Tratamento da infecção recorrente por Clostridium utilizando transplante de microbiota fecal

 

Artigo publicado na revista Clin Exp Gastroenterol. 2014, por Rahul Pathak e col

 

A infecção pelo Clostridium difficile (ICD) tornou-se uma preocupação global na última década. Nos Estados Unidos, houve um aumento escalonado  na incidência no período de 1996 a 2005, de 31 casos para 64/100.000 habitantes. Em 2010, houve 500.000 casos de ICD, com uma mortalidade estimada de até 20.000/ano. A importância deste problema torna-se mais evidente à partir dos custos hospitalares de mais de 3 bilhões de dólares por ano.

O transplante de microbiota fecal (TMF) foi descrito pela primeira vez em 1958 e, desde então, cerca de 500 casos foram publicados na literatura em várias séries e em diversos relatos. Este procedimento tem sido realizado principalmente em centros fora dos Estados Unidos, porém a aceitação de sua prática tem sido difícil.

Recentemente a Food and Drug Administration (FDA) rotulou o transplante de fezes como sendo uma droga biológica; e que futuramente diretrizes serão necessárias para ajudar a estabelecê-lo como um tratamento padrão. Mais desses procedimentos precisarão ser realizados nos EUA para que o método popularize-se e que diretrizes possam ser estabelecidas.

 

Método

Revisão retrospectiva de série de pacientes com infecção pelo Clostridium difficile que foram tratados com transplante de microbiota fecal ao longo de um período de 3 anos.

 

Resultados

  • 12 pacientes foram submetidos ao TMF , sendo 4 homens e 8 mulheres
  • Idades variaram de 37-92
  • O seguimento variou de 2-30 meses
  • Todos apresentavam ICD grave não-responsivas aos tratamentos convencionais
  • Apenas um paciente não respondeu e exigiu um segundo TMF.
  • Não houve complicações associadas ao transplante e todos os pacientes tiveram resolução dos sintomas dentro de 48 horas após o transplante.

 

Conclusão

O transplante de microbiota fecal para as infecções recorrentes e graves por C. difficile é barato, bastante disponível e extremamente eficaz. Pode ser realizado com segurança em hospitais que não sejam centros de referência com resultados semelhantes aos apresentados nos grandes centros.

Comentário

A aceitação do transplante fecal ainda é difícil. A noção de doação de fezes não é tão nobre como a doação de um rim ou parte do fígado. Os resultados, no entanto, são incomparavelmente melhores. As taxas de sucesso do transplante fecal têm se mostrado muito superiores aos tratamentos padrões atualmente disponíveis. A aceitação do TMF melhora quando a taxa de sucesso é exposta aos membros da família.

O TMF apresenta benefícios com base em evidências. Seu primeiro relato foi em 1958 e ficou “esquecido” durante décadas, até que em 2013 um grupo holandês publicou no New England Journal of Medicine um ensaio clínico comparando 3 grupos de pacientes, onde dois deles eram submetidos a antibioticoterapia e um recebia o TMF através da infusão fecal pelo duodeno. Esse estudo revelou uma taxa de cura de 94% nos pacientes que receberam o transplante de fezes em comparação a taxas bem menores dos outros dois grupos (23 e 31%). Esse trabalho colocou novamente o tranplante fecal em evidência no meio científico, deixando de ser um procedimento pouco atraente para o ponto onde os médicos começaram a falar sobre suas altas taxas de cura em estudos posteriores. O ressurgimento dessa terapia nos últimos anos, pode ter sido impulsionado pelos elevados custos gerados com tratamentos padrões, o aumento da incidência de doença recorrente, e a morbidade que provocada a esses pacientes.

 

Atualmente são raros os serviços no Brasil que já realizaram essa modalidade terapêutica, porém acreditamos que com esses resultados expressivos corroborados por diversos estudos, e associados ainda, a raros efeitos colaterais e ao baixo custo, seu emprego tende a difundir-se  para se tornar o padrão-ouro em casos recorrentes onde houve falha do tratamento convencional.

 

Referência do artigo original:

Pathak R, Enuh HA, Patel A, Wickremesinghe P. Treatment of relapsing Clostridium difficile infection using fecal microbiota transplantation. Clinical and Experimental Gastroenterology. 2014;7:1-6. doi:10.2147/CEG.S53410. Link do artigo

 




QUIZ ! O que fazer frente a esta complicação?

Paciente feminina, 87 anos, acamada devido a estado avançado de Mal de Alzheimer. Solicitaram gastrostomia endoscópica para complementação nutricional. No momento do procedimento você identifica a complicação mostrada na imagem abaixo. O que fazer ?

Hematoma na parede gástrica após gastrostomia endoscópica pela técnica de tração (Ponsky)




Varizes de colédoco : uma causa rara de hemobilia.

Varizes de colédoco são uma causa rara de hemobilia.  Na maioria das vezes associa-se a hipertensão portal secundária a hepatopatia crônica. Abaixo apresentamos um caso de hemobilia grave devido a ruptura de varizes coledocianas.
Uma paciente do sexo feminino, com 54 anos, portadora de hepatopatia crônica (Child C) e hipertensão portal (varizes de esôfago erradicadas e gastropatia congestiva moderada) foi caminhada ao setor de endoscopia. Ela apresentava icterícia (++/+4), desconforto em hipocôndrio direito, febre de 38,4 ºC,  taquicardia (112 bpm/min) e havia realizado uma tomografia computadorizada (TC) de abdome que identificou vias biliares intra e extra-hepáticas dilatadas com falhas de enchimento sugestivas de cálculos.
A solicitação de CPRE foi baseada no diagnóstico de colangite e nas imagens sugestivas de cálculos pela TC.
Durante o exame, após a papilotomia, foi realizada a varredura com balão extrator na tentativa de remover os supostos cálculos identificados na tomografia. Porém, logo foi percebido que tais falhas de enchimento não correspondiam a litíase, mas sim a varizes coledocianas que se projetavam para a luz do colédoco simulando imagens de cálculos. Após essa constatação, que foi logo após a primeira varredura balonada, notou-se sangramento vultuoso. Tentada hemostasia mecânica por compressão do balão contra a parede do colédoco, sem sucesso.
Optado pela passagem de prótese metálica, auto expansível e totalmente recoberta (80 mm x 10 mm), obtendo a parada completa da hemorragia.
 

 
A paciente permaneceu internada por 5 dias na unidade de terapia intensiva, porém foi a óbito por choque séptico refratário secundário à colangite.
Relatamos um caso de obstrução das vias biliares por varizes de colédoco seguida de colangite grave e complicado por hemobilia vultuosa. Apesar de ser uma causa rara de sangramento, as varizes coledocianas devem ser incluídas no diagnóstico diferencial de hemobilia ou estenoses biliares sem causa aparente em pacientes com hipertensão portal. O diagnóstico prévio é particularmente importante, uma vez que não reconhecidas podem resultar em hemorragia grave durante procedimentos endoscópicos envolvendo o trato biliar.
Caso gentilmente cedido pelo Dr. Marcos Lera – Médico Assistente do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP 




QUIZ ! Retocolite Ulcerativa

Retocolite em atividade moderada




Neoplasia Mucinosa Papilar Intraductal (IPMN)

Paciente masculino de 84 anos foi referenciado ao nosso serviço com história de dor abdominal, perda de peso, prurido e icterícia há 3 meses. Os exames laboratoriais demonstraram colestase. Realizada TC de abdômen que evidenciou lesão expansiva em topografia da cabeça pancreática associada a dilatação do Wirsung e múltiplas lesões císticas distribuídas pelo corpo (imagem abaixo).

 

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Após a passagem do aparelho até a segunda porção duodenal, observou-se a papila maior em posição habitual, porém o ducto pancreático encontrava-se entreaberto, com saída de secreção espessa, e separado do óstio do ducto biliar (Figuras 1 e 2).

 

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A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) evidenciou estenose segmentar curta do colédoco distal e do ducto de Wirsung com dilatação de ambos os ductos a montante (Figura 3). Realizamos papilotomia tática (Figura 4) seguida da passagem de endoprótese biliar plástica – 10 Fr x 7 cms – (Figura 5). Paciente foi contra-referenciado ao serviço de origem para complementação terapêutica.

 

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Imagens gentilmente cedidas pelo Dr. Marcos Lera – Médico Assistente do HC-FMUSP e do Hospital Israelita Albert Einstein.

Discussão

A neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) é um tumor cístico do pâncreas. Os primeiros relatos de IPMN datam do início da década de 80. Sua incidência ainda é desconhecida, porém a prevalência dessas neoplasias em um estudo realizado com a população de Minessota nos Estados Unidos, mostrou 2.04 casos para cada 100.000 hab. A etiologia permanece obscura, mas a evidência atual sugere o envolvimento de várias vias responsáveis pelo aparecimento da neoplasia, incluindo uma associação com síndromes hereditárias. Os IPMNs ocorre mais comumente nos homens, com idade média ao diagnóstico entre 64 e 67 anos. No momento do diagnóstico podem ainda ser benignos, com ou sem displasia, ou francamente malignos se apresentando já como um carcinoma invasivo. Em geral, os pequenos IPMNs localizados nos ramos secundários são benignos, particularmente em doentes assintomáticos. Nesses casos podem ser seguidos de forma conservadora. Em contraste, os tumores do ducto principal devem ser ressecados e cuidadosamente examinados à procura de um componente invasivo. Na ausência de invasão, a sobrevida é excelente (94-100%). Mesmo os doentes em que se faz o diagnóstico de carcinoma invasivo (IPMNs associados) , o prognóstico é melhor do que aqueles que apresentam adenocarcinoma ductal, com uma sobrevida de 5 anos de 40% a 60% em algumas séries. No entanto, nenhuma vantagem de sobrevida pôde ser demonstrada em relação aos tipos histológicos (tubular convencional versus mucinosos). Diversas variantes histomorfológicas são reconhecidas, embora o significado clínico desses “subtipos” ainda não está bem definido.

 

Bibliografia

 

1. Modolell I, Guarner L, Malagelada JR. Vagaries of clinical presentation of pancreatic and biliary tract cancer. Ann Oncol 1999; 10 Suppl 4:82.

2. Porta M, Fabregat X, Malats N, et al. Exocrine pancreatic cancer: symptoms at presentation and their relation to tumour site and stage. Clin Transl Oncol 2005; 7:189.

3. Varghese JC, Farrell MA, Courtney G, et al. Role of MR cholangiopancreatography in patients with failed or inadequate ERCP. AJR Am J Roentgenol 1999; 173:1527.

4. K. M. Reid-Lombardo, J. St Sauver, Z. Li, W. A. Ahrens, K. K. Unni, and F. G. Que, “Incidence, prevalence, and management of intraductal papillary mucinous neoplasm in Olmsted County, Minnesota, 1984–2005: a Population Study,” Pancreas, vol. 37, no. 2, pp. 139–144, 2008.




Dieta pobre em resíduos vs dieta líquida antes da colonoscopia: uma metanálise de trabalhos randomizados e controlados

A colonoscopia é extremamente importante para a identificação e remoção de pólipos. O preparo intestinal antes do exame é essencial para visualização adequada da mucosa. Tradicionalmente, os pacientes são instruídos a consumir apenas líquidos claros no dia anterior ao procedimento, no entanto, estudos recentes mostram resultados variados em relação a adoção de uma dieta pobre em resíduos versus uma dieta líquida na véspera da colonoscopia.
Objetivo:

Realizar revisão sistemática e metanálise de estudos comparativos onde dois grupos de pacientes foram submetidos a colonoscopia e consumiram uma dieta líquida (DL) versus dieta pobre em resíduos (DPR), na véspera do exame.

Métodos: Pesquisa nos bancos de dados: Scopus, PubMed / MEDLINE, Cochrane, e CINAHL.

A análise foi realizada usando os modelos DerSimonian e Laird Mantel-Haenszel, ou com o odds ratio (OR). Sendo os desfechos: qualidade do preparo, tolerabilidade, vontade de repetir a dieta e efeitos adversos.

Resultados: Nove estudos (1686 pacientes) foram incluídos.

O grupo de pacientes que consomem uma DPR comparado ao grupo da DL apresentou taxas significativamente maiores de tolerabilidade (OR 1,92; IC 95%, 1,36-2,70; P <0,01) e vontade de repetir o preparo (OR 1,86; IC 95%, 1,34-2,59; P < 0,01), sem diferenças em relação a qualidade do preparo (OR 1,21; 95% CI, 0.64-2.28; PZ 0,58) ou efeitos adversos (OR 0,88; IC 95%, 0,58-1,35; PZ 0,57).

Conclusão: Uma DPR antes da colonoscopia resultou em melhor tolerabilidade pelos pacientes e uma maior vontade de repetir o preparo. Não houve diferenças quanto aos efeitos adversos ou qualidade do preparo. Esse resultado sugere que a dieta líquida deva ser substituída pela dieta pobre em resíduos.

Comentário:

O resultado desse estudo é no mínimo questionável devido ao grande número de vieses, sendo um dos principais a ausência de dados sobre o nível de instrução e compreensão dos pacientes. Esse tipo de viés tende a ser maior em países em desenvolvimento. Nessa metanálise, 200 pacientes do Líbano estão incluídos. Não que esse seja um fator determinante para dizer que o resultado desse estudo está completamente equivocado, mas não há dúvidas que isso deva ser levado em consideração. Explico o porquê. Notem; no Brasil todos sabemos que há diferenças brutais entre os sistemas público e privado, não só em relação a qualidade do atendimento e a infraestrutura, mas também em relação ao grau de instrução e compreensão dos pacientes, portanto esse fato não pode ser menosprezado, e obviamente isso influencia no resultado final do presente trabalho. Sabemos que a orientação dos pacientes para a realização do preparo da colonoscopia (dieta e as medidas a serem adotadas na véspera) é fundamental para que a preparação intestinal tenha sucesso. Não é raro em nossa prática clínica, observarmos algumas situações que contradizem o resultado desse estudo. Diversas vezes quando adotamos uma dieta líquida restrita conseguimos um preparo de melhor qualidade em comparação com a dieta pobre em resíduos; isso se torna mais evidente quando os pacientes apresentam níveis socioculturais mais baixos.

Apesar dessa metanálise ser composta por trabalhos randomizados, há outros vieses que também contribuem para diminuir a relevância do seu resultado, são eles:

  • A metanálise é composta de estudos de baixa qualidade: dos 9 estudos selecionados, 5 apresentam pontuação 3 na escala de Jaddad (moderada qualidade) e 4 apresentam pontuação 2 (baixa qualidade).
  • A substituição das dietas pobres em resíduos variou: alguns permitiram essa dieta somente pela manhã, outros em duas refeições, e alguns substituíram as três refeições.
  • Foram adotados diferentes tipos de soluções para o preparo.
  • Alguns estudos usaram dietas pré-fabricadas e outros dietas baseadas em protocolos próprios.
  • As escalas de avaliação do preparo não foram as mesmas.
  • Os estudos incluídos nessa metanálise foram baseados em “abstracts”.

 

 

E como discutido anteriormente, algumas questões essenciais que precisavam ser respondidas:

  • Como foi feita a orientação do preparo (email, telefone, internet, pessoalmente)?
  • O nível de escolaridade dos pacientes?
  • Foram preparos domiciliares ou hospitalares?

 

 

Em resumo, o resultado do presente estudo deve ser visto com parcimônia. Estudos com menos vieses são necessários para se chegar à uma conclusão mais precisa sobre esse tema.

Link do artigo: Nguyen DL, Jamal MM, Nguyen ET, Puli SR, Bechtold ML. Low-residue versus clear liquid diet before colonoscopy: a meta-analysis of randomized, controlled trials. Gastrointest Endosc. 2016;83(3):499-507.




Cromoendoscopia com ácido acético na vigilância do esôfago de Barrett é superior ao protocolo padronizado de biópsias aleatórias : resultados obtidos através de um grande estudo de coorte

Esse paper foi publicado na revista Gastrointestinal Endoscopy (GIE) em setembro de 2014.

Atualmente, várias tecnologias  endoscópicas estão disponíveis para realização de cromoscopia , digital ou óptica, com diferentes taxas de sucesso. Essas tecnologias são fabricantes-dependente (Fujinon-FICE, Olympus-NBI, Pentax-iScan) e têm implicações financeiras na atual era de austeridade financeira . O ácido acético é um corante de contraste, barato e  bastante disponível, que é utilizado na detecção de neoplasia em pacientes com esôfago de Barrett . Estudos demonstram sua eficácia na detecção de neoplasia em subgrupos de risco elevado para câncer (por ex: adenocarcinoma em pacientes com Barrett), mas a sua eficácia em pacientes onde há uma baixa prevalência de neoplasias seu papel ainda não está estabelecido.

 

Objetivo : Este estudo teve como objetivo investigar a eficácia da cromoendoscopia com  ácido acético no esôfago de Barrett em uma população sob vigilância de adenocarcinoma. O objetivo foi comparar a taxa de detecção de neoplasia com a cromoendoscopia com ácido acético (CAA) versus a taxa de detecção de neoplasia com biópsias aleatórias padronizadas (BAP) na vigilância de rotina de pacientes com esôfago de Barrett.

Desenho: Estudo de coorte retrospectivo (histórico).

Local : Hospital terciário de referência no Reino Unido

Pacientes: pacientes maiores de 18 anos com diagnóstico de esôfago de Barrett e em porgrama de vigilância para neoplasia

Intervenções : taxa de detecção de neoplasia com CAA versus BAP na vigilância esôfago de Barrett.

Resultados

  • Pacientes submetidos à biópsias aleatórias padronizadas (BAP) : 655
  • Displasia de alto grau encontrada nesse grupo : 7/655
  • Câncer T1 encontrado nesse grupo : 3/655
  • Displasia de baixo grau encontrada nesse grupo : 3/655
  • Total : 13/655 (2%)

 

  • Pacientes submetidos à cromoendoscopia com ácido acético (CAA): 327
  • Displasia de alto grau encontrada nesse grupo : 18/327
  • Câncer T1 encontrado nesse grupo : 14/327
  • Displasia de baixo grau encontrada nesse grupo : 9/327
  • Total : 41/655 (12,5%)

 

CONCLUSÕES

Este é o primeiro estudo que avalia a eficácia do uso de ácido acético como corante de contraste em uma população sob vigilância . Ele demonstra que o  ácido acético detecta mais neoplasias do que as biópsias aleatórias e exige 15 vezes menos biópsias para detectar neoplasias.

Limitações

Os resultados desse trabalho realmente são surpreendentes, principalmente se levarmos em conta que o braço que fez uso do ácido acético necessitou de 15 vezes MENOS biópsias para detectar 6 vezes MAIS neoplasias em comparação com o braço de biópsias aleatórias. Além do impacto do tempo gasto na realização de todas essas biópsias “desnecessárias”, talvez o fator mais relevante seja o custo-benefício do grupo submetido a cromoendoscopia com ácido acético, afinal além de grande redução no número de biópsias necessárias para detecção de neoplasia nessess pacientes, é um corante de contraste barato e extensivamente disponível. A grande limitação desse estudo é a não randomização da amostra, porém com esses resultados impactantes, acredito que seja um argumento convincente para que trabalhos randomizados e controlados venham a ser realizados em um futuro próximo.

Link para o artigo original :

http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0016510714001059

 




Estratégia diagnóstica integrada para estimar a profundidade de invasão de câncer gástrico precoce por endoscopia convencional e EUS

Estudo artigo foi publicado pela revista GIE em abril de 2015.

Resumo do estudo:

Trabalho retrospectivo realizado em um único centro no Japão, com o intuito de se criar critérios endoscópicos que possam prever a invasão maciça da submucosa (> 500 µm) e criar um fluxograma de conduta combinando endoscopia convencional (EC) e ultrassom endoscópico (EUS) em pacientes com câncer gástrico precoce.

Métodos

• 230 pacientes com câncer gástrico precoce foram estudados entre o período de abril de 2007 e março de 2012.
• Todos realizaram endoscopia convencional (com luz branca) seguida de ultrassom endoscópico (miniprobe com sondas de 12 ou 20 MHz) antes do tratamento definitivo.
• Após essa etapa, foram tratados com cirurgia (gastrectomia) ou com ressecção endoscópica da submucosa (ESD), respeitando as indicações.
• Durante o estudo anatomopatológico (AP) as lesões foram classificadas em duas categorias :
SM1 (< 500 µm) SM-M (≥ 500µm).
• Após serem classificadas, as imagens capturadas durante a endoscopia foram mostradas para 3 endoscopistas (A, B e C) experientes (10,10 e 7 anos, respectivamente), porém eles foram cegados em relação a avaliação do anatomopatológico (AP).
• Os critérios estabelecidos previamente que indicavam lesões SM-M foram: lesões ≥ 30mm, superfície irregular, bordas elevadas e espessadas; e convergência de pregas.
• Os 3 endoscopistas também avaliaram as imagens do EUS onde, quando as lesões encontravam-se na primeira e segunda camadas eram consideradas lesões intramucosas e a invasão da submucosa foi definida como acometimento da terceira camada.

Criação do fluxograma de conduta (vide anexo)

Fluxograma sugerido pelos autores

Fluxograma sugerido pelos autores

• Os critérios diagnósticos para invasão submucosa foram criados usando os recursos endoscópicos por um endoscopista (A), com referência no diagnóstico histopatológico como o critério padrão após análises estatísticas . A acurácia diagnóstica dos critérios foi estimada e comparada entre a endoscopia convencional e os achados ultrassonográficos. Além disso, os pacientes que foram classificados como tendo invasão da submucosa na endoscopia também realizaram EUS para determinar o real benefício da desse exame nesses casos.
• Os critérios foram validados pelos outros dois endoscopistas (B e C) avaliando-se a acurácia diagnóstica e a concordância interobservador.
• Após análise estatística, os investigadores definiram os critérios sugestivos de invasão submucosa como sendo : as lesões com superfícies irregulares e/ou com bordas elevadas. Quando a lesão apresentava ao menos uma dessas características a acurácia diagnóstica foi de 76.5% e quando se realizou o EUS esse valor subiu para 79.1%, porém sem uma diferença significativa.

Resultados

➢ 90% (207) eram lesões planas
➢ 90% (207) eram lesões bem diferenciadas
➢ 23% (53) apresentava convergência de pregas
➢ 84.8% (195) eram lesões SM1
➢ 15.2% (35) eram lesões SM-M
➢ 92.7% (153/165) das lesões SM1 foram corretamente diagnosticados pela endoscopia convencional
➢ 64.6% (42/65) das lesões diagnosticadas como sendo SM-M eram na verdade SM-1, ou seja foram superdiagnosticadas.
➢ 61.9% (26/42) dos casos onde houveram superdiagnósticos foram reclassificados corretamente, ou seja como sendo lesões SM1, quando os EUS foi realizado.
➢ Quando o fluxograma foi seguido, a combinação dos dois exames resultou em uma acurácia diagnóstica de 88.3%, bem maior do que quando a endoscopia foi feita isoladamente.

Conlusão:

• Os autores sugerem dois critérios simples para caracterização da invasão maciça ou não da submucosa durante a endoscopia convencional: bordas elevadas e irregularidade da superfície.
• A sugestão de que o EUS seja realizado nos casos em que os endoscopistas suspeitaram de invasão maciça da submucosa, baseia-se no alto valor preditivo negativo da ecoendoscopia encontrada nesse estudo (96%).

Limitações do estudo

• Estudo retrospectivo realizado em apenas uma instituição.
• Há claramente um viés de seleção, pois 85% dos casos selecionados foram de neoplasias intramucosas ou SM-1, fato esse que aumenta a probabilidade de superdiagnósticos.
• O estadiamento das lesões foi feito através de imagens gravadas, algumas com baixa qualidade.
• O trabalho se baseou na experiência de apenas 3 médicos.
• O estudo descreve que os endoscopistas tinham treinamento de no mínimo 2 anos em EUS, porém relata que não eram “especialistas” nesse exame e sabemos que a ecoendoscopia é um procedimento examinador dependente.
• Os 3 endoscopistas que criaram os critérios e validaram o fluxograma através de imagens gravadas, foram os mesmos que realizaram todos os exames no começo do estudo, portanto poderiam, apesar de improvável, lembrar se as lesões eram SM-1 ou SM-M.

Apesar de todas essas limitações é um trabalho importante, já que mostra que apenas com um gastroscópio de luz branca e adotando-se os critérios estabelecidos pelos autores (bordas elevadas e irregularidade da superfície), é possível estimar o comprometimento (profundidade de invasão) da submucosa em neoplasias gástricas precoces e, em casos onde suspeita-se de invasão maciça o EUS deve ser realizado.

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Assuntos relacionados:

Imagens: Câncer gástrico precoce