Prevenção de câncer colorretal em pacientes com doença inflamatória intestinal: estamos fazendo a coisa certa?
Introdução
Recentemente, os benefícios da colonoscopia na prevenção e redução da mortalidade por câncer colorretal (CCR) têm sido reafirmados e hoje encontram-se sedimentados na literatura.
No entanto, uma população, na qual esta proteção é especialmente necessária, talvez não esteja recebendo de forma adequada na prática. Estou falando dos pacientes portadores de doença inflamatória intestinal (IBD).
Acredita-se que a maioria dos CCRs associados a colites são originários de áreas de displasia e as Sociedades têm recomendado a vigilância colonoscópica para identificação de áreas de displasia nos pacientes diagnosticados há 8 a 10 anos, e já no diagnóstico, nos casos associados a colangite esclerosante primária. A recomendação se apoia na redução aproximadamente pela metade, na incidência e na mortalidade por CCR nessa população, quando submetida à vigilância colonoscópica. Apesar disso, estima-se nestes pacientes uma incidência de câncer de intervalo cerca de 3 vezes maior que a observada em não portadores de IBD, o que aponta para a necessidade de maiores esforços na detecção de displasia.
Estratégias para detecção de displasia
Ao longo da década passada o protocolo recomendado na intenção de aumentar a detecção de áreas de displasia incluía a realização de biópsias por quadrante, a cada 10 cm de cólon, com obtenção de ao menos 33 fragmentos. Um procedimento trabalhoso e de pouca aceitação prática. As evidências que suportavam esta recomendação eram da década de 90, quando, muito em função da qualidade das imagens endoscópicas, acreditava-se que as áreas de displasia eram indetectáveis ao exame e seriam diagnosticadas principalmente na avaliação histológica.
Ainda nos anos 2000, no entanto, a melhor qualidade das imagens endoscópicas tornou possível a detecção de áreas displásicas através da colonoscopia com luz branca, com ou sem alta definição, ou ainda com uso da cromoscopia, e as biópsias dirigidas começaram a ganhar força e suporte na literatura.
Embora o uso da cromoscopia possa ser limitado na presença de estenoses e pseudopólipos, múltiplos estudos apontaram a superioridade das biópsias dirigidas por cromoscopia, quando comparado às biópsias realizadas randomicamente.
Em 2015, o consenso internacional denominado SCENIC marcou a mudança desse paradigma. O sumário de evidências do consenso mostrou que o uso de cromoscopia trouxe um incremento de 15% na detecção global de displasia, e de 51% na detecção de displasia endoscopicamente visível, quando comparado à colonoscopia com luz branca. Quando comparado à colonoscopia de alta definição o ganho na detecção foi de 12%. O consenso então recomendou a adoção de biópsias dirigidas por cromoscopia como a técnica ideal para a detecção de displasia em pacientes com IBD.
Embora o consenso tenha sido publicado em 2015, a literatura consolidada para o SCENIC incluiu artigos publicados até 2013. E o que surgiu na literatura desde então?
Novas evidências
Segundo uma recente revisão de literatura, vários estudos foram publicados abordando a mesma comparação entre as duas estratégias. Dos seis artigos listados pela revisão apenas um não apontou para superioridade da biópsia guiada por cromoscopia.
Ainda que a recomendação das biópsias guiadas possam parecer um ganho prático quando comparado às intermináveis biópsias aleatórias, a pancromoscopia também é considerada por muitos pouco prática e demorada, o que torna natural confrontar seu desempenho com o de outras modalidades endoscópicas, atualmente disponíveis. Em uma meta-análise recente incluindo 10 estudos, a cromoscopia identificou mais áreas de displasia quando comparada à colonoscopia com luz branca em definição standard, colonoscopia com alta definição, e NBI. No entanto, na análise por subgrupo, a cromoscopia superou somente a colonoscopia convencional.
Veja também: Como realizar cromoscopia no rastreamento de displasia em casos de doença inflamatória intestinal?
Um estudo multicêntrico randomizado, prospectivo e controlado recente comparou NBI em alta definição com cromoscopia (azul de metileno). Não foi observada diferença significativa entre os dois métodos nas taxas de detecção de displasia, o que pode mostrar um potencial do NBI como alternativa mais prática, bem como de outras modalidades de melhoramento de imagem.
A colonoscopia de espectro ampliado apresentou menores taxas de perda de displasia quando comparada à colonoscopia convencional em um estudo cruzado, ambas seguidas de cromoscopia. Apesar disso, em mais da metade dos casos as áreas de displasia só foram identificadas após a cromoscopia.
Mas os desafios para a detecção de displasia e real prevenção do CCR vai além de conhecer a melhor e mais acurada tecnologia para o rastreamento e seguimento nestes pacientes. Muito provavelmente, muitos serviços de endoscopia ignoram as recomendações da literatura para uma adequada prevenção nessa população, ou têm grandes dificuldades práticas para a sua implementação, desde a adequação da agenda para procedimentos de maior duração, até a não remuneração de um procedimento especial como a pancromoscopia, ou mesmo as biópsias por quadrante, anteriormente recomendadas. Talvez caiba uma discussão franca em nosso meio sobre como pôr em prática, o melhor que as evidências científicas têm a oferecer a estes pacientes.
Referências:
- Kaltenbach T, Sandborn WJ. Endoscopy in inflammatory bowel disease: advances in dysplasia detection and management. Gastrointest Endosc. 2017;86(6):962–71.
- Laine L, Kaltenbach T, Barkun A, McQuaid KR, Subramanian V, Soetikno R. SCENIC international consensus statement on surveillance and management of dysplasia in inflammatory bowel disease. Gastrointest Endosc. 2015;81(3):489–501.
- Shergill AK, Farraye FA. Toward a consensus on endoscopic surveillance of patients with colonic inflammatory bowel disease. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2014;24(3):469–81.
- Sanduleanu S, Rutter MD. Interval colorectal cancers in inflammatory bowel disease: The grim statistics and true stories. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2014;24(3):337–48.