção de adenomas em um serviço? Um colonoscopista que tenha uma ADR adequada  e que permaneça estável precisaria ser continuamente acompanhado? O artigo sugere que não, e que o esforço necessário poderia ser direcionado ao acompanhamento de outros indicadores de qualidade apontados na literatura.

O estudo considera as ADRs de 11 endoscopistas em um único centro, em colonoscopias de screening, por pelo menos 05 anos. No resultado, apenas um dos endoscopistas apresentou ADR abaixo do limite mínimo recomendado de 25%, no seu primeiro ano de análise, com aumento nos anos seguintes. Cinco dos 11 médicos tiveram seguidos incrementos anuais de ADR. Nos outros seis, a ADR se mostrou estável ao longo dos anos, sendo que em nenhum dos onze foi observada queda na taxa.

Sabe-se que a prática do monitoramento da ADR em um serviço por si só aumenta a ADR. Não se sabe se a interrupção do monitoramento levaria a uma queda e em que grandeza, no entanto.

O estudo sugere que o período de observação da ADR pode ser mais curto para aqueles que tenham altas taxas de detecção de adenoma. Para os demais, no entanto, monitoramento intermitente e por períodos mais longos ajudaria num aumento contínuo da ADR até os 50%.

O autores comentam que se seus achados forem reforçados por outros estudos futuros, isso facilitaria o monitoramento de outros indicadores de qualidade, e que o monitoramento intermitente tornaria a medida de ADR mais factível para endoscopistas ou serviços que atualmente não acompanham o indicador.

Orientação:

O autores do editorial que menciona o artigo ponderam que avaliar a medida contínua de ADR deve considerar seu efeito na incidência de CRC pós-colonoscopia (alvo final da detecção de adenomas), e que embora o custa de acompanhar ADR possa ser substancial em alguns ambientes, o custo de lidar com CRC é frequentemente maior. Comentam ainda que se há benefício em aumentar  a ADR além do mínimo de 25%, também deve haver benefício na medida contínua da ADR, antes de considerar alocar esforços em outros indicadores como qualidade do preparo, taxa de intubação cecal, tempo de retirada e intervalos de seguimento.

REFERÊNCIAS:

Implications of stable or increasing adenoma detection rate on the need for continuous measurement. Gastrointestinal Endoscopy Vol. 95, Issue 5p948–953.e4 Published online: October 20, 2021. Ahmed El Rahyel, Krishna C. Vemulapalli, Rachel E. Lahr, Douglas K. Rex.DOI: https://doi.org/10.1016/j.gie.2021.10.017

Colonoscopy quality: if you cannot measure it, you cannot improve it.  Gastrointestinal Endoscopy Vol. 92, Issue 1p163–165 Published in issue: July, 2021 Nastazja D. PilonisMichal F. Kaminski.DOI: https://doi.org/10.1016/j.gie.2020.03.3849




É correta a indicação de CPRE para todos os pacientes assintomáticos portadores de coledocolitíase?

Recentemente foi publicado, no World Journal of Gastroenterology, um artigo sobre manejo da coledocolitíase assintomática intitulado Remaining issues of recommended management in current guidelines for asymptomatic common bile duct stones. Os autores questionam sobre a indicação irrestrita de CPRE para esse grupo de pacientes.

Os guidelines atuais para tratamento da coledocolitíase recomendam sua remoção por via endoscópica como primeira escolha de tratamento. Ao decidir pela CPRE nesses pacientes assintomáticos, o risco de complicações pós-CPRE e o resultado da história natural desses pacientes devem ser comparados.

Introdução

A CPRE é amplamente aceita como primeira escolha no tratamento da coledocolitíase. Para pacientes assintomáticos, o tratamento endoscópico para remoção desses cálculos é fortemente recomendado nos guidelines atuais pelo risco potencial de evolução para icterícia obstrutiva, colangite aguda e pancreatite biliar.

Porém, a CPRE é um procedimento com alto risco de complicação, incluindo pancreatite, colangite, sangramento e perfuração em 4-15,9% dos pacientes. A mais comum delas, pancreatite pós-CPRE, apresenta uma incidência geral de 9,7%.

Alguns pesquisadores relataram recentemente o risco de complicações relacionadas à CPRE com foco em portadores assintomáticos de coledocolitíase. A taxa de incidência geral de complicações nesses pacientes foi relatada em aproximadamente 15-25%, com uma incidência de pancreatite de 12-20%. Portanto, o risco de complicações nesse grupo, especialmente pancreatite pós-CPRE, parece ser maior que o relatado previamente.

Ao determinar a indicação de CPRE nesses pacientes, o risco de complicações biliares na abordagem conservadora – wait-and-see – deve ser considerado. Estudos prévios sobre a história natural da coledocolitíase relataram que a taxa de complicações biliares da abordagem wait-and-see para portadores assintomáticos variou entre 0 e 25,3% durante um período de acompanhamento de 30 dias a 4,8 anos.

Os autores esclarecem as questões remanescentes sobre as recomendações atuais das diretrizes no manejo dos portadores de coledocolitíase assintomática revisando as diretrizes atuais, os estudos anteriores sobre o risco de complicações pós-CPRE e a história natural do portador assintomático.

Epidemiologia

A prevalência de coledocolitíase em pacientes com colelitíase sintomática é estimada em 10-20%. Em pacientes com icterícia e dilatação do ducto biliar comum no US abdome, a prevalência durante a colecistectomia é relatada em <5%. Entretanto, não há estudos com foco na prevalência de coledocolitíase em pacientes com colelitíase assintomática, a maioria dos estudos é baseada em colangiografia intraoperatória em pacientes submetidos à colecistectomia. Embora a prevalência da coledocolitíase deva aumentar devido ao envelhecimento da população mundial, ela permanece desconhecida.

Métodos diagnósticos para coledocolitíase

Os guidelines recentes recomendam o uso da ecoendoscopia ou da colangioRM para diagnóstico de coledocolitíase em pacientes com suspeita. Uma meta-análise recente revelou que a sensibilidade para ecoendoscopia e colangioRM é de 97% vs. 90% e a especificidade de 87% vs. 92%, respetivamente. Entretanto, o odds ratio da ecoendoscopia foi significativamente maior que o da colangioRM pela sua alta taxa de detecção de cálculos pequenos quando comparada à colangioRM, enquanto a especificidade não teve significância estatística entre as duas modalidades.Embora a tomografia computadorizada seja um dos métodos diagnósticos para coledocolitíase, TC de rotina não é recomendada nos guidelines por diversas desvantagens, como exposição à radiação, efeitos colaterais do agente de contraste e baixa capacidade diagnóstica quando comparada com a eco e a colangioRM. Vários estudos que avaliaram a capacidade diagnóstica da TC abdome mostraram que a TC convencional teve sensibilidade razoável (69-87%) e especificidade (68-96%) para o diagnóstico de coledocolitíase.

Recomendações dos guidelines atuais no manejo da coledocolitíase assintomática

  • ESGE (European Society of Gastrointestinal Endoscopy): extração dos cálculos em todos os pacientes com coledocolitíase, independente se sintomático ou não, que estão aptos suficiente para tolerar a intervenção (recomendação forte/baixo nível de evidência).
  • BSG (The British Society of Gastroenterology): a extração dos cálculos é recomendada se possível. A evidência do benefício da remoção do cálculo é maior para pacientes sintomáticos (recomendação forte/baixo nível de evidência).
  • JSE (The Japanese Society of Gastroenterology): coledocolitíase assintomática deve ser tratada pelo risco de desenvolver complicações biliares (nível de evidência A/grau de recomendação forte).
  • ASGE (American Society for Gastrointestinal Endoscopy): coledocolitíase deve ser tratada se detectada, independentemente da presença ou ausência de circunstâncias clínicas atenuantes significativas (qualidade moderada).

Embora o risco ao longo da vida da coledocolitíase não tratada seja desconhecido, complicações, como dor, icterícia obstrutiva, colangite aguda, abscesso hepático, pancreatite biliar, cirrose biliar secundária e hipertensão portal, são potencialmente fatais. As diretrizes disponíveis recomendam o tratamento para pacientes assintomáticos, embora a qualidade de evidência seja baixa. Uma abordagem conservadora pode ser considerada apenas em pacientes em que o risco de extração dos cálculos seja maior que o risco de permanecer com coledocolitíase.

Risco de complicações pós-CPRE para pacientes com coledocolitíase assintomática

Recentemente, muitos estudos revelaram que o risco de complicação pós-CPRE em pacientes com coledocolitíase assintomática é maior que em pacientes sintomáticos. Um estudo retrospectivo multicêntrico, incluindo 164 pacientes com coledocolitíase assintomáticos e 949 sintomáticos, mostrou que a incidência de complicação nos assintomáticos foi de 19,5% e, nos sintomáticos, de 6,2%. Em particular, a pancreatite pós-CPRE foi significativamente maior nos pacientes sem sintomas do que nos sintomáticos (20,8% vs. 6,9%, respectivamente). A possível explicação para isso é a ausência de alteração nas bilirrubinas e de dilatação do ducto biliar comum e dificuldade de canulação, que são fatores de risco relacionados à pancreatite pós-CPRE.

História natural da coledocolitíase assintomática

Cerca de 2 a 4% dos pacientes com colelitíase assintomática tornam-se sintomáticos com os anos. Múltiplos cálculos, resultados negativos na colecistografia e idade jovem são fatores de risco para transição de assintomáticos para sintomáticos. O risco potencial de complicações intra e pós-operatórias relacionadas à cirurgia explica por que os guidelines atuais são contra a colecistectomia laparoscópica para pacientes com colelitíase assintomática em uma vesícula normal.

Embora a história natural ao longo dos anos da coledocolitíase seja menos compreendida que a da colelitíase, muitos estudos avaliaram sua história natural de curto a médio prazo.

Dados do estudo GallRiks, incluindo 594 pacientes com diagnóstico de coledocolitíase incidental descoberta durante colangiografia intraoperatória e que não foram tratados, relatam que 25,3% (150/594) evoluíram para desfechos desfavoráveis definidos como clareamento incompleto da via biliar e/ou complicações dentro de 30 dias do pós-operatório da colecistectomia. Entre 3234 pacientes submetidos a qualquer procedimento para remoção dos cálculos, incluindo CPRE pós ou intra-operatória, coledocotomia laparoscópica ou aberta ou extração transcística, 12,7% (411/3234) desenvolveram desfechos desfavoráveis. Entretanto, existem vários aspectos que não foram elucidados nesse estudo.

Um estudo recente de Hakuta et al relatou que, dos 114 pacientes com coledocolitíase assintomática submetidos à estratégia wait-and-see, 18% desenvolveram complicações, entre elas, colangite em 16 pacientes (14%), colecistite em 1 paciente (0,9%) e colestase em 4 pacientes (3,5%), sem pancreatite biliar durante o período médio de acompanhamento de 3,2 anos.

Em alguns pacientes, os cálculos podem ser drenados para o duodeno espontaneamente sem necessidade de intervenção. Collin et al demonstraram a passagem espontânea de cálculos pequenos sem complicações sérias em 24 de 46 pacientes com falha de enchimento nas colangiografias intraoperatórias durante a colecistectomia dentro de 6 semanas da cirurgia. A passagem espontânea e assintomática de cálculos pequenos com menos de 8 mm também foi vista em aproximadamente 20% dos pacientes no intervalo entre o diagnóstico na ecoendoscopia e a CPRE.

Novos estudos prospectivos são necessários.

Recorrência de cálculos no colédoco após remoção endoscópica

O estudo nacional coreano incluindo 46.181 pacientes com coledocolitíase demonstrou que 5.228 (11,3%) tiveram uma primeira recorrência em um seguimento médio de 4,3 anos. As taxas cumulativas de segunda e terceira recorrência após a inicial foram de 23,4% e 33,4%. Portanto, quanto maior a frequência de recorrência de cálculos, maior a taxa de recorrência de cálculos.Os fatores de risco para recorrência única foram o tamanho do ducto biliar comum, vesícula biliar deixada in situ com cálculos biliares e aerobilia após a CPRE, e o fator de risco para recorrências múltiplas foi o número de cálculos na primeira recorrência.

Problemas remanescentes nas diretrizes atuais

Ao indicar a CPRE para portadores de coledocolitíase assintomáticos, o risco de complicações precoces e tardias pós-CPRE e a história natural da coledocolitíase assintomática devem ser considerados.

Como relatado previamente, o risco de complicações precoces pós-CPRE nesses pacientes é de aproximadamente 15-25%, com incidência de pancreatite pós-CPRE de 12-20%. O risco de complicações tardias pós-CPRE, incluindo recorrência de cálculos e colangite, pode ser estimado em aproximadamente 10%. O risco de complicações biliares na abordagem wait-and-see durante o período médio de acompanhamento de 30 dias a 4,9 anos foi estimado em aproximadamente 0-25%. Portanto, CPRE para portadores de coledocolitíase assintomática pode ter resultados piores que a abordagem wait-and-see.

O fato de não existirem estudos prospectivos randomizados para comparar o risco da CPRE vs. conduta conservadora nesses pacientes assintomáticos é um problema sério, pela importância da questão.

Pela ausência de estudos controlados e randomizados sobre essa questão, os pacientes devem ser informados que as diretrizes atuais que indicam CPRE para pacientes assintomáticos baseiam-se nas evidências dos pacientes sintomáticos e na opinião de especialistas.

Estratégias para reduzir complicações pós-CPRE em pacientes com coledocolitíase assintomática

Um estudo prévio relatou que o uso do pré-corte, a dilatação do esfíncter e o envolvimento de estagiários foram fatores de risco significativos para o desenvolvimento de pancreatite pós-CPRE em pacientes assintomáticos. Um outro relatou que CPRE nesses casos realizada por endoscopistas experientes apresenta a mesma segurança que em pacientes sintomáticos. CPRE, nos pacientes portadores de coledocolitíase, deve, portanto, ser realizada por endoscopistas experientes. Profilaxia, como colocação de prótese pancreática, deve ser considerada em pacientes assintomáticos com fatores de risco, como pré-corte e dilatação balonada do esfíncter.

Um estudo retrospectivo revelou que procedimentos com canulação biliar maior que 15 minutos é um fator de risco significativo para pancreatite pós-CPRE. Uma alternativa seria tentar extrair o cálculo em um segundo procedimento se o tempo de canulação ultrapassar 15 minutos.

Conclusão

Embora as diretrizes atuais recomendem a CPRE para coledocolitíase assintomática, há necessidade de uma mudança de perspectiva nessa indicação. Até onde se sabe, não existem estudos randomizados sobre se a CPRE é a melhor alternativa nesse grupo de pacientes que a abordagem conservadora. Por enquanto, o risco de induzir complicações precoces e tardias pós-CPRE vs. risco de complicações relacionadas à história natural da doença não podem ser comparados.

Portanto, por ora, continuaremos indicando CPRE na coledocolitíase assintomática.

Como citar este artigo

Arraes L. É correta a indicação de CPRE para todos os pacientes assintomáticos portadores de coledocolitíase?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/e-correta-a-indicacao-de-cpre-para-todos-os-pacientes-assintomaticos-portadores-de-coledocolitiase

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Confira também: CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II




Como remover pólipos e lesões planas do cólon? Mucosectomia convencional (EMR) vs. underwater EMR

A remoção de pólipos faz parte da rotina da colonoscopia, sendo encontrados com maior frequência pólipos pequenos, inferiores a 10 mm e nos quais a incidência de neoplasia é extremamente baixa. Pólipos maiores ou lesões planas do cólon, no entanto, requerem maior atenção tanto por poderem estar associados à neoplasia e, portanto, necessitarem de remoção en bloc quanto pelas complicações relacionadas aos procedimentos de ressecção. 

Dispomos de diversas opções para remoção de lesões colônicas, como remoção simples com pinças de biópsias, polipectomia com alça “a frio”, mucosectomia convencional (EMR), mucosectomia por técnica underwater (U-EMR) e técnicas de dissecação endoscópica da submucosa (ESD). A escolha da técnica depende, dentre outros fatores, de características da lesão e treinamento do endoscopista. 

Um dos métodos mais empregados em nosso meio é a mucosectomia convencional, realizada por meio de injeção submucosa de solução salina abaixo da lesão, seguida de ressecção com alça diatérmica. Em 2012, foi publicada por Binmoeller a técnica de ressecção underwater, realizada com instilação de líquido no interior do cólon e aspiração do gás, reduzindo a tensão na parede do cólon, o que por sua vez determina um afastamento das camadas mucosa e submucosa em relação à camada muscular. Após instilação de líquido, a lesão é apreendida e removida com alça diatérmica. 

Selecionamos um artigo muito interessante com revisão da literatura e meta-análise, comparando essas duas técnicas de ressecção de lesões colônicas.

Artigo: Underwater versus conventional endoscopic mucosal resection for colorectal polyps: a systematic review and meta-analysis. Publicado na Gastrointest Endosc. 2021 Feb;93(2):378-389

Métodos

Na revisão da literatura, foram inclusos estudos de 2012 e 2020 envolvendo apenas estudos comparando ressecção de lesões maiores de 10 mm por técnicas de EMR e U-EMR nas seguintes bases de dados: MEDLINE/PubMed, The Cochrane Library, Google Scholar, CINAHL, Scopus.

Dos estudos que continham dados sobre pólipos de vários tamanhos, foram inclusos apenas os dados referentes às lesões maiores de 10 mm.

Foram descritos como sangramento tanto casos precoces como tardios; sobre localização, foi estratificado em proximal (ceco, ascendente e transverso) e distal (descendente e sigmoide).

Recorrência: recorrência de adenoma na histologia ou colonoscopia de controle 3-6 meses após ressecção.

Resultados

Foram avaliados títulos de 481 estudos, dos quais foram analisados 42 estudos na íntegra. Após exclusão de estudos com perfil diferente do estabelecido, restaram 7 estudos, sendo 3 estudos prospectivos randomizados, 1 estudo prospectivo e 3 retrospectivos. Os três estudos randomizados realizaram randomização de 1:1 reduzindo viés, e as quatro coortes foram consideradas de boa qualidade.

  • Total de pólipos removidos: 1237, dos quais 614 foram ressecados por U-EMR e 623 por EMR;
  • Ressecção “en bloc”: superioridade no grupo de U-EMR (odds ratio 1,84 IC:95%), no entanto, análise de subgrupos não evidenciou diferença significativa entre as técnicas para pólipos menores que 20 mm;
  • Recorrência: 4 estudos relataram dados sobre recorrência, avaliando 667 pólipos.

Houve menor recorrência no grupo de U-EMR (odds ratio 0,30 ; p=0,001), a qual foi de 6,82% em comparação com a taxa de 18,99% no grupo de EMR.

Estratificando essa incidência relacionada ao tamanho dos pólipos (3 estudos), houve diferença significativa no grupo de pólipos de 20 mm ou mais (odds ratio 0,29 p=0,001), porém não houve diferença significativa nos pólipos inferiores a 20 mm.

  • Sangramento pós-procedimento e perfuração: não houve diferença significativa entre os grupos em relação à perfuração ou à sangramento (total ou por segmentos).

Comentários

Ambas técnicas tiveram desempenho muito semelhante para lesões abaixo de 20 mm, que, felizmente, correspondem a maioria das lesões. O estudo mostra a mesma segurança, porém superioridade da técnica de ressecção underwater em relação à mucosectomia convencional para lesões maiores de 20 mm nos dois principais pontos: recidiva e recorrência. Apesar desse dado, vale ressaltar que lesões com essas características são melhor tratadas por técnica de dissecção endoscópica da submucosa (ESD), devendo ser avaliada com cautela e de forma individualizada a realização de outras técnicas de ressecção, seja por mucosectomia convencional seja por underwater.

Como citar este artigo

Ferreira F. Como remover pólipos e lesões planas do cólon? – mucosectomia convencional (EMR) vs underwater EMR. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em:

Leia também

Referências

  1. Choi AY, Moosvi Z, Shah S, Roccato MK, Wang AY, Hamerski CM, et al. Underwater versus conventional EMR for colorectal polyps: systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc. 2021;93(2):378–89. Available from: https://doi.org/10.1016/j.gie.2020.10.009
  2. Nett A, Binmoeller K. Underwater Endoscopic Mucosal Resection. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2019;29(4):659–73. Available from: https://doi.org/10.1016/j.giec.2019.05.004

 




Afinal, endoscopia digestiva alta produz mesmo aerossol?

Artigo: Aerosols Produced by Upper Gastrointestinal Endoscopy: A Quantitative Evaluation

Am J Gastroenterol 2021;116:202–205. https://doi.org/10.14309/ajg.0000000000000983

Há alguns meses, aqui no Endoscopia Terapêutica, trouxemos uma breve discussão sobre aerossóis e transmissibilidade do Sars-Cov2 na prática endoscópica. 

Como colocado no post anterior (veja mais), até recentemente, a endoscopia digestiva estava fora da lista de procedimentos geradores de aerossóis (AGP). Na verdade, até o momento da redação deste artigo, o site do CDC, Centers for Disease Control and Prevention (atualizado em 07 jan 21), não inclui a endoscopia digestiva na lista de AGPs, embora reconheça que a lista não é definitiva (figura 1).

Afinal, endoscopia digestiva alta produz mesmo aerossol?

Figura 1- Procedimentos geradores de aerossol, segundo o CDC. Excerto de https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/faq.html#Transmission

 

Até o momento, havia apenas a evidência de disseminação bacteriana demonstrada por culturas de amostras de face shields usadas por endoscopistas. 

Uma correspondência publicada em outubro de 2020 no American Journal of Gastroenterology, no entanto, trouxe maior consistência ao que já é empiricamente assumido pela maior parte dos especialistas. 

O experimento quantificou a geração de partículas de aerossol observada durante 105 endoscopias digestivas altas consecutivas, em comparação com um grupo controle no qual uma endoscopia foi simulada (90 simulações). Um artefato plástico cúbico, usado no serviço como forma de limitar a transmissão associada aos procedimentos, foi utilizado. O artefato conta com duas pequenas passagens que dão acesso ao endoscópio e a um contador óptico de partículas sensível a partículas entre 0,3 e 10 mm (figura 2).

Ilustração da posição do endoscópio e contador de partículas em artefato plástico utilizado no estudo. Am J Gastroenterol 2021;116:202–205. https://doi.org/10.14309/ajg.0000000000000983

As contagens foram realizadas antes, durante e após a realização das endoscopias e em tempos equivalentes no grupo controle, e os valores comparados. 

O incremento de partículas entre as amostras “antes” e “durante” foi maior no grupo endoscopia do que no grupo controle (P <0,001), bem como “antes” e “após” o procedimento (P<0,001). O mesmo resultado foi observado na contagem absoluta de partículas “durante” no grupo endoscopia (P=0,006), quando comparado ao grupo controle. 

No grupo endoscopia, 60 pacientes foram considerados como apresentando aerossolização elevada (>2x desvio padrão do grupo controle). Índice de massa corporal (IMC) e eructação foram fatores significantes relacionados ao aumento da aerossolização durante a endoscopia na análise univariada (P=0,020 e 0,018, respectivamente) e na análise de regressão logística multivariada (P=0,033 e 0,025, respectivamente). 

Os autores ressaltam a necessidade de uma sedação adequada e de insuflação cuidadosa para minimizar os riscos associados à eructação. Sugerem ainda a adoção de artefato semelhante ao usado no estudo para limitar a disseminação das partículas no ambiente. Ainda, consideram sua amostra relativamente pequena e a necessidade de estudos com maior número de pacientes. Embora haja diferença estatística entre os grupos quanto à idade média e aos antecedentes clínicos, os autores não fazem menção em sua breve discussão. 

Embora tenha fragilidades, o estudo reforça a necessidade de manutenção dos cuidados, utilização de equipamentos de proteção individual e atenção à possibilidade de contaminação por via aérea, seja em casos suspeitos, sabidamente positivos e mesmo em assintomáticos sadios.

Posts anteriores relacionados:

Transmissão do novo coronavírus

Gotículas, aerossóis e transmissão do coronavírus

Como citar este artigo:

Rodrigues R. Afinal, endoscopia digestiva alta produz mesmo aerossol?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/afinal-endoscopia-digestiva-alta-produz-mesmo-aerossol/

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Esôfago de Barrett após gastrectomia vertical (Sleeve)

Artigo publicado na Gastrointestinal Endoscopy em fevereiro de 2021. Trata-se de uma revisão sistemática e metanálise sobre esôfago de Barrett após gastrectomia vertical (Sleeve).

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma das grandes preocupações em pacientes submetidos ao Sleeve. E a DRGE é o maior fator de risco para o esôfago de Barrett, que é sabidamente um precursor do adenocarcinoma de esôfago.

A prevalência de DRGE e hérnia de hiato é maior que o normal nos pacientes obesos, sendo, então, esperado um aumento do esôfago de Barrett nessa população. Apesar disso, uma metanálise de mais de 13.000 pacientes submetidos à endoscopia pré-cirurgia bariátrica relatou um baixo índice de esôfago de Barrett, menor que 1%. No entanto, se os pacientes pioram da DRGE pós-Sleeve, cria-se a hipótese que aumentaria o risco de desenvolver esôfago de Barrett.

De acordo com os guidelines, pacientes cuja prevalência esperada de Barrett é maior que 10% são considerados de alto risco para desenvolver essa condição e devem, portanto, ser rastreados. Avaliar o risco de esôfago de Barrett pós-Sleeve tem importantes implicações clínicas para endoscopistas que realizam endoscopia pré e pós-operatórias desses pacientes, cirurgiões bariátricos que realizam o procedimento, pacientes e clínicos que os acompanham.

Nessa metanálise, o resultado primário avaliado foi a proporção de pacientes que desenvolveram esôfago de Barrett pós-Sleeve, confirmado histologicamente. Eles também avaliaram a prevalência de DRGE e esofagite no seguimento.

Resultados

A pesquisa inicial identificou 4.389 estudos e, após avaliações e exclusões, foram incluídos 10 estudos, totalizando 680 pacientes.

Prevalência do esôfago de Barrett

No geral, 54 dos 680 pacientes apresentaram esôfago de Barrett. Todos os casos foram sem displasia e de novo (sem Barrett na endoscopia pré-cirurgia). Além disso, todos os casos foram observados em estudos com seguimento longo (acima de 3 anos). A prevalência de esôfago de Barrett foi de 11,4 % (IC 95%, 7,7% -16,6%), p< 0,001.

Esôfago de Barrett e sintomas de DRGE

No total, 7 pacientes tinham esôfago de Barrett sem sintomas de DRGE no pós-operatório. A taxa agrupada na metanálise foi de 10,3% (IC 95%, 5%-20%, p< 0,001). A taxa agrupada de Barrett em pacientes com sintomas de DRGE foi 18,2% (IC 95%, 12,4%-26%). Não houve diferença significativa na probabilidade de ter Barrett baseado nos sintomas de DRGE (odds ratio 1,74; IC 95%, 0,52-5, 89; p=0,37).

Apenas 1 estudo relatou a taxa de projeção linear de epitélio colunar no esôfago (como vista endoscopicamente). Nesse estudo, a taxa de epitélio colunar foi alta (50%, n=10). Mas apenas 3 desses pacientes confirmaram por biópsias esôfago de Barrett.

Esofagite pós-Sleeve

Sete estudos relataram esofagite antes e após o Sleeve com vários intervalos de seguimento. Em cinco estudos de seguimento longo (maior que 3 anos), o aumento relativo da taxa de esofagite foi 86% (64%-109%), P < .001, I 2 = 47%, Q = 7.6 (P =0,107). Isso significa que há 86% de aumento no risco de esofagite pós-Sleeve em seguimento de longo prazo.

DRGE pós-Sleeve

Oito estudos relataram a taxa de DRGE pós-Sleeve. A definição de DRGE teve grande variação em cada estudo (consenso de Montreal, aplicação de questionários, presença de pirose, cintilografia, entre outros). Como resultado, foi observada uma heterogeneidade significativa na magnitude da DRGE pós-operatória. No entanto, todos os estudos mostraram estar na mesma direção: um significativo aumento da prevalência do DRGE no pós-operatório com odds rates variando de 1,6 a 49. Quatro estudos relataram DRGE de novo pós-Sleeve. Entre aqueles que não apresentavam sintomas de DRGE antes da cirurgia, a taxa de DRGE no pós-operatório foi de 45% (IC 95%, 35%-55%), p=0,106. Dois estudos relataram aumento do uso de inibidores de bomba de prótons no pós-operatório: de 22% para 76% e de 24% para 76%.

Discussão

Segundo os autores, essa metanálise incluiu todos os estudos existentes. Foi verificado que a prevalência do Barrett pós-Sleeve gástrico é de 11,6%. Além disso, foi visto que o aparecimento do Barrett não foi limitado aos pacientes com sintomas de DRGE somente. Barrett apareceu por volta de 3 anos após o procedimento e continuou a ser detectado 10 anos após a cirurgia.

Implicações clínicas

Há muitas implicações clinicas nesses achados. Primeiro, devido ao aumento de peso da população e da demanda pelo Sleeve, cirurgiões bariátricos, gastroenterologistas e demais médicos que acompanham os pacientes precisam estar cientes desses possíveis resultados. Esses dados justificam uma discussão com os pacientes em relação aos riscos e benefícios do rastreamento para esôfago de Barrett pós-Sleeve. De acordo com o guideline da ASGE, rastreamento para esôfago de Barrett deve ser indicado para os pacientes de uma população em que a prevalência de Barrett é maior que 10%. Observe que 11,6% dos casos foram Barrett de novo, nenhum dos pacientes submetidos ao Sleeve tinham Barrett na endoscopia pré-operatória. Os dados sugerem que o rastreio pode ser mais útil se iniciado cerca de 3 anos após o Sleeve. Mais dados sobre essa questão são necessários antes de tais recomendações serem adotadas em diretrizes clínicas.

Segundo, embora o Barrett possa levar anos para se desenvolver, o risco de esofagite parece aumentar 13% por ano baseado em regressão logística. Muitos pacientes com esôfago de Barrett e esofagite são assintomáticos. Embora esses resultados secundários requeiram investigações adicionais, o resultado da metanálise indica que supressão ácida precoce pós-Sleeve pode ser considerada para atenuar risco de DRGE e, portanto, o risco de esôfago de Barrett e adenocarcinoma de esôfago.

Terceiro, o aumento do risco de esôfago de Barrett devido ao Sleeve deve ser discutido com os pacientes candidatos à cirurgia. Pacientes com aumento do risco para Barrett devem receber a opção de ter um procedimento alternativo. Esses pacientes incluem aqueles com DRGE, esofagite documentada, história familiar de Barrett ou adenocarcinoma de esôfago, homens e fumantes.

Nenhum dos estudos relatou a taxa de progressão para displasia no esôfago de Barrett. Entretanto, não há razão para se presumir que o Barrett pós-Sleeve teria um comportamento diferente que o Barrett em outros pacientes.

Além disso, poderia haver implicações clínicas para gastroplastia endoscópica (endoscopic sleeve gastroplasty – ESG). Embora o ESG mimetize o Sleeve por cirurgia na sua técnica, o efeito do ESG na DRGE, esofagite erosiva e esôfago de Barrett, não está bem estudado. Um estudo retrospectivo com 83 pacientes submetidos à ESG e 54 ao Sleeve cirúrgico mostrou que o risco de refluxo foi menor no grupo ESG, porém o verdadeiro efeito do ESG na DRGE e esofagite erosiva não está bem estabelecido ainda.

Limitações

Uma das limitações do estudo é o relativo tamanho pequeno da amostra. Além disso, o resultado primário foi esôfago de Barrett. Portanto, muitos dos resultados secundários devem ser usados com cautela.

Conclusão

Pacientes submetidos à gastrectomia vertical têm risco aumentado de desenvolver esôfago de Barrett. Mais estudos são necessários para entender a fisiopatologia desse fenômeno. Gastroenterologistas, cirurgiões bariátricos e demais médicos devem estar atentos a esses dados. Uma clara discussão com os pacientes a respeito dos riscos após o procedimento e a avaliação do risco-benefício do rastreamento do esôfago de Barrett após o Sleeve devem ser consideradas.

Como citar este artigo

Arraes L. Esôfago de Barrett após gastrectomia vertical (Sleeve). Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/esofago-de-barrett-apos-gastrectomia-vertical-sleeve/

Referência

Barrett esophagus after sleeve gastrectomy: a systematic review and meta-analysis. Bashar J. Qumseya et al. Gastointestinal Endoscopy. Volume 93, issue 2, P343-353.E2. February 01, 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/j.gie.2020.08.008




IV Consenso Brasileiro sobre Infecção pelo Helicobacter pylori

A infecção pelo Helicobacter pylori (HP), bactéria gram-negativa espiralada descrita por Warren e Marshall no início da década de 80, é uma das infecções mais comuns no ser humano em todo o planeta, com prevalência estimada em 50% da população mundial. É causa de diversas patologias, incluindo gastrite crônica, úlcera péptica e câncer gástrico. Recentes avanços no estudo do HP, como o conhecimento da crescente resistência aos antimicrobianos utilizados no seu tratamento, além de progressos no estudo da microbiota gástrica e sua interação com a bactéria em questão, justificaram a realização do IV Consenso Brasileiro sobre o Helicobacter pylori, ocorrido na cidade de Bento Gonçalves entre os dias 25 e 27 de agosto de 2017. O grupo formado por 26 especialistas foi dividido em quatro grupos de trabalho menores (Epidemiologia e Diagnóstico; Dispepsia, Alterações na Microbiota Intestinal e outras desordens; Câncer Gástrico; Tratamento), cujos participantes elaboraram declarações que foram votadas por todos os integrantes. O índice de consenso adotado foi o de que 80% dos especialistas respondessem que concordavam forte ou parcialmente com cada declaração proposta, resultando nas 30 declarações finais. O grande destaque do Consenso ficou por conta da recomendação de aumento da duração do tratamento de primeira linha de 7 para 14 dias, em linha com a recomendação dos consensos europeu, canadense e americano (3, 4 e 5).

Seguem as recomendações do Consenso Brasileiro, sobre infecção pelo Helicobacter pylori, divididas nos quatro grupos citados:

Grupo 1: Epidemiologia e Diagnóstico

Declaração 1:

No Brasil, os fatores de risco para adquirir a infecção por HP são condições de vida inadequadas, status sanitário e socioeconômico baixos. Não há evidência bem estabelecida sobre a dinâmica da prevalência da infecção por HP no Brasil.

Nível de Evidência (NE): 3B

Grau de Recomendação (GR): B

Declaração 2:

O teste respiratório com ureia 13C é o método padrão-ouro para o diagnóstico não invasivo da infecção por HP. O teste de antígeno fecal usando anticorpos monoclonais é uma boa alternativa, entretanto a disponibilidade destes dois métodos no Brasil é limitada.

NE: 1A

GR: A

Declaração 3:

Para o estudo do HP usando o teste rápido da urease (TRU), recomenda-se a coleta de um fragmento do antro e um do corpo. Para exame histológico, coleta de dois fragmentos do antro e dois do corpo é recomendada porque isso permite a análise morfológica da mucosa. TRU sozinho não é recomendado para controle da terapia de erradicação.

NE: 1A

GR: A

Declaração 4:

A pesquisa de HP, após a terapia de erradicação, deve ser realizada pelo menos 4 semanas após o término do tratamento. O teste respiratório com ureia 13C e a pesquisa do antígeno fecal com anticorpo monoclonal são os métodos de escolha. Histologia é um método invasivo alternativo.

NE: 1A

GR: A

Declaração 5:

Testes moleculares podem ser usados para acessar a resistência do HP a antimicrobianos após falha ao segundo ou terceiro tratamentos. A indisponibilidade de cultura do HP e antibiograma limita o uso destes testes.

NE: 4 

GR: C

Declaração 6:

Testes sorológicos localmente validados são os métodos de escolha para estudos de rastreamento de base populacional. A sorologia pode ser usada como o teste inicial para diagnosticar a infecção por HP, especialmente na presença de sangramento gastrointestinal, gastrite atrófica, linfoma MALT ou câncer gástrico.

NE: 2A

GR: B

Declaração 7:

O uso de IBPs deve ser descontinuado por 2 semanas antes da realização de testes diagnósticos para a infecção por HP, exceto a sorologia. O uso de antibióticos e sais de bismuto deve ser descontinuado por 4 semanas antes desses testes diagnósticos.

NE: 2B 

GR: B

Declaração 8:

Indicação de endoscopia para o paciente com sangramento digestivo alto torna a histologia do teste recomendado naquele paciente com indicação para a pesquisa de HP. O teste respiratório é uma alternativa. Uma nova pesquisa de HP deve ser conduzida em pacientes com resultado negativo no primeiro teste.

NE: 4

GR: C

Grupo 2: Dispepsia, Microbiota e outras desordens

Declaração 9:

A estratégia “teste e trate” é recomendada para pacientes abaixo de 40 anos com dispepsia, ainda não diagnosticados com HP e sem sintomas de alarme. O teste de escolha para o diagnóstico e controle de tratamento é o teste respiratório com ureia 13C.

NE: 1B

GR: A

Declaração 10:

A dispepsia é muito comum e é classificada como investigada e não investigada. Após investigação, a dispepsia é agora classificada como orgânica, associada ao HP ou funcional.

NE: 1C 

GR: A

Declaração 11:

Pacientes com dispepsia e HP devem ser submetidos à terapia de erradicação do HP.

NE: 3A 

GR: B

Declaração 12:

HP e as drogas utilizadas na terapia de erradicação afetam a fisiologia das microbiotas gástrica e intestinal e podem modificar a microbiota, com graves consequências para a saúde global.

NE: 5

GR: D

Declaração 13:

O uso de probióticos associados à terapia de erradicação é uma tentativa de otimizar a erradicação do HP e minimizar os efeitos adversos, reequilibrando a microbiota. Mais estudos são necessários para melhor definir a cepa, a quantidade, o tempo e o período de suplementação.

NE: 4 

GR: C

Declaração 14:

Há evidência de uma associação entre infecção por HP, anemia ferropriva de etiologia desconhecida, Púrpura Trombocitopênica Imune (PTI) e deficiência de vitamina B12. Em outras condições extragastroduodenais, pode haver associações positivas e negativas sem nenhuma causalidade comprovada.

NE: 3A

GR: B

Declaração 15:

Não há evidência de uma associação entre infecção por HP e Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE). A erradicação da bactéria usualmente não leva ao início de sintomas de DRGE. Evidência epidemiológica indica uma correlação negativa entre infecção por HP, esôfago de Barret e adenocarcinoma do esôfago distal.

NE: 3A

GR: B

Declaração 16:

Em pacientes infectados por HP, o uso de anti-inflamatórios não esteróides (AINEs) ou ácido acetil salicílico (AAS), mesmo em baixas doses, aumenta o risco de úlcera e suas complicações. Anticoagulantes (cumarínicos, Clopidogrel e os novos anticoagulantes orais) podem aumentar o risco de úlcera/sangramento em pacientes infectados por HP. Em pacientes sob alto risco de desenvolvimento de úlceras, antes do início de tratamento de longo prazo com AINEs ou AAS, mesmo em baixas doses, HP deve ser pesquisado e erradicado. Entretanto, a erradicação isoladamente não previne a recorrência de úlcera/sangramento.

NE: 1B 

GR: A

Grupo 3: Câncer gástrico

Declaração 17:

O câncer gástrico tem uma incidência intermediária no Brasil; é uma das cinco principais causas de mortalidade por câncer no país e sua incidência apresenta diferenças regionais.

NE: 2C  

GR: B

Declaração 18:

A erradicação do HP associa-se com um decréscimo nas taxas de câncer gástrico.

NE: 1A 

GR: A

Declaração 19:

A análise sorológica da atrofia gástrica utilizando o pepsinogênio I (PGI) e o pepsinogênio II (PGII), combinados com anticorpos contra HP e gastrina 17, pode ser usada para identificar populações sob risco de câncer gástrico. Entretanto, mais estudos são necessários para validar esse instrumento no Brasil.

NE: 3A

GR: B

Declaração 20:

Estudos epidemiológicos, experimentais, moleculares e clínicos têm confirmado o papel do HP como fator de risco para câncer gástrico.

NE: 1A

GR: A

Declaração 21:

O diagnóstico de linfoma MALT baseia-se na avaliação histopatológica e imunohistoquímica das biópsias gástricas junto com a pesquisa de HP.

NE: 1A 

GR: A

Declaração 22:

O seguimento de pacientes com linfoma MALT após a erradicação do HP requer avaliações histopatológicas periódicas. O sistema GELA é um método morfológico adequado para o seguimento.

NE: 4

GR: C

Declaração 23:

O estadiamento de lesões pré-neoplásicas deve ser baseado em pelo menos quatro biópsias endoscópicas (duas do antro e duas do corpo) usando o sistema OLGA para estadiamento histológico da gastrite. Pacientes classificados como OLGA III ou IV devem ser submetidos a seguimento endoscópico a cada 2 anos.

NE: 2C 

GR: B

Grupo 4: Tratamento

Declaração 24:

Apesar dos níveis de resistência crescentes à Claritromicina e às Fluoroquinolonas no Brasil, o seu uso ainda é recomendado no tratamento do HP. Apesar da alta resistência in vitro aos nitroimidazólicos, estas drogas podem ser prescritas em situações, doses e períodos específicos.

NE: 2C 

GR: B

Declaração 25:

A duração da terapia de erradicação do HP deve ser de 14 dias, especialmente para a terapia tripla padrão, a fim de alcançar uma alta taxa de erradicação.

NE: 2A

GR: B

Declaração 26:

Usar IBPs após a erradicação do HP para cicatrizar úlcera péptica duodenal é desnecessário. Em casos de úlcera gástrica ou úlceras gastroduodenais complicadas, tratamento com IBPs por 4 a 8 semanas após a terapia de erradicação é recomendado.

NE: 2C

GR: B

Declaração 27:

A terapia tripla consistindo na combinação de IBP, Amoxicilina e Claritromicina por 14 dias é recomendada como tratamento de primeira linha. Alternativas incluem terapia quádrupla com Bismuto por 10 a 14 dias e terapia concomitante por 14 dias.

NE: 2A 

GR: B

Declaração 28:

Em casos de falha à terapia tripla com Claritromicina ou à terapia quádrupla concomitante, as estratégias recomendadas são terapia tripla com Levofloxacina ou terapia quádrupla com Bismuto, ambas por 10 a 14 dias. Em caso de falha de um dos dois regimes de segunda linha recomendados, o outro regime de tratamento deve ser usado como terapia de terceira linha.

NE: 2A

GR: B

Declaração 29:

O tratamento do HP após três falhas terapêuticas deve ser restrito a casos especiais e guiado por testes fenotípicos ou genotípicos de susceptibilidade antimicrobiana. O uso de Rifabutina, quando disponível, pode ser uma alternativa.

NE: 3A

GR: B

Declaração 30:

A recomendação para indivíduos com alergia à Amoxicilina é IBP 2x/dia + Claritromicina 500 mg 2x/dia + Levofloxacina 500 mg 1x/dia por 14 dias;

ou

IBP 2x/dia + Doxiciclina 100 mg 2x/dia ou Tetraciclina 500 mg 4x/dia + Metronidazol 500 mg 3x/dia + Bismuto 240 mg 2x/dia por 14 dias.

NE: 4 

GR: C

Como citar este artigo:

Caetano J. IV Consenso Brasileiro sobre Infecção pelo Helicobacter pylori. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/iv-consenso-brasileiro-sobre-infeccao-pelo-helicobacter-pylori

Link: clique aqui e leia o artigo original

Bibliografia:

  1. Coelho LGV, Marinho JR, Genta R, Ribeiro LT, Passos MCF, Zaterka S, Assumpção PP, Barbosa AJA, Barbuti R, Braga LL, Breyer H, Carvalhaes A, Chinzon D, Cury M, Domingues G, Jorge JL, Maguilnik I, Marinho FP, Moraes Filho JP, Parente JML, Paula-e-Silva CM, Pedrazzoli Júnior J, Ramos AFP, Seidler H, Spinelli JN, Zir JV. IVth Brazilian Consensus Conference on Helicobacter pylori infection
  2. Helicobacter pylori – Edições Monotemáticas FBG – Edição 2011.
  3. Malfertheiner P, Megraud F, O’Morain CA, Gisbert JP, Kuipers EJ, Axon AT, et al. Management of Helicobacter pylori infection-the Maastricht V/Florence Consensus Report. Gut. 2017;66:6-30.
  4. Carlo A. Fallone, Naoki Chiba, Sander Veldhuyzen van Zanten, Lori Fischbach, Javier P. Gisbert, Richard H. Hunt, Nicola L. Jones, Craig Render, Grigorios I. Leontiadis, Paul Moayyedi and John K. Marshall. The Toronto Consensus for the Treatment of Helicobacter pylori Infection in Adults. Canadian Association of Gastroenterology. Gastroenterology 2016;151:51–69.
  5. W i l l i a m D . C h e y , M D , F A C G, Grigorios I. Leontiadis , MD, PhD, Colin W. Howden , MD, FACG a n d S t e v e n F . M o s s , M D , F A C G. ACG Clinical Guideline: Treatment of Helicobacter pylori Infection. Am J Gastroenterol 2017; 112:212–238; doi:10.1038/ajg.2016.563; published online 10 January 2017.

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Máscara cirúrgica versus N95

Artigo comentado: COVID-19 pandemic and personal protective equipment shortage: protective efficacy comparing masks and scientific methods for respirator reuse1

 

Neste mês, foi publicado na Gastrointestinal Endoscopy por Boskoski et al1 um artigo sobre o que existe de evidências científicas sobre EPIs, especialmente uma comparação do uso de máscaras cirúrgicas com os respiradores do tipo N95 e uma análise crítica dos métodos científicos para reutilizar os respiradores.

Esse trabalho é de grande importância devido à escassez dos equipamentos de proteção individuais (EPIs), especialmente de N95s, durante a pandemia. Por exemplo, em enquete da SOBED2, 22% dos endoscopistas relataram que fizeram exames sem EPIs apropriados e 42% experimentaram dificuldades para obtê-los. E esse não é um problema exclusivamente brasileiro, em pesquisa com vários centros internacionais, apenas 57% dos endoscopistas afirmaram usar N95s.3

Voltando ao trabalho de Boskoski et al1, vejamos os principais pontos abordados.

 

Definições

Máscaras cirúrgicas são geralmente mais folgadas e descartáveis, criando uma barreira física entre a boca e o nariz do usuário e potenciais contaminantes do ambiente. Variam de acordo com a qualidade e os níveis de proteção

Respiradores N95 bloqueiam pelo menos 95% dos aerossóis (< 5 mm) e partículas do tamanho de gota (5-50 mm). Seu uso requer um teste de ajuste inicial e periódico, e eles são associados à baixa tolerância por causa da resistência à respiração e pelo calor. Os respiradores N95 correspondem ao modelo europeu de máscara filtrante padrão 2 (FFP2 – Filtering Face Piece 2), que tem pelo menos 94% da capacidade do filtro.

Purificadores de ar elétricos são respiradores à bateria que fornecem fluxo de ar positivo através de um filtro; eles fornecem proteção da cabeça e do pescoço. Contudo, os purificadores de ar são associados à maior percepção de secura dos olhos e são de longe o EPI mais caro.

*** Procedimento de alto risco é todo aquele gerador de aerossol.

 

Método: Pesquisa no PubMed, Scopus, Cochrane e Google Scholar. Dos 25 artigos encontrados, selecionaram os 15 mais importantes.

 

Resultados

Quanto à comparação:

  • Na revisão sistemática da Cochrane de 2011, a N95 não foi inferior às máscaras cirúrgicas em termos de eficácia na prevenção de transmissão viral.
  • Isto está de acordo com o trabalho caso-controle de Hong Kong clássico que demonstrou que máscaras cirúrgicas e N95 têm similar efeito protetivo.
  • Em análise quantitativa, N95 e máscara cirúrgica foram igualmente eficazes na prevenção da disseminação de transcriptase reversa do vírus influenza.
  • Dois Trials (um com enfermeiras, outro com profissionais de saúde em geral) confirmaram que não existem diferenças significativas entre a taxa de influenza entre o grupo que usou máscara cirúrgica com o grupo com N95.
  • Outra metanálise que ambos são efetivos na proteção contra síndrome respiratória aguda grave.
  • E numa revisão sistemática atualizada em fevereiro deste ano, não foram encontradas diferenças significativas na prevenção nos casos de influenza com confirmação laboratorial, infecções virais respiratórias também com diagnóstico laboratorial e nos quadros clínicos influenza-like.
  • Os purificadores de ar elétricos foram propostos durante a epidemia de Ebola com a ideia de que oferecessem um grau de proteção maior que as N95. Entretanto, isso ainda não foi objeto de investigação científica rigorosa.

Quanto aos métodos de reutilização das N95:

  • Óxido de etileno, peróxido de hidrogênio e radiação por micro-ondas já foram testados, mas sem sucesso devido a diversas causas: odores desagradáveis, quebra da integridade ou por falha na descontaminação.
  • A radiação ultravioleta foi considerada o método mais eficiente para descontaminação dos respiradores N95.

 

Discussão, conclusões e perspectivas do artigo

Os autores reafirmam que os profissionais de saúde, em geral, devem usar máscaras cirúrgicas, ficando as N95 reservadas para profissionais que realizam procedimentos de alto risco (geradores de aerossol). Recomenda-se que uma N95 pode ser utilizada no atendimento a vários pacientes sem removê-la, mas que um período maior que 4 horas deve ser evitado; que apesar da radiação ultravioleta ser o método mais promissor, doses suficientes podem não alcançar todas as áreas internas do respirador; e que cada respirador pode tolerar um número limitado de desinfecções.

Por último, lembram que enfrentamos, aproximadamente, uma pandemia a cada 10 anos. E que o problema do uso inapropriado de EPIs ainda não foi solucionado.

 

Comentários pessoais

  • Realmente, a grande conclusão deste trabalho é que, para profissionais de saúde, em geral, as máscaras cirúrgicas parecem ser semelhantes às N95 para prevenção de infecções respiratórias virais.
  • Todos os estudos incluídos neste artigo foram de outros vírus respiratórios, principalmente o influenza. Apesar das semelhanças com o coronavírus, sabemos que existem diferenças marcantes e que isso pode refletir também no modo de prevenção desses vírus.
  • Nossa realidade é bem diferente dos estudos clínicos anteriores. As N95s, quando disponíveis, são utilizadas por longos períodos, muitas vezes por mais de 15 dias. Esses longos períodos poderiam diminuir sua efetividade? E, nessas situações, as máscaras cirúrgicas poderiam ser mais adequadas? Outro fato é o desconforto, sendo comum ficar ajustando as N95 com as mãos. Isso não seria uma fonte de contaminação?
  • Se é racional que as máscaras são semelhantes no geral, qual seria a razão para serem diferentes em procedimentos de alto risco. Poderíamos extrapolar se são semelhantes para a endoscopia também? Acredito que ainda seja cedo. Estudos prospectivos e randomizados da máscara cirúrgica com a N95 em nosso setor são aguardados. Mas um ponto chama a atenção nesta pandemia: o número de colegas endoscopistas contaminados foi muito menor que o esperado para um procedimento gerador de aerossol. E o número é ainda menor considerando os casos nos quais se atribuiu nossa atividade profissional como sendo a causa da transmissão. Assim sendo, há algumas suposições para essa menor taxa de infecção. Os EPIs estão sendo realmente eficazes? E mesmo nos lugares onde o EPI não é completo, por exemplo, sem a N95, a taxa foi maior? Um estudo observacional bem feito responderia essa pergunta. E mais: um procedimento de curta duração, como uma endoscopia alta num paciente assintomático e não contactuante ainda assim deveria ser realmente considerado procedimento de alto risco?
  • Temos ainda muitos questionamentos, e espero que sejam respondidos até o final desta pandemia ou, quem sabe, que sirvam de lição para uma próxima.

 

Como citar este artigo:

Lenz L. Máscara cirúrgica versus N95. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/mascara-cirurgica-versus-n95/

 

Referências 

  1. Boskoski I, Gallo C, Wallace M, Costamagna G. COVID-19 pandemic and personal protective equipment shortage: protective efficacy comparing masks and scientific methods for respirator reuse. Gastrointestinal Endoscopy. 2020; 92 (3): 519-523.
  2. Arantes VN, Martins BC, Seqatto R, Milhomen-Cardoso DM, Franzini TP, Zuccaro AM, et al. Impact of coronavirus pandemic crisis in endoscopic clinical practice: Results from a national survey in Brazil. Endosc Int Open. 2020;08(06):E822–9.
  3. Alboraie M, Piscoya A, Lenz L et al. The global impact of COVID-19 on gastrointestinal endoscopy units: An international survey of endoscopists. 2020 In press.