Paciente feminina, 82 anos, com antecedente de doença diverticular, realizou colonoscopia por queixa de dor abdominal esporádica em baixo ventre, com cerca de 4 episódios em um mês. À colonoscopia, observou-se a presença de divertículos em cólon esquerdo e direito, presença de áreas de enantema peridiverticular e na mucosa entre os divertículos, e ao menos 20 divertículos em sigmoide. Não houve dificuldade para a progressão ou retificação do aparelho.
Protrusão no leito de uma polipectomia com alça fria. Afinal, do que se trata? Ressecção incompleta? Devo me preocupar?
Embora tenha sido descrita há cerca de trinta anos, a polipectomia com alça fria (sem uso de eletrocautério) ganhou destaque crescente na última década.
Se no quesito custo a polipectomia com alça fria (PAF) se favorece, pela menor utilização de insumos, evidências de ressecção incompleta de pólipos trouxeram dúvidas quanto à eficácia da técnica. Baixas taxas de lesão residual são observadas com essa técnica, ao menos em lesões < 5 mm.
No entanto, os estudos raramente avaliam a base do leito da ressecção, dando mais atenção para seus limites laterais.
Protrusões pálidas e de aspecto fibroso são observadas com frequência nos leitos de polipectomia com alça fria (protrusão em leito de polipectomia fria – PLPF), no entanto, sua frequência, preditores e sua composição são desconhecidos. De forma empírica, alguns sugerem se tratar de produto de ressecção incompleta, estruturas vasculares ou elementos submucosos condensados mecanicamente.
Artigo comentado
O objetivo desse estudo publicado na GIE em 2015 (Tutticci N et al, 2015) foi trazer respostas para algumas dessas questões.
Estudo prospectivo observacional em centro único.
Foram incluídos pacientes que tiveram em sua colonoscopia ao menos um pólipo menor ou igual a 1 cm removido por PAF.
Foram excluídos casos onde não foi recuperado o espécime ou aqueles em que um pólipo maior que 1 cm foi retirado no mesmo procedimento.
As PLPF foram definidas como áreas elevadas no leito de ressecção e todas foram biopsiadas e enviadas à patologia separadamente.
Os desfechos primários foram a frequência e achados histológicos das PLPF.
De 102 pacientes, 88 foram considerados para análise (Figura 1). As principais indicações de colonoscopia foram investigação de sintomas (56%), seguimento endoscópico (27%), sangue oculto positivo (10%) e rastreamento (8%).
No estudo, 257 pólipos foram removidos (tabela 1). Nestes, foram identificados 36 PLPF (tabela 2). Nenhuma associação com a ocorrência de PLPF foi demonstrada por sexo, localização do pólipo, morfologia (Paris 0-IIa versus outras) ou histopatologia serrilhada.
O tamanho do pólipo foi associado com a presença de PLPF (>6 mm [28,6%] versus <6 mm [9,8%]; RR, 2,92; P < 0,001), sendo essa a única variável associada com PLPF também na análise multivariada (OR, 3,684 [95% IC, 1,788-7,593]; P <0,001).
Nas polipectomias, houve pequenos sangramentos controlados no procedimento em dois pacientes. Não houve sangramentos tardios ou outros eventos adversos.
As PLPF se mostraram frequentes (14%), estiveram associadas a pólipos maiores que 6 mm, sendo compostas, nesta amostra, predominantemente por submucosa e muscular da mucosa, sem componentes vasculares ou tecido residual do pólipo ressecado. Os autores, portanto, não apontam para a necessidade de tratamento adicional da protrusão como ressecção, ablação ou clipagem.
Há, no entanto, um ponto de atenção relativo à alta frequência da presença de muscular da mucosa nas PLPF (80%), o que levanta a possibilidade de ressecções incompletas estarem associadas à presença das protrusões. Um artigo posterior reforça essa preocupação, demonstrando maior incidência de ressecção mucosa incompleta em PAF com PLPF. Isso poderia ter maior importância em lesões com histologia mais avançada, que não estão representadas na amostra do estudo (apenas 1 caso de displasia de alto grau, sem PLPF neste caso). Os autores sugerem que a presença de PLPF no leito da polipectomia de um pólipo com displasia de alto grau poderia, hipoteticamente, apontar para a presença de tecido displásico residual.
Os autores levantam outras questões em sua discussão. Qual seria a profundidade de ressecção desejável em polipectomias com alça fria? Qual seria o impacto de diferentes desenhos de alças e diferentes características do fio na ocorrência de PLPs?
E você? Tem utilizado a técnica de polipectomia com alça fria? Como tem se comportado ao se deparar com essas protrusões?
Referências Bibliográficas
Tutticci N, Burgess NG, Pellise M, Mcleod D, Bourke MJ. Characterization and significance of protrusions in the mucosal defect after cold snare polypectomy. Gastrointest Endosc. 2015 Sep;82(3):523-8. doi: 10.1016/j.gie.2015.01.051. Epub 2015 Apr 22. PMID: 25910666.
Shichijo S, Takeuchi Y, Kitamura M, Kono M, Shimamoto Y, Fukuda H, Nakagawa K, Ohmori M, Arao M, Iwatsubo T, Iwagami H, Matsuno K, Inoue S, Matsuura N, Nakahira H, Maekawa A, Kanesaka T, Higashino K, Uedo N, Fukui K, Ito Y, Nakatsuka SI, Ishihara R. Does cold snare polypectomy completely resect the mucosal layer? A prospective single-center observational trial. J Gastroenterol Hepatol. 2020 Feb;35(2):241-248. doi: 10.1111/jgh.14824. Epub 2019 Sep 10. PMID: 31389623.
Paciente do sexo masculino, 42 anos, obeso, tabagista, com sintomas de DRGE apresenta a seguinte imagem em sua primeira endoscopia alta.
METAPLASIA INTESTINAL EM ENDOSCOPIA DE ROTINA: Tem importância? Preciso seguir?
O câncer gástrico é a terceira maior causa de morte por câncer no mundo.
O seu subtipo mais comum é o câncer gástrico não cárdico do tipo intestinal, que passaremos a chamar aqui genericamente de câncer gástrico (CG). Tem como principal fator de risco a infecção crônica pelo H. pylori, respondendo por cerca de 80% da incidência global de câncer gástrico.
Este subtipo de câncer gástrico emerge a partir de alterações histopatológicas progressivas na mucosa gástrica, conhecidas como sequência ou cascata de Pelayo Correa, que tem na infecção pelo H. pylori o seu principal gatilho. Essa sequência se inicia com a mucosa normal, passa pela gastrite não atrófica crônica, gastrite atrófica crônica, metaplasia intestinal, displasia e finalmente chega à transformação maligna.
A metaplasia intestinal gástrica (MIG) é encontrada frequentemente em exames de rotina e diversas incertezas e desconhecimentos sobre sua importância, aliados à pobre informação sobre o risco individual de câncer gástrico do paciente, geram múltiplas abordagens no manejo desse achado, mesmo entre especialistas atentos ao assunto.
Recentemente, a American Gastroenterological Association (AGA) publicou recomendações baseadas em evidências com o intuito de guiar o manejo da metaplasia intestinal na ausência de neoplasia gástrica (câncer ou displasia). O que fazer em casos de MIG?
A publicação traz as seguintes perguntas chave:
Pesquisar e tratar H. pylori alteram desfechos importantes em pacientes com MIG?
Em paciente com MIG e classificados como de baixo risco, o seguimento endoscópico altera desfechos importantes versus nenhum seguimento?
E em pacientes de alto risco?
Em pacientes sem displasia, o seguimento precoce (< 1 ano) com biópsias para determinar a extensão da MIG altera desfechos relevantes?
Desfechos relevantes bons:
Detecção precoce de CG
Redução de morbi/mortalidade
Desfechos relevantes ruins:
Potenciais complicações da endoscopia
Efeitos psicológicos ligados à ansiedade gerada pelo seguimento
Consumo de recursos
Pesquisar e tratar H. pylori alteram desfechos importantes em pacientes com MIG?
Recomendação 1: Em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA recomenda pesquisa de H. pylori seguida de erradicação. Recomendação forte, qualidade de evidência moderada.
A erradicação de H. pylori em paciente com ou sem MIG foi associada a redução de 32% no risco relativo de incidência de CG e 33% no risco relativo de mortalidade por CG, quando comparada a placebo. Os dados não foram suficientes para avaliar o impacto da erradicação de H. pylori na mortalidade por CG em pacientes com MIG confirmada. A confirmação da erradicação após o tratamento é recomendada, pela a possibilidade de falha terapêutica, mas o documento não aborda a melhor estratégia de confirmação a ser empregada.
Em paciente com MIG, classificados como de baixo risco, o seguimento endoscópico altera desfechos importantes versus nenhum seguimento?
Recomendação 2: Em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA se posiciona contrária ao seguimento endoscópico de rotina. Recomendação condicional, evidência de muito baixa qualidade.
Comentário: pacientes com metaplasia intestinal com risco aumentado de CG que acreditem numa redução na mortalidade pelo câncer (incerta) e não valorizem eventuais riscos de exames recorrentes podem aderir ao seguimento endoscópico.
Pacientes com risco aumentado incluem:
MIG incompleta;
MIG extensa (que acometa corpo gástrico);
Minorias étnicas;
Imigrantes de áreas de alta incidência.
Recomendação 3: em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA se posiciona contrária à endoscopia precoce (< 1 ano) para estratificação de risco. Recomendação condicional, evidência de muito baixa qualidade.
Sobre a não recomendação de seguimento endoscópico em pacientes com MIG, pesaram alguns pontos. A prevalência estimada de MIG é de 4,8%, fazendo com que qualquer recomendação de seguimento endoscópico traga grande impacto a uma grande proporção de pacientes. Além disso, a taxa anual de progressão para CG em indivíduos com MIG é de 0,16%, número inferior aos 0,33% ao ano estimados na progressão para adenocarcinoma esofágico em pacientes com esôfago de Barrett.
O estudo não encontrou ensaios randomizados controlados, estudos de cohort ou caso-controle avaliando o impacto do seguimento endoscópico sobre os riscos de CG em pacientes com MIG. Em razão disso, a AGA recomenda a decisão compartilhada quanto à adesão ou não a seguimento endoscópico.
Pacientes com MIG considerados com risco aumentado para CG incluem aqueles com metaplasia intestinal incompleta (3,3 x RR versus MIG completa, evidência de baixa qualidade); história familiar de CG (4,5 x RR, evidência de muito baixa qualidade) e MIG extensa (corpo gástrico + antro ou incisura) versus MIG limitada – antro e ou incisura- (2,1 x RR, com evidência de muito baixa qualidade).
O artigo menciona que, nos Estados Unidos, raramente os laudos histológicos relatam se a MIG é completa ou incompleta e o mesmo ocorre em boa parte no nosso meio. Isso limitaria a viabilidade da adoção desse critério na definição do seguimento. O entendimento da extensão da MIG depende da prática de obtenção de amostras em frascos separados nos diferentes seguimentos gástricos, outra prática pouco comum.
Pacientes com MIG com risco comum ou de alto risco, que apostem na redução do risco de CG, (mesmo na ausência de evidências diretas que a suportem) e minimizem potenciais riscos do seguimento endoscópico podem optar por aderir ao seguimento na tomada de decisão.
Não existem dados suficientes para definir o intervalo ideal entre exames no seguimento endoscópico. Com base em evidências indiretas, considerando risco cumulativo de CG em pacientes com MIG, a avaliação endoscópica pode ser feita a cada 3 a 5 anos, com estudo cuidadoso da mucosa, incluindo biópsias do corpo e antro, além de qualquer lesão suspeita.
Pacientes com risco aumentado que optem pelo seguimento endoscópico poderiam ser elegíveis para uma endoscopia precoce (< 1 ano) com o intuito de assegurar maior qualidade na endoscopia índice, revendo a extensão da MIG, obtendo amostras separadas, ou identificando outras áreas suspeitas. No entanto, a revisão técnica não encontrou evidências que suportem essa conduta.
De maneira geral, as recomendações da AGA estão alinhadas e diferem pouco das previamente publicadas pela ASGE e ESGE em pacientes com MIG. A ASGE, no entanto, recomenda o seguimento para pacientes de risco aumentado por etnia ou história familiar. Recomenda ainda a suspensão do seguimento caso haja dois exames consecutivos sem displasia. A ESGE recomenda seguimento endoscópico a cada 3 anos em pacientes com gastrite atrófica avançada ou que tenham MIG em antro e corpo, e/ou OLGA III/IV. Sugere ainda àqueles que tenham história familiar associada a esses achados que considerem redução do intervalo para 1 ou 2 anos (recomendação fraca, evidências de baixa qualidade).
Como se vê, as recomendações atuais nesse tema são muitas vezes imprecisas e dependem de fatores que dificultam a aplicação de regras uniformes e que tenham fortes evidências que as suportem. Nesse cenário, a visão individualizada e o exame cuidadoso ganham importância ainda maior na seleção dos pacientes que merecem cuidados especiais. Estar atento a dados clínicos, como a história familiar, e achados endoscópicos muitas vezes não valorizados em exames de rotina pode fazer a diferença na vida desses pacientes.
Referências
AGA Clinical Practice Guidelines on Management of Gastric Intestinal Metaplasia. Samir Gupta, Dan Li, Hashem B. El Serag, Perica Davitkov, Osama Altayar, Shahnaz Sultan, Yngve Falck-Ytter, Reem A. Mustafa. Gastroenterology. 2020 Feb; 158(3): 693–702. doi: 10.1053/j.gastro.2019.12.003
Gastric Cancer: overview. Correa, P. Gastroenterol Clin N Am 42 (2013) 211–217. doi: 10.1016/j.gtc.2013.01.002
Leitura associada
Artigo comentado: Taxa de detecção de adenomas. Até quando mensurar?
Importância:
De todos os indicadores de qualidade em colonoscopia apontados pelas sociedades, a taxa de detecção de adenoma (ADR) (figura 1), embora tenha limitações, segue como a principal maneira de acompanhar e estimar a real proteção ofertada pelo rastreamento colonoscópico.
Apesar da importância do indicador, em nosso meio, a maioria dos serviços desconhece sua própria estatística e são poucas as publicações sobre o assunto. Isso ocorre pelo fato da apuração do indicador não ser habitualmente automatizada, demandando a entrada manual de dados para posterior processamento estatístico.
Muitos colegas acabam fazendo estimativas pouco exigentes de sua ADR, o que pode levar a leituras enviesadas e pouco precisas. A adoção de ferramentas eletrônicas e uso de inteligência artificial pode mudar esse cenário em breve.
Atualmente, tem-se como limite mínimo recomendado uma ADR de 25 %, devendo-se aspirar taxas de 50%, até onde haveria aumento da proteção contra o câncer colorretal.
Artigo comentado:
Artigo recente trouxe uma provocação interessante. Qual seria a importância e a necessidade da medida contínua da taxa de detecção de adenomas em um serviço? Um colonoscopista que tenha uma ADR adequada e que permaneça estável precisaria ser continuamente acompanhado? O artigo sugere que não, e que o esforço necessário poderia ser direcionado ao acompanhamento de outros indicadores de qualidade apontados na literatura.
O estudo considera as ADRs de 11 endoscopistas em um único centro, em colonoscopias de screening, por pelo menos 05 anos. No resultado, apenas um dos endoscopistas apresentou ADR abaixo do limite mínimo recomendado de 25%, no seu primeiro ano de análise, com aumento nos anos seguintes. Cinco dos 11 médicos tiveram seguidos incrementos anuais de ADR. Nos outros seis, a ADR se mostrou estável ao longo dos anos, sendo que em nenhum dos onze foi observada queda na taxa.
Sabe-se que a prática do monitoramento da ADR em um serviço por si só aumenta a ADR. Não se sabe se a interrupção do monitoramento levaria a uma queda e em que grandeza, no entanto.
O estudo sugere que o período de observação da ADR pode ser mais curto para aqueles que tenham altas taxas de detecção de adenoma. Para os demais, no entanto, monitoramento intermitente e por períodos mais longos ajudaria num aumento contínuo da ADR até os 50%.
O autores comentam que se seus achados forem reforçados por outros estudos futuros, isso facilitaria o monitoramento de outros indicadores de qualidade, e que o monitoramento intermitente tornaria a medida de ADR mais factível para endoscopistas ou serviços que atualmente não acompanham o indicador.
Orientação:
O autores do editorial que menciona o artigo ponderam que avaliar a medida contínua de ADR deve considerar seu efeito na incidência de CRC pós-colonoscopia (alvo final da detecção de adenomas), e que embora o custa de acompanhar ADR possa ser substancial em alguns ambientes, o custo de lidar com CRC é frequentemente maior. Comentam ainda que se há benefício em aumentar a ADR além do mínimo de 25%, também deve haver benefício na medida contínua da ADR, antes de considerar alocar esforços em outros indicadores como qualidade do preparo, taxa de intubação cecal, tempo de retirada e intervalos de seguimento.
REFERÊNCIAS:
Implications of stable or increasing adenoma detection rate on the need for continuous measurement. Gastrointestinal Endoscopy Vol. 95, Issue 5p948–953.e4 Published online: October 20, 2021. Ahmed El Rahyel, Krishna C. Vemulapalli, Rachel E. Lahr, Douglas K. Rex.DOI: https://doi.org/10.1016/j.gie.2021.10.017
Colonoscopy quality: if you cannot measure it, you cannot improve it. Gastrointestinal Endoscopy Vol. 92, Issue 1p163–165 Published in issue: July, 2021 Nastazja D. PilonisMichal F. Kaminski.DOI: https://doi.org/10.1016/j.gie.2020.03.3849
Caso clínico: Lesão verrucóide em reto distal.
Caso:
Paciente do sexo feminino, 62 anos. Primeira colonoscopia, realizada para rastreamento de câncer colorretal. À retrovisão no reto, nota-se a presença da seguinte lesão:
Foi realizada biópsia da lesão e o anátomo patológico revelou a presença de uma lesão intraepitelial escamosa grau II (alto grau) associada a alterações citológicas sugestivas de infecção pelo HPV.
Discussão:
A lesão condilomatosa anal é uma doença sexualmente transmissível associada à infecção pelo papiloma vírus humano (HPV) e ocupa a posição de DST mais comum em homens homossexuais jovens.
Embora a infecção possa seguir latente e assintomática, muitos desenvolvem lesões verrucosas genitais ou perianais, com potencial evolução para displasia e malignidade.
O condiloma é um achado frequente na prática da colonoscopia. A apresentação mais comum é a presença de lesões polipoides esbranquiçadas verrucoides e de consistência fibrosa, localizadas junto à linha pectínea, emergindo do canal anal, muitas vezes com extensão até a mucosa retal, podendo também acometer a mucosa retal isoladamente. À magnificação, notam-se capilares espiralados e alongados. Embora seja de identificação relativamente simples, um exame menos cuidadoso do reto distal, preparo inadequado ou mesmo a não realização da retrovisão pode limitar o diagnóstico.
Cerca de 12% dos carcinomas de células escamosas do reto estão associados a lesões condilomatosas.
São fatores de risco para displasia e carcinoma escamoso anal a prática de coito anal passivo desprotegido, histórico de doença do trato genital mediada pelo HPV, tabagismo, infecção pelo HIV, baixa contagem de CD4 e outras formas de imunossupressão.
A incidência de neoplasia intraepitelial anal (AIN) na população geral não é conhecida, no entanto, não parece ser desprezível mesmo em pacientes sem fatores de risco. Um estudo retrospectivo em uma comunidade relatou uma taxa de detecção de AIN/colonoscopia de 1/261 (95% CI 1/142–1/480) para todas as colonoscopias e 1/163 (95% CI 1/83–1/321) nas mulheres com mais de 40 anos de idade.
O exame cuidadoso da borda anal deve ser estimulado e valorizado no treinamento e na prática da colonoscopia, independente da presença de fatores de risco do paciente para lesões do canal anal.
Exames de rastreamento são uma boa oportunidade para a deteccão incidental de lesões com potencial maligno, ampliando o benefício de programas de rastreamento do câncer colorretal.
Forbes CM, McCloskey J, Forbes GM. Opportunistic detection of anal intraepithelial neoplasia at colonoscopy. JGH Open. 2020 Oct 14;4(6):1207-1210. doi: 10.1002/jgh3.12424. PMID: 33319057; PMCID: PMC7731801.
Byars RW, Poole GV, Barber WH. Anal carcinoma arising from condyloma acuminata. Am Surg. 2001;67:469–472
Quiz
Quiz: colonoscopia por hematoquezia
Paciente do sexo feminino, 50 anos, realizou colonoscopia por hematoquezia, alterações do hábito intestinal e distensão abdominal há 2 meses. Nos antecedentes pessoais, trazia história de hipertensão arterial e diagnóstico de granulomatose de Wegener. A lesão da imagem foi observada em transição retossigmoide.
Impactos da pandemia por Covid-19 na prevenção do câncer colorretal
Como sabemos, o assunto Covid-19 parece estar longe de deixar os holofotes e as discussões médicas, especialmente após a retomada do número de casos novos, aumento de óbitos, novas variantes, imposição de restrições à circulação e sobrecarga dos sistemas de saúde, observados desde o início deste ano. Embora os esforços de vacinação continuem, infelizmente seus efeitos tardarão a chegar, ao menos para o retorno das rotinas de saúde. Nesse cenário, a atenção a outras condições de saúde seguirá comprometida por mais algum tempo.
Em nossa especialidade, um ponto de preocupação é o impacto da pandemia no rastreamento do câncer colorretal (CCR). A redução drástica na realização de cirurgias eletivas, bem como de colonoscopias, observada desde o ano passado em todo o mundo certamente trará consequências. Quais seriam? Como reduzir esse impacto?
O adiamento de procedimentos eletivos traz grande impacto na condução adequada de pacientes com CCR. Um estudo do Reino Unido, por exemplo, aponta que um atraso na abordagem cirúrgica em todos os tipos de tumores sólidos, por 3 meses, traria em 1 ano 4.755 mortes adicionais, passando a uma estimativa de 10.760 mortes quando considerado um atraso de 6 meses. Destas, 2.980 mortes seriam atribuídas ao câncer colorretal.
As figuras 1 e 2 demonstram a redução de procedimentos endoscópicos no Reino Unido, bem como a de exames motivados por rastreamento de CCR. O mesmo ocorreu e foi relatado em diversos outros países. Na figura 3, é possível observar a queda expressiva do número de CCR detectados e o aumento no número de procedimentos por câncer detectado.
Figura 1: número de procedimentos endoscópicos por semana de janeiro a maio de 2020, geral e por tipo de
procedimento – British Society of Gastroenterology.
Figura 2: número de colonoscopia e sigmoidoscopias do programa de rastreamento de CCR, de janeiro a maio de 2020 – British Society of Gastroenterology.
Figura 3: números de CCR detectados e número de procedimentos por câncer detectado – British Society of Gastroenterology.
Um estudo japonês, baseado nos dados de um hospital terciário, relatou um aumento de cerca de 100% na incidência de CCR obstrutivo com necessidade de descompressão, assim como um aumento significativo de pacientes com CCR sintomático admitidos no pronto atendimento, quando comparado ao período anterior à declaração do estado de emergência por Covid-19.
A preocupação deve ir além se considerarmos o limitado acesso de algumas populações à colonoscopia. Ainda que suspensas as limitações para a realização dos procedimentos, muitos não terão a possibilidade de retomar o rastreamento de forma adequada por incapacidade dos sistemas de saúde em absorver a demanda represada no período mais crítico da pandemia. Mesmo em programas de rastreamento baseados em teste de sangue oculto fecal, o impacto parece ser relevante. Um estudo com modelo de simulação considerando a suspensão de programas de diferentes países (Holanda, Canadá e Austrália) por período de tempo variável (3, 6 e 12 meses) aponta para um impacto marcante na incidência e morte relacionada ao CCR entre 2020 e 2050.
Embora muitas das recomendações colocadas na literatura não sejam aplicáveis ao nosso meio, em que predomina o “livre acesso” aos exames e programas de rastreamento são raros, vale mencionar algumas medidas para redução do impacto da pandemia sobre o rastreamento do CCR, tão logo se considere apropriado, levando-se em conta a realidade local da transmissão do Sars-CoV-2:
Adoção de medidas que busquem aumentar a adesão ao rastreamento;
Cumprimento dos cuidados recomendados para prática segura de procedimentos endoscópicos e dar visibilidade;
Promoção de educação e orientação aos pacientes e médicos solicitantes sobre a importância do rastreamento;
Encorajar o uso de modalidades não invasivas de rastreamento (sangue oculto);
Ampliação da capacidade de centros de colonoscopia;
Considerar priorização por idade, sexo, antecedentes clínicos ou sangue oculto +;
Seguir recomendações de seguimento, evitando sobreuso da colonoscopia;
Considerar adoção dos limites superiores dos intervalos recomendados para seguimento.
Como citar este artigo
Rodrigues R. Impactos da pandemia por Covid-19 na prevenção do câncer colorretal. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em:
Referências
De Jong et al. Impact of the COVID-19 pandemic on faecal immunochemical test-based colorectal cancer screening programmes in Australia, Canada, and the Netherlands: a comparative modelling study. Lancet Gastroenterol Hepatol 2021; 6: 304–14. DOI: 10.1016/S2468-1253(21)00003-0
Mizuno R et al. The number of obstructive colorectal cancers in Japan has increased during the COVID 19 pandemic: A retrospective single-center cohort study. Annals of Medicine and Surgery – 60, December 2020, Pages 675-679 DOI: 10.1016/j.amsu.2020.11.087
Sud A et al. Collateral damage: the impact on outcomes from cancer surgery of the COVID-19 pandemic, Annals of Oncology (2020), doi: https://doi.org/10.1016/j.annonc.2020.05.009.
COVID-19 has reduced overall cancer diagnostics and led to reductions in cancer diagnoses by between 26% (non-skin cancer) and up to 60% (skin cancer). Rutter MD, et al. Gut 2021;70:537–543. doi:10.1136/gutjnl-2020-322179
Afinal, endoscopia digestiva alta produz mesmo aerossol?
Artigo: Aerosols Produced by Upper Gastrointestinal Endoscopy: A Quantitative Evaluation
Am J Gastroenterol 2021;116:202–205. https://doi.org/10.14309/ajg.0000000000000983
Há alguns meses, aqui no Endoscopia Terapêutica, trouxemos uma breve discussão sobre aerossóis e transmissibilidade do Sars-Cov2 na prática endoscópica.
Como colocado no post anterior (veja mais), até recentemente, a endoscopia digestiva estava fora da lista de procedimentos geradores de aerossóis (AGP). Na verdade, até o momento da redação deste artigo, o site do CDC, Centers for Disease Control and Prevention (atualizado em 07 jan 21), não inclui a endoscopia digestiva na lista de AGPs, embora reconheça que a lista não é definitiva (figura 1).
Figura 1- Procedimentos geradores de aerossol, segundo o CDC. Excerto de https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/faq.html#Transmission
Até o momento, havia apenas a evidência de disseminação bacteriana demonstrada por culturas de amostras de face shields usadas por endoscopistas.
Uma correspondência publicada em outubro de 2020 no American Journal of Gastroenterology, no entanto, trouxe maior consistência ao que já é empiricamente assumido pela maior parte dos especialistas.
O experimento quantificou a geração de partículas de aerossol observada durante 105 endoscopias digestivas altas consecutivas, em comparação com um grupo controle no qual uma endoscopia foi simulada (90 simulações). Um artefato plástico cúbico, usado no serviço como forma de limitar a transmissão associada aos procedimentos, foi utilizado. O artefato conta com duas pequenas passagens que dão acesso ao endoscópio e a um contador óptico de partículas sensível a partículas entre 0,3 e 10 mm (figura 2).
Ilustração da posição do endoscópio e contador de partículas em artefato plástico utilizado no estudo. Am J Gastroenterol 2021;116:202–205. https://doi.org/10.14309/ajg.0000000000000983
As contagens foram realizadas antes, durante e após a realização das endoscopias e em tempos equivalentes no grupo controle, e os valores comparados.
O incremento de partículas entre as amostras “antes” e “durante” foi maior no grupo endoscopia do que no grupo controle (P <0,001), bem como “antes” e “após” o procedimento (P<0,001). O mesmo resultado foi observado na contagem absoluta de partículas “durante” no grupo endoscopia (P=0,006), quando comparado ao grupo controle.
No grupo endoscopia, 60 pacientes foram considerados como apresentando aerossolização elevada (>2x desvio padrão do grupo controle). Índice de massa corporal (IMC) e eructação foram fatores significantes relacionados ao aumento da aerossolização durante a endoscopia na análise univariada (P=0,020 e 0,018, respectivamente) e na análise de regressão logística multivariada (P=0,033 e 0,025, respectivamente).
Os autores ressaltam a necessidade de uma sedação adequada e de insuflação cuidadosa para minimizar os riscos associados à eructação. Sugerem ainda a adoção de artefato semelhante ao usado no estudo para limitar a disseminação das partículas no ambiente. Ainda, consideram sua amostra relativamente pequena e a necessidade de estudos com maior número de pacientes. Embora haja diferença estatística entre os grupos quanto à idade média e aos antecedentes clínicos, os autores não fazem menção em sua breve discussão.
Embora tenha fragilidades, o estudo reforça a necessidade de manutenção dos cuidados, utilização de equipamentos de proteção individual e atenção à possibilidade de contaminação por via aérea, seja em casos suspeitos, sabidamente positivos e mesmo em assintomáticos sadios.
Rodrigues R. Afinal, endoscopia digestiva alta produz mesmo aerossol?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/afinal-endoscopia-digestiva-alta-produz-mesmo-aerossol/