QUIZ! Caso Clínico

CASO CLÍNICO:

Paciente feminina, 76 anos, hipertensa e diabética, refere dor abdominal, sem sintomas colestáticos ou alterações laboratoriais, encaminhada por colega gastroenterologista para avaliação de alterações em exames de imagem. Nega tabagismo, etilismo ou antecedentes cirúrgicos abdominais.

Laboratório:

Hb 15,5; Ht 47%; Leuco 7.800; Plaq 244.000, INR 0,93; Amilase 73; BT 0,7; BD 0,6; FA 79; GGT 25; TGO 32; TGP 23

Colangiopancreatografia por Ressonância Magnética: 

Ectasia de vias biliares extrahepáticas e ducto pancreático principal, com colédoco de 1,8 cm, possivelmente secundária ao divertículo duodenal. Divertículo duodenal de 2,6 cm determinando impressão em colédoco distal. 

Ecoendoscopia:

Dilatação do ducto colédoco sem fator obstrutivo – janela transbulbar (ducto colédoco medindo cerca de 16 mm). Discreta dilatação do ducto pancreático principal. Vesícula com mínimas formações polipóides de 2,5 mm, sem imagens sugestivas de cálculos em seu interior.




Síndrome de Lemmel

Introdução

A incidência de divertículos duodenais é rara e varia entre 1-27%, sendo mais frequente a localização periampular (70-75%). A síndrome de Lemmel trata-se da obstrução do ducto biliar devido a ação de um divertículo duodenal periampular quando o mesmo comprime ou obstrui a via biliar, podendo ocasionar sintomas como icterícia, dor abdominal e alterações nos níveis de enzimas hepáticas na ausência de coledocolitíase (vide Figura 1). É uma condição que precisa ser considerada em casos de obstrução biliar inexplicada, especialmente em pacientes com divertículos duodenais.

Fig 1. Divertículo duodenal. Ilustração cedida pela Dra. Fernanda Prado Logiudice (SP).

Classificação

Pode ser classificada de acordo com a posição da papila em relação ao divertículo: tipo I (intradiverticular), II (peridiverticular) ou III (próximo ao divertículo). Em nosso caso foi identificada através de duodenoscopia o tipo II, conforme ilustrado na imagem abaixo (Figura 2).

Fig 2. Duodenoscopia da papila duodenal maior peridiverticular (esq).
Imagem cedida por Dr. Diego Rangel (BA) e Dra. Sâmara Martins (BA).

Sintomatologia

A maioria dos casos é assintomática e diagnosticada incidentalmente durante exames endoscópicos, mas complicações podem ocorrer em 5% dos casos, como colangite, icterícia obstrutiva, sangramento, perfuração, diverticulite, pancreatite e coledocolitíase.

Diagnóstico

Exames laboratoriais podem estar alterados, como nível de bilirrubinas e enzimas canaliculares e hepáticas, entretanto, não são determinantes para o diagnóstico da Síndrome de Lemmel, pois podem estar dentro dos níveis da normalidade. Dentre os exames de imagem, a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) demonstra-se mais abrangente, já que utiliza a endoscopia de visão lateral (duodenoscopia) para identificação do divertículo periampular e a colangiografia para avaliar a dilatação da via biliar, além de possibilitar a terapêutica. Apesar disso, os exames de tomografia computadorizada, ressonância magnética e endoscopia digestiva alta são inicialmente mais utilizados devido ao fácil acesso. Além deles, outros exames de imagem também podem ser utilizados, como exame radiológico contrastado, ultrassonografia endoscópica ou mesmo a laparoscopia. No caso em questão, a paciente já havia realizado exame de ressonância de abdome (Figura 3) e ecoendoscopia, ambos corroborando a hipótese diagnóstica.

Fig 3. Colangiorressonância demonstrando dilatação da via biliar extra-hepática e divertículo duodenal identificado pela seta.

Tratamento

O tratamento, apesar de ainda não bem estabelecido pela literatura, é baseado na sintomatologia e, portanto, sendo recomendada abordagem conservadora em pacientes assintomáticos. A esfincterotomia através de CPRE com ou sem colocação de stent pode ser uma excelente opção terapêutica para pacientes com obstrução da via biliar ou mesmo colangite. Outra opção terapêutica possível é o tratamento cirúrgico através da diverticulectomia, entretanto, com elevada morbimortalidade. No caso ilustrado (Figuras 4-6), a paciente foi tratada com esfincterotomia e esfincteroplastia com balão, seguida de drenagem da via biliar com prótese biliar plástica.

Fig 4. Imagem colangiográfica da CPRE exibindo dilatação importante da via biliar principal.
Imagem cedida por Dr. Diego Rangel (BA) e Dra. Sâmara Martins (BA).
Fig 5. Papilotomia endoscópica (esq.). Dilatação endoscópica da papila com balão (dir.).
Imagens cedidas por Dr. Diego Rangel (BA) e Dra. Sâmara Martins (BA).
Fig 6. Drenagem endoscópica da via biliar com prótese plástica: imagem endoscópica (esq.) e imagem colangiográfica (dir.). Imagens cedidas por Dr. Diego Rangel (BA) e Dra. Sâmara Martins (BA).

Referências

  1. Love JS, Yellen M, Melitas C, et al. Diagnosis and Management of Lemmel Syndrome: An Unusual Presentation and Literature Review. Case Rep Gastroenterol 2022; Dec 16;16(3):663-674. doi:10.1159/000528031.
  2. Battah A, Farouji I, DaCosta TR, et al. Lemmel’s Syndrome: A Rare Complication of Periampullary Diverticula. Cureus 2023; Mar 16;15(3):e36236. doi: 10.7759/cureus.36236.

Como citar este artigo

Martins S. e Logiudice FP. Endoscopia Terapeutica, 2024 vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-de-lemmel/




Terapêuticas endoscópicas para manejo de coledocolitíase complexa

A coledocolitíase é uma complicação da doença calculosa da vesícula biliar que acomete 10 a 20% dessa população. A grande maioria dos casos (90%), possui resolução com técnicas de tratamento endoscópico convencional, entretanto, os 10% restantes compõem um grupo populacional que possui uma condição entitulada de coledocolitíase complexa [1].

Definição

A coledocolitíase complexa, também conhecida como “cálculo difícil” ou “calculo de difícil manejo”, é definida segundo alguns critérios que dependem das características do cálculo, localização do cálculo, anatomia do paciente e fatores associados aos pacientes.

  • Quanto às características dos cálculos: Cálculos de grande dimensão (>15mm), múltiplos cálculos (> 3 cálculos maiores do que 10mm), cálculos duros e aqueles com formato não-habitual (quadrado ou em barril) apresentam dificuldade de captura pelo basket e geralmente necessitam de litotripsia;
  • Quanto à localização dos cálculos: Cálculos intra-hepáticos, acima de estenoses, impactados no ducto colédoco ou associado a síndrome de Mirizzi oferecem dificuldade no acesso;
  • Quanto à situação anatômica: Alteração congênita ou cirúrgica da via biliar (Billroth II/ bypass gástrico com Y de roux) e divertículo duodenal com papila peri/intradiverticular que dificultam o acesso e limita o endoscópio e o manejo de acessórios;
  • Quanto ao paciente: Idade avançada, condições clinicas ruins, instabilidade hemodinâmica, tendência a sangramento e respostas paradoxais que favorecem a ocorrência de efeitos adversos;

Manejo

A coledocolitíase com cálculos não complexos geralmente alcança altas taxas de sucesso terapêutico com a técnica convencional de acesso e exploração da via biliar, geralmente com papilotomia e remoção com balão extrator. No caso de cálculos complexos, são necessárias técnicas adicionais para a completa resolução do quadro, como dilatação da papila com balão, uso de basket com sistema de litotripsia mecânica ou até mesmo uso de colangioscopia com litotripsia a laser.

Dilatação da papila com balão

A dilatação da papila com balão é um método que pode ser utilizado em associação ou não à papilotomia endoscópica e que tem potencial em reduzir de 30 a 50% o uso de litotripsia mecânica [2].

Dilatação balonada de papila duodenal maior com balão hidrostático via CPRE.

A dilatação da papila pode auxiliar na resolução de cálculos de pacientes que tenham chances aumentadas de sangramento pós-esfincterotomia e àqueles que a papilotomia completa não é tecnicamente possível (intradiverticular, papila com infundíbulo pequeno). Sugere-se uma seleção criteriosa de pacientes, evitando-se procedimentos forçados, duração ideal da dilatação e conversão imediata para procedimentos alternativos.

Clique aqui para mais informações sobre dilatação da papila com balão.

Litotripsia mecânica

A litotripsia mecânica (LM) é uma técnica geralmente utilizada após a falha na tentativa de remoção cálculo após realização de esfincterotomia e dilatação da papila com balão, geralmente, ocasionada por desproporção do cálculo em relação à via biliar distal. Possui taxa de sucesso relatado entre 79 a 96% e baixas taxas de mortalidade, bem como de efeitos adversos (3,5%) [3].

A cesta é utilizada para captura de cálculos e podem ser também instrumento para realização de quebra mecânica do cálculo de forma integrada ou com utilização de litotriptor de emergência.

Apesar disso, a LM pode necessitar de múltiplas sessões e ainda assim não ser eficaz na eliminação completa dos cálculos, portanto, sendo necessário de procedimentos adicionais com utilização de acessórios mais robustos como a colangioscopia com litotripsia eletro-hidráulica ou à laser.
A taxa de sucesso é inversamente proporcional ao diâmetro do cálculo, tendo 68% de chance de resolução em cálculos maiores que 28 mm e chegando a 90% em cálculos inferiores a 10mm de diâmetro [2]. Outro fator que reduz as chances de resolução são a impactação do cálculo na via biliar, formato moldado pela via biliar e cálculos endurecidos.

Stent biliar endoscópico

A inserção de stent biliar é opção terapêutica para pacientes com insucesso na remoção dos cálculos e necessidade de drenagem da via biliar, evitando-se assim a colangite. O atrito do stent sobre os cálculos promove sua fragmentação e aumentam as chances de resolução em uma abordagem posterior.
Os stents metálicos autoexpansíveis totalmente recobertos também podem ser utilizados para drenar a via biliar após uma remoção malsucedida de cálculos, entretanto, com custo-efetividade ainda questionável.

Litotripsia guiada por colangioscopia

A colangioscopia é um procedimento que permite a visualização do interior da via biliar e é realizado através do uso do colangioscópio, instrumento que é inserido através do canal do duodenoscópio para que seja introduzido na via biliar visualizando seus ductos e paredes. Esse é um procedimento idealmente realizado por endoscopistas experientes e equipe treinada para o manejo do acessório, chegando a alcançar taxas de sucesso superiores a 90% no clareamento da via biliar [1].
A litotripsia guiada por colangioscopia pode ser realizada através de duas modalidades: à laser (LL) ou eletro-hidráulica (LEH).

Clique aqui para mais informações sobre litotripsia por colangioscopia.

Uma importante metanálise, comparou a taxa de sucesso da litotripsia extracorpórea (LECO), LL e LEH no clareamento da via biliar, sendo 84,5%, 95,1% e 88,4%, respectivamente, bem como taxas de complicação mais altas nos procedimentos de LEH (13,8%), seguidos de LL (9,6%) e LECO (8,4%) [4]. Entretanto, outra metanalise mais recente, compara LL vs. LEH mostrando superioridade de sucesso nessa última com taxas de sucesso terapêutico de 88,6% e 91,4%, respectivamente [5].

Recomenda-se que tal procedimento deve ser reservado para uso em casos selecionados de insucesso com CPRE convencional, preferencialmente sendo realizada em centro de referência, devido a sua complexidade, custo e eventos adversos, apesar de alguns autores já deferem sua indicação como terapia de primeira linha para pacientes com coledocolitiase complexa a fim de redução de numero de intervenções e elevação de custo-efetividade.

Conclusão

A CPRE é procedimento terapêutico destinado a manejo de doenças das vias biliopancreáticas, incluindo o manejo dos cálculos nas vias biliares. A coledocolitiase complexa, apesar de pouco frequente, ainda é uma afecção que exige não apenas expertise na sua condução como também de conhecimento e habilidade dos endoscopistas. Hoje, temos um vasto arsenal para resolução desses casos, como uso de balão dilatador para correção da desproporção cálculo-papila e instrumentos de litotripsia (mecânica, extracorpórea e guiada por colangioscopia, seja a laser ou eletrohidráulica) e é de fundamental importância o treinamento de equipes para sua correta utilização em tais situações.

Referências

  1. Trikudanathan G, Navaneethan U, Parsi MA. Endoscopic management of difficult common bile duct stones. World J Gastroenterol. 2013 Jan 14;19(2):165-73. doi: 10.3748/wjg.v19.i2.165. PMID: 23345939; PMCID: PMC3547556.
  2. Tringali A, Costa D, Fugazza A, Colombo M, Khalaf K, Repici A, Anderloni A. Endoscopic management of difficult common bile duct stones: Where are we now? A comprehensive review. World J Gastroenterol. 2021 Nov 28;27(44):7597-7611. doi: 10.3748/wjg.v27.i44.7597. PMID: 34908801; PMCID: PMC8641054.
  3. Thomas M, Howell DA, Carr-Locke D, Mel Wilcox C, Chak A, Raijman I, Watkins JL, Schmalz MJ, Geenen JE, Catalano MF. Mechanical lithotripsy of pancreatic and biliary stones: complications and available treatment options collected from expert centers. Am J Gastroenterol. 2007 Sep;102(9):1896-902. doi: 10.1111/j.1572-0241.2007.01350.x. Epub 2007 Jun 15. PMID: 17573790.
  4. Veld JV, van Huijgevoort NCM, Boermeester MA, Besselink MG, van Delden OM, Fockens P, van Hooft JE. A systematic review of advanced endoscopy-assisted lithotripsy for retained biliary tract stones: laser, electrohydraulic or extracorporeal shock wave. Endoscopy. 2018 Sep;50(9):896-909. doi: 10.1055/a-0637-8806. Epub 2018 Jul 10. PMID: 29991072.
  5. Galetti F, Moura DTH, Ribeiro IB, Funari MP, Coronel M, Sachde AH, Brunaldi VO, Franzini TP, Bernardo WM, Moura EGH. Cholangioscopy-guided lithotripsy vs. conventional therapy for complex bile duct stones: a systematic review and meta-analysis. Arq Bras Cir Dig. 2020 Jun 26;33(1):e1491. doi: 10.1590/0102-672020190001e1491. PMID: 32609255; PMCID: PMC7325696.

Como citar este artigo

Martins S. Terapeuticas endoscopicas para manejo de coledocolitíase complexa. Endoscopia Terapeutica, 2024, vol 1. Disponivel em: https://endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/terapeuticas-endoscopicas-para-manejo-de-coledocolitiase-complexa/




CPRE em pacientes gestantes

A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é um procedimento endoscópico destinado à diagnosticar e tratar doenças das vias biliares e pancreáticas, indicado para pacientes com afecções malignas e benignas de tais órgãos. Apesar dos benefícios proporcionados por esse procedimento serem bem documentados em literatura, a sua eficácia clínica e segurança no período gestacional ainda não são bem consolidadas.

Na gestação existe um aumento da prevalência de colelitíase (3 a 12%) em função do metabolismo da progesterona que está elevada nesse período e, por consequência, aumentam a frequência das complicações da litíase biliar, sendo a coledocolitíase a mais comum.

As indicações de CPRE na gestação devem ser de cunho terapêutico e devem ser muito bem avaliadas, afinal, quando adiá-los podem acarretar em consequências graves, que suplantam os possíveis riscos inerentes ao próprio procedimento em qualquer período.

As principais patologias que podem requerer uma CPRE inadiável durante o período gestacional são: coledocolitíase, obstruções biliares malignas, colangite e fístulas/estenoses biliares. Não existe em literatura, nenhum consenso que assegure a melhor fase da gestação para realização do exame, apesar de se saber sobre as fragilidades relacionadas ao primeiro trimestre de um modo geral.

As contraindicações são semelhantes à dos exames endoscópicos, como coagulopatias graves e suspeita de perfuração intestinal. Os procedimentos menos invasivos possuem menores riscos de complicações em relação aos procedimentos cirúrgicos, pois possuem menor morbimortalidade, e portanto, menores chances de danos à saúde materna e do feto.

A CPRE na gestação deve ser programada em seus mínimos detalhes e preferencialmente realizada por profissional experiente e habilitado para otimização do tempo e minimização dos riscos. Também deve contar com equipe multidisciplinar para avaliação da gestante, pela anestesiologia, e do feto, pela ginecologia, esta última, realizada preferencialmente antes, durante e após o procedimento.

Precauções da CPRE em gestantes

Radiação

Durante a realização do procedimento, algumas precauções devem ser tomadas, principalmente no que diz respeito à radiação, pois tem potencial deletério, podendo ocasionar, inclusive, abortamento. Apesar de não haver consenso em relação ao tempo de exposição à radiação na literatura, e também, haver uma grande variação pessoal na absorção da mesma, algumas sociedades de obstetrícia publicaram que um nível de radiação abaixo de 50 mGy (o equivalente a aproximadamente 140 segundos de radiação) estão associados a baixas taxas de aborto e má formações. Algumas técnicas descritas podem evitar a utilização de radiação, à exemplo da técnica americana que usa como base a aspiração profunda da via biliar após cateterização (confirmada por retorno bilioso) ou por alocação de prótese biliar às cegas e resolução definitiva em um segundo momento. Entretanto, apesar de serem alternativas potenciais, dados da literatura demonstram segurança na realização do mesmo na gestação, apesar de uma metanalise comprovar que técnicas livres de radiação parecem reduzir as taxas de complicações não relacionadas à gravidez, mas não de complicações fetais e relacionadas ao período gestacional.

Os fatores abaixo parecem ser tão importantes quanto o tempo de fluoroscopia:

  • tipo de equipamento utilizado,
  • uso de proteção,
  • posicionamento do paciente e a técnica do endoscopista.

Posicionamento do bisturi elétrico

Cuidados adicionais a serem tomados devem ser com o posicionamento da placa de bisturi elétrico. Vale ressaltar que o líquido amniótico é um ótimo condutor de corrente elétrica, assim tal placa deve ser posicionada preferencialmente acima do nível do abdômen (tórax de preferência) a fim de se evitar condução elétrica no feto. 

Riscos de complicações

Além das complicações inerentes ao próprio procedimento, independente de sua realização no período gestacional, como pancreatite aguda, perfuração intestinal e sangramentos; as gestantes estão sujeitas a vários outros riscos durante os procedimentos endoscópicos, como hipóxia e hipotensão, parto prematuro, trauma e teratogênese.

Os riscos e complicações são pouco claros na literatura devido ao seu reduzido número de estudos na área, entretanto, dados demonstram que as taxas de perfuração, sangramento e infecção não diferem da população em geral submetida à CPRE, bem como a sua taxa de sucesso que gira em torno de 95%. Entretanto, há maior taxa de pancreatite (12% vs 5%), provavelmente pela maior dificuldade do procedimento e menor uso de stents pancreáticos.

Em resumo, diante de uma indicação bem embasada, equipe preparada, materiais adequados e com os cuidados citados acima, o procedimento pode ser realizado com segrança, efiácia e com baixos índices de complicações tanto para a paciente quanto para o feto.

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CPRE em pacientes pediátricos

Referências

  1. Savas N. Gastrointestinal endoscopy in pregnancy. World J Gastroenterol. 2014 Nov 7;20(41):15241-52. doi:10.3748/wjg.v20.i41.15241.
  2. Agcaoglu O, Ozcinar B, Gok AF, Yanar F, Yanar H, Ertekin C, Gunay K. ERCP without radiation during pregnancy in the minimal invasive world. Arch Gynecol Obstet. 2013 Dec;288(6):1275-8. doi: 10.1007/s00404-013-2890-0.
  3. Magno-Pereira V, Moutinho-Ribeiro P, Macedo G. Demystifying endoscopicretrograde cholangiopancreatography (ERCP) during pregnancy. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2017 Dec;219:35-39. doi: 10.1016/j.ejogrb.2017.10.008.
  4. Azab M, Bharadwaj S, Jayaraj M, Hong AS, Solaimani P, Mubder M, Yeom H, Yoo JW, Volk ML. Safety of endoscopic retrograde cholangiopancreatography (ERCP) in pregnancy: A systematic review and meta-analysis. Saudi J Gastroenterol. 2019 Nov-Dec;25(6):341-354. doi: 10.4103/sjg.SJG_92_19. PMID: 31744939; PMCID: PMC6941455.
  5. Konduk BT, Bayraktar O. Efficacy and safety of endoscopic retrograde cholangiopancreatography in pregnancy: A high-volume study with long-term follow-up. Turk J Gastroenterol. 2019 Sep;30(9):811-816. doi: 10.5152/tjg.2019.18799. PMID: 31258133; PMCID: PMC6750819.

Como citar este artigo

Martins S. CPRE em pacientes gestantes. Endoscopia Terapeutica, 2023 vol. 2. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/cpre-em-pacientes-gestantes




Tumor de células granulares do esôfago: relato de caso com revisão da literatura

Relato de Caso

Mulher, 49 anos, hipertensa, sem história familiar ou passados cirúrgicos significativos, procurou o serviço para realizar endoscopia diagnóstica devido à distensão intermitente e regurgitação. O exame físico e os resultados dos exames laboratoriais não mostraram nenhuma anormalidade significativa, enquanto a endoscopia digestiva alta evidenciou lesão nodular branco-amarelada de aspecto subepitelial e consistência fibroelástica em esôfago distal, medindo aproximadamente 6mm.

Tumor de células granulares (visão endoscópica)

Foram realizadas biópsias da lesão esofágica, revelando tumor de células granulares esofágicas.

Optamos pela ressecção da lesão esofágica e, portanto, foi solicitado exame complementar para seu estadiamento.

À ecoendoscopia, o diagnóstico de lesão subepitelial foi confirmado e a lesão foi descrita como oval, hipoecóica, homogênea, de aproximadamente 5,6 mm x 1,6 mm, com limites precisos e contornos regulares, inserido na mucosa profunda, apresentando discreta invasão da camada na submucosa e sem comprometimento de linfonodos regionais.

Tumor de células granulares (visão ecoendoscópica)

Quanto à terapêutica, optamos pela mucosectomia endoscópica com auxílio de banda elástica. O procedimento sucedeu com a identificação da lesão, seguido de delimitação com banda elástica e ressecção com alça diatérmica. À macroscopia da peça, revelou-se livre de lesão às margens laterais.

Tumor de células granulares (peça)

A paciente permaneceu assintomática após o procedimento e o estudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de tumor de células granulares localizado na submucosa, com margens laterais livres e profundas, afirmando a ausência de malignidade.

Tumor de células granulares (lâmina anatomopatológico)

Discussão

Tal paciente está dentro do grupo epidemiológico mais acometido pelos tumores de células granulares do esôfago (TCG) e o diagnóstico, conforme aponta a literatura, foi feito acidentalmente. Sabe-se que, embora pequeno, há risco de crescimento e desenvolvimento de malignidade. Além disso, são evidentes os entraves quanto ao acompanhamento desses casos, logo, de acordo com a paciente, optamos pela ressecção endoscópica. 

Os TCG foram descritos pela primeira vez por Abrikossoff em 1926 e aproximadamente 8% se desenvolvem no trato gastrointestinal, sendo o esôfago responsável por um a dois terços dos casos.

Os TCG esofágicos também podem ser:

  • Vermelhos ou branco-acinzentados
  • Raramente ulcerados
  • Origem neurogênica (derivada das células de Schwann)
  • Pequeno potencial maligno (2 a 4%)
  • Predominantes no sexo feminino e meia-idade
  • Maioria assintomático (principalmente nos menores de 2cm)
  • Achado incidental à endoscopia na sua maioria

EUS é o melhor procedimento para avaliar lesões da submucosa gastrointestinal superior e deve ser realizado em todos os pacientes com o diagnóstico de TCG esofágico, pois o tamanho do tumor e o grau de invasão são importantes para definir o método de tratamento. 

A confirmação diagnóstica pode ser realizada através de:

  • Endoscopia com biópsia (confirmação em 50-83% dos casos);
  • Ressecção endoscópica da mucosa (EMR);
  • Biópsia guiada por EUS
  • Aspiração por agulha fina guiada por EUS

Por endoscopia e EUS, os TCG são difíceis de distinguir de outros tumores submucosos, por exemplo, leiomiomas ou tumores estromais gastrointestinais e, por isso, a análise histopatológica é essencial (13).

Um potencial maligno foi relatado em 2% a 4% dos TCGs esofágicos, especialmente os maiores que 1cm. Os critérios histológicos de malignidade propostos por Fanburg-Smith ainda são discutíveis entre os patologistas, sendo a metástase o único critério de malignidade com concordância unânime. Portanto, a ressecção deve ser realizada, exceto nas lesões menores de 1 cm,  em que os relatos na literatura sugerem conduta conservadora com endoscopia e EUS.

Em geral, várias abordagens endoscópicas estão disponíveis para tratar TCG, incluindo mucosectomia auxiliada por banda elástica, viável em casos confinados à mucosa (16).

Recomendações de conduta da literatura:

  • Lesões menores que 1 cm: pode-se adotar conduta conservadora com endoscopia e/ou EUS;
  • Lesões entre 1 e 2 cm: ressecção endoscópica da mucosa (EMR);
  • Lesões entre 2 e 3 cm: ressecção endoscópica submucosa
  • Lesões maiores que 3cm, originários da muscular própria ou alta suspeita de malignidade: remoção cirúrgica com cirurgia aberta tradicional ou cirurgia toracoscópica

Nossa paciente está dentro do grupo epidemiológico mais acometido pelos tumores de células granulares do esôfago e seu diagnóstico foi estabelecido com ultrassonografia diagnóstica e USE. A conduta menos conservadora foi justificada pelo limite do risco de crescimento e potencial maligno da lesão junto às limitações de realização de séries de EDA no âmbito do sistema público de saúde do país. Em relação ao tratamento propriamente dito, optou-se por realizar a EMR com auxílio de banda elástica, devido à pequena dimensão da lesão (6 mm) e à restrição à mucosa, conforme visualizado anteriormente na USE. O procedimento foi realizado com sucesso, sem complicações, e a amostra foi enviada para estudo anatomopatológico, confirmando o diagnóstico.

Como citar este artigo

Martins SFS. Tumor de células granulares do esôfago: relato de caso com revisão da literatura. Endoscopia Terapeutica 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/tumor-de-celulas-granulares-do-esofago-relato-de-caso-com-revisao-da-literatura/