Estenose biliar pós transplante hepático

  

As complicações biliares pós-transplante hepático podem ocorrer em 6-40% dos pacientes, sendo mais frequentes após o transplante intervivos.

Elas podem ser precoces, ocorrendo nas primeiras 4 a 6 semanas (fístulas, biloma, estenoses  e deiscência por necrose da anastomose biliar); ou tardias (fístulas, estenoses, colangite, coledocolitíase, cálculos, cast syndrome, disfunção do esfíncter de Oddi, mucocele, doença biliar recidivante).

As estenoses biliares pós-transplante hepático podem ainda ser classificadas em anastomóticas (Figura 1) e não anastomóticas (Figura 2). Suas características estão descritas na Tabela 1.

Figura 1 – Aspecto colangiográfico de estenose anastomótica após transplante hepático de doador cadáver.

Figura 2 – Aspecto fluoroscópico de estenose não anastomótica (doador cadáver), acometendo o hilo hepático, associada à fístula biliar

Tabela 1: Características das estenoses biliares anastomóticas e não anastomóticas pós transplante hepático.

Estenoses anastomóticas Estenoses não anastomóticas
Incidência

 

Doador cadáver: 5 – 15%

Intervivos (Figura 3): 19 – 40%

5 -15%
Característica Isoladas

Curtas em extensão

Múltiplas, longas

Ductos intra-hepáticos

Ducto do doador

Apresentação 1o ano após transplante

(5 a 8 meses)

Etiologia isquêmica: 3-6 meses

Etiologia imunológica: > 1 ano

Fatores de risco Questões técnicas

 

Fístula biliar

Lesões isquêmicas: trombose da artéria hepática, parada cardíaca, isquemia (quente ou fria), condições de preservação ou lesão de reperfusão

 

Lesões imunológicas: rejeição ductopênica, incompatibilidade ABO, polimorfismo de genes, doenças imunomediadas pré-existentes no receptor

 

Outros: infecção CMV e recidiva viral (HBV ou HCV)

Quadro clínico Assintomáticos (alterações laboratoriais)

 

Sintomas inespecíficos: prurido, anorexia, icterícia e febre

 

Dor ausente (imunossupressão e denervação hepática)

Assintomáticos (alterações laboratoriais)

 

Sintomas inespecíficos: prurido, anorexia, icterícia e febre

 

Dor ausente

 

Maior acúmulo de barro biliar: episódios recorrentes de colangite e formação de casts*

Diagnóstico Exames laboratoriais: AST, ALT, bilirrubinas, FAL e  δGT Exames laboratoriais: AST, ALT, bilirrubinas, FAL e  δGT
USG abdominal com Doppler: exame inicial (sensibilidade 38 a 66%) USG abdominal com Doppler: exame inicial (sensibilidade 38 a 66%)
CPRM: acurácia de 95% CPRM: acurácia de 95%

Aspecto radiológico remete à colangite esclerosante primária devido à presença de estenoses múltiplas e extensas

Biópsia hepática Excluir rejeição se alterações dos exames de bioquímica, sem dilatação comprovada da via biliar

* casts: descamação epitelial em molde, CPRM: colangiopancreato ressonância magnética

 

Figura 3 – Paciente transplantado hepático (doador vivo), com estenose complexa, anastomótica e não anastomótica, com lesões acometendo difusamente a via biliar intra-hepática.

 

A estenose biliar também é descrita no doador vivo, com incidência de 0,4% e 6%. É mais frequente quando o lobo hepático direito é utilizado. Os fatores de risco incluem a fístula biliar, idade avançada e o calibre do ducto biliar (< 4 mm). O quadro clínico é inespecífico, podendo haver colestase.

 

TRATAMENTO

Na última década, medidas não operatórias se tornaram a opção terapêutica de primeira linha para as complicações biliares pós transplante hepático. Nos pacientes com anastomose ducto-ducto a colangiografia retrógrada endoscópica (CRE) é a escolha inicial.

O tratamento endoscópico pode ser realizado por meio da dilatação com balão hidrostático ou dilatadores de passagem, seguida da colocação de uma ou mais próteses plásticas, ou ainda, mais recentemente, da prótese metálica autoexpansível totalmente coberta (PMAEC). Na presença de lesões da artéria hepática (insuficiência ou obstrução), estas devem ser abordadas durante o curso do tratamento.

A terapêutica com próteses plásticas múltiplas consiste na dilatação hidrostática da estenose seguida da colocação do maior número de próteses plásticas possível. Os pacientes devem ser submetidos à sessões repetidas, no prazo médio de três meses, para prevenção da oclusão, colangite e formação de cálculos. Todas as próteses devem ser retiradas, a estenose deve ser dilatada e um número progressivamente maior de próteses (Figura 4A e B) deve ser utilizado a cada troca, com objetivo de alcançar o maior diâmetro possível. O tratamento é completado em um ano e a maioria dos pacientes deve precisar de quatro a cinco procedimentos nesse período.

A terapia com prótese metálica totalmente coberta consiste na colocação de uma única PMAEC (Figura 5) após esfincterotomia biliar, sem necessidade de dilatação na maioria das vezes. O tempo de permanência ideal da prótese metálica ainda não está completamente definido. Os resultados do tratamento são favoráveis quando ela é mantida por período superior à 3 meses, não havendo comprovação à respeito do benefício da sua permanência por mais de 6 meses.

Figura 4 – Aspecto radiológico (A) e endoscópico (B) da estenose anastomótica (doador cadáver) tratada com dilatação hidrostática e colocação de próteses plásticas múltiplas.

Figura 5 – Aspecto colangiográfico da PMAE totalmente coberta liberada evidenciando discreta compressão (seta), que corresponde ao ponto da estenose anastomótica.

 

Tabela 2: Comparação do tratamento com próteses plásticas múltiplas e prótese metálica auto-expansível totalmente coberta no tratamento das estenoses biliares pós transplante hepático.

  Próteses plásticas múltiplas PMAEC
Tempo de tratamento 12 meses ± 6 meses
Número de procedimentos 4 a 5 2
Taxa de sucesso

Estenose anastomótica

 

 

Doador cadáver: 82 a 98%

 

Doador vivo: 60 a 75%

 

87,5 a 100%
Taxa de sucesso

Estenose não anastomótica

 

Doador cadáver: 50 a 75%

 

Doador vivo: 25 a 33%

 

Não está indicada.
Taxa de complicações 4 a 16% 14,5 a 18%
Migração 5 a 33,3% 4 a 46,7%
Recidiva 0 a 34% 4,5 47,4%
Custo (6) US$ 16.095 US$ 6.903

PMAEC: prótese metálica auto-expansível totalmente coberta

 

Nos pacientes com estenose grave da anastomose direta ducto-ducto e falha no acesso profundo retrógrado à via biliar é possível a realização do procedimento combinado, com punção biliar percutânea ou guiada por EUS, seguida da terapia endoscópica rendez-vous. A colangioscopia direta também é uma ferramenta disponível para a transposição da estenose em caso de insucesso, com custo inferior ao das duas opções citadas anteriormente (Figura 6).

O tratamento cirúrgico fica reservado para os casos de insucesso da intervenção endoscópica ou radiológica e consiste na conversão da reconstrução para derivação biliar ou em casos extremos, o re-transplante.

Figura 6 – Aspecto colangioscópico da passagem do fio guia pelo orifício da estenose da anastomose biliar.

 

Referências Bibliográficas

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  5. Martins FP, Ferrari AP. Cholangioscopy-assisted guidewire placement in post-liver transplant anastomotic biliary stricture. Endoscopy 2018;49:E283-E284. 10.1055/s-0043-117940
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Como citar esse artigo:

Martins FP. Estenose biliar pós transplante hepático. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/estenose-biliar-transplante-hepatico/