Obstrução intestinal por fecaloma no cólon direito – uma doença potencialmente fatal

Paciente do sexo feminino, 76 anos, com história de diabetes, constipação crônica e ressecção segmentar de transverso há 10 anos por adenoma não ressecável por colonoscopia. Foi internada com quadro de distensão e dor abdominal difusa ha 2 dias e sem evacuar ha 5 dias. Nos dias anteriores ao início dos sintomas relatava  evacuações a cada 2 dias, sempre  em pequena quantidade.

A paciente estava em bom estado geral, abdome distendido com ruídos presentes e desconforto à palpação difusamente, sem sinais de peritonite e sem massas palpáveis. No toque retal não se notavam lesões e não havia fecaloma tocável.

Os exames laboratoriais mostravam eletrólitos, amilase e função renal normais. Hemograma com hemoglobina normal mas com 17000 leucócitos, sem desvio à esquerda.

Realizou tomografia  de abdome total com os seguintes achados:

 

Fecaloma 1

Ausência de líquido livre ou sinais de pneumoperitônio. Estômago e intestino delgado sem distensão. Volumosa coprostase no cólon direito e cólon transverso sem se identificar ponto de obstrução evidente.

 

Com este achado foi iniciado o uso de laxativos via oral, ingestão aumentada de líquidos e lavagem retal com glicerina 12 %.  Mesmo após várias lavagens retais e uso de laxativos orais a paciente evoluiu com piora da dor e distensão abdominal.

Neste momento foi indicada a realização de uma colonoscopia (preparo exclusivamente retrógrado) para descartar a presença de um fator obstrutivo não identificado na tomografia e tentar descomprimir o cólon.

 

Colonoscopia: Volumoso fecaloma impactado no cólon transverso. Foi realizada infusão lenta de 1000 ml de soro fisiológico morno com amolecimento do fecaloma, permitindo a passagem do aparelho através da área de obstrução e descompressão do cólon direito que também apresentava grande quantidade de resíduos fecais. O local de impactação apresentava sinais de isquemia e necrose da mucosa. O cólon direito apresentava grande quantidade de resíduos fecais aderidos às paredes, impedindo a avaliação da mucosa.

Colonoscopia: Volumoso fecaloma impactado no cólon transverso. Foi realizada infusão lenta de 1000 ml de soro fisiológico morno com amolecimento do fecaloma, permitindo a passagem do aparelho através da área de obstrução e descompressão do cólon direito que também apresentava grande quantidade de resíduos fecais. O local de impactação apresentava sinais de isquemia e necrose da mucosa. O cólon direito apresentava grande quantidade de resíduos fecais aderidos às paredes, impedindo a avaliação da mucosa.

 

Após a colonoscopia descompressiva a paciente apresentou  melhora significativa da dor e distensão abdominal e estava em ótimo estado geral. Foi mantida internada com antibióticos, dieta líquida sem resíduos e laxativos via oral. Apresentou eliminação de gases e evacuações  no mesmo dia da colonoscopia.

No dia seguinte  a paciente voltou a apresentar distensão abdominal  e evoluiu com taquicardia, taquipnéia  e alteração do nível de consciência.

Realizou nova tomografia de abdome que demonstrou grande distensão do ceco e presença de pneumoperitônio. Ausência de líquido livre. Neste momento foi indicada abordagem cirúrgica. Devido à distensão abdominal foi optado por laparotomia convencional.

 

 

Volumoso fecaloma no cólon direito. Presença de pneumoperitônio. Ausência de líquido livre.

Volumoso fecaloma no cólon direito. Presença de pneumoperitônio. Ausência de líquido livre.

 

No intra-operatório foi identificada grande área de necrose no ceco, ainda sem perfuração e outro ponto de necrose no cólon transverso.  Não havia perfuração evidente e nem contaminação da cavidade.  Foi realizada uma colectomia direita ampliada (ceco, ascendente, transverso residual e descendente). Como a paciente estava estável hemodinamicamente, sem anemia, o intestino delgado e o sigmóide não estavam distendidos e não havia contaminação da cavidade foi realizada anastomose primária íleo-sigmóide.

 

Colectomia direita ampliada. Nota-se grande área de necrose no ceco e outra pequena no transverso. Também é possível identificar a área de anastomose da ressecção prévia.

Colectomia direita ampliada. Nota-se grande área de necrose no ceco e outra pequena no transverso. Também é possível identificar a área de anastomose da ressecção prévia.

 

A paciente apresentou uma boa evolução no pós operatório, recebendo alta da UTI no 5º pós operatório com evacuações presentes e recebendo dieta via SNE.

Revisão

A impactação fecal é uma patologia comum e potencialmente fatal que  pode ocorrer em todos os grupos etários. Crianças, pacientes acamados e idosos são as populações que estão sob maior risco.  A impactação geralmente ocorre na presença de constipação severa, anormalidades anorretais e nas disfunções neurogênicas e funcionais gastrointestinais1.

O reconhecimento precoce desta doença é importante devido à sua alta morbidade, mortalidade e grande custo ao sistema de saúde.  O tratamento minimiza o risco de complicações que incluem obstrução intestinal levando à úlcera estercoral, perfuração, peritonite e sepse1.

Uma  revisão incluindo 188 artigos, analisou 280 casos de obstrução por fecaloma.  Destes 43,5% pacientes tinham mais do que 65 anos, 49% apresentavam história de constipação severa, 29% eram portadores de doenças neuropsiquiátricas e 15% estavam institucionalizados. Um total de 346 complicações médicas secundárias à impactação fecal foram identificadas incluindo perfuração, obstrução, fístulas para órgãos adjacentes e complicações clínicas como pneumonia aspirativa e sepse2.

Não há diferença na distribuição por sexo mas a idade avançada aumenta a incidência desta patologia. No exame físico a distensão e a dor abdominal são os achados mais frequentes.  No exame retal, a presença de fezes tocáveis é encontrada em menos da metade dos casos, pois a impactação pode ocorrer em qualquer local, desde o cólon direito até o reto. Os achados laboratoriais são inespecíficos mas a leucocitose e alterações eletrolíticas são comuns.  A radiografia  de abdome costuma mostrar dilatações difusas do delgado e do cólon além de grande quantidade de fezes acumuladas.  A tomografia de abdome é o melhor exame pois pode identificar o local preciso da impactação, descartar  complicações e outras causas de obstrução3.

A sigmoidoscopia e a colonoscopia podem ser utilizadas para descartar a presença de obstrução mecânica de outra etiologia e também para ajudar na fragmentação e irrigação da massa fecal impactada, porém,  devem ser realizadas com cuidado devido ao risco de perfuração iatrogênica3.

A perfuração intestinal causada por impactação fecal é rara e quando ocorre apenas 10-20 % dos casos tem o diagnóstico confirmado antes da operação.  Neste cenário é importante a realização de ressecção do segmento colônico acometido (já que a área isquêmica costuma ser grande) e a realização de uma ostomia. A sutura da perfuração ou a simples derivação estão associadas à um maior risco de complicações e mortalidade4.

Referências 

  1. Hussain ZH, Whitehead DA, Lacy BE. Curr Gastroenterol Rep. 2014 Sep;16(9):404.
  2. Serrano Falcón B, Barceló López M, Mateos Muñoz B, Álvarez Sánchez A, Rey E. Fecal impaction: a systematic review of its medical complications. BMC Geriatr. 2016 Jan 11;16(1):4.
  3. Byun YHPark YSMyung SJEom WYChoi WWKim THJo YJKim SHSong MH. Transient intestinal obstruction due to stool impaction in the elderly. Korean J Gastroenterol. 2005 Sep;46(3):211-7.
  4. Serpell JW, Nicholls RJ. Stercoral perforation of the colon. Br J Surg. 1990 Dec;77(12):1325-9.