Highlights sobre diagnóstico de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) – novo guideline do American College of Gastroenterology (ACG)  2022

A lot has changed, much remains the same”. Com essa premissa, o American College of Gastroenterology (ACG) publicou o seu mais novo Guideline para diagnóstico e conduta em Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) no início de 2022, atualizando as suas recomendações gerais neste tema após quase 10 anos.

Sabemos que o diagnóstico de certeza de DRGE pode ser desafiador. Não há um padrão-ouro e, portanto, por vezes é necessário que montemos um quebra-cabeça com manifestações clínicas, resposta à terapia, achados endoscópicos e monitorização prolongada do refluxo. A Tabela 1 resume as principais recomendações dessa diretriz, ao passo que o Fluxograma 1 sugere a abordagem sugerida para diagnóstico de DRGE.

Tabela 1: Recomendações diagnosticas

Abordagem diagnóstica Comentários Recomendação ACG 2022
Diagnóstico clínico (sintomas + terapia empírica) – Pirose e regurgitação são os principais sintomas típicos- Manifestações extra-esofágicas incluem rouquidão, pigarro, tosse crônica, globus, laringite, faringite, fibrose pulmonar e exacerbação de asma. A avaliação deles é desafiadora: mesmo em pacientes com diagnóstico estabelecido de DRGE, pode ser difícil estabelecer que a DRGE é realmente a causa desses problemas – Para pacientes com sintomas típicos sem sinais de alarme*: prescrever terapia empírica com IBP 1x/dia (em jejum) por 8 semanas
– Em pacientes com dor torácica não cardíaca sem pirose: recomendado teste objetivo para DRGE** ao invés de terapia empírica
– Sintomas extraesofágicos isolados não são suficientes para diagnóstico de DRGE: é necessário realizar teste objetivo**
Esofagograma (EED) – Em um estudo prospectivo, apenas metade dos pacientes com refluxo anormal no exame baritado apresentavam alteração na pHmetria. – Não recomendado como teste diagnóstico em DRGE
Endoscopia digestiva alta (EDA) – Esofagite erosiva (EE) grau A de Los Angeles não é suficiente para diagnóstico
– EE grau B pode ser diagnóstica se presença de sintomas típicos e resposta ao IBP
– EE graus C e D ou Barrett longo (> 3 cm) confirmam o diagnóstico de DRGE
– Primeiro exame a ser realizado se presença de sinais de alarme* ou em pacientes com múltiplos fatores de risco para Esôfago de Barrett
– Realizar se ausência de resposta ao IBP empírico por 8 semanas
– Realizar se recidiva dos sintomas após suspensão do IBP 
– Exame diagnóstico deve ser realizado idealmente 2-4 semanas após suspensão de IBP
– Em pacientes com EE graus C e D, deve-se repetir a EDA após terapia para assegurar que houve cicatrização e para avaliar a presença de possível Esôfago de Barrett (que pode ser difícil de detectar em casos de esofagite grave)
Manometria esofágica – Pode avaliar alterações de motilidade associadas à DRGE (hipotonia da junção esofagogástrica e motilidade esofágica ineficaz), mas não são achados específicos – Não recomendada como teste diagnóstico em DRGE
– Necessária antes de exames de monitorização de refluxo para definir a posição da sonda
– Necessária antes de indicar procedimentos antirrefluxo, principalmente para descartar acalásia
Monitorização prolongada de refluxo (pHmetria e impedâncio-pHmetria) – A variável mais importante é o tempo total de exposição ácida
– O uso de sondas de pHmetria com dois canais para documentar o refluxo em esôfago proximal é questionável (resultados muito variáveis)
– Realizar SEM IBP por pelo menos 7 dias se endoscopia sem evidência objetiva de DRGE***
– Realizar EM USO DE IBP se já há evidência objetiva de DRGE*** para avaliar sintomas refratários (preferencialmente a impedâncio-pHmetria, pois permite a avaliação de refluxo não ácido)
*Sinais de alarme: Disfagia, perda de peso, sangramento, vômitos, anemia
**Teste objetivo para DRGE: EDA ou monitorização prolongada de refluxo
***Evidência objetiva de DRGE em endoscopia: Esofagite erosiva Los Angeles C ou D, Barrett longo (> 3 cm)

Fluxograma 1: Abordagem diagnóstica para Doença do Refluxo Gastroesofágico (American College of Gastroenterology, 2022)

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Referência

[1] Katz PO, Dunbar KB, Schnoll-Sussman FH, Greer KB, Yadlapati R, Spechler SJ. ACG Clinical Guideline for the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease. Am J Gastroenterol 2022;117:27–56. doi:10.14309/ajg.0000000000001538.

Como citar este artigo

Lages, RB. Highlights Sobre Diagnóstico De Doença Do Refluxo Gastroesofágico (Drge) – Novo Guideline Do American College Of Gastroenterology (Acg)  2022. Endoscopia Terapêutica 2022, vol II. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/highlights-sobre-diagnostico-de-doenca-do-refluxo-gastroesofagico-drge-novo-guideline-do-american-college-of-gastroenterology-acg-2022




Classificação de Chicago 4.0: o que há de novo na manometria de alta resolução?

A Classificação de Chicago (CC) busca padronizar a interpretação da manometria de alta resolução (MAR) definindo um fluxograma para classificar os distúrbios motores do esôfago. A primeira versão completa foi publicada em 2009, sendo recentemente atualizada para a 4ª versão. A classificação anterior (3.0 de 2015) já havia sido discutida previamente neste site.

Mas o que muda, de fato, nessa nova atualização?

1. Mudança de protocolo para realização da MAR

A CC 4.0 preconiza a realização de deglutições tanto em posição supina como em posição vertical, bem como de manobras adicionais, como múltiplas deglutições rápidas (MDR, ou multiple rapid swallows – MRS) e desafio de bebida rápida (DBR, rapid drink challenge – RDC).

A recomendação preferencial é pelo sistema de estado sólido, mas sabemos que o seu custo é elevado e que, no Brasil, o sistema de perfusão é muito mais disponível. A classificação de CC 4.0 pode também ser utilizada com o sistema de perfusão, desde que valores normativos tenham sido determinados. Nesse caso, porém, devem-se realizar apenas as deglutições supinas e manobras que sejam possíveis nessa posição. Na prática, caso usemos o sistema de perfusão no nosso dia a dia, seguimos com 10 deglutições úmidas na posição supina, mas recomenda-se realizar pelo menos 1 sequência de MDR.

O Quadro 1 detalha o protocolo padronizado pela CC 4.0 para realização de MAR.

Quadro 1: Protocolo para manometria de alta resolução padronizado conforme CC 4.0

Protocolo MAR – CC 4.0

  • Jejum de 4 horas;
  • Assinar termo de consentimento.

Estudo inicial em posição supina

  • 60 segundos para adaptação;
  • Documentar posição com pelo menos 3 inspirações profundas;
  • 30 segundos de linha de base;
  • 10 deglutições úmidas (5 mL) supinas;
  • 1 sequência MDR (deve ser repetida até 3x se tentativa falha ou resposta anormal).

Mudar posição para vertical (apenas se sistema de estado sólido)

  • 60 segundos para adaptação;
  • Documentar posição com pelo menos 3 inspirações profundas;
  • 30 segundos de linha de base;
  • 5 deglutições úmidas (5 mL) verticais;
  • 1 DBR.

Se não encontrar nenhum distúrbio motor, considerar:

  • Se alta probabilidade de OFJEG: testes com deglutições sólidas ou provocação farmacológica, se disponível;
  • Se suspeita de ruminação: realizar, se possível, impedância pós-prandial.

Se achados ambíguos ou se existe suspeita de obstrução que não preenche critérios para acalásia, considerar outros testes complementares:

  • Esofagograma baritado cronometrado;
  • EndoFLIP.

2. Não há mais diferenciação entre distúrbios maiores e menores da peristalse

A CC 4.0 não distingue mais entre distúrbios de motilidade maiores e menores, mas simplesmente separa distúrbios de obstrução da JEG dos distúrbios de peristalse.

A Figura 1 resume a análise hierárquica da motilidade esofágica conforme CC 4.0.

3. Subtipos de acalásia seguem o padrão da classificação anterior

4. Definição mais criteriosa sobre obstrução ao fluxo da junção esofagogástrica (OFJEG)

Apesar de uma proporção de OFJEG poder evoluir para acalásia ou mesmo representar uma variante de acalásia, observou-se que mais de um terço desses casos são clinicamente irrelevantes ou relacionados a etiologias benignas, como efeitos mecânicos, uso de opioide ou artefatos. Para evitar tratamentos desnecessários, a CC 4.0 foi mais criteriosa nesse tema.

O diagnóstico manométrico de OFJEG é definido pela elevação da IRP (integral da pressão de relaxamento, integrated relaxation pressure) em duas posições + 20% deglutições com pressão intrabolus elevada na posição supina, com evidência de peristalse. A suspeita inicial para o diagnóstico de OFJEG ocorre quando a IRP é alterada, mas não há critérios para acalásia, isto é, há contrações peristálticas.

Por outro lado, o diagnóstico de OFJEG clinicamente relevante requer: diagnóstico manométrico + sintomas relevantes (disfagia ou dor torácica não cardíaca) + investigações adicionais para obstrução (esofagograma ou endoFLIP). Você pode conhecer mais sobre endoFLIP neste outro artigo do Endoscopia Terapêutica.

5. De nada adianta achado manométrico sem clínica compatível

Alguns padrões manométricos podem ser incidentais, não indicando patologia clínica e não justificando uma intervenção. Portanto, uma das principais prioridades na CC 4.0 foi distinguir entre patologia e achados manométricos inespecíficos. Optou-se por manter o esquema de classificação estabelecido com base na fisiologia esofágica, mas a OFJEG, o espasmo esofágico distal e o esôfago hipercontrátil passam a ser considerados padrões com relevância clínica obscura. Um diagnóstico clinicamente relevante desses distúrbios requer achados manométricos conclusivos e sintomas relevantes (disfagia e/ou dor torácica não cardíaca).

6. Jackhammer passa a ser considerado um subtipo de esôfago hipercontrátil

A CC 4.0 manteve os critérios da CC 3.0 de ≥ 20% de deglutições hipercontráteis, mas revisou a nomenclatura para mudar o Jackhammer para um subtipo e renomear o distúrbio como esôfago hipercontrátil. Essa alteração considerou a heterogeneidade dos padrões de motilidade que atendem à definição, com a identificação de três subgrupos: Jackhammer (britadeira) com contrações prolongadas repetitivas, deglutições hipercontráteis de pico único e deglutições hipercontráteis com uma vigorosa pós-contração do esfíncter inferior do esôfago. Entre os três padrões, o Jackhammer é, normalmente, o mais sintomático e com a maior probabilidade de responder à intervenção.

7. Definição de motilidade esofágica ineficaz (MEI) passou a ser mais rigorosa

A definição da CC 4.0 de MEI é mais rigorosa, exigindo mais de 70% das contrações como ineficazes (em vez de, pelo menos, 50% em classificações anteriores) ou ≥ 50% das contrações falhas. A definição de uma contração ineficaz também passa a abranger deglutições fragmentadas, sendo que o peristaltismo fragmentado não é mais um distúrbio motor.

Como citar este artigo

Lages RB. Classificação de Chicago 4.0: o que há de novo na manometria de alta resolução?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/classificacao-de-chicago-4-0-o-que-ha-de-novo-na-manometria-de-alta-resolucao

Referências

  1. Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, Prakash Gyawali C, Roman S, et al. Esophageal motility disorders on high-resolution manometry: Chicago classification version 4.0©. Neurogastroenterol Motil 2021; 33(1):e14058. doi:10.1111/nmo.14058.
  2. Yadlapati R, Pandolfino JE, Fox MR, Bredenoord AJ, Kahrilas PJ. What is new in Chicago Classification version 4.0? Neurogastroenterol Motil 2021;33(1):1–7. doi:10.1111/nmo.14053.



Endoluminal Functional Lumen Imaging Probe (EndoflipTM): conhecendo a tecnologia e seus potenciais usos

O EndoflipTM é uma técnica inovadora que utiliza a tecnologia de planimetria por impedância para avaliar a distensibilidade de órgãos gastrointestinais.

Apesar de desenvolvido em 2009, o seu uso ainda é restrito a ambientes de pesquisa devido ao custo elevado e à necessidade de maiores evidências para melhor padronização do método.

Consiste de um cateter que apresenta em sua extremidade distal um balão distensível de 8 ou 16 cm (Figuras 1 e 2). Neste balão, estão localizados 16 pares de sensores de planimetria por impedância, que são capazes de medir a área de secção transversal de um plano do órgão (planimetria) utilizando a resistência elétrica (impedância) do fluido existente no balão.

Na extremidade distal do cateter, está localizado ainda um transdutor de pressão, que é responsável por aferir a pressão dentro do balão. Desta forma, dividindo-se a área transversal pela pressão, podemos determinar o Índice de Distensibilidade em reposta à distensão controlada por volume.

Figura 1: Representação do monitor do EndoflipTM (Su B et al, 2020).

representacao-do-cateter-e-endofliptm.jpg

Figura 2: Representação do cateter EndoflipTM realizando medidas em esfíncter inferior do esôfago (Hirano et al, 2017).

A grande parte dos estudos com o EndoflipTM foi realizada para avaliação esofágica. Para tal, o cateter é introduzido com o paciente sedado, geralmente após a endoscopia digestiva alta.

Com a introdução do EndoflipTM 2.0 em 2017, foi associado ainda um sistema de topografia, que permite avaliar a motilidade esofágica (se ausência de ondas, se contrações anormais retrógradas ou contrações normais anterógradas) – Figura 3.

Figura 3: Exame sem alterações, apresentando junção esofagogástrica com distensibilidade normal e contrações normais anterógradas (Dorsey YC et al, 2020).

Figura 3: Exame sem alterações, apresentando junção esofagogástrica com distensibilidade normal e contrações normais anterógradas (Dorsey YC et al, 2020).

As potenciais aplicações do método são:

 

  1. Avaliação de disfagia e acalásia

  • Destaque naqueles pacientes com clínica suspeita de acalásia, mas dúvida diagnóstico devido relaxamento normal da junção esofagogástrica (JEG) em exame de manometria;
  • Utilidade em pacientes que não conseguem realizar a manometria por não tolerarem o desconforto da sonda (o EndoflipTM é realizado sedado);
  • Índice de distensibilidadeda JEG > 3 mm2/mmHg e contrações anterógradas sugerem normalidade (Figura 3);
  • Índice de distensibilidade£ 1.6 mm2/mmHg da JEG, bem como ausência de contrações (figura 4) ou contrações repetitivas retrógradas (figura 5) sugerem acalásia.
  • Nos casos de diagnóstico manométrico de obstrução ao fluxo da JEG, o Índice de Distensibilidade da JEG < 2 mm2/mmHg é associado a melhor resposta sintomática a terapias similares à da acalásia, enquanto valores > 3 mm2/mmHg são favoráveis ao seguimento conservador.

Figura 4: Junção esofagogástrica com distensibilidade reduzida e ausência de contrações, sugerindo Acalásia tipo I (Dorsey YC et al, 2020).

Figura 4: Junção esofagogástrica com distensibilidade reduzida e ausência de contrações, sugerindo Acalásia tipo I (Dorsey YC et al, 2020).

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Figura 5: Junção esofagogástrica com distensibilidade reduzida e contrações repetitivas retrógradas, sugerindo Acalásia tipo III (Dorsey YC et al, 2020).

2. Uso intra-operatório para guiar ajustes em miotomias e fundoplicaturas

  • Em miotomias, valores de Índice de Distensibilidade da JEG entre 4.5 e 8.5 mm2/mmHg sugerem melhores resultados (Figura 6);
  • Em fundoplicaturas, valores de Índice de Distensibilidade da JEG entre 2 e 3.5 mm2/mmHg foram associadas com menor índice de disfagia e de refluxo após procedimento.

Figura 6: Índice de distensibilidade da Junção esofagogástrica antes e após miotomia em paciente com acalásia (Su B et al, 2020)

Figura 6: Índice de distensibilidade da Junção esofagogástrica antes e após miotomia em paciente com acalásia (Su B et al, 2020)

3. Avaliação na esofagite eosinofílica

  • Identificar a distensibilidade esofágica, de modo a identificar estreitamentos fibroestenóticos que nem sempre são bem avaliados pela endoscopia.
  • Potencial benefício em pacientes que persistem com disfagia a despeito da remissão histológica, podendo guiar possíveis dilatações.

 

4. Outros potenciais usos

  • Avaliar distensibilidade do piloro em pacientes com suspeita de gastroparesia
  • Avaliar canal anal em pacientes com incontinência.

 

 

REFERÊNCIAS

[1]      Dorsey YC, Posner S, Patel A. Esophageal Functional Lumen Imaging Probe (FLIP): How Can FLIP Enhance Your Clinical Practice? Dig Dis Sci 2020. Online ahead of print. doi:10.1007/s10620-020-06443-8.

[2]      Hirano I, Pandolfino JE, Boeckxstaens GE. Functional Lumen Imaging Probe for the Management of Esophageal Disorders: Expert Review From the Clinical Practice Updates Committee of the AGA Institute. Clin Gastroenterol Hepatol 2017;15:325–34. doi:10.1016/j.cgh.2016.10.022.

[3]      Su B, Novak S, Callahan ZM, Kuchta K, Carbray JA, Ujiki MB. Using impedance planimetry (EndoFLIPTM) in the operating room to assess gastroesophageal junction distensibility and predict patient outcomes following fundoplication. Surg Endosc 2020;34:1761–8. doi:10.1007/s00464-019-06925-5.

[4]      Su B, Dunst C, Gould J, Jobe B, Severson P, Newhams K, et al. Experience-based expert consensus on the intra-operative usage of the endoflip impedance planimetry system. Surg Endosc 2020. doi:10.1007/s00464-020-07704-3.