Há uma idade limite para o rastreamento de câncer de cólon?

Atualmente, várias entidades médicas discutem em qual idade começar o screening colonoscópico para o câncer de cólon e suas lesões precursoras em pacientes sem risco de câncer ou síndromes genéticas. Para esses casos, aparentemente, a idade ideal de início do rastreio deva ser aos 45 anos, 5 anos antes do que se orientava anteriormente.

Mas quando parar? Existe uma idade limite, na qual não se orienta mais realizar o screening colonoscópico?

Nos guidelines de recomendações de screening da ASGE, conjunta com a U.S. Multy-Society task Force on Colorectal Cancer, diz que o screening é potencialmente benéfico para pacientes até cerca de 86 anos, que nunca fizeram colonoscopia antes, porém levando em conta a expectativa de vida e comorbidades. Caso o paciente possua exames de rastreios negativos nos últimos anos, em especial colonoscopias, o rastreio pode ser encerrado aos 75 anos. Uma variação dessa recomendação diz que, se a expectativa de vida (baseada nas comorbidades e estado atual de saúde do paciente) for de menos de dez anos , o screening pode ser encerrado.

Em seu site, a Clínica Mayo orienta que o screening, após os 75 anos, deve ser indicado a paciente com risco de câncer, como antecedente familiar, diagnóstico anterior de câncer ou colonoscopias prévias com pólipos adenomatosos.

O Center for Diseases Control and Prevention, em seu site para pacientes, orienta screening dos 45 aos 75 anos, porém não especifica se após essa idade há situações de indicação.

As recomendações do site de revisões UpToDate sobre screening de câncer colorretal também seguem as orientações da ASGE, discutindo, porém, que o momento de parada deve ser individualizada e envolve uma decisão conjunta do médico e paciente, levando em conta as comorbidades do paciente, sua expectativa de vida, resultados de exames anteriores e também suas expectativas com relação ao exame e sua vontade de realizá-lo.

Assim, orienta-se o screening até os 75 anos, se houver expectativa de vida maior de 10 anos, ou em até mais velhos, caso nunca tenham realizado uma colonoscopia. Entre os 76 e 85 anos, a decisão deve levar em conta a vontade do paciente, seu estado de saúde e resultados de testes anteriores.

Apesar das recomendações, nenhuma das anteriores indica uma idade limite. Apenas a American Cancer Society realmente coloca a idade de 85 anos para término do screening, sem exceções.

O American College of Gastroenterology não possui orientações para o término do rastreio, assim como o site do Inca (Instituto Nacional de Câncer) no Brasil.

Lembrando que o screening pode ser feito também com tomografia computadorizada, teste de sangue oculto, cápsula endoscópica e outros. Logicamente, a colonoscopia é a melhor opção, porém, mais invasiva. Assim, podemos, mesmo em pacientes mais idosos e debilitados, ainda oferecer algum exame de rastreio, já que, nessa idade, a cancerofobia é um importante fator limitador de qualidade de vida.

Em minha prática clínica, com relação à colonoscopia, a idade não é o limite, mas sim as comorbidades e a avaliação de risco cardiológico, e, principalmente, a vontade do paciente de ser submetido a um exame, seja ele qual for.

Também, nunca deixei de realizar exame solicitado por outro colega em pacientes idosos, desde que a avaliação de risco cardiológico e a situação clínica do paciente permitam o exame.

E você, como procede em sua clínica?

Como citar esse artigo:

Sauniti G. Há uma idade limite para o rastreamento de câncer de cólon? Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/aerossois-e-transmissibilidade-na-pratica-endoscopica-a-duvida-que-paira-no-ar/

Bibliografia

  1. ASGE GUIDELINES: Colorectal cancer screening: Recommendations for physicians and patients from the U.S. Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer.
  2. UpToDate 2020.
  3. CDC WEBSITE.
  4. American Cancer Society Guideline for Colorectal Cancer Screening.
  5. Appointments at Mayo Clinic: Colon Cancer screening: At what age can you stop?

 

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QUIZ! Sabe sobre coledocolitíase ou só sobre COVID-19?




Assuntos Gerais : Pólipos de Glâdulas Fúndicas

Os pólipos gástricos ocorrem em cerca de 6% das endoscopias digestivas altas nos EUA, sendo os Pólipos de Glândulas Fúndicas (PGF) mais comuns. Estudo retrospectivo de 2008, mostra que em 121.564  endoscopias realizadas em clínicas privadas de 36 estados americanos, atestaram um total de 6,35% de presença de pólipos, destes, 77% PGF, 17% hiperplásicos e cerca de 0,7% de adenomas.

Em sua grande maioria, os PGF são achados de exame. Mais comumente presente em mulheres de meia idade, tipicamente são sésseis, pequenos, de tamanho variando entre 3 e 8mm (em média 5mm), podendo ser únicos ou múltiplos, na maioria das vezes localizados no corpo gástrico. Sua aparência é clássica, recoberta por mucosa foveolar normal, o que facilita sua identificação pela maioria dos endoscopistas. Porém, a análise histopatológica deve ser sempre realizada, confirmando o achado.

O PGF microscopicamente consiste em glândulas oxínticas fúndicas dilatadas revestidas por células parietais  ou mucosas achatadas.

A maioria dos PGF são esporádicos, porém podem estar associados a Polipose Adenomatosa Familiar (PAF) e polipose associado a MUTYH, chamados então de sindrômicos. Pacientes com FAP podem apresentar PGF em 20 a 100% dos casos.

A presença de displasia é extremamente rara nos casos de PGF esporádicos. Estudo retrospectivo com 35.000 PGF esporádicos demonstrou achado de displasia de baixo grau em 0,3%, e mais raro ainda as de alto grau (displasia eram mais comuns nos pólipos acima de 10 mm). Não há descrição de evolução para câncer gástrico.

Não é possível a distinção endoscópica entre os pólipos esporádicos e os sindrômicos, porém, os sindrômicos surgem de mutações no gene da beta catenina, uma mutação característica do gene APC, e nesses casos, há displasia em cerca de 25 a 62% dos pólipos. Assim, em endoscopia com achado de grande quantidade de pólipos, principalmente em jovens sem uso de inibidores de bomba de prótons (PPI) e na presença de displasia, deve levantar a suspeita para Polipose Adenomatosa Familiar, e o paciente investigado.

Há associação importante com uso de PPI. Estudo recente demonstrou que o uso de PPI por mais de 5 anos aumenta o risco de PGF em até 4 vezes, e a suspensão do uso de PPI pode regredir o quadro. Esta relação aparentemente é devido ao aumento da gastrina circulante e hiperplasia das células enterocromafins, o que também explicaria o achado de PGF em casos de gastrinoma.

CONSIDERAÇÕES

Como já descrito o achado de PGF é incidental, em pacientes com sintomas diversos do trato gastro intestinal que realizam endoscopia, não havendo sintoma ou sinal característico. Está indicada sempre a ressecção de alguns pólipos para avaliação e confirmação histológica, de preferência os ulcerados, maiores que 10mm, ou locados em antro. A possibilidade de PAF dever ser admitida em pacientes com mais de 20 pólipos, pólipos em antro, concomitantes com adenomas de duodeno, sendo indicada a colonoscopia.

Se a análise anatomopatológica não indicar displasia, não está indicada vigilância endoscópica após a primeira endoscopia, nem a retirada de todos os pólipos. Se possível deve ser cessado o uso de PPI . Quando há achado de displasia, apesar de não haver consenso, pode-se repetir endoscopia a cada ano, ou se não houve retirada total da lesão ou presença de displasia de alto grau, nova endoscopia em seis meses deve ser realizada. Estes intervalos parecem ser adequados dado a lenta evolução deste tipo de lesão, sendo descrito que a recorrência ocorre em média após cerca de 35 meses. Caso exista relação com PAF, a doença intestinal dita a conduta.

BIBLIOGRAFIA :

Tran-Duy A, Spaetgens B, Hoes AW, de Wit NJ, Stehouwer CD. Use of Proton Pump Inhibitors and Risks of Fundic Gland Polyps and Gastric Cancer: Systematic Review and Meta-analysis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2016 Dec;14(12):1706-1719.e5.

Cheesman AR, Greenwald DA, Shah SC. Current Management of Benign Epithelial Gastric Polyps. Curr Treat Options Gastroenterol. 2017 Dec;15(4):676-690. 

 Freeman HJ. Proton pump inhibitors and an emerging epidemic of gastric fundic gland polyposis. World J Gastroenterol. 2008 Mar 7;14(9):1318-20. 

Saiba também sobre: Hiperplasia foveolar




Assuntos Gerais: Lesão de Dieulafoy.

 

A Lesão de Dieulafoy (LD) foi primeiramente descrita em 1884 por Gallarden, e caracterizada em 1898 pelo cirurgião George Dieulafoy, após descrição de três casos de hemorragia gastrointestinal fatal em jovens, ganhando assim seu nome. Acreditava na época, que o sangramento era causado por uma úlcera em estado hiper agudo.

É uma causa rara, porém importante de sangramento gastrointestinal, presente em cerca de 6% dos casos de hemorragia alta não varicosa e respondendo por até cerca de 2% dos casos de hemorragia do trato gastrointestinal. Atualmente ainda tem mortalidade alta, de cerca de 8 a 10% dos casos.

 

Georges Dieulafoy (1839–1911)
The picture is considered to be in the public domain from the
National Library of Medicine <http://ihm.nlm.mih.gov)>

 

 

Normalmente os vasos arteriais, ao atravessarem a parede dos órgãos em direção a mucosa, vão ficando progressivamente mais finos. Na LD esses vasos se mantém ainda calibrosos, com cerca de 1 a 3 mm na submucosa (cerca de 10 x o diâmetro habitual das arteríolas neste local), percorrendo a mesma em um curso tortuoso, até acabar ganhando a luz do órgão, em falhas pequenas na mucosa (2 a 5mm). São mais comuns no estômago (71%), seguido pelo duodeno e cólons, ocorrendo também em sítios extra gastrointestinais como os bronquios. No estômago, em geral são encontrados na pequena curvatura, cerca de 6 cm abaixo da transição esôfago gástrica, provavelmente por esta região ser de irrigação direta da artéria gástrica esquerda.

Não são conhecidos os fatores que levam ao sangramento do vaso anômalo, podendo ser secundário a pressão que o mesmo exerce na mucosa, levando a erosão e isquemia local, expondo o vaso ao conteúdo gastrointestinal, lesando-o primariamente. Também se propõe que esta exposição possa levar a trombose e isquemia do vaso, com posterior sangramento. As revisões mostram que as LD (com sangramento) são mais comuns em homens idosos, internados, com comorbidades cardíacas e renais, em uso de AINES ou warfarina.

A apresentação habitual é de quadro de sangramento gastrointestinal importante, recorrente e indolor, exteriorizado como melena (44%) e hematêmese (30%) mais comumente.

O exame diagnóstico de escolha é a endoscopia digestiva alta. É efetivo em mais de 90% dos casos, porém, podem ser necessários mais de um procedimento em cerca de 6% dos pacientes. O médico deve ter um alto grau de suspeita do quadro, já que o achado endoscópico pode ser difícil, pois a lesão em geral é pequena, pode não estar sangrando durante o exame, e a presença de sangue em grande quantidade pode impedir o diagnóstico. Nestes casos, pode-se realizar a “técnica provocativa”, que seria instilação de grande volume do soro no cárdia e pequena curvatura, causando sangramento e identificando a lesão, ou mesmo, uma segunda endoscopia após 12 a 24 horas (second look).  Três são os achados endoscópicos compatíveis com LD : Sangramento em babação ou arterial por defeito mucoso (menor que 3mm) em área mucosa normal , visualização de vaso sem sangramento por pequeno defeito mucoso em área mucosa normal, presença de coágulo denso, aderido a um ponto estreito de mucosa normal ou com leve defeito.

Outros métodos diagnósticos podem ser utilizados, sendo descrito o uso de Ultrassonografia Endoscópica em quadros agudos, a angiografia (na falha da endoscopia, com paciente ainda sangrando e principalmente em sítios fora do estômago) e cintilografia com hemácias marcadas.

O tratamento incialmente era cirúrgico no passado, porém com a evolução das técnicas de hemostasia endoscópica, esta passou a ser o método de escolha. Assms, a mortalidade caiu de cerca de 80% para 8,6% na era da endoscopia.

Qualquer técnica endoscópica de hemostasia pode ser utilizada, sendo indicada aquela em que o médico e o serviço tenham mais experiência. Porém, alguns estudos sugerem que as técnicas com hemostasia mecânica (ligadura elástica e hemoclipes) possam ser superiores as técnicas térmica e de injeção. Metanálise de 2018, comparando ligadura elástica versos hemoclipe mostrou que as duas eram eficazes, sem haver diferença de efetividade, efeitos colateriais ou taxas de ressangramentos entre elas.  As opções secundárias, e em geral reservadas para os casos refratários as técnicas endoscópicas, seriam o uso de embolização por angiografia, e por fim, a cirurgia (cerca de 5% dos casos)

O ressangramento das LD após tratamento é alto, sendo descrito de 9 até 40% dos casos, mais comumente quando foi realizada apenas monoterapia endoscópica. Estudo retrospectivo de 2015 espanhol, demonstrou ressangramento em cerca de 20% dos pacientes, porém retratados por endoscopia com sucesso de 100% Identificaram que a monoterapia apenas com injeção, e os casos diagnosticados com sangramento arterial ativos foram os mais propensos a ressangramento.

Por fim, como já exposto, a evolução da endoscopia reduziu drasticamente a mortalidade nos casos de LD, sendo proposto um prognóstico geral melhor para os quadros de LD em comparação a sangramentos por úlceras gastroduodenais.

 

 

Lesão de Diuelafoy de duodeno

 

 

Lesão de Diuelafoy de duodeno

 

 

LD pós tratamento duplo com clipe + injeção adrenalina

 

 

LD pós tratamento duplo com clipe + injeção adrenalina

 

QUIZ DE DIEULAFOY

Lesão de Dieulafoy

 

Bibliografia :

Baxter M, Aly EH. Dieulafoy’s lesion: current trends in diagnosis andmanagement. Ann R Coll Surg Engl. 2010 Oct;92(7):548-54. doi:10.1308/003588410X12699663905311.

Jamanca-Poma Y, Velasco-Guardado A, Piñero-Pérez C, Calderón-Begazo R,Umaña-Mejía J, Geijo-Martínez F, Rodríguez-Pérez A. Prognostic factors for recurrence of gastrointestinal bleeding due to Dieulafoy’s lesion. World J Gastroenterol. 2012 Oct 28;18(40):5734-8. doi: 10.3748/wjg.v18.i40.5734.

Parikh K, Ali MA, Wong RC. Unusual Causes of Upper Gastrointestinal Bleeding.Gastrointest Endosc Clin N Am. 2015 Jul;25(3):583-605. doi:10.1016/j.giec.2015.02.009.

 Jeon HK, Kim GH. Endoscopic Management of Dieulafoy’s Lesion. Clin Endosc. 2015 Mar;48(2):112-20. doi: 10.5946/ce.2015.48.2.112.

Barakat M, Hamed A, Shady A, Homsi M, Eskaros S. Endoscopic band ligation versus endoscopic hemoclip placement for Dieulafoy’s lesion: a meta-analysis. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2018 Sep;30(9):995-996. doi: 10.1097/MEG.0000000000001179 

Confira também: Principais lesões que acometem os endoscopistas




QUIZ ! Lesão esofágica.

Paciente com 38 anos, em avaliação de pirose e regurgitação de longa data, realiza endoscopia, com o seguinte achado em terço distal de esôfago:

Lesão esofágica a luz branca

Lesão esofágica ao NBI.

 




Caso clínico: Doença de Crohn de íleo terminal e válvula ileocecal.

Paciente M.D., sexo feminino 36 anos. Diagnóstico de Doença de Crohn após falha de tratamento de fístula perineal complexa, de difícil controle clínico em 2014.
Em 2014, foi encaminhada para proctologista, que realizou colonoscopia, detecatndo ulcerações profundas em íleo terminal, deformidade de vávula íleocecal e leve proctite (figuras 1 a 5) As biópsias confirmaram padrão histológicos sugestivo de Doença de Crohn. Também foi realizada a época tomografia computadorizada, que evidenciou espessamento de segmento de cerca de 10 cm do íleo terminal.

Figura 1 :  Proctite Leve


Figura 2 : Proctite leve


Figura 3 : Íleite terminal com ulcerações


Figura 4 : Íleite terminal com ulcerações



Figura 5 : CecoFoi iniciado então terapia com Adalimumabe + Azatioprina e tratamento com seton da fístula, sendo que a paciente apresentou melhora clínica, com remissão e marcadores inflamatórios com melhora.
Em 2016,durante acompanhamento, foi detectado aumento de calprotectina fecal, sendo realizada nova colonoscopia, que demostrava recidiva da doença em íleo terminal, agora sendo possível apenas a avaliação dos primeiros centímetros do íleo terminal, já se notando estenose ileal e dificuldade de entrada na válvula íleocecal, por deformidade da mesma. (figuras 6 a 8).

Figura 6: Ceco


Figura 7 : Íleo Terminal


Figura 8 : Íleo Terminal


Devido a recidiva, optou-se por otimizar a dose de Adalimumabe semanal, mantendo o paciente bem ate junho de 2016.
Em dezembro de 2016, paciente apresentou novo aumento de calprotectina fecal, optando-se agora pela troca de medicamento em uso. Iniciou-se Infliximabe associado a azatioprina, mantendo-se o paciente em remissão. Uma colonoscopia realizada ao fim de 2017 mostrava agora um estenose em válvula íleocecal, não sendo possível avaliar o íleo terminal adequadamente (figuras 9 e 10).

Figura 10 : Estenose de válvula íleo cecal.


Figura 9 : Estenose de válvula íleo cecal.


 
Paciente se manteve assintomático, com remissão clínica e laboratorial até dezembro de 2018, quando começou a apresentar quadros de suboclusão e dor abdominal alguma horas após se alimentar. Nova colonoscopia confirmou o quadro de estenose de vávula ileocecal (figuras 11 a 13)

Figura 11: Ceco


Figura 12: Válvula ileocecal


Figura 13: Válvula íleocecal.


Assim, devido aos achados da colonoscopia, associado a sintomatologia, optou-se por realizar a dilatação de válvula íleocecal. Em tempo, paciente se recusou a realizar enteroressonância, por fobia, para avaliar outras possíveis estenoses ileais.
Para a dilatação, utilizou-se balão tipo C.R.E., guiado, estagiado nos tamanhos 12-13,5-15mm, preenchido com água, mantendo-se cerca de um minuto em cada estágio (três minutos no último estágio), sendo a dilatação repetida duas vezes antes da retirada do balão:

É possivel avaliar ao final do vídeo, que não havia doença ao nível da estenose, que era curta, e com nítida dilatação do íleo terminal a montante. Também se verifica a presença de grande úlceração isolada em íleo terminal, sugestiva de reativação da doença.
Hoje, passados dois meses da dilatação, paciente segue assintomática, tendo sido reajustada a dose de Infliximabe.
 
 
 




QUIZ! Achado em antro gástrico. Você acerta esta aqui?

Paciente de 31 anos encaminhado ao cirurgião para “gastrectomia por GIST gástrico”. Paciente nega qualquer sintoma no momento, tendo realizado endoscopia por queixas dispépticas há cerca de 4 meses. Traz o exame de endoscopia (fotos de interesse abaixo), não tendo sido realizadas biópsias.

 




CPRE em mulheres grávidas é seguro ?

Já são muito bem reportados todos os benefícios que os procedimentos endoscópicos podem trazer atualmente aos nossos pacientes. Porém, para uma especial parcela destes pacientes, as gestantes, a eficácia clínica e segurança ainda suscitam dúvidas.

As gestantes estão sujeitas a vários riscos durante os procedimentos endoscópicos, como hipóxia e hipotensão, parto prematuro, trauma e teratogênese. Como regra, os procedimentos devem ser adiados para após o parto.

Porém, as gestantes também estão sujeitas à várias urgências, como : hemorragias digestivas, obstruções intestinais, neoplasias, dificuldade de alimentações e outras, que demandam a realização de procedimentos endoscópicos. Dentre estes, a coledocolitíase é umas das complicações que podem ocorrer durante a gestação e as vantagens de um procedimento menos invasivo, como a colangiografia retrógrada endoscópica (CPRE), são maiores em relação à procedimentos abertos. Outras situações que podem requerer uma CPRE durante a gestação e que dificilmente podem ser postergadas para depois do término da gravidez são: obstruções biliares malignas, colangite e  fístulas ou estenoses biliares.

A gravidez aumenta a chance de colelitíase pois o estrógeno produz aumento na síntese de colesterol, aumentando sua saturação na bile, associado a menor motilidade da vesícula, causada pela progesterona. Apesar da prevalência de 3 a 12% de colelitíase, a coledocolitíase é estimada em cerca de 1 em cada 1000 gestações.

Preparo:

A segurança do procedimento deve abranger todas as áreas. Deve-se sempre contar com a avaliação e sedação pela equipe de anestesia, que será responsável pela escolha das drogas, conforme o trimestre de gestação, manutenção de oxigenação e pressão arterial adequada. A equipe de ginecologia deve ser consultada, com avaliação do feto antes e depois do procedimento. Por fim, o procedimento obrigatoriamente deve ser realizado por profissional capacitado, e com larga experiência, sendo que médicos em treinamento ou profissionais com poucos procedimentos não devem realizar CPRE em gestantes, sem supervisão.

Indicação e tempo de realização:

A indicação adequada é fundamental. Apenas procedimentos com intuito terapêutico devem ser realizados, visto que as complicações habituais da CPRE, podem ser potencialmente mais graves em gestantes.  Colangite, pancreatites biliares graves, coledocolitíase ou lesões ductais são as indicações mais comuns. Vale citar, que adiar procedimentos com indicação formal, com frequência é uma conduta mais deletéria do que possíveis riscos da CPRE.

Em geral, há maior preocupação em indicar procedimentos endoscópicos no primeiro trimestre. Em estudo retrospectivo, CPREs realizadas no primeiro trimestre não diferiram em número de complicações em relação a população geral, porém, houve maior taxa de nascidos pré termo e de baixo peso. Entretanto, também se demonstrou em outro estudo, que a conduta conservadora em pacientes com coledocolitíase levou a maior número de complicações, reinternações , e por fim, maior número de cesarianas. Assim , o tempo ideal de indicação ainda não foi definido.

Precauções:

Radiação

A exposição à radiação é um fator de grande importância e o de maior preocupação. Esta pode ser extremamente deletéria, causando alterações que inclusive podem levar ao abortamento, ou acumulativas, causando danos após longos períodos, como a leucemia. Não há protocolos ou estudos que possam afirmar com certeza os níveis de radiação de segurança. Algumas sociedades de obstetrícia publicaram que um nível de radiação abaixo de 50 mGy estão associados a baixas taxas de aborto e má formações (14s de fluoroscopia em geral liberam cerca de 0,5 mGy de radiação).  Há grande variação pessoal na absorção de radiação, assim não se pode estabelecer padrões. Outros fatores como, tipo de equipamento, uso de proteção, posicionamento do paciente e técnica do endoscopista, parecem ser tão importantes quanto o tempo de fluoroscopia. Deve-se sempre ter em mente, que os efeitos são mais nocivos no primeiro trimestre (efeito tudo ou nada), e sugere-se que toda mulher em idade reprodutiva realize teste de gravidez antes de ser submetida a CPRE.

Várias medidas podem ser adotadas visando diminuir o tempo de exposição:

  • Usar o menor tempo possível para adquirir imagem necessária.
  • Intensificador de imagem o mais próximo possível do paciente
  • Usar colimadores
  • Evitar modos de zoom
  • Utilizar equipamentos modernos com modulação manual de potência (mínimo de 75 Kv)
  • Evitar fotografar procedimentos (há maior dose de radiação em equipamentos que guardam imagens)
  • Utilizar proteção – aventais de chumbo

Há várias publicações, com baixo número de pacientes, de CPRE sem uso de fluoroscopia. Em geral, são procedimentos onde após cateterização profunda (técnica americana, com introdução de cateter tipo “tandem”) onde há aspiração com saída de bile, seguida pela colocação do fio guia e papilotomia com remoção dos cálculos (nota do editor: aparentemente há a certeza do número de cálculos por exames de imagem anteriores). Há também descrição do procedimento em duas etapas, sendo a primeira etapa com colocação de prótese (com técnica semelhante a anterior), e a segunda, após nascimento, com terapia definitiva. Não há indicação formal de nenhum tipo de terapia sem radiação, por falta de estudos.

Bisturi elétrico

O líquido amniótico conduz corrente elétrica, assim a placa do bisturi elétrico deve ser posicionada acima do abdômen (tórax de preferência).

Complicações:

Há poucos estudos específicos com gestantes, mas os dados demonstram que as taxas de perfuração, sangramento e infecção não diferem da população normal submetida à CPRE. Porém, há maior taxa de pancreatite (12% vs 5%), provavelmente pela maior dificuldade do procedimento (uso de fluroroscopia, alterações anatômicas) e menor uso de stents pancreáticos.

Em suma, diante de uma indicação formal de terapêutica por CPRE, com equipe e materiais adequados, e com os cuidados acima, os procedimentos são seguros, e de pouco risco para o feto e para a mãe.

Particularmente tenho pouca experiência, tendo realizado apenas 3 CPREs em gestantes. Uma no primeiro trimestre, uma no segundo e uma no terceiro. Todas com coledocolitíase e icterícia. As três foram monitoradas com cardiotocografia e ultrassonografia fetal imediatamente antes e após o procedimento. Todas em posição supina, com avental duplo sob o dorso e sobre o abdômen. Em uma delas (primeiro trimestre), utilizei gadolínio como contraste, por orientação da equipe de ginecologia, para evitar possíveis má formações de tireoide (aparentemente este risco está restrito ao uso de iodo endovenoso). Os procedimentos não tiveram qualquer tipo de complicação. Foram resolutivos e com baixo tempo de uso total de radiação (menor que 1 minuto). Não houve acompanhamento pós exame.

Portanto, CPREs em gestante são raras, porém, podemos ser solicitados a avaliar e realizar o procedimento em gestantes.

Você tem experiência? Comente abaixo e divida seu conhecimento com a gente!

Veja mais sobre Endoscopia

Bibliografia :

  1. Savas N. Gastrointestinal endoscopy in pregnancy. World J Gastroenterol. 2014 Nov 7;20(41):15241-52. doi:10.3748/wjg.v20.i41.15241. – Open Acces
  2. Agcaoglu O, Ozcinar B, Gok AF, Yanar F, Yanar H, Ertekin C, Gunay K. ERCP without radiation during pregnancy in the minimal invasive world. Arch Gynecol Obstet. 2013 Dec;288(6):1275-8. doi: 10.1007/s00404-013-2890-0.
  3. Magno-Pereira V, Moutinho-Ribeiro P, Macedo G. Demystifying endoscopicretrograde cholangiopancreatography (ERCP) during pregnancy. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2017 Dec;219:35-39. doi: 10.1016/j.ejogrb.2017.10.008.

Confira também: CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II




Caso Clínico – Fístula biliar pós trauma abdominal fechado

Relato do caso:

Paciente do sexo masculino, com 43 anos de idade, deu entrada no pronto socorro, após ter evadido de outro hospital .

Tinha antecedente de trauma abdominal fechado, após queda de andaime (7 metros), estando internado com conduta não cirúrgica por cerca de 18 dias. Após este período, “fugiu” do hospital de origem e procurou atendimento no PS-HC Marília.

Na entrada, apresentava-se estável hemodinamicamente, porém  emagrecido (estava em jejum desde o trauma), com dor em andar superior de abdômen, sinais de ascite volumosa, além de anasarca e leve icterícia. Foi submetido a tomografia de abdômen com contraste, que evidenciou laceração hepática Grau III, coleções subcapsulares  e volumosa ascite. Optou-se por realizar paracentese, com saída de cerca de 11 litros de secreção biliar.

Laceração hepática Grau III

 

Volumosa ascite

Paracentese com bile

 

Diagnosticada a fístula biliar, paciente foi submetido a Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE), com papilotomia, sendo evidenciada fístula biliar em ramos secundários a direita. Não foi possível a colocação de prótese (em falta no serviço).

Fístula biliar

Fístula biliar

Após a CPRE, paciente ainda realizou outra paracentese com saída de cerca de 2 litros de bile. Neste momento, foi submetido a laparoscopia, com colocação de dreno perihepático com dificuldade (muitas aderências), para auxiliar na drenagem.

Mesmo com a drenagem externa paciente evoluiu com febre, e dor abdominal, sendo submetido a laparotomia exploradora, com drenagem de múltiplas coleções cavitárias. Foi necessário realizar peritoniostomia, para lavagens frequentes da cavidade. Em nenhuma das abordagens foi possível avaliar a lesão hepática ou tentar alguma terapêutica adicional sobre as vias biliares.

Após boa evolução, com parada de drenagem de bile e secreção purulenta, paciente foi submetido a fechamento da cavidade, pode ser realimentado oralmente, teve boa evolução e posterior alta, encontrando-se atualmente bem, trabalhando e sem alterações biliares.

 

Discussão:

Recentemente vem ganhando terreno as terapias não invasivas para traumas abdominais fechados, em especial de vísceras maciças, como rins, baço e fígado. As melhores condições de cuidados em UTI, associadas a evolução dos procedimentos diagnósticos e intervenções minimalistas, fazem com que terapias não operativas sejam a escolha em pacientes com lesões graves, antes sempre cirúrgicas, como lesões hepáticas acima de grau III.

A escolha da terapia não operativa em paciente com trauma abdominal fechado não reside apenas no grau de lesão das vísceras envolvidas (no caso vísceras maciças), mas na estabilidade hemodinâmica do paciente. Pacientes instáveis, são encaminhados imediatamente a cirurgia. Pacientes estáveis, são submetidos a exame de imagem, diagnóstico do tipo de lesão, e acompanhamento em UTI.

Especificamente no trauma hepático fechado, a principal preocupação e complicação é o sangramento. As fístulas biliares são incomuns, ocorrendo nos casos mais graves (graus de lesão maiores), com incidência estimada em cerca de 2,8 a 7,4% dos casos. Podem ocorrer de imediato, junto ao trauma, ou serem tardias, após cirurgias de controle de dano, ou após necrose de parênquima ou ruptura de biliomas.

O diagnóstico de complicações biliares nos casos de trauma hepático fechado pode ser difícil. Em geral podem aparecer sinais indiretos, como piora do quadro, febre e dor em hipocôndrio direito, e também, um sinal mais específico, a icterícia. Sugere-se que exames seriados de tomografia computadorizada podem evidenciar aumento de coleções com baixa atenuação, ou coleções perihepáticas tardias. Deve-se lembrar de que mesmo a tomografia computadorizada com contraste não é especifica para alterações biliares, com alguns autores sugerindo o estudo das vias biliares com técnicas de radioisótopos.

O tratamento inclui o suporte, antibioticoterapia e diagnóstico precoce. Como em geral as complicações biliares são tardias, os pacientes podem ser submetidos a técnicas minimamente invasivas. Inicialmente, pode-se colocar um dreno cavitário, no local da coleção, ou bilioma, transformando uma lesão biliar em uma fístula controlada, evitando-se a contaminação da cavidade e acumulo de fluídos.

Outra técnica já estabelecida é a realização de CPRE.  A idéia do uso de tal terapêutica é que, devido a papilotomia, há diminuição da pressão biliar, deixando a bile de seguir pela fístula, causando o fechamento desta. Inicialmente após a papilotomia, pode haver ainda alguma dificuldade em drenagem da bile pela papila, secundária ao edema pela manipulação. Assim, hoje se indica o tratamento de fístulas biliares traumáticas com CPRE e próteses, principalmente em fístulas distais. A presença da prótese anula totalmente a pressão na via biliar, aumentando a taxa de fechamento de fístulas.

A evolução após a CPRE em geral é positiva, com o fechamento da fístula. Casos mais graves podem vir a necessitar de posterior cirurgia. Deve-se sempre acompanhar o paciente, principalmente quando da colocação de próteses, para evitar uma futura colangite por não retirada desta.

Você já tratou algum paciente assim? Como realizou o diagnóstico? Qual foi o tratamento e evolução?

 

Agradeço aos colegas Dr. Roberto Tucci Junior, pelo auxílio na condução do caso, e Dra. Flavia Ferreira Magalini na construção do relato.

 

Bibliografia:

Kulaylat AN, et at. Traumatic bile leaks from blunt liver injury in children: a multidisciplinary and minimally invasive approach to management. J Pediatr Surg. 2014;49(3):424-7.

Al-Hassani A, et al. Delayed bile leak in a patient with grade IV blunt liver trauma: A case report and review of the literature. Int J Surg Case Rep. 2015;14:156-9.

Ragavan M, et al.Posttraumatic Intrahepatic Bilioma. Indian J Surg. 2015;77:1399-400. 

Tiwari C, et al. Management of Traumatic Liver and Bile Duct Laceration. Euroasian J Hepatogastroenterol. 2017;7(2):188-190.   

 

Como citar esse artigo:

Sauniti, G. Caso Clínico – Fístula biliar pós trauma abdominal fechado. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-fistula-biliar-pos-trauma-abdominal-fechado/

 

 




Quiz! Pólipo gástrico em exame de rotina.

Paciente de 48 anos, procura atendimento devido queixas inespecíficas sugestivas de Doença Do Refluxo.  Em sua história clínica, chama atenção o fato do paciente ter um irmão e um tio falecidos devido câncer gástrico. Frente a este antecedente e notando um quadro de cancerofobia, o médico solicita exame de endoscopia digestiva alta, com  seguinte achado :

 

 

 

Nota : A pesquisa de H. pylori pelo método histológico resultou positiva.