Você sabe a melhor forma de identificar e manejar os pacientes com risco aumentado de coledocolitíase?

A incidência de colelitíase sintomática entre os americanos adultos é em torno de 10%. No Brasil  estudos retrospectivos mostram uma incidência de até 9,3%.   Entre estes pacientes, 10-20% podem apresentar coledocolitíase concomitante.

A CPRE transformou o tratamento dos cálculos na via biliar principal de uma operação de grande porte em um procedimento minimamente invasivo.   Porém, apresenta uma incidência não desprezível de efeitos adversos (5-15%) como pancreatite, sangramento e perfuração.  Assim é importante selecionar de forma correta os pacientes que serão submetidos ao procedimento para evitar a realização de exames desnecessários.

A ESGE recomenda que os pacientes com colelitíase sintomática em programação de colecistectomia devem realizar a dosagem de enzimas hepáticas e ultrassom de abdome. Estes exames servem como triagem para avaliar o risco de coledocolitíase concomitante e determinar os pacientes que se beneficiariam  de uma investigação adicional.

Agora, como devemos utilizar os resultados desta triagem?

Preditores do Risco de Coledocolitíase

Em 2010 a ASGE publicou uma lista de preditores para avaliar o risco de coledocolitíase. Baseado nestes critérios os pacientes eram divididos em risco alto, intermediário e baixo risco.  Para os de alto risco a recomendação era ir direto para a CPRE. Os de risco intermediário deveriam investigar melhor através da realização de colangiorressonância ou ecoendoscoscopia antes da decisão terapêutica.  Os de baixo risco poderiam ir para colecistectomia direto. 

Tabela 1. Preditores clínicos publicados em 2010 pela ASGE.  Adaptado de Maple et al 2010.  Atenção, estes critérios foram revisados. 

Porém,  estudos posteriores utilizando estes critérios demonstraram que  a acurácia variava de 70 a 80%, levando a até 30% de CPRE desnecessárias. 

Devido a isso, tanto a associação Americana (ASGE) quanto a europeia (ESGE) revisaram estes preditores em seus guidelines mais recentes.

Os novos critérios estão resumidos na tabela abaixo:

Tabela 2 Preditores de coledocolitíase publicados pela ASGE e ESGE. Adaptado de Buxbaum et al 2019 e  Manes et al 2019.

Os pacientes com quadro de colangite ou cálculo visualizado no ultrassom de abdome ou em tomografia/RNM são considerados como de alto risco.   A ASGE inclui um critério a mais, que é a presença de Bilirrubina total maior do que 4 mg/dl associada à dilatação da via biliar como critério de alto risco.   Estes pacientes podem ser submetidos a CPRE direto, antes da colecistectomia e sem a necessidade de investigação adicional.

Os pacientes com alteração de enzimas hepáticas (TGO, TGP, FA, GGT) ou com dilatação da via biliar no ultrassom (>6 mm com vesícula in situ) são considerados de risco intermediário. Novamente a ASGE tem um critério a mais que é a idade maior do que 55 anos.  O racional para este critério é que pacientes com mais de 55 anos tem uma maior incidência de coledocolitíase não associada à alteração de enzimas hepáticas.   Os dois guidelines sugerem que os pacientes com critérios intermediários sejam submetidos à colangiorressonância ou ecoendoscopia para avaliar a presença de coledocolitíase antes da colecistectomia.  Na impossibilidade de realizar estes exames, a colangiografia intraoperatória é indicada como alternativa.

Já os pacientes que não apresentam nenhum destes critérios são considerados como de baixo risco e podem realizar a colecistectomia direto, com ou sem colangiografia intraoperatória.

Nos critérios de 2010 a pancreatite aguda era um critério de risco intermediário.  Porém, estudos confirmaram que a incidência de coledocolitíase residual após um episódio de pancreatite leve varia de apenas 10 a 30%.  Devido a isso ela deixou de ser critério de risco.  Os pacientes após a resolução da pancreatite aguda devem ser avaliados de acordo com os critérios acima. Se não apresentares critérios de alto ou médio risco podem ir para a colecistectomia direto.

E qual dos critérios eu devo seguir? ASGE ou ESGE?

Um estudo incluindo 1042 pacientes comparou os critérios da ASGE e da ESGE para a avaliação da presença de coledocolitíase.  Os resultados mostraram que os dois critérios são válidos e muito bons, com especificidade de 96,87% para os da ASGE e 98,24% para os da ESGE.

Comparando os dois critérios, o da ESGE é ligeiramente mais específico, com os critérios da ASGE apresentando um número discretamente maior de pacientes falso positivos.

Conclusão

Apesar da CPRE ser uma técnica minimamente invasiva, ela não é isenta de complicações!

Devido a isso, a avaliação da probabilidade pré-teste em pacientes com suspeita de coledocolitíase é essencial para diferenciar os pacientes que irão se beneficiar de uma avaliação mais aprofundada dos que poderão ir direto para a CPRE.

Referências

Manes G, Paspatis G, Aabakken L et al. Endoscopic management of common bile duct stones: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) guideline. Endoscopy 2019; 51: 472–491

Maple JT, Ben-Menachem T. ASGE Standards of Practice Committee. et al. The role of endoscopy in the evaluation of suspected choledocholithiasis. Gastrointest Endosc 2010; 71: 1–9




Como você está fazendo a fotodocumentação do seu laudo endoscópico?  Será que pode melhorar?  Revisão e discussão da escassa literatura sobre o assunto.

A captura eletrônica de imagens facilitou bastante o registro dos exames endoscópicos sem aumentar o custo do procedimento.  Registrar  uma ou 100 fotos não influencia quase nada no custo do exame, mas pode influenciar bastante na qualidade do laudo e na decisão terapêutica do paciente.

Apesar da endoscopia digestiva  alta ser o procedimento mais realizado no trato gastrointestinal, o número de imagens e locais a serem registrados  no esôfago, estômago e duodeno não são padronizados e variam bastante no mundo todo. Não existe nenhum guideline amplamente aceito e utilizado.

Neste  artigo vamos abordar as recomendações existentes até agora e tentar organizar um pouco as informações para você poder melhorar a sua prática.

Dicas para uma foto de qualidade

Uma boa foto começa com um bom preparo.   Não adianta tirar várias imagens durante o exame se as fotos não forem nítidas e não permitirem uma boa avaliação da mucosa.   Imagens de qualidade devem ser livres de saliva, bolhas e resíduos.  

Lembrar-se de sempre  utilizar o botão freeze antes de capturar a imagem para confirmar se está nítida antes da captura definitiva!

Para preparar o estômago e se livrar do muco e das bolhas, os japoneses costumam utilizar   Pronase, que é um potente mucolítico.  Como não temos Pronase disponível em nosso mercado uma opção é a combinação de  100-200 mg de simeticona associada à 500-600 mg de N-acetilcisteína diluídos em 100 ml de água e administrados 20 minutos antes do exame.  Esta medida  melhora significativamente a visibilidade da mucosa do trato digestivo alto quando comparado com apenas água1.

Outra dica importante é a insuflação.  As imagens devem ser capturadas com o órgão com distensão moderada, facilitando a visualização de lesões2.

O que existe na literatura sobre a documentação fotográfica do exame normal?

A sociedade europeia (ESGE) publicou em 2001  um artigo sugerindo princípios gerais para o registro de imagens do exame normal.   As imagens deveriam mostrar os principais pontos anatômicos, documentar a extensão do exame e indicar a qualidade do preparo e a visibilidade da mucosa2

Para isso recomendaram a captura de 8 imagens para registro do exame normal: esôfago superior, transição esofagogástrica, cárdia e fundo, corpo, incisura, antro, bulbo e segunda porção duodenal (figura 1).

Figura 1: Oito imagens sugeridas pela ESGE no artigo de 2001

Em 2016, uma nova publicação da ESGE recomendou aumentar  o número de imagens a serem capturadas para registrar o exame normal de oito para pelo menos dez.   As imagens recomendadas incluem um fato do duodeno, papila maior, antro, incisura, corpo, retrovisão do fundo, cárdia,  transição esofagogástrica e esôfago distal e proximal.  Também recomendam incluir imagens de todos os achados anormais mencionados no laudo3

O professor  Yao em 2013 publicou um método chamado de Systematic  Screening of the Stomach (SSS)4.  Este método recomenda a captura  de 22 imagens e é utilizado  para documentar  exclusivamente o estômago, não incluindo o esôfago, transição esofagogástrica e duodeno. O mesmo artigo contém ainda recomendações para uso de cromoscopia e magnificação de imagem na avaliação gástrica.  Apesar disso, alguns centros de referência no Japão recomendam um número ainda maior de imagens, no mínimo 40 para uma avaliação adequada do estômago1.  

O SSS deve ser iniciado quando se chega ao antro gástrico.   São capturadas imagens dos quatro quadrantes do antro, corpo médio e corpo alto.  Depois em retrovisão se captura imagnes dos quatro quadrantes do fundo e cárdia, e 3 quadrantes  do corpo médio e incisura (figura 2) 4

Figura 2:  Systematic  Screening of the Stomach (SSS) proposto pelo professor Yao.

Recentemente, em 2020, a World Endoscopy Organization publicou na Digestive  Endoscopy uma nova recomendação de avaliação sistematizada e  documentação fotográfica incluindo 28 imagens para o exame normal (figura 3 e tabela 1).   No caso de achados alterados esse número de imagens pode ser aumentado.  Esta recomendação é bem mais ampla do que as anteriores e inclui todos os  segmentos do trato digestivo alto além de incluir uma imagem da laringe1.

Tabela 1: Localização e codificação da avaliação e captura de imagens sistematizada recomendada pela WEO. 

Apesar de não existirem dados conclusivos comprovando que a fotodocumentação de todas as áreas anatômicas irá melhorar o diagnóstico e resultado clínico dos pacientes,  as vantagens de um registro completo não podem ser minimizadas. 

O exame sistematizado pode reduzir o risco de não visualizar lesões, protege o endoscopista no ponto de vista legal, confirma o exame completo e muitas vezes reduz a necessidade de repetir o exame por dúvidas no laudo já que os achados descritos podem ser confirmados nas imagens.   

Figura 3: Vinte e oito imagens recomendadas pela WEO.

Documentação de achados patológicos

O registro das alterações é muito importante para a decisão terapêutica.  O objetivo da  imagem é demonstrar   lesões  focais identificadas ou áreas representativas de patologias difusas para adequada localização, caracterização,  comparação com exames prévios ou futuros e guiar a  decisão terapêutica3,5.

Quando um procedimento terapêutico  é realizado se deve registrar imagens de antes do procedimento, durante e também do resultado  final (figura 4).

Figura 4: Exemplo de registro de terapêutica. Polipectomia com alça fria. Da esquerda para a direita, imagem do pólipo pré ressecção, imagem registrando o posicionamento da alça e imagem registrando o leito de ressecção sem sangramento e sem lesões residuais.

Nas lesões focais é importante incluir na imagem a lesão e sua relação com áreas anatômicas próximas permitindo uma adequada orientação da sua localização.  Uma imagem com uma pinça aberta próxima da lesão facilita a estimativa do tamanho.  Quando necessário, imagens adicionais devem demonstrar a lesão toda e também áreas específicas que sejam relevantes  como sua base, borda, pedículo, etc.   Quando disponível e indicado imagens de cromoscopia e magnificação detalhando a regularidade da superfície e capilares podem adicionar informações relevantes3,5.

Nas patologias difusas imagens que demonstrem a extensão e severidade da patologia e também as áreas de transição devem ser capturadas3.

Como colocar isso na nossa prática?

Um bom registro fotográfico é fundamental para fortalecer nosso laudo, registrar os achados descritos além de passar uma impressão de qualidade.

Os sistemas de captura atuais permitem o armazenamento de um grande número de  imagens sem aumento do custo.  Esse registro facilita a revisão do laudo sempre que necessário.   Uma rotina de captura de imagens também garante que iremos avaliar todos os segmentos de forma sistematizada, reduzindo o risco de esquecermos alguma área sem avaliação.

 O que pode  variar bastante  é o número de imagens que iremos colocar no nosso laudo.  A impressão de várias folhas de fotos  pode sim impactar no custo do exame.  Além disso, alguns sistemas de laudo permitem um número pré-definido de imagens para impressão. 

A sugestão é que os sistemas sejam configurados para permitir a inclusão de um número maior de imagens.   Esse é um futuro que não teremos como escapar.   A alternativa  para evitar a impressão de uma grande quantidade de material é a disponibilização dos laudos de forma digital ou online.  Esta opção  reduz os custos com impressão,  o paciente tem acesso sempre que precisar  além  de ser ecológica.

O objetivo dessa revisão é estimular a discussão e demonstrar o que existe hoje publicado sobre a fotodocumentação do exame endoscópico.   Reforçamos que não existe nenhum guideline amplamente utilizado e o número de imagens capturados e incluídos no laudo varia bastante entre os endoscopistas.  

Como está a sua prática? Quantas fotos você costuma colocar no laudo?  Compartilhe conosco a sua opinião e experiência!

Referências

  1. Emura, F., Sharma, P., Arantes, V., Cerisoli, C., Parra-Blanco, A., Sumiyama, K., Araya, R., Sobrino, S., Chiu, P., Matsuda, K., Gonzalez, R., Fujishiro, M. and Tajiri, H. (2020), Principles and practice to facilitate complete photodocumentation of the upper gastrointestinal tract: World Endoscopy Organization position statement. Digestive Endoscopy, 32: 168-179. https://doi.org/10.1111/den.13530
  • Rey JF, Lambert R. ESGE recommendations for quality control in gastrointestinal endoscopy: guidelines for image documentation in upper and lower GI endoscopy. Endoscopy 2001; 33: 901–3.
  • Bisschops R, Areia M, Coron E et al. Performance measures for upper gastrointestinal endoscopy: a European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Quality Improvement Initiative. Endoscopy 2016; 48: 843–64.
  • Yao K. The endoscopic diagnosis of early gastric cancer. Ann. Gastroenterol. 2013; 26: 11–22.
  • Aabakken, L., Barkun, A.N., Cotton, P.B., Fedorov, E., Fujino, M.A., Ivanova, E., Kudo, S.-e., Kuznetzov, K., de Lange, T., Matsuda, K., Moine, O., Rembacken, B., Rey, J.-F., Romagnuolo, J., Rösch, T., Sawhney, M., Yao, K. and Waye, J.D. (2014), Standardized endoscopic reporting. J Gastroenterol Hepatol, 29: 234-240. https://doi.org/10.1111/jgh.12489



Avaliação endoscópica da  Úlcera Péptica

 

Definição:

A úlcera péptica é definida como defeito na parede gástrica ou duodenal que se estende através da muscular da mucosa para a submucosa podendo atingir ou até perfurar  a muscular própria. 1 Quando a ruptura da mucosa é superficial e menor do que 5 mm, é chamada de erosão. 2

 

 

Figura 1: A) Erosões gástricas.  B) Úlcera com fundo fibrinoso limpo na parede anterior do antro gástrico.

 

Esta patologia está associada geralmente à dor epigástrica periódica que pode se manifestar 2-5 horas após as refeições e algumas vezes até com o estômago vazio. 3  Além dos sintomas dispépticos, a úlcera péptica pode evoluir com complicações como sangramento, anemia, perfuração e obstrução da saída gástrica. 1 

O sítio de preferência das úlceras gástricas benignas é a curvatura menor (incisura); no entanto, eles podem ocorrer em qualquer local do piloro à cárdia. A localização típica da úlcera duodenal é no bulbo, onde o conteúdo ácido do estômago tem seu primeiro contato com o intestino delgado.

 

 

Figura 2: A) Úlcera gástrica pré pilórica.  B) Úlcera com vaso visível na parede anterior da porção justapilórica do bulbo duodenal.

 

 

 

Um ambiente de hipersecreção ácida e fatores dietéticos ou de estresse estão relacionados ao desenvolvimento de úlceras pépticas. Porém, os fatores de risco mais importantes são a  infecção pelo Helicobacter pylori e o uso de anti inflamatórios não esteroides (AINEs). Estes fatores aumentam de forma independente e sinérgica o risco de doença ulcerosa péptica. 4

 

Comparado com não usuários, o uso de AINEs e aspirina aumentam o risco de complicações da úlcera péptica em quatro vezes em usuários de AINE e em duas vezes em usuários de aspirina. 5  Além disso, o uso concomitante de AINEs ou aspirina com inibidores seletivos de recaptação de serotonina, corticosteróides, antagonistas da aldosterona ou anticoagulantes também aumentaram o risco de hemorragia digestiva alta por úlcera péptica.6 Os esteroides, bisfosfonatos, cloreto de potássio, agentes quimioterápicos também estão associados ao desenvolvimento de úlceras gastroduodenais. 3

 

Outras etiologias menos frequentes são o estado hipersecretório ácido (síndrome de Zollinger-Ellison), úlcera da anastomose após ressecção gástrica subtotal, tumores (adenocarcinoma, linfoma), doença de Crohn do estômago ou duodeno, gastroduodenite eosinofílica, mastocitose sistêmica, danos por radiação, infecções virais (citomegalovírus ou herpes simples), colonização do estômago por Helicobacter heilmanii, doença sistêmica grave (cirrose, insuficiência renal), úlcera de Cameron e úlcera idiopática verdadeira. 2,3

 

Diagnóstico e Classificação

A endoscopia digestiva alta tem mais de 90% de sensibilidade e especificidade no diagnóstico da úlcera e do câncer gastroduodenal além de permitir a realização de  biópsias quando necessário. 3

A classificação de Sakita (Tabela 1 e Figura 3) é geralmente utilizada para determinar o estágio de atividade da úlcera. Ela se divide em estagio ativo (A), cicatrização (H) e cicatrizado (S)7. Além disso, cada estágio é subdividido em duas categorias: precoces (1) e tardios (2).

Tabela 1 – Classificação de Sakita

Estágio Descrição
A1 (ativo) Base com fibrina espessa, podendo ter hematina. Bordas elevadas e enantematosas.
A2 (ativo) Bordas menos elevadas. Fundo com fibrina clara. Discreta convergência das pregas.
H1 (cicatrização) Depósito central de fibrina fina com convergência de pregas.
H2 (cicatrização) Fina camada de fibrina na base. Ilhas de tecido de regeneração, com convergência de pregas.
S1 (cicatriz) Convergência das pregas. Formação de cicatriz vermelha.
S2 (cicatriz) Cicatriz branca com retração adjacente.

 

 

Figura 3: A) Úlcera ativa com fundo sujo – Sakita A1. B) Úlcera ativa com fundo limpo – Sakita A2. C) Úlcera em fase inicial de cicatrização – Sakita H1. D) Úlcera em fase avançada de cicatrização – Sakita H2.  E) Cicatriz avermelhada recente – Sakita S1.  F) Cicatriz branca, indicando retração antiga – Sakita S2.

 

Avaliação endoscópica das úlceras gastroduodenais

Durante o exame endoscópico de um paciente com doença ulcerosa péptica é importante avaliar se fatores de risco para o câncer gástrico estão presentes na mucosa, como pangastrite associada a Helicobacter pylori, atrofia ou metaplasia intestinal (Figura 4). Se o aspecto da mucosa gástrica é normal, sem nenhum dos fatores de risco mencionados, as lesões suspeitas de câncer gástrico são menos prováveis. A observação endoscópica magnificada e a cromoscopia convencional ou eletrônica (NBI, FICE ou I-Scan) se disponíveis, são úteis para determinar a presença destas alterações e também avaliar sinais suspeitos de malignidade. 8

 

 

Figura 4: Atrofia da mucosa do corpo gástrico e metaplasia intestinal na região pré pilórica.

 

A acurácia da avaliação endoscópica para determinar a malignidade pode ser muito boa mesmo utilizando apenas luz branca convencional. As principais características das úlceras vistas na endoscopia que se associam com malignidade são a presença de massa adjacente, base suja, bordas elevadas e irregulares, tamanho maior do que 3 cm e localização no cárdia e corpo gástrico (Tabela 2 e Figura 5).

 

Tabela 2 : Sinais endoscópicos que podem estar associados à úlceras malignas

Fundo sujo e com necrose
Bordas elevadas
Bordas irregulares
Tamanho maior de 3cm
Presença de massa associada
Localização no corpo ou cardia
Lesões ulceradas múltiplas

 

Figura 5. A) Extensa lesão ulcerada com bordas elevadas, irregulares e fundo sujo, localizada no corpo gástrico. AP: Adenocarcinoma. B) Grande lesão elevada subepitelial, com ulcerações. AP:GIST. C) Várias lesões elevadas entremeadas por áreas ulceradas com fibrina. AP: Sarcoma de Kaposi. D) Lesão ulcerada no corpo gástrico com bordas elevadas e irregulares, associada à retração de pregas. AP: adenocarcionoma.

 

 

Biópsias para pesquisa de H. pylori

A realização de biópsias para pesquisa de H. pylori é mandatória em todos os pacientes com úlcera péptica.   O ideal é pesquisar pelo método da urease e associar também biópsias para avaliação histológica.   A avaliação histológica aumenta a sensibilidade do diagnóstico, principalmente em pacientes em uso de IBP, com sangramento e em uso de antibióticos.

As biópsias devem seguir o protocolo de Sydney, duas no antro (a 3 cm do piloro), uma da incisura angularis e duas do corpo (parede anterior e posterior a 8 cm do cárdia).

 

Todas as úlceras devem ser biopsiadas?

Segundo o guideline da ASGE a indicação de biopsiar ou não as úlceras gástricas deve ser individualizado. Quando a aparência endoscópica de uma úlcera gástrica é sugestiva de malignidade devido a características específicas como lesão com massa associada, úlcera irregular de bordas elevadas e retração de pregas mucosas adjacentes, as biópsias endoscópicas devem ser realizadas. 1  Já as úlceras de aspecto benigno, em pacientes jovens em uso de AAS ou com H. pylori positivo podem não ser biopsiadas.

Úlceras duodenais não precisam ser biopsiadas rotineiramente.

Quando as biópsias forem realizadas, devem ser coletados no mínimo 5 fragmentos incluindo bordas nos quatro quadrantes e fundo da úlcera.

A exceção a essa regra são as lesões onde se suspeita de neoplasia precoce. Nestes casos o número de biópsias deve ser reduzido e dirigido pela cromoscopia ou magnificação.

 

Vigilância.  É necessário repetir a endoscopia após o tratamento?

A vigilância é indicada devido a algumas úlceras gástricas malignas se apresentarem inicialmente com aspecto muito semelhante à ulcera péptica.

Deve-se realizar a endoscopia de controle em 8-12 semanas após o tratamento das úlceras gástricas com IBP e erradicação da bactéria H. pylori.

Em pacientes jovens, com úlceras relacionadas ao uso de AINEs, com biópsias benignas, H. pylori negativo e melhora completa dos sintomas o controle endoscópico pode ser dispensado.

As úlceras duodenais só necessitam controle endoscópico se houver persistência dos sintomas.

 

 

Bibliografia:

  1. Banerjee S, Cash BD, Dominitz JA, et al; ASGE Standards of Practice Committee. The role of endoscopy in the management of patients with peptic ulcer disease. Gastrointest Endosc. 2010 Apr;71(4):663-8
  2. Malfertheiner, P., Chan, F. K., & McColl, K. E. (2009). Peptic ulcer disease. The Lancet, 374(9699), 1449–1461.
  3. Ramakrishnan K, Salinas RC. Peptic ulcer disease. Am Fam Physician. 2007 Oct 1;76(7):1005-12
  4. Huang, J.-Q., Sridhar, S., & Hunt, R. H. (2002). Role of Helicobacter pylori infection and non-steroidal anti-inflammatory drugs in peptic-ulcer disease: a meta-analysis. The Lancet, 359(9300), 14–22. doi:10.1016/s0140-6736(02)07273-2.
  5. Lanas, A., & Chan, F. K. L. (2017). Peptic ulcer disease. The Lancet, 390(10094), 613–624. doi:10.1016/s0140-6736(16)32404-7
  6. Masclee GM, Valkhoff VE, Coloma PM, et al. Risk of upper gastrointestinal bleeding from different drug combinations. Gastroenterology 2014; 147: 784−92.
  7. Sakita T, Omori K. The course of gastric ulcer. Nippon Rinsho 1964; 22: 9.
  8. Yao K, Anagnostopoulos GK, Ragunath K. Magnifying endoscopy for diagnosing and delineating early gastric cancer. Endoscopy. 2009;41:462–467.



Quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?

Atualmente, existem vários tipos de balão intragástrico no mercado e em estudo. Os tipos de balão incluem os preenchidos com ar, líquido, os duplos, ajustáveis e deglutíveis.

Tipos de balão intragástrico

Tipos de balão intragástrico. Imagens divulgação.

Porém, nesta revisão, iremos abordar apenas os preenchidos com líquido e implantados por endoscopia, que são os mais usados no nosso meio.

O primeiro balão intragástrico disponível no Brasil foi o balão de líquido, que podia permanecer no estômago por um período de 6 meses. Esse balão foi por bastante tempo a única opção para os nossos pacientes. Com o passar do tempo, o balão de líquido ajustável para tratamentos com um ano de duração chegou ao mercado e, mais recentemente, o balão de 1 ano não ajustável.

Com um maior número de opções, surgiu a dúvida: quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?

Balões intragástricos colocados por endoscopia e preenchidos com líquido

Balões intragástricos colocados por endoscopia e preenchidos com líquido. Imagens divulgação.

Para tentar responder a essa pergunta, realizei uma breve revisão de literatura comparando os balões em relação a vários fatores, incluindo custo, volume, resultados, tempo de permanência, ajuste e complicações.

Vamos lá!

Existe diferença no preço dos balões?

O valor pago pelo balão pode variar bastante dependendo da região, do número de balões comprados e da relação do médico com a empresa fornecedora. Porém o balão de seis meses tende a ter um preço mais baixo quando comparado com o balão de um ano ajustável e não ajustável.

O volume de preenchimento faz diferença?

Não existe diferença no volume de preenchimento entre os três tipos de balão intragástrico comparados. Os três sugerem em bula um preenchimento de, pelo menos, 400 ml e, no máximo, 700 ml. Sabemos que os balões toleram volumes maiores, mas seu uso é off label.

Em relação ao volume, vale a pena citar uma meta-análise publicada em 2017 que avaliou 5549 pacientes com balões preenchidos com volumes variando de 400 a 700 ml (1). Por incrível que pareça, não houve associação entre maiores volumes de preenchimento do balão com maiores perdas de peso. O que se observou foi que balões com menos de 600 ml apresentavam uma maior taxa de impactação antral e refluxo quando comparados com balões acima desse volume, sem diferença nas outras complicações. Com isso, o estudo sugeriu que o volume utilizado para o preenchimento do balão intragástrico deve ser entre 600 e 650 ml.

O tempo de permanência faz diferença na perda de peso?

Com o lançamento do balão para tratamento de um ano de duração, houve uma grande expectativa em relação aos seus resultados. Será que os pacientes continuariam perdendo peso após os 6 meses? Vários estudos foram realizados comparando a perda de peso entre os tratamento de seis meses e um ano de duração (2-8).

Os resultados variam um pouco, com alguns estudos mostrando perdas discretamente melhores para o tratamento de 6 meses e outros para o de um ano, mas, na média, não existe diferença significativa na perda de peso máxima entre os dois tratamentos. Os resultados são semelhantes e variam entre 13 e 20% de perda de peso total.

E no reganho de peso? Existe diferença em relação ao tempo de permanência do balão?

Um estudo muito interessante publicado por Russo et al (6) avaliou prospectivamente dois grupos de pacientes após removerem o balão intragástrico. Um grupo que utilizou o balão de 6 meses e um grupo que utilizou o balão de um ano. No momento da remoção, os dois grupos haviam apresentado a mesma média de perda de peso (20 kg + 3). Os grupos foram acompanhados por 9 meses, e o reganho de peso após a remoção foi semelhante entre os dois grupos, como pode ser observado na tabela abaixo.

Tabela l. Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Tabela l. Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Tabela l.  Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Apesar disso, o balão de 1 ano apresenta uma vantagem muito interessante em relação ao balão de seis meses. O reganho de peso começa 6 meses depois quando comparado com o balão semestral, dando um maior tempo para o paciente se adaptar aos hábitos mais saudáveis.

Ajuste para aumentar o balão faz diferença?

A possibilidade de ajustar o balão também foi uma novidade muito esperada, e acreditava-se que poderia fazer uma grande diferença quando o paciente atingisse o platô de perda de peso.

Fittipaldi-Fernandes et al publicaram um estudo prospectivo randomizado muito interessante avaliando esse tema. Eles estudaram 180 pacientes. Um grupo no qual o balão foi preenchido com 600 ml e mantido durante um ano e outro grupo no qual o balão foi preenchido com 600 ml e após 6 meses reajustado com mais 250 ml. O grupo que foi ajustado apresentou uma perda média de 4,35 kg a mais do que o grupo não ajustado, mas sem diferença estatística na porcentagem de perda de peso total, na perda de excesso de peso ou no IMC (9).

Isso ocorre porque os pacientes que não perdem peso inicialmente com o balão (em torno de 8% dos pacientes) não costumam responder com o aumento do volume do balão. Esses casos são mais bem manejados com medicações para perda de peso. Os pacientes que mantêm sensação de saciedade e perdendo bem peso também não se beneficiam muito com os ajustes. Talvez, o grupo que mais tenha resultado são os pacientes que apresentaram uma boa perda de peso e queixam de perda da saciedade (10).

Importante lembrar também que ajustes com volume muito baixo não são efetivos nem, muitas vezes, notados pelos pacientes. Se um ajuste para mais for realizado, ele deve ser de no mínimo 150 ml.

Aqui, sim, em minha opinião, é a maior vantagem do balão ajustável. De acordo com dados do Consenso Brasileiro de Balão Intragástrico, que avaliou mais de 40.000 casos, a incidência de intolerância ao balão é de 2,2%. Além disso, há mais 0,9% dos pacientes que apresentam a hiperinsuflação espontânea do balão (11).

Se essas complicações ocorrerem com um balão não ajustável, o único tratamento possível é a remoção do balão. Quem trabalha com balão sabe que a interrupção precoce do tratamento é sempre uma grande dor de cabeça com queixas e questionamentos dos pacientes.

Se isso ocorrer com um balão ajustável, é possível resolver a complicação sem necessitar remoção e interrupção do tratamento. No caso de intolerância, o balão deve ser esvaziado até perder o seu formato esférico. Isso ocorre com volumes próximos ou um pouco menores do que 400 ml. No caso da hiperinsuflação, o balão deve ser esvaziado completamente e reenchido com um novo líquido. Sempre importante orientar o paciente que a hiperinsuflação pode ocorrer novamente.

Imagem de radiografia de abdome demonstrando balão hiperinsuflado com nível líquido

Imagem de radiografia de abdome demonstrando balão hiperinsuflado com nível líquido.

Complicações! Existe diferença na taxa de complicações entre os balões?

O Consenso Brasileiro de Balão Intragástrico (11) avaliou as complicações entre os diferentes tipos de balão. Não existe diferença significativa na taxa de incidência de hiperinsuflação, esvaziamento espontâneo, migração e perfuração no implante e explante.

Em relação às úlceras gástricas, o balão ajustável tem uma taxa de incidência de 5,7%, enquanto os outros balões apresentam taxas de apenas 0,4%. Dentre esses pacientes com úlcera no balão ajustável, 0,6% necessita interromper o tratamento. A maior incidência de úlceras com o balão ajustável está relacionada à presença do cateter de ajuste.

Úlcera pós balão intragástrico

Úlcera pós-balão intragástrico.

Enfim, quando usar cada tipo de balão?

Importante ressaltar que não existe contraindicação de nenhum dos tipos de balão para algum tipo específico de paciente, desde que as indicações e contraindicações do método sejam respeitadas.

Mas algumas sugestões podem ser feitas, sem nenhum critério de obrigatoriedade.

  • Pacientes preocupados com o custo do tratamento podem utilizar o balão mais barato;
  • Pacientes que precisam perder pouco peso ou que têm uma data para terminar o tratamento (algumas vezes um evento ou uma cirurgia que exigia perder peso para realizar) podem se beneficiar do tratamento mais curto – 6 meses;
  • Pacientes mais pesados ou com obesidade mais crônica: um tratamento mais longo é interessante;
  • Pacientes que moram longe ou que têm maior dificuldade para retornar para reavaliações: um balão com menor taxa de incidência de úlceras pode ser indicado;
  • Para aqueles pacientes que têm um maior risco de intolerância, como, por exemplo, pacientes colocando o seu segundo balão, a possibilidade de ajuste para reduzir o balão é importante.

Esses são alguns exemplos de situações em que um balão pode ser mais vantajoso do que os outros. Claro que nada disso é lei, como já escrevi, são apenas sugestões. Espero que esta revisão tenha sido útil.

Você também pode contribuir nos comentários com a sua opinião e experiência! Quando usa cada tipo de balão? Concorda com as sugestões acima? Conte para nós!

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Como citar este artigo

Orso IRB. Quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/quando-e-para-quem-indicar-cada-tipo-de-balao-intragastrico/

Referências

  1. Nitin Kumar et al. The Influence of the Orbera Intragastric Balloon Filling Volumes on Weight Loss, Tolerability, and Adverse Events: a Systematic Review and Meta-Analysis. OBES SURG. DOI 10.1007/s11695-017-2636-3. 2017
  2. Eisa Lari , Waleed Burhamah, Ali Lari, Talal Alsaeed, Khalid Al-Yaqout, Salman Al-Sabah. Intragastric balloons – The past, present and future. Annals of Medicine and Surgery. 2021.
  3. Seong Ji Choi and Hyuk Soon Choi. Various Intragastric Balloons Under Clinical Investigation. Clin Endosc 2018.
  4. Alfredo Genco, Daniela Dellepiane, Giovanni Baglio et al. Adjustable Intragastric Balloon vs Non-Adjustable Intragastric Balloon: Case–Control Study on Complications, Tolerance, and Efficacy. OBES SURG. 2013.
  5. Maíra L SCHWAAB1, Eduardo N USUY JR2, Maurício M de ALBUQUERQUE1, Daniel Medeiros MOREIRA1,
    Victor O DEROSSI1 and Renata T USUY2Assessment of weight loss after non-adjustable and adjustable intragastric balloon use. Arq Gastroenterol 2020.
  6. Teresa Russo a, Giovanni Aprea a, Cesare Formisano a, Simona Ruggiero a, Gennaro Quarto a, Raffaele Serra b, Guido Massa a, Luigi Sivero. BioEnterics Intragastric Balloon (BIB) versus Spatz Adjustable BalloonSystem (ABS): Our experience in the elderly. International Journal of Surgery. 2016.
  7. Vitor O. Brunaldi, Manoel Galvao Neto. Endoscopic techniques for weight loss and treating metabolic syndrome. Current opinion Gastroenterology. 2019.
  8. Diogo Moura, Joel Oliveira, Eduardo G.H. De Moura, Wanderlei Bernardo, Manuel Galvão Neto, Josemberg Campos, Violeta B. Popov, Cristopher Thompson. Effectiveness of Intragastric Balloon for Obesity: A
    Systematic Review and Meta-Analysis Based on Randomized Control Trials. Surgery for Obesity and Related Diseases. 2015.
  9. Ricardo José Fittipaldi-Fernandez, Idiberto José Zotarelli-Filho, Cristina Fajardo Diestel, Márcia Regina Simas Torres Klein, Marcelo Falcão de Santana, João Henrique Felicio de Lima, Fernando Santos Silva Bastos, Newton Teixeira dos Santos. Randomized Prospective Clinical Study of Spatz3® Adjustable Intragastric Balloon Treatment with a Control Group: a Large-Scale Brazilian Experiment. Obesity Surgery. 2020.
  10. Books J. One-Year Adjustable Intragastric Balloons: Do They Offer More than Two Consecutive Nonadjustable
    6-Month Balloons? Obesity Surgery. 2013.
  11. ManoelGalvao Neto, Lyz Bezerra Silva, EduardoGrecco, LuizGustavodeQuadros, André Teixeira, Thiago Souza, JimiScarparo, ArturA.Parad a, RicardoDib, Josemberg Campos, RenaMoon. Brazilian Intragastric Balloon Consensus Statement (BIBC): practical guidelines based on experience of over 40,000 cases. SOARD. 2017.

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Lesão de Dieulafoy: um desafio para o endoscopista

CASO 1

Paciente masculino de 65 anos em investigação de hepatopatia, apresentando episódios intermitentes de melena.  Já realizou 2 endoscopias e uma colonoscopia não evidenciando o foco do sangramento.   Hoje novo episódio de  melena e queda significativa da hemoglobina. Indicada nova endoscopia.

A endoscopia evidenciou um coágulo no ápice bulbar e após a sua remoção foi possível identificar um pequeno coto vascular com sangramento ativo. O coto foi tratado com injeção de solução de adrenalina seguida de aplicação de clipes.  O paciente não apresentou novos sangramentos.

CASO 2

Menino de 6 anos com início há 3 dias com quadros de enterorragias volumosas intermitentes. Admitido no hospital com Hb de 6,0.  Endoscopia digestiva alta normal.  Indicada colonoscopia.

Após o preparo o cólon estava limpo e não apresentava mais resíduos hemáticos.  No ceco foi identificado pequeno coágulo. Após a limpeza do ceco e  avaliação detalhada underwater foi observado que o coágulo estava aderido a um coto  vascular superficial com pequeno ponto de ruptura.  Foi realizada a aplicação de clipes e a criança não apresentou mais episódios de sangramento.

Lesão de Dieulafoy

A lesão de Dieulafoy foi descrita pelo cirurgião francês Paul Georges Dieulafoy em 1898 e é uma causa pouco frequente de hemorragia gastrointestinal, mas de relevância, pois geralmente se apresenta com sangramentos volumosos.  O grande desafio desta doença está no pequeno tamanho da lesão e na sua característica de sangramento intermitente com  uma  difícil localização endoscópica se o sangramento não estiver ativo.  Isso leva à sua clássica apresentação de hematêmese e melena com significativa queda de hemoglobina e um exame de endoscopia normal ou com achados que não explicam o sangramento.

Ficou curioso? Clique aqui https://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Georges_Dieulafoy

Patologia

As arteríolas normais da submucosa tem menos de 1 mm pois os vasos vão afilando progressivamente enquanto atravessam as camadas da parede do trato gastrointestinal.  A lesão de Dieulafoy é um desses vasos, mas que não afilou após atravessar a muscular e chega à camada submucosa com um calilbre de 1-3 mm. Este vaso corre tortuosamente na submucosa e protrui através da mucosa para a luz gástrica através de um pequeno defeito na mucosa de 2 a 5 mm geralmente sem sinais inflamatórios mas podendo apresentar uma pequena área de fibrina adjacente.

A) Arteríola aberrante dilatada na submucosa. B) Arteríola de calibre normal. C) Muscular própria

O estômago é o local mais comum, geralmente na pequena curvatura alta. Até 1/3  das lesões são extra-gástricas sendo o duodeno e o cólon os locais mais frequentes. Já foram descritas lesões de Dieulafoy no esôfago, intestino delgado, reto, canal anal e nos brônquios.

Etiologia

A lesão provavelmente é de origem congênita. Patologicamente o vaso é normal, reduzindo a probabilidade de causa aneuristmática. Também fortalece a teoria congênita os casos descritos de lesões de Dieulafoy em recém-nascidos.

Uma grande proporção dos pacientes com ruptura deste vaso está internado sugerindo que a lesão por estresse está envolvida no sangramento. A hemorragia pode ocorrer em qualquer faixa etária mas é mais frequente acima dos 60 anos e duas vezes mais frequente em homens do que em mulheres.  Comorbidades estão presentes em 90% dos pacientes sendo cardiopatias e insuficiência renal as mais comuns.  Drogas como anti inflamatórios, aspirina e warfarina também podem estar relacionadas com o aumento da incidência do sangramento.

Embora a patogenia exata do que leva ao sangramento de um vaso previamente assintomático não é completamente compreendida mas o consenso é de que alguma forma de lesão mucosa por erosão ou injúria isquêmica expõe o vaso e predispõe ao sangramento.

Apresentação Clínica e Diagnóstico

A lesão de Dieulafoy tipicamente se apresenta agudamente com hemorragia maciça que geralmente é recorrente.

A endoscopia digestiva alta é efetiva no diagnóstico em até 70% dos pacientes.  Porém, algumas vezes várias endoscopias podem ser necessárias  para se fazer o diagnóstico.  Até 6%  dos pacientes necessitam 3 ou mais exames endoscópicos para encontrar a lesão.  Entre os pacientes que o diagnóstico não foi feito na primeira endoscopia, 40% foi devido à presença de sangue acumulado impedindo a avaliação e 60% foi porque a lesão não pôde ser encontrada.

Existem relatos do uso de ecoendoscopia para identificar um vaso calibroso na submucosa mesmo na ausência de sangramento e também de seu uso para controle após tratamento endoscópico avaliando o desaparecimento do fluxo no vaso submucoso.

Características Endoscópicas da lesão de Dieulafoy

Os achados se dividem em 3 categorias:

  • Sangramento ativo que  pode ser em jato ou babação.
  • Coágulo aderido que após a lavagem evidencia  um mínimo defeito mucoso
  • Vaso visível isolado com mucosa normal adjacente ou com pequena quantidade de fibrina, menor que 5 mm, não associado à úlcera.

Da esquerda para a direita: Sangramento ativo em jato, sangramento ativo com vaso visível em babação, coágulo aderido, vaso visível com pequena quantidade de fibrina, menor que 5 mm.

Tratamento

O tratamento endoscópico é o método de escolha nas lesões acessíveis endoscopicamente.  O sucesso é reportado acima de 90%.  Podem ser utilizados métodos térmicos (heaterprobe, APC, coagrasper, eletrocoagulação com alça), injeção de agentes esclerosantes  e terapias mecânicas (ligadura elástica e clipes).    Cada técnica tem suas vantagens e desvantagens mas existe evidência na literatura de que as terapias mecânicas são mais efetivas.  Terapias combinadas também apresentam menores taxas de ressangramento quando comparadas com a monoterapia.

Tratamento endoscópico da lesão de Dieulafoy no duodeno. Superior da esquerda para a direita. a) coágulo aderido b)vaso visível com sangramento em babação após lavagem do coáugulo. c) escleroterapia com injeção de glicose e adrealina 1:10000. Inferior esquerda para a direita: d) aspecto após eslceroterapia. e)aplicação do primeiro clipe. e) aspecto após aplicação do segundo clipe.

A angiografia pode ser utilizada em casos que falham à terapia endoscópica. Nestes pacientes, a colocação de um clipe endoscópico próximo da lesão sangrante, quando possível, facilita bastante a localização da artéria a ser tratada. Esta técnica apresenta um risco considerável de isquemia na área da artéria obliterada que deve ser levado em conta no acompanhamento do paciente após o procedimento devido à possibilidade de perfuração tardia.

A angiografia é o método de escolha para lesões de Dieulafoy nos brônquios.

Angiografia demonstrando extravasamento de contraste em topografia gástrica. A seta demonstra a presença de um clipe endoscópico guiando o procedimento. Adaptado de Barbosa et. al 2016.

A cirurgia é reservada apenas para os  casos onde existe falha endoscópica e angiográfica.  O tratamento laparoscópico é possível e realizado através de ressecções em cunha ou gastrectomias parciais, mas depende da correta localização da lesão no  intra-operatório.  Por isso, nos pacientes que serão operados, a tatuagem endoscópica deve ser realizada para facilitar a identificação  da área a ser ressecada.

Pontos importantes

A lesão de Dieulafoy é um desafio diagnóstico e terapêutico.  Devemos sempre lembrar desta lesão nos casos de hemorragia obscura em todas as faixas etárias.

A repetição da endoscopia o mais precoce possível na recorrência da hemorragia permite a visualização do sangramento ativo facilitando muito a identificação da lesão.

O tratamento endoscópico é altamente efetivo e as terapias mecânicas são preferidas. Quando a posição da lesão não permitir a colocação de um clipe ou ligadura, terapias térmicas e injeção de agentes esclerosantes podem ser utilizados.

Referências

  1. Baxter M, Aly EH. Dieulafoy’s lesion: current trends in diagnosis and management. Ann R Coll Surg Engl. 2010;92(7):548‐554.
  2. Lee YT, Walmsley RS, Leong RW, Sung JJ. Dieulafoy’s lesion. Gastrointest Endosc. 2003;58:236–43.
  3. Clements J, Clements B, Loughrey M. Gastric Dieulafoy lesion: a rare cause of massive haematemesis in an elderly woman. Case Reports 2018;2018:bcr-2017-223615.
  4. Linda L. Manning-Dimmitt, Steven G. Dimmitt, and George R. Wilson, Am Fam Physician. 2005 Apr 1;71(7):1339-1346.
  5. Barosa, Rita et al. “Dieulafoy’s Lesion: The Role of Endoscopic Ultrasonography as a Roadmap.” GE – Portuguese Journal of Gastroenterology 24 (2016): 95 – 97.
  6. Ghazi Alshumrani, Angiographic findings and endovascular embolization in Dieulafoy disease: a case report and literature reviewDiagn Interv Radiol 2006; 12:151-154

Para saber mais:

Quiz – lesão de Dieulafoy
Lesão de Deiulafoy de Cárdia




Quiz! Endoscopia nas Complicações da Cirurgia Bariátrica

Paciente encaminhada para avaliação 3 meses após Gastrectomia Vertical (Sleeve).  Foi operada e reoperada 7 dias depois para drenagem abdominal devido à fístula. Apresentou boa evolução recebendo alta 1 semana depois.  No momento queixa-se de disfagia importante aceitando apenas líquidos e não conseguindo progredir a consistência da dieta. Apresenta 3 orifícios fistulosos cutâneos na incisão abdominal com débito baixo mas persistente.  IMC atual 25.

Tomografia: Descontinuidade na parede do estômago proximal  associado à formação de cavidade  perigástrica.  Trajeto fistuloso saindo da cavidade e terminando em   pequena coleção subfrênica.  Presença de um segundo  trajeto fistuloso saindo da cavidade perigástrica e terminando na região da incisão mediana abdominal.

Endoscopia: Presença de recesso de fundo gástrico. Sleeve com desvio de eixo,  transposto com leve resistência ao aparelho.  Presença de orifício fistuloso no ângulo de Hiss, medindo aproximadamente 10 mm.

Orifício fistuloso na linha de grampo do sleeve proximal com fio de sutura visível.

Fistulografia endoscópica:

Fistulografia onde se notam 2 trajetos fistulosos saindo da cavidade perigástrica. Um mais alto terminando na coleção subfrênica e outro mais longo e com trajeto inferior indo em direção à parede abdominal

 

 




Em quanto tempo devo indicar uma nova colonoscopia após uma polipectomia?


Este é um cenário que vivemos frequentemente nas nossas clínicas, consultórios e ambulatórios.  Quando realizamos  ou recebemos uma colonoscopia em que um ou mais pólipos foram ressecados, além de ver o resultado da biópsia para avaliar o tipo histológico e definir se a lesão foi adequadamente tratada é esperado que nós também saibamos como acompanhar de maneira adequada o paciente.  Para isso, saber recomendar um intervalo correto entre os exames é fundamental.

Para ajudar a responder esta pergunta  a US Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer publicou agora em 2020 na Gastroenterology uma  revisão focando em novos dados, publicados principalmente  após às últimas recomendações feitas em 2012.

As novas recomendações são discretamente mais complexas que a anterior, personalizando mais o seguimento e aumentando um pouco o intervalo em pacientes de baixo risco.

Resumo das recomendações de seguimento pós polipectomia

Antes de tudo é importante ressaltar que estas recomendações consideram que o cólon estava bem preparado e o exame foi realizado por um endoscopista experiente com uma taxa de detecção de adenomas adequada.  Exames com preparo ruim devem ser repetidos em um menor intervalo.

  • Pacientes com 1 ou 2 adenomas tubulares menores do que 10 mm: 7-10 anos
  • Pacientes com 3 ou 4 adenomas tubulares menores do que 10 mm: 3 – 5 anos.
  • Pacientes com 5 a 10 adenomas tubulares menores do que 10 mm: 3 anos.
  • Pacientes com mais de 10 adenomas no mesmo exames: 1 ano
  • Pacientes com 1 ou 2 pólipos serrados sésseis menores do que 10 mm: 3 – 5 anos.
  • Pacientes com pólipos hiperplásicos com mais de 10 mm: 3 – 5 anos.
  • Pacientes com adenomas avançados, pólipos serrados sésseis maiores do que 10 mm ou displásicos ou adenomas serrados tradicionais: 3 anos.
  • Pacientes submetidos à ressecção em fragmentos de um adenoma ou pólipo serrado séssil maiores do que 2 cm: 6 meses.

Confira também: Síndrome pós-polipectomia

Para quem quiser ler o artigo na íntegra segue a referência.   Boas colonoscopias!

Gupta S et al. Recommendations for follow-up after colonoscopy and polypectomy: A consensus update by the US Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer. Gastroenterology 2020 Feb 7; [e-pub]. (https://doi.org/10.1053/j.gastro.2019.10.026)




Recanalização endoscópica após obstrução completa do esôfago proximal

Paciente do sexo masculino de 65 anos evoluindo com afagia 6 meses após completar radio e quimioterapia para CA de laringe.
Realizou exame contrastado em que não houve passagem do meio de contraste para o esôfago e endoscopia confirmando obstrução completa logo abaixo do cricofaríngeo.
 

EED com ausência de progressão do contraste para o esôfago. Imagem endoscópica da obstrução e falha na tentativa de passagem de fio guia através da estenose.


 
O vídeo abaixo demonstra o tratamento da estenose completa através da técnica de Rendezvous utilizando um endoscópio via oral e outro endoscópio slim retrogradamente através da gastrostomia.

 
O paciente permaneceu com a prótese durante 3 semanas.  O plano era manter 4 semanas mas o paciente solicitou a remoção devido à intolerância.   Após a remoção foi iniciado programa de dilatação seriado associado ao uso de corticóide oral  (via gastrostomia) por um período de 8 semanas.
Atualmente ainda está em programa de dilatação (5 meses pós procedimento).  Mantém estenose anelar ao nível do cricofaríngeo com necessidade de dilatação a cada 15 dias com sondas guiadas indo até 14 mm.   Está apto à engolir saliva e comida pastosa e mantém terapia com fonoaudiólogo para reabilitação da deglutição.




QUIZ! Classificação JNET – Você acha que é bom o bastante?

Um grupo experiente incluindo 38 especialistas japoneses (Japan NBI Expert Team) se juntou para criar uma classificação utilizando NBI e magnificação para unificar as várias classificações existentes.

Desse encontro surgiu a classificação JNET que dividiu as lesões colorretais em 4 subtipos: 1; 2A; 2B (high e low) e 3 baseado nos padrões vascular e de superfície.

Baseado nessa classificação a histologia e a profundidade de invasão das lesões colorretais podem ser estimadas guiando a conduta terapêutica!

Se você quiser pode dar uma olhadinha no link abaixo para se preparar…

https://endoscopiaterapeutica.net/pt/classificacao/classificacao-endoscopica-de-cromoscopia-com-nbi-narrow-band-image-e-magnificacao-para-tumores-colorretais-proposta-pela-japan-nbi-expert-team-jnet/

Agora, se você acha que está preparado, é só rolar a tela e começar o super QUIZ abaixo!!!!

Link para saber mais sobre a classificação JNET 




QUIZ – Hipertrofia de pregas gástricas

Paciente do sexo feminino com 35 anos.  Queixa de distensão abdominal pós-prandial e eructações. Nega alteração do habito intestinal.   Fez tratamento para dispepsia sem melhora.

Nega comorbidades ou cirurgias prévias. Na história familiar,  relata que o pai apresentava bastante dor epigástrica, dificuldade para se alimentar, perdeu bastante peso e faleceu aos 39 anos de uma doença não definida.

Foi submetida a uma endoscopia com o achado abaixo:

 

Realizadas biópsias gástricas que revelaram gastrite crônica inativa com leve infiltrado linfocítico.