SÍNDROME BLUE RUBBER BLEB NEVUS

Paciente  masculino, 16 anos,  com história de anemia ferropriva persistente secundária a hemorragia digestiva baixa (HDB) recorrente desde os 3 anos de idade sendo necessárias inúmeras hemotransfusões.
Antecedente cirúrgico de laparotomia aos 6 anos com realização de enterectomia (1,5 m de jejuno) e ressecção de 13 lesões cujo anatomopatológico concluiu se tratarem de hemangiomas cavernosos.
Foi admitido para investigação com relato de episódio de HDB há 30 dias. Apresentava-se hipocorado, com Hb: 4,1 g/dl e Ht: 12,5%. Estava em uso de talidomida. No exame físico destacava-se a presença de um nódulo violáceo em dorso de mão e diminuta lesão em pé (vide fotos abaixo).


Realizou tomografia de abdome identificou várias lesões com características vasculolinfáticas  nas alças de intestino delgado e cólon. Identificadas também lesões na adrenal esquerda, peritônio, parênquima e hilo hepático.
Endoscopia digestiva alta sem alterações.
A colonoscopia (vide abaixo) evidenciou 4 lesões polipoides subpediculadas, medindo até 25mm, bem delimitadas, levemente violáceas, localizadas em cólon transverso, descendente, ângulo esplênico e reto, porém sem sinais de sangramento. Tais achados eram sugestivos de hemangiomas.


A enteroscopia alta identificou 2 lesões em jejuno: um hemangioma de 1,5 cm e uma angioectasia, ambas tratadas com argônio.
Baseado nos achados da colonoscopia e no passado de hemangiomas em intestino delgado foi aventada a hipótese da Síndrome do Nevo Azul (Blue Rubber Bleb Nevus – BRBN).
Neste caso, por conta do tamanho das lesões colônicas optamos por realizar o tratamento endoscópico com injeção de cianoacrilato.  Esta conduta foi baseada em relatos da literatura que mostram uma boa taxa de sucesso e menor recorrência. O procedimento foi realizado sem intercorrências.
 
 

A colonoscopia de controle em 1 semana e após cerca de 5 meses apresentaram bons resultados. Paciente não apresentou mais HDB e manteve hemoglobina após 1 ano em torno de 15,1 g/dl e Ht de 43%.
Discussão
A Blue Rubber Bleb Nevus Syndrome (SBRBN) é uma doença rara caracterizada por malformações vasculares (hemangiomas carvenosos) localizadas principalmente na pele e trato gastrintestinal. A maior parte dos casos são esporádicos, mas há alguns relatos em grupos de famílias, o que sugere ter uma base genética com herança autossômica dominante.
A maior morbidade desta doença se deve ao sangramento gastrintestinal, geralmente auto-limitado, evidenciando-se pela perda oculta nas fezes. A depender do tamanho e extensão dos hemangiomas pode ocorrer hematêmese, melena ou enterorragia. Outras complicações gastrintestinais, quando as lesões são de grandes dimensões, são: volvo, intussuscepção e isquemia intestinal.
O diagnóstico diferencial se dá com outras síndromes que cursam com lesões vaculares cutâneas e similares em outros órgãos que são:

  • Redu Osler Weber (TGI e pulmão)
  • Klippel- Trenaunay (osso, tecidos moles e S. Nervoso)
  • Sturge Weber (meninges)
  • Von Hippel Lindau (SNC e retina)
  • Maffucci (esqueleto)
  • Cobb (Medula espinhal)

Nos casos leves o tratamento é conservador com suplementação de ferro e/ou transfusões sanguíneas. Em casos de HDB recorrente é necessário o tratamento endoscópico ou eventualmente o cirúrgico. A ecoendoscopia pode ser útil para confirmar a natureza hemangiomatosa das lesões.
Para as lesões localizadas no trato gastrintestinal as modalidades terapêuticas endoscópicas a depender do tamanho e da extensão são:

  • Terapia injetora com adrenalina
  • Terapia térmica com Argônio
  • Ligadura elástica
  • Cianoacrilato
  • Polipectomia
  • Dissecção endoscópica submucosa

A recorrência das lesões é alta. Há possibilidade de tratamento farmacológico complementar com agentes antiangiogênicos ou antiproliferativos (talidomida, octreotide, corticoides, interferon gama).
O prognóstico depende da extensão do envolvimento visceral. Não há relação com transformação maligna.
Apesar da raridade do caso a mensagem a ser passada é que o tratamento endoscópico pode contribuir para a melhora na qualidade de vida com menor necessidade de hemotransfusões, menor custo e tempo de internação de pacientes. Optamos pela terapia com cianoacrilato por ser uma opção segura e eficaz.
 
* Caso clínico relatado com a colaboração da Dra Marina Pamponet Motta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Ferreira, M. J Port Gastroenterol 2009; 16;115-119
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