Divertículo de Meckel na enteroscopia
O divertículo de Meckel (DM) é um divertículo congênito verdadeiro que se desenvolve a partir de um ducto onfalomesentérico patente. O seu revestimento é por mucosa ileal, e pode conter tecido heterotópico em 30 a 40% das vezes: tecido gástrico, duodenal ou colônico, além de resquícios pancreáticos, originados de células multipotentes dentro da parede do ducto onfalomesentérico. Estima-se que afeta 1 a 2 % da população geral, com um risco de 4 a 6% de evolução com sintomas durante a vida1. Embora o DM represente um achado clinicamente silencioso de uma anomalia congênita em até 85% dos casos, quando os sintomas ocorrem, usualmente incluem melena e/ou hematoquezia provenientes de um vaso sangrante ou dor abdominal decorrente de intussuscepção ou aderências. A confirmação do diagnóstico recai sobre a identificação de um divertículo verdadeiro, geralmente localizado dentro de 100 cm proximalmente a partir da válvula ileocecal. Qualquer paciente adulto jovem que se apresente com sangramento documentado no trato gastrointestinal inferior, associado a achados negativos em endoscopia digestiva alta e colonoscopia, deve ter o diagnóstico de DM sintomático aventado.
CASUÍSTICA DO SERVIÇO
Entre janeiro de 2007 e Agosto de 2018, 144 pacientes realizaram enteroscopia por duplo balão (EDB) no Hospital Nossa Senhora das Graças (Curitiba, Brasil). A suspeita clínica de DM foi aven-tada em pacientes jovens com história de sangramento digestivo obscuro e investigação imaginoló-gica preliminar negativa, incluindo cintilografia com tecnésio marcado e/ou cápsula endoscópica. O diagnóstico foi confirmado em 6 pacientes, incluindo 5 com sangramento retal, hematoquezia e 1 com dor abdominal, com idade variando entre 16 e 38 anos. O diagnóstico foi feito por EDB por via retrógrada (via retal) em todos os pacientes. O achado endoscópico típico de DM nestes casos con-sistiu na precisa identificação do óstio diverticular e da luz ileal ao lado.
Todas as formações diverticulares foram observadas aprox. entre 70 e 90 cm da válvula ileocecal. Em todos os casos, foi realizada injeção submucosa de tinha nanquim (tatuagem) na região peridi-verticular, no intuito de facilitar a sua identificação transoperatória.
Todos os pacientes foram submetidos ao tratamento cirúrgico, com ressecção do diverticulo por via laparoscópica.
DISCUSSÃO SOBRE O DIVERTÍCULO DE MECKEL NA ENTEROSCOPIA
O DM é de diagnóstico difícil e permanece como grande desafio na pratica médica. A maioria dos exames complementares evidencia alterações decorrentes das complicações como, diverticulite, obstrução da luz intestinal, hemorragia ou perfuração. Uma observação de Charles Mayo 2 , apesar de antiga, ainda se torna atual nos dias atuais: o DM é frequentemente suspeitado, frequentemente procurado e raramente encontrado.
A cintilografia com tecnésio 99 (T99) é o método mais utilizado para diagnóstico de DM, sendo um teste não invasivo valioso, no qual o marcador radioativo é utilizado para localizar tecido gástrico ectópico funcionante.
O exame tem sensibilidade de 90% em pacientes pediátricos. Porém na faixa etária de adultos, apresenta sensibilidade menor, cerca de 60%, e acurárica de 46%, devido a reduzida frequência de mucosa gástrica diverticular heterotópico nesse grupo.
De uma maneira geral os exames radiológicos ajudam pouco no diagnóstico, com baixas taxas de sensibilidade, sendo útil no diagnóstico de suas complicações, como: abscesso intra-abdominal, obstrução, perfuração e tumores. Mais recentemente, novos métodos de tomografia, como a enterotomografia, com ingestão de grande quantidade de contraste oral, tem melhorado a sensibilidade3 .
A angiografia mesentérica é uma outra modalidade diagnóstica disponível. No entanto, tem utilidade somente em casos de sangramento ativo, quando há contraindicação para a cintilografia. A taxa de sangramento mínima usualmente necessária para o diagnóstico é de 0,5 ml por minuto, embora sangramentos menores possam ser detectados quando a técnica de subtração digital é aplicada. O procedimento possibilita o tratamento de vasos sangrantes via embolização, requerendo, neste caso, cateterização superseletiva das artérias ileais mais distais.
Em relação a videocápsula endoscópica, tem sido relatado somente relato de casos de diagnostico de DM, com valor preditivo positivo incerto. Mais recentemente, Krstic e colaboradores demonstraram melhores resultados com valor preditivo positivo de 84,6%, o que é superior a todos os outros métodos descritos. Porém, existe risco de retenção da cápsula dentro da formação diverticular. Dessa forma, há uma tendência de não utilizar essa ferramenta de forma rotineira no diagnóstico do DM 4. A enteroscopia de duplo balão (EDB), tem sido utilizado para o diagnóstico do DM. Até recentemente, inúmeros relatos da literatura tem demonstrado diagnóstico por este método, porém em séries com pequena quantidade de pacientes5,6,7 . Entretanto, em estudo recente com maior número de pacientes, He e colaboradores encontraram acurácia diagnóstica do DM com EDB de 86%. Os resultados foram comparados com a capsula endoscópica, que demonstrou taxa de diagnóstico de 7,7%. Este é o maior estudo de DBE e diagnóstico de DM, com 74 pacientes 8. Fukushima e colaboradores9, baseados em sua experiência com 10 pacientes, recomendam que a enterotomografia seguida pela EDB retrógrada sejam aplicadas para pacientes estáveis como manejo diagnóstico inicial na suspeita de DM. A EDB pode, ainda, representar um método minimamente invasivo de tratamento do DM sintomático. Casos bem-sucedidos de polipectomia intradiverticular e ressecção de DM invertido, já foram relatados10.
CONCLUSÃO
Apesar dos resultados ainda baseados em dados limitados, a EDB pode estar indicada como modalidade diagnóstica em pacientes adultos jovens, com suspeita de DM e avaliação imaginológica previamente negativa.
AUTORES:
Rafael W Noda
Eduardo A Bonin
Eduardo Carboni
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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