Solução de Ringer Lactado em combinação com indometacina via retal para prevenção da pancreatite pós-CPRE e readmissão: um ensaio prospectivo randomizado, duplo cego, controlado por placebo
- Objetivos do estudo: Dados prospectivos mostraram o benefício da indometacina retal (Ind) para a prevenção da pancreatite pós-CPRE (PEP). Um estudo piloto recente demonstrou uma menor incidência de PEP após 8 horas da infusão de uma solução de Ringer de lactato (RL). O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da indometacina via retal com ou sem o bolus de ringer lactato em pacientes de alto risco para PEP
- Métodos: Neste ensaio randomizado, duplo-cego, controlado com placebo, 192 pacientes foram divididos em 4 grupos:
1. Solução salina (SS) + placebo = 48 pacientes
2. Solução salina + indometacina = 48 pacientes
3. Ringer lactato + placebo = 48 pacientes
4. Ringer lactato + indometacina = 48 pacientes
Todos os grupos receberam um litro de fluido em um período de 30 minutos.
Os critérios de inclusão foram estabelecidos afim de selecionar os pacientes que apresentavam alto risco para PEP .
Os critérios de exclusão foram : pancreatite, contraindicações a indometacina ou sinais de sobrecarga de volume.
O desfecho primário foi a PEP, definido por critério padronizado.
Os desfechos secundários foram pancreatite aguda grave, eventos adversos, morte, tempo de permanência e readmissão.
Resultados: a amostra foi constituída por 192 pacientes (48 por grupo) que completaram o seguimento às 24 horas e aos 30 dias pós-CPRE.
- Todos os pacientes tinham pelo menos um critério de alto risco para PEP, e 56% tinham> 1.
- PEP ocorreu em 3 pacientes (6%) no grupo RL + Ind versus 10 (21%) no grupo SS + placebo (p = 0,04).
- As taxas de readmissão foram menores no grupo RL + Ind (1 [2%]) versus o grupo SS + placebo (6 [13%]; P = 0,03).
- Não foram encontradas diferenças entre os outros grupos do estudo. Houve 1 caso de pancreatite grave (SS + Ind) e 1 caso de pseudocisto (RL + Ind).
Conclusões: em doentes com elevado risco de pancreatite, o ringer lactato + indometacina via retal, reduziram a incidência de PEP e as taxas de readmissão em comparação com a infusão de solução salina + placebo.
Comentário: Claramente, o uso de indometacina retal está se tornando mais uma profilaxia rotineira para pacientes com risco médio e alto. Esse estudo surpreendeu, pois a vantagem do ringer lactato em relação a solução salina foi bem melhor. O mecanismo sugerido para a tal vantagem do seria por diminuição da acidificação do tecido pancreático, inibindo assim a ativação do zimogênio e mantendo a microcirculação pancreática. Dado que a solução de ringer é segura e barata, e que os pacientes estão recebem fluidos intravenosos para cada CPRE, sugere-se que também seja realizada uma infusão (em 30 min) antes do procedimento. Apesar do resultados animadores, estudos mais aprofundados devem ser realizados para confirmar os resultados obtidos nesse presente trabalho.
QUIZ!!!
Paciente masculino, 36 anos, previamente hígido, com história de uso de AINEs devido a dor muscular há 7 dias. Relata também, que há dois dias fez uso de pequena quantidade (sic) de bebida alcoólica (vinho), tendo apresentado episódios de vômitos. Ao ser indagado sobre hematêmese, o mesmo nega que tenha apresentado algo que lhe chamasse atenção e refere ter vomitado apenas vinho. Deu entrada no serviço queixando-se de dor epigástrica de leve intensidade. Ao exame físico : BEG, corado, hidratado, anictérico e afebril. Abdome inocente apesar da discreta dor à palpação do epigástrio.
Qual sua hipótese?
Carcinoma hepatocelular metastático
O carcinoma hepatocelular (CHC) é o mais comum tumor maligno primário do fígado.
Sua incidência é alta, sendo a terceira principal causa de morte relacionado ao câncer em todo o mundo. É mais freqüente nos homens e tem uma alta incidência no leste da Ásia.
Em relação a ocorrência de metástases extra hepáticas, estas são relativamente raras. Em um estudo publicado por Kanda et al, o pulmão foi o local mais acometido por metástases do CHC, seguida dos ossos, linfonodos e glândulas supra renais; podendo ocorrer também no cérebro.
Caso clínico
ADT, 79 anos, masculino, queixava-se de perda ponderal acentuada e icterícia há um mês.
Há 3 anos foi diagnosticado com CHC em topografia do segmento II, medindo 20x18mm e tratado com sucesso através de quimioembolização.
Submetido a TC de abdome e a exames laboratoriais que evidenciaram respectivamente: múltiplos microcálculos em vesícula biliar, grande dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas; e aumento da gama-GT, fosfatase alcalina e bilirrubina total às custas de direta.
Foi solicitada uma CPRE, onde observamos papila duodenal maior abaulada. Efetuada incisão na sua superfície, seguida da exteriorização de um tumor vegetante para luz duodenal. Após canulação seletiva da via biliar e injeção de contraste, observou-se hepatocolédoco dilatado com falha de enchimento de aproximadamente 2cm em seu terço distal. Ramos intra-hepáticos e ducto cístico dilatados. Vesícula biliar escleroatrófica.
Optou-se pela passagem de um stent biliar metálico, auto-expansível, não recoberto , medindo 10x60mm, seguida de biópsias da lesão tumoral.
A integração dos achados morfológicos e imuno-histoquímicos da peça examinada, foram sugestivos de carcinoma hepatocelular metastático para região da papila maior.
O paciente recebeu alta hospitalar após 7 dias da CPRE, apresentando melhora clinica e laboratorial.
Artigo comentado: Avaliação anatomopatológica de uma nova agulha de ultrassom endoscópico projetada para obter amostras de teciduais: um estudo piloto
Objetivos:
As agulhas endoscópicas atuais (EUS-FNA) têm seu uso bastante disseminado. Diferenças significativas entre as agulhas atualmente disponíveis foram difíceis de identificar. Recentemente, uma nova agulha (Shark Core®, Covidien, Dublin, Leinster, Irlanda) para aquisição de amostras teciduais através de ultrassom endoscópico foi introduzida numa tentativa de melhorar a precisão diagnóstica. Para obter tais amostras foi realizado um estudo piloto prospectivo para avaliar esta nova agulha quando comparada a uma agulha fina (FNA) padrão.
Materiais e Métodos:
Análise dos primeiros 15 pacientes submetidos a punção com a agulha Shark Core foi comparada à 15 pacientes submetidos punção através de uma agulha fina padrão.
Resultados:
A agulha Shark Core necessitou de menos passagens para obter a mesma precisão diagnóstica do que a agulha fina padrão. [(Χ2(1) = 11,3, P <0,001]. A agulha Shark Core necessitou de 1,5 passagens para atingir o diagnóstico, enquanto que a agulha padrão necessitou de três. Para casos com blocos celulares (emblocados), a agulha Shark Core produziu material diagnóstico em 85% dos casos [95% de confiança Intervalo (CI): 54-98], enquanto a agulha padrão em apenas 38% dos casos (95% IC: 9-76). A agulha Shark Core produziu em 82% das vezes material para anatomopatológico (IC 95%: 48-98) enquanto a agulha fina não conseguiu adquirir nenhum material para anatomopatológico (IC95%: 0-71) (P = 0,03).
Conclusão:
Este estudo piloto concluiu que a agulha Shark Core tem uma alta taxa de aquisição de material para realização de anatomopatológico no diagnóstico de lesões pancreáticas e peri-pancreáticas. Obteve ainda, o diagnóstico definitivo com maior quantidade de material a ser analisado e um menor número de passagens quando comparada com uma agulha fina padrão.
Comentário:
Esse trabalho, apesar de apresentar algumas limitações, como: não ser randomizado, não ser cego, apresentar um N pequeno e ter sido realizado em um único centro; mostrou resultados animadores e que provavelmente devem se confirmar em estudos futuros. Isso mostra um avanço no campo da ecoendoscopia, pois com um menor número de passagens, as complicações advindas da punção tendem a ser menores.
Tenha acesso ao artigo original no link abaixo:
Artigo Comentado – Polipose serrilhada e sua correlação com a neoplasia colorretal
Polipose Serrilhada: Desenvolvimento rápido e grave da neoplasia colorretal
A polipose serrilhada é uma doença rara com vários pólipos colorretais hiperplásicos e muitas vezes associados também a adenomas sésseis. Embora associado com o câncer colorretal, o curso da PS não está bem estabelecido.
Objetivo
Este estudo tem o objetivo de avaliar a polipose serrilhada de acordo com o fenótipo colorretal, incluindo a multiplicidade e desenvolvimento temporal da neoplasia colorretal e de pólipos extracolônicos.
Métodos
44 pacientes com polipose serrilhada foram estudados. Esse grupo, ao longo do estudo, foi submetido à 146 colonoscopias. Foi acompanhado por cerca de 2 anos, e os exames de colonoscopia foram realizados com um intervalo em média de 1 ano. Endoscopia digestiva alta (EDA) foi realizada em metade dos pacientes estudados.
Resultados
- A idade média do diagnóstico foi de 52,5 anos (± 11,9) . Em dois casos (5%) outro membro da família também era acometido por polipose serrilhada. Nenhum dos 22 pacientes que realizaram EDA apresentavam pólipos gastroduodenais.
- Todos os pacientes tiveram pólipos colorretais adicionais na colonoscopia de controle. Pólipos serrilhados ou adenomas foram encontrados em 25 pacientes (61%) na primeira colonoscopia e em 83% na última. Nas colonoscopias de controle, 68 % dos pacientes apresentaram pólipos (serrilhados ou adenoma). Três pacientes tiveram câncer colorretal.
- Onze pacientes (25%) foram submetidos a cirurgia (tempo médio de diagnóstico da PS 2,0 ± 0,9 anos), com as seguintes indicações: pólipos não passíveis de ressecção endoscópica, múltiplos pólipos, neoplasia já estabelecida, displasia de alto grau e tortuosidade colônica que impediu a remoção de um pólipo serrilhado.
- Após a cirurgia, sete pacientes pesquisados desenvolveram pólipos recorrentes no cólon remanescente. Não foi encontrada associação entre neoplasia colorretal e sexo, idade no momento do diagnóstico, ou mesmo com o número inicial de pólipos.
Conclusões
A polipose serrilhada foi responsável pelo aparecimento da neoplasia colorretal e se manifestou também no cólon remanescente nos pacientes operados. Estes resultados sustentam a conduta da vigilância com colonoscopia anual e a realização de colectomia quando indicada.
Comentário
Os critérios da Organização Mundial de Saúde para a síndrome da polipose serrilhada exige a presença de uma ou mais das seguintes características:
- Pelo menos cinco pólipos serrilhados proximais ao cólon sigmóide, dos quais dois ou mais são ≥ 10 mm
- Pólipos serrilhados proximais ao sigmóide em um indivíduo que tem um parente de primeiro grau com síndrome da polipose serrilhada
- Quantidade superior a 20 pólipos serrilhados, de qualquer tamanho, distribuídos por todo o cólon
Um pequeno subconjunto de pólipos serrilhados, particularmente os com displasia, podem evoluir para adenocarcinoma através de uma via diferente que a já conhecida até então, isto é, a sequência adenoma-carcinoma, a qual se desenvolve através de alterações nas proteínas: APC, K-ras, DCC, p53 hMMR – hMSH2, hMLH1, hPMS1 e hMSH6.
Os pólipos serrilhados (também denominados adenoma serrilhado séssil) correspondem a uma forma agressiva de pólipo hiperplásico, com potencial para malignidade de maior tamanho, com localização predominante em cólon direito, e que podem evoluir para o câncer colorretal devido a uma alteração genética causada por uma instabilidade microssatélite, através da metilação do DNA das ilhas CpG e uma mutação do gene BRAF (veja nosso post sobre carcinogênese colorretal clicando neste link).
O reconhecimento dessa nova via representa uma grande mudança de paradigma em nossa compreensão da carcinogênese do cólon. Embora essa via já esteja bem estabelecida, muitos desafios ainda terão que ser enfrentados, incluindo a melhoria na detecção de lesões serrilhadas e a determinação dos intervalos de vigilância adequados após a sua remoção.
Mais estudos são necessários para melhorar a detecção dos pólipos serrilhados e para fornecer mais informações sobre a sua história natural, a fim de elaborar diretrizes baseadas em evidências para o manejo clínico.
Referência e link do artigo:
Department of Medicine and Oncology, The Johns Hopkins University School of Medicine, Baltimore, Maryland, USA.
Leia mais sobre esse assunto (link):
Conceitos em Carcinogênese Colorretal
QUIZ !
Paciente de 46 anos, sexo feminino, assintomática, sem histórico de pancreatite prévia, apresentou de forma incidental, em um USG transabdominal, uma lesão cística pancreática. Foi submetida a ecoendoscopia (imagem abaixo), a qual evidenciou uma lesão macrocística, unilocular, medindo 4,7 cms x 2,8 cms, na transição corpo/cauda e sem comunicação com os ductos pancreáticos principal ou secundários. Não havia dilatação do Wirsung. Realizada punção ecoguiada para análise do líquido; o qual apresentou as seguintes dosagens : amilase 43 U/ml e CEA 5478 ng/ml.
Esfincterotomia precoce através de pré-corte não aumenta o risco de pancreatite pós CPRE em pacientes com acesso biliar difícil
Esse artigo foi publicado em março de 2016 no The Journal of the American Medical Association.
O uso da esfincterotomia através do pré-corte durante colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) pode aumentar as chances de sucesso na cateterização da via biliar, porém está associada a um risco aumentado de pancreatite pós-CPRE. A realização do pré-corte mais precocemente para casos com acesso biliar difícil pode reduzir este risco. Foi realizada uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados para determinar como o uso pré-corte influencia o risco de pancreatite e a taxa de sucesso de canulação da via biliar em comparação com persistentes tentativas de canulação padrão.
Métodos: Foram pesquisados MEDLINE, EMBASE, e a biblioteca Cochrane de ensaios clínicos, juntamente com resumos de reuniões, até agosto de 2014 para ensaios clínicos randomizados em que a esfincterotomia precoce por pré-corte foi comparada com canulação padrão persistente em adultos com acesso biliar difícil. Os eventos pesquisados foram:
- Taxa de sucesso de canulação primária (ou seja, não foram necessárias outras técnicas de acesso a via biliar)
- Taxa global de canulação
- Incidência de pancreatite pós-CPRE pancreatite
- Taxa de eventos adversos em geral
Os resultados de um modelo de efeitos aleatórios foram expressos como razões de risco agrupados (RR) com intervalo de confiança de 95% (IC).
Resultados: Foram analisados dados a partir de 5 estudos (523 participantes). A incidência de pós-CPRE pancreatite e sucesso de canulação geral não diferiram significativamente entre o pré-corte precoce e em grupos onde foi tentada a canulação persistente. O uso precoce do pré-corte foi associado à maior chance de sucesso da canulação (RR, 1,32; IC 95%, 1,04-1,68). Na análise de um subgrupo de estudos que envolveram somente endoscopistas (não residentes), encontramos uma redução significativa no risco de pancreatite em pacientes que tiveram sua via biliar acessada através de pré-cortes precoces vs o acesso pela técnica padrão (RR, 0,29; IC 95%, 0,10-0,86).
Conclusão: Em comparação com a terapia padrão, o uso precoce da esfincterotomia pelo pré-corte não aumentou o risco de pancreatite pós-CPRE nessa meta-análise. Quando o procedimento é realizado por endoscopistas experientes e qualificados, o pré-corte precoce pode reduzir o risco de pancreatite pós-CPRE. As taxas de cateterização aumentaram quando o pré-corte precoce foi adotado. Mais estudos são necessários para confirmar estes resultados.
Comentário:
Pontos fortes desse estudo:
- Incluiu apenas trabalhos controlados e randomizados
- Todos os trabalhos incluídos foram bem conduzidos
- Grupo estudado bem pré-definido (pacientes com acesso difícil da via biliar)
- O grupo estudado teoricamente está mais susceptível a ser necessário a adoção do pré-corte
Pontos fracos desse estudo:
- Pequeno número de trabalhos incluídos e a heterogenicidade entre os desenhos do estudo
- A definição de canulação difícil variou entre os estudos
- A técnica de pré-corte variou entre os estudos (foi incluído também pacientes que foram submetidos à fistulopapilotomia, técnica que já demonstrou em diversos estudos diminuir a taxa de pancreatite pós-CPRE).
- Os pacientes incluídos nesses trabalhos não foram submetidos a nenhuma profilaxia para pancreatite (AINESs e/ou prótese pancreática), o que pode ter tido impacto na taxa de pancreatite pós-CPRE.
O presente estudo mostra que embora não haja nenhuma diferença na taxa global de acesso em pacientes com via biliar de acesso difícil, a adoção precoce da esfincterotomia pelo pré-corte parece aumentar as taxas de canulação em comparação com a técnica padrão (diversas tentativas). O uso precoce do pré-corte não aumentou o risco de pancreatite pós-CPRE e em mãos experientes pode realmente reduzir esse risco. Novos estudos que usam critérios de consenso para definir o acesso biliar difícil são necessários para confirmar a segurança dos pré-corte e determinar o momento ideal para adotá-lo.
Acesse o link desse artigo : aqui
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