Sedação em endoscopia digestiva: estudo prospectivo comparando administração de propofol por não anestesistas e por anestesistas.
Um dos grandes fatores que medem um serviço de endoscopia é a satisfação do paciente. E este quesito muitas vezes se refere apenas ao conforto durante a sedação. A maioria dos pacientes não vai entender se o laudo foi bem elaborado, se as fotos do exame são de qualidade, vão confiar que a higienização dos materiais e a qualidade dos aparelhos sejam as melhores, porém, o que vai determinar que este paciente retorne , ou indique o seu serviço, é a qualidade da sedação. Aprendemos, em programas de residência de qualidade, que a maioria dos pacientes não quer ver ou lembrar do momento da realização do exame. Para tal, uma boa sedação, que possa aliviar a ansiedade, proporcionar boa analgesia, se possível com amnésia anterógrada, e principalmente a hipnose, é fundamental. A pronta recuperação também é outro fator importante para o paciente, já que várias drogas podem causar sonolência durante todo o dia, ou reações de náuseas , mal estar e vômitos.
Aqui, você pode encontrar uma ótima revisão sobre os passos para uma boa sedação.
Neste contexto, tem ganhado força o uso do propofol. Uma substância hipnótica poderosa, de ação rápida e meia vida curta, que, combinado com uso de doses menores de outros sedativos (como benzodiazepínicos e opiáceos), gera uma sedação de qualidade, com poucos efeitos colaterais. Porém seu uso indiscriminado no Brasil ainda não é permitido, por orientação do Conselho Federal de Medicina, estando seu uso restrito a anestesista, ou em locais com mais de um médico durante o procedimento.
Neste estudo (“Sedation in gastrointestinal endoscopy: a prospective study comparing nonanesthesiologist-administered propofol and monitored anesthesia care”), publicado pela Endoscopy Internacional Open, em fevereiro de 2015, os autores comparam dois grupos de pacientes, um onde foi administrado propofol e outros medicamentos pelo endoscopista – GRUPO NA (na presença, mas sem intervenção, do anestesista), e outro grupo, o GRUPO A, onde a sedação era realizada pelo anestesistas. As dosagens inicias de medicação (0,5 mg/kg de propofol), dosagens subsequentes (incrementos de 10 a 20 mg a cada 2 minutos), e uso ou não de fentanil foram semelhantes nos dois grupos.
Alguns pontos foram escolhidos para análise:
- Tipo e dosagem de drogas utilizadas
- Nível de sedação
- Saturação mínima de oxigênio
- Pressão arterial média
- Duração do procedimento endoscópico
- Duração da sedação/anestesia
- Complicações
- Medidas para tratamento das complicações.
Mil pacientes foram alocados em cada grupo (podendo ter realizado endoscopia , colonoscopia ou ambos), a maioria com risco cirúrgico ASA I ou II.
Como resultados de destaque para os exames de endoscopia digestiva alta temos: maior número de pacientes que atingiram sedação profunda no GRUPO A (cerca de 85 % vs 45%), tempo de sedação e de procedimento mais curto para o GRUPO A, e maior número de episódios de agitação e “acordar durante o exame ” no GRUPO A. Não houve diferença entre os dois grupos para os demais parâmetros.
Para os exames de colonoscopia temos: duração maior do procedimento para os pacientes do GRUPO A (22 vs 17 minutos em média), e maior número de pacientes com queda de pressão (maior que 20%), agitação e “acordar durante o exame ” para o GRUPO A.
Para os procedimento de endoscopia e colonoscopia durante a mesma sedação, temos que os tempos de procedimento e de sedação foram menores para o GRUPO A.
Em todos os exames não houve diferença estatística entre os grupos para episódios de queda de saturação, e necessidade de manobras de ventilação (que foram maiores no GRUPO A).
Todos os pacientes ficaram satisfeitos com a sedação e repetiriam o exame.
Este estudo nacional, realizado em um grande hospital privado, mostra a segurança do uso de sedação com propofol. A literatura tem mostrado vários trabalhos onde a infusão de propofol, controlada por enfermeira treinada, mostrou-se segura.
Porém a sociedade americana de anestesia classifica o propofol como droga que pode levar a sedação profunda, portanto, deve ser administrada por profissional anestesista. No Brasil, resolução do CFM diz que procedimentos com sedação profunda devem ser realizados por dois médicos, sendo que um deles não estará realizando o exame e deve ser treinado em manobras de ressuscitação.
Estas duas resoluções, uma em nível mundial e outra em nível nacional, são antigas e anteriores ao novos estudos, e acabam não possibilitando que a maioria das clínicas possa ter acesso a uma sedação de maior qualidade e conforto, tanto para o paciente, como para a equipe médica.
Fica claro que novos estudos devem ser realizados, para também demonstrarem a segurança do uso do propofol por profissionais não médicos, cabendo aos conselhos estaduais e as sociedades de especialistas fiscalizarem as clínicas, com identificação daquelas que têm material humano (especialista em endoscopia), técnico (materiais de emergência, desfibriladores, drogas, materiais de via aérea e etc) e condições físicas (acesso fácil a macas, remoção por ambulâncias, serviço hospitalar de referência) para atendimento em situações de urgência.
Para pacientes de baixo risco, em procedimentos diagnósticos ou terapêuticos simples, o uso de propofol parece ser adequado e seguro. Vale lembrar que geralmente os endoscopistas tendem a usar doses menores de sedativos que os anestesistas, aumentando o perfil de segurança da medicação. Por fim, para pacientes graves, procedimentos longos, ou crianças, é indispensável a presença do anestesista.
Artigo original (open acces):
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