Efeito da esfincterotomia endoscópica na suspeita de disfunção do esfíncter de Oddi em pacientes com dor abdominal pós colecistectomia (Estudo clínico randomizado EPISOD)

Um estudo publicado no jornal da associação médica americana (JAMA) em maio de 2014 avaliou de forma multicêntrica, randomizada e com grupo controle por procedimento falso (sham-controlled), 214 pacientes com quadro de dor abdominal pós colecistectomia, sem alterações significativas em exames de imagem ou laboratoriais, e sem história prévia de tratamento do esfíncter ou pancreatite. Esses pacientes foram distribuídos aleatoriamente para serem submetidos a esfincterotomia ou terapia placebo em 7 centros médicos de referência com o objetivo de determinar se a esfincterotomia endoscópica reduziria o quadro de dor, e se a pressão do esfíncter no estudo manométrico é preditiva de alívio da dor. A dor abdominal pós-colecistectomia é uma entidade clínica comum e a suspeita de disfunção de esfíncter de Oddi (SOD) sempre surge entre as principais hipóteses diagnósticas, assim que afastadas complicações pós- colecistectomia típicas incluindo cálculos remanescentes, fístulas biliares, e lesões do ducto biliar.

A SOD tem sido caracterizada em três formas principais com base nos achados por exame de imagem e laboratoriais.

Tipo I

Dor tipo biliar, associado a:

– presença de ducto biliar dilatado> 8 mm

– resultados dos testes hepáticos (fosfatase alcalina, bilirrubinas, aminotransferases) mais de duas vezes o valor normal em pelo menos duas ocasiões

Tipo II

Com dor e um dos achados descritos acima

Tipo III

Com a dor e nenhum dos achados descritos acima

O estudo Episod portanto foi concebido na tentativa de demonstrar o benefício da terapia endoscópica em pacientes com SOD tipo III. Os pacientes foram submetidos a CPRE e manometria de esfíncter e depois foram randomizados para terapia endoscópica com esfincterotomia ou terapia placebo (colocação de stent). O estudo demonstrou que, em pacientes com sintomas bem definidos de SOD tipo III, a esficterotomia não foi mais eficaz do que a terapia placebo e que os achados endoscópicos e de pressão manométricos não foram associados com o resultado da esfincterotomia. Os autores afirmam que, adicionalmente, eles não encontraram quaisquer características clínicas que foram associados com sucesso, incluindo fatores propostos anteriormente, tais como idade, pressões manométricas, e padrões de dor. Os autores concluíram portanto que, entre os pacientes com dor abdominal após colecistectomia (e sem alterações laboratoriais ou de imagem significativas) submetidos a CPRE com manometria, a esfincterotomia, em comparação com um procedimento simulado, não foi capaz de reduzir à dor desses pacientes. Estes resultados não suportam a utilização de CPRE e esfincterotomia nesse perfil de paciente. Esse trabalho trouxe novo substrato na discussão do manejo dos pacientes com suspeita de SOD, mostrando que no subtipo III, onde as evidências de doença são mais exíguas, haja vista a ausência de alterações de imagem na via biliar e laboratoriais, a CPRE com esfincterotomia não tem indicação clara. Isso traz tona a grande necessidade de novas investigações nesse campo para uma melhor determinação de como tratar essa população de difícil manejo.

Referências:

Cotton PB, Durkalski V, Romagnuolo J, et al. Effect of Endoscopic Sphincterotomy for Suspected Sphincter of Oddi Dysfunction on Pain-Related Disability Following Cholecystectomy: The EPISOD Randomized Clinical Trial. JAMA. 2014;311(20):2101-2109. doi:10.1001/jama.2014.5220.

Drossman  DA.  The functional gastrointestinal disorders and the Rome III process. Gastroenterology. 2006;130(5):1377-1390.

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Estudo multicêntrico, randomizado comparando a neurólise ecoguiada do gânglio celíaco versus a neurólise ecoguiada do plexo celíaco

Estudo publicado em Maio de 2013 na revista Endoscopy comparou a eficácia da neurólise do plexo celíaco com a neurólise direta do gânglio celíaco para alívio da dor em pacientes com câncer do andar superior do abdômen.

Inicialmente, é válido ressaltar a diferença entre bloqueio e neurólise do plexo celíaco. O bloqueio refere-se à injeção de corticosteroides (não esclerosantes), com ou sem agente anestésico associado, para inibir temporariamente a função do plexo celíaco. A doença pancreática benigna, sobretudo a pancreatite crônica com dor refratária, constitui a principal indicação deste procedimento. A neurólise refere-se à injeção de agente esclerosante (álcool absoluto ou fenol estéreis) em combinação com agente anestésico com intuito de provocar ablação permanente do plexo celíaco. A dor de origem neoplásica do andar superior do abdômen constitui a principal indicação deste procedimento.

O desenho do estudo foi comparativo, controlado, randomizado e multicêntrico, envolvendo 13 centros no Japão. Os critérios de inclusão foram a presença de neoplasia maligna no abdômen superior; escore de dor ≥ 4 (escala de 0 a 10); funcionalidade de 0 (assintomático) a 3 (capaz de realizar apenas limitado auto-cuidado) na escala de ECOG; e ≥ 20 anos. Os critérios de exclusão foram: presença de coagulopatia ou plaquetopenia; varizes esofagogástricas; antecedente de neurólise do plexo celíaco; ou intolerância severa ao álcool.

A neurólise do plexo foi realizada usando o “método central” em que a injeção é feita logo acima da saída do tronco celíaco da aorta abdominal. A punção foi procedida com agulha de 22G, através da parede do estômago, com infusão de 1-2 ml de bupivacaína (0.25 a 0.5%) e álcool absoluto (5 a 10 ml por punção). A neurólise do gânglio foi realizada com injeção direta do álcool absoluto no seu interior.

Foram incluídos 68 pacientes no estudo, sendo randomizados igualmente para cada braço do tratamento. Os resultados mostraram que a neurólise do gânglio celíaco foi mais efetiva, com maior taxa de resposta completa (50% vs 18.2%; p = 0.010) e maior taxa de alívio da dor (73.5% vs 45.5%; p = 0.026), na comparação com a neurólise do plexo celíaco. Não houve diferenças entre os 2 grupos com relação as complicações e a duração do alívio da dor.

A maior limitação para o método consiste na identificação ecoendoscópica do gânglio celíaco, que pode ser difícil especialmente para os endoscopistas menos experientes. Estudos demonstraram uma taxa de sucesso na identificação do gânglio de 67 a 100%. Dessa forma, em virtude das evidências vigentes, a neurólise do gânglio celíaco pode ser a terapia endoscópica inicial para o alivio da dor em pacientes com neoplasia do andar superior do abdômen, sendo a neurólise do plexo reservada para os casos em que esse método não foi possível.

 

Referências

  1. Doi S, Yasuda I, Kawakami H, et al. Endoscopic ultrasound-guided celiac ganglia neurolysis vs celiac plexus neurolysis: a randomized multicenter trial. Endoscopy 2013 May; 45 (5):362-9.
  1. Guaraldi S, Sá EO. Neurólise e bloqueio do plexo celíaco. In: Albuquerque W, Maluf-Filho F, Ardengh JC, et al. Ecoendsocopia – Núcleo de Ecoendoscopia da SOBED. Rio de Janeiro: Revinter, 2012. p. 139-43.

Link para o artigo original: https://www.thieme-connect.com/DOI/DOI?10.1055/s-0032-1326225




Tumor neuroendócrino retal bem diferenciado: o impacto do tamanho do tumor sobre a história natural e resultados terapêuticos

Em estudo retrospectivo publicado em julho de 2014 na revista Gastrointestinal Endoscopy os autores avaliaram o prognóstico e a sobrevida de tumores neuroendócrinos bem diferenciados de reto em relação ao tamanho da lesão em sua apresentação inicial.

Dos 87 pacientes avaliados, 66 apresentavam tumores menores que 10mm, 6 apresentavam tumores entre 11-19mm e 15 apresentavam tumores maiores que 20mm. Destes 87 pacientes, 75 foram tratados conforme seu estadiamento clínico, com ressecção local endoscópica ou cirúrgica.

Ao diagnóstico inicial, dos 87 pacientes, 17 pacientes já apresentavam metástases, 2 (3%) do grupo com tumor menor que 10mm, 4 (66%) do grupo com tumores entre 11-19mm e 11 (73%) do grupo com tumores maiores que 20mm.

Os 70 pacientes que não apresentavam metástases ao diagnóstico foram tratados conforme seu estadiamento. Destes 70 pacientes, 55 (79%) foram seguidos por um período de até 78 meses, sendo que 6 apresentaram metástases neste período.

O estudo sugere que lesões maiores que 10mm possuem agressividade semelhante das lesões maiores que 20mm e por isto deve ser vistas e tratadas de forma forma mais agressiva.

A crítica ao estudo foi sua realização reprospectiva, a ausência de marcadores imuno-histoquímicos no estadiamento de todos os casos, estimativa subjetiva do tamanho do tumor, uma conduta de tratamento não uniforme variando entre as técnicas endoscópicas e cirúrgicas aplicadas e a não padronização dos exames (Tomografia, Ressonância magnética ou Ecoendoscopia) para o estadiamento e seguimento após intervenção local.

 

Referência:  Gleeson FC, Levy MJ, Dozois EJ, Larson DW, Wong Kee Song LM, Boardman LA. Endoscopically identified well-differentiated rectal carcinoid tumors:impact of tumor size on the natural history and outcomes. Gastrointest Endosc. 2014 Jul;80(1):144-51. doi: 10.1016/j.gie.2013.11.031. Epub 2014 Jan 23.

Link para o artigo original: http://www.giejournal.org/article/S0016-5107(13)02627-8/abstract




Comparação do uso de pinça de coagulação versus coagulação com plasma de argônio no tratamento da úlcera péptica hemorrágica – RCT

úlcera e apc

A hemorragia digestiva alta (HDA)  é uma patologia frequente na prática clínica e associada a uma significativa taxa de mortalidade.  A úlcera péptica é a causa mais frequente de HDA, sendo responsável por até 50% dos casos.

O  tratamento endoscópico é a terapia de escolha.  Entre as técnicas endoscópicas dispomos  da  injeção de substâncias , coagulação térmica ou elétrica e dispositivos de hemostasia mecânica.

A utilização de clipes ou terapia térmica de forma  isolada ou em combinação com técnicas de injeção são superiores à injeção isolada na prevenção da recorrência do sangramento, porém,  não há diferença aparente  entre o uso de clipes e terapias térmicas.

A coagulação com  plasma de argônio (APC)  é uma técnica bastante utilizada.   Vários estudos demonstram que os resultados com a utilização do APC são similares às outras técnicas de coagulação térmica em relação às taxas de hemostasia e  ressangramento.

A utilização de pinça de coagulação (forceps coagulation)  surgiu como mais uma alternativa para o manejo das úlceras hemorrágicas. A hemostasia utilizando pinça de coagulação  com bisturi elétrico em modo soft coagulation é utilizada há bastante tempo no manejo de sangramentos durantes as dissecções endoscópicas da submucosa (ESD),  mas recentemente a sua utilização em úlceras hemorrágicas tem  demonstrado bons resultados.

Este estudo  randomizado e controlado realizado na Kyung Hee University, Seoul, Korea comparou  o sucesso na hemostasia inicial, taxas de ressangramento e mortalidade em pacientes com úlcera péptica  hemorrágica tratados com injeção de adrenalina + APC (APC)   e injeção de adrenalina + pinça de coagulação (FC).

Foram avaliados 75 pacientes no grupo APC e 76 pacientes no gurpo FC. A hemostasia inicial foi obtida em 72 pacientes (96%)  e 73 (96%) respectivamente.  Nos casos em que não se obteve hemostasia com o método inicial um segundo método (clipe ou outra terapia térmica) foi aplicado, obtendo hemostasia endoscópica inicial em todos os pacientes.

A presença de ressangramento nos primeiros  7 dias foi observada em 4 pacientes (4%) no grupo APC e  5 (6,6%) no grupo FC (p=0,719). Ressangramento nos primeiros  30 dias foi observado em 5 pacientes  (6,7%) e 7 pacientes (9,2%) no grupo APC e FC respectivamente (p 0,563).   A taxa de mortalidade também não apresentou diferença entre os grupos( 2,7% APC e 2,6% FC).

A terapia com APC pode ser utlizada com segurança no controle da hemorragia por úlceras pépticas. É uma técnica de coagulação sem contato e tem a vantagem de poder ser utilizada em posições tangenciais, particularmente nas úlceras na pequena curvatura da parede posterior, onde a aplicação de clipes pode ser difícil.

A pinça de coagulação já tem sido usado com frequência no Japão para o tratamento de úlceras hemorrágicas. A vantagem da utilização deste método  inclui a facilidade na utilização, possibilidade de pegar diretamente o vaso sangrante e direcionar a coagulação para uma área bem delimitada.  Além disso a coagulação com pinça é realizada sem carbonizar o tecido adjacente  devido ao uso de “soft coagulation” que  faz com que a voltagem se mantenha sempre abaixo de 200 v.

Este estudo demonstrou que as duas opções são bastante efetivas e  não há diferenças na taxas de hemostasia, ressangramento e mortalidade entre as 2 técnicas.

Bibliografia

Jung-Wook Kim, Jae Young Jang, Chang Kyun Lee, Jae-Jun Shim, YoungWoon Chang. Comparison of hemostatic forceps with soft coagulation versus argon plasma coagulation for bleeding peptic ulcer – a randomized trial. DOI http://dx.doi.org/10.1055/s-0034-1391565  Published online:2015  Endoscopy

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