Mucosectomia por imersão (underwater) com auxílio de cap – um alternativa para casos difíceis
Paciente masculino, 45 anos, previamente hígido, foi submetido a colonoscopia em outro serviço que identificou um pólipo séssil de 6 mm de diâmetro, 0-Is pela classificação de Paris, com superfície lisa e amarelada, localizado em reto médio. Na ocasião foi realizada ressecção parcial da lesão com alça a frio. Resultado anatomopatológico e imunohistoquímico evidenciaram tumor neuroendócrino bem diferenciado (grau 1 – Ki67<2%), com margens comprometidas.
Paciente veio encaminhado para realizar nova colonoscopia na tentativa de ressecção completa da lesão. Durante o procedimento foi observada uma diminuta lesão amarelada no reto, discretamente elevada, correspondente à área de polipectomia prévia com presença de lesão residual (Figuras 1, 2 e 3). Realizada tentativa de mucosectomia pela técnica de imersão (“underwater”), não havendo pega adequada com a alça para ressecção. Foi optado, então, pela realização da mucosectomia por imersão assistida por cap, que consiste na imersão do espaço intraluminal com água, seguido por sucção da lesão com auxílio de cap endoscópico, afim de formar um pseudopólipo, e assim facilitar a apreensão e ressecção da lesão (Figura 4). Com o uso dessa técnica foi possível apreender a lesão residual com a alça e realizar sua ressecção completa (Figuras 5 e 6). O resultado anatomopatológico confirmou a presença de tumor neuroendócrino bem diferenciado (grau 1 – Ki67<2%), com margens laterais e profunda livres.
Discussão
A mucosectomia underwater assistida por cap (CAP-UEMR) consiste na utilização de cap endoscópico para sucção da lesão a ser ressecada sob imersão em água, até que seja formado um “pseudopólipo” passível de apreensão e ressecção. Se a ressecção em monobloco não for possível, pode-se realizar novos “pseudopólipos” e ressecar à piece-meal, até que se alcance o resultado desejado, conforme ilustrado na figura abaixo:
Fonte: Ilustração de Uchima Hugo et al. Endoscopy 2023.
O estudo foi uma análise observacional retrospectiva de 83 procedimentos de ressecção endoscópica pela técnica CAP-UEMR, realizados em dois centros entre setembro de 2020 e dezembro de 2021. O desfecho primário foi o sucesso técnico, definido como ressecção completa macroscópica da lesão no índice CAP-UEMR. Os desfechos secundários foram as taxas de sangramento e perfuração. As 83 lesões tratadas tinham um tamanho médio de 20 mm. Foram incluídas 64 lesões deprimidas ou planas (18 previamente manipuladas, 9 com acesso difícil), 11 lesões do apêndice e 8 lesões da válvula ileocecal. Os resultados mostraram uma taxa de sucesso técnico de 100%, com ressecção macroscópica completa alcançada em todas as 83 lesões. Houve 7 casos de sangramento intraoperatório e 2 casos de sangramento tardio, todos tratados endoscopicamente. Nenhuma perfuração ou outras complicações ocorreram. Entre as 64 lesões com colonoscopia de acompanhamento, apenas 1 recorrência foi detectada, que foi tratada endoscopicamente.
Concluiu-se que a CAP-UEMR pode ser uma técnica segura e eficaz para facilitar a ressecção de lesões colorretais complexas. O estudo possui suas limitações, sendo as principais o possível viés de seleção e design retrospectivo e necessidade de estudos comparativos para determinar a eficácia específica do CAP-UEMR em relação a outras técnicas de ressecção.
Referência
Uchima H, Calm A, Muñoz-González R, Caballero N, et al. Underwater cap-suction pseudopolyp formation for endoscopic mucosal resection: a simple technique for treating flat, appendiceal orifice or ileocecal valve colorectal lesions. Endoscopy. 2023 Nov;55(11):1045-1050. doi: 10.1055/a-2115-7797. Epub 2023 Jun 22. PMID: 37348544.
Pólipos Hiperplásicos na Endoscopia – Risco de Neoplasia, Conduta e Recidiva
Os pólipos gástricos são achados comuns, estando presente em 0,5% a 23% das endoscopias digestivas altas (1). A incidência de cada tipo histológico é variável de acordo com a população estuda, sendo os pólipos de glândulas fúndicas e os hiperplásicos os mais comuns. Um estudo feito no Brasil (2) mostrou que os pólipos hiperplásicos são os mais prevalentes, correspondendo a 71,3% dos pólipos, enquanto nos Estados Unidos (3) os de glândulas fúndicas são os mais comuns, representando 77%.
Os pólipos hiperplásicos são mais frequentes na sexta ou sétima décadas de vida, com uma questionável predominância no sexo feminino (4). Sua etiologia está geralmente associada a uma regeneração exacerbada da mucosa secundária a agressão contínua. Dessa forma, existe uma forte associação entre o pólipo hiperplásico e a presença de infeção pelo H. pylori, gastrite crônica, gastrite autoimune, metaplasia intestinal, gastropatia química, cirrose hepática e pós-terapia hemostática de angiectasias gástricas (4,5). Na maioria dos casos são assintomáticos no entanto, podem causar anemia, hemorragia digestiva ou até dificuldade do esvaziamento gástrico.
Tipicamente eles são solitários, menores que 20 mm e localizados no antro (60%) (4), vide figuras 1 a 3. Múltiplos pólipos podem estar presentes em até 20% dos casos (4). Geralmente são sésseis, com superfície lisa ou discretamente lobulada, friáveis e hiperemiados. No entanto podem crescer e atingir tamanhos maiores que 100 mm, associado a erosões ou úlceras superficiais em sua superfície.
Risco de malignização
A presença de displasia ou malignidade pode ocorrer em 1,9% a 10,4% dos pólipos hiperplásicos (6). No entanto essa prevalência pode variar de acordo com a população. Em pacientes asiáticos a displasia pode ocorrer em 1,4% a 16,4% dos casos e malignidade em 1,1% a 4,4%. Já em pacientes ocidentais a displasia pode acontecer em 3,3% a 9,7% dos casos e a malignidade em 0,6% a 2,1% (7).
O principal fator de risco para a presença de displasia ou malignidade é o tamanho do pólipo, especialmente aqueles maiores que 25 mm (5,8). Outros fatores que podem estar associados são: idade maior que 65 anos, presença de metaplasia intestinal e displasia na mucosa adjacente (5,8).
Conduta
A Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE) recomenda a ressecção de todos os pólipos hiperplásicos maiores que 5 mm (9), enquanto o guideline britânico recomenda a retirada daqueles maiores que 10 mm (10). Outras indicações seriam a presença de displasia à biópsia ou pólipos sintomáticos (11).
A pesquisa de H. pylori é fundamental nesses casos, uma vez que existe uma associação entre a presença do pólipo hiperplásico e a infecção pelo H. pylori, que pode chegar a até 37% (4,8). Além disso, a erradicação da bactéria pode promover a regressão do pólipo em até 84% dos casos, especialmente dos pólipos menores, e parece reduzir as taxas de recidiva pós-ressecção (12).
Um exame cuidadoso do restante do estômago também é muito importante, pois esses pacientes apresentam outras alterações que predispõe ao câncer gástrico, como atrofia gástrica e metaplasia intestinal. A taxa de lesões malignas sincrônicas pode chegar a 7,1% (11).
O seguimento endoscópico ainda não está bem estabelecido. Recomenda-se repetir a endoscopia digestiva alta em 12 meses, especialmente naqueles pacientes que apresentaram displasia (11).
Recidiva
Os pólipos hiperplásicos apresentam altas taxas recidiva, mesmo quando ressecados em monobloco (R0), podendo variar de 12% a 51% (6,8). O tempo médio para o diagnóstico da recorrência é entre 1 e 2 anos e não necessariamente estão associados a riscos maiores de displasia ou malignidade (5,12).
O mecanismo pelo qual ela acontece ainda não está bem estabelecido. Aparentemente a técnica de ressecção, seja mucosectomia ou dissecção endoscópica de submucosa não tem relação a recidiva. A infecção pelo H. pylori, conforme descrito anteriormente, parece ter uma associação tanto com o surgimento do pólipo quanto com a sua recidiva após a ressecção (12). Portanto seu tratamento deve ser sempre tentado. A localização no antro também se relaciona a uma maior recorrência, acredita-se que pela maior contratilidade local e um provável refluxo biliar (6). Outros fatores que podem estar associados são: pólipos grandes (maiores que 16 mm), múltiplos, superfície lobulada, idade menor que 65 anos e presença de cirrose (5,6).
Conclusão
Os pólipos hiperplásicos são achados relativamente comuns em endoscopias digestivas altas do dia a dia. Geralmente são pequenos e assintomáticos. No entanto, devido ao risco de displasia e malignidade, mesmo que pequeno, eles devem ser ressecados, principalmente quando maiores que 10 mm. Deve-se dar atenção especial para a pesquisa de H. pylori e de outras entidades que podem estar associadas como gastrite, atrofia e metaplasia. Apesar de altas taxas de recidiva, ainda não está bem estabelecido nenhum protocolo de seguimento.
Referencias
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Paciente masculino 73 anos, obeso, hipertenso e diabético, submetido a cirurgia de quadril devido a fratura no colo do fêmur. No segundo dia de pós-operatório, iniciou com quadro de dor e distensão abdominal associado a parada de eliminação de fezes. Rx de abdome demonstrava dilatação difusa do cólon, sem dilatação significativa de alças de delgado. Foram iniciadas, então, medidas de suporte clínico, como jejum, hidratação, passagem de sonda nasogástrica e suspensão de medicamentos opioides. Paciente evoluiu sem melhora clínica, com piora da distensão abdominal sendo submetido a TC de abdome no quinto dia de pós-operatório. Exame mostrou grande dilatação difusa de todo cólon, com diâmetro estimado do ceco de 14 cm. A equipe de endoscopia foi chamada para realização de colonoscopia descompressiva.
Papel da ecoendoscopia na pancreatite aguda idiopática
Introdução
A pancreatite aguda é uma das doenças responsáveis pelo maior número de internações de urgência na gastroenterologia. Sua incidência é de 13 a 45 casos por 100 mil pessoas, sendo responsável por 270 mil internações por ano nos Estados Unidos 1. A maioria dos casos é de pouca gravidade, mas pode evoluir para formas graves, com necessidade de internação em centro de terapia intensiva e até óbito. Sua mortalidade chega a próximo de 5%, sendo significativamente maior quando analisados somente os quadros mais graves 2.
A doença biliar litiásica e o etilismo são os principais agentes causais, sendo responsáveis por cerca de 60% a 80% dos casos 3. Outras causas menos comuns são alterações anatômicas, metabólicas, tumores, doenças autoimunes, entre outras. No entanto, em uma porcentagem significativa dos casos, cerca de 10% a 30%, não é possível se identificar um fator causal após a avaliação inicial 3-4. Ela é definida, então, como pancreatite aguda idiopática, sendo a 3ª causa mais comum em algumas séries 3.
É de fundamental importância uma avaliação detalhada nesses pacientes com pancreatite aguda idiopática, uma vez que 14% a 26% podem apresentar episódios recorrentes, evoluindo até para pancreatite crônica 5-6. Em alguns casos, após a realização de exames especializados, pode se identificar um agente causal tratável, evitando, assim, novas crises.
A ecoendoscopia é um procedimento minimamente invasivo e que, devido à proximidade do estômago e do duodeno com o pâncreas e as vias biliares, permite um exame detalhado dessa região. Vários estudos têm mostrado o seu benefício na investigação de pacientes com pancreatite aguda idiopática, no entanto o momento da sua realização ainda não está bem definido 1,2-8.
Acurácia da ecoendoscopia
A acurácia da ecoendoscopia na identificação de um agente causal em pacientes com pancreatite aguda idiopática varia muito entre os estudos, de 29% a 88% 4. Essa grande diferença se deve aos critérios de inclusão utilizados em cada estudo. Naqueles que os pacientes eram submetidos a um maior número de exames diagnósticos antes da realização da ecoendoscopia a acurácia foi mais baixa. Nos que os pacientes eram encaminhados mais precocemente para realização da ecoendoscopia a acurácia foi mais alta.
Umans e colaboradores em uma meta-análise recente chegaram a uma acurácia de 59% 7. A litíase biliar, presença de cálculos, microcálculos ou barro biliar na vesícula ou no colédoco, foi a causa mais comum, sendo responsável por 30% dos casos (Figuras 1 e 2). Em segundo lugar veio a pancreatite crônica com 12% e em terceiro o pancreas divisum com 5%. É importante salientar que em 2% dos pacientes foi detectada uma neoplasia que não havia sido diagnosticada nos exames prévios. As lesões identificadas foram neoplasias papilares intraductais mucinosas (IPMN), carcinomas de pâncreas, tumores neuroendócrinos (Figura 3), adenomas e carcinomas de papila. Outras causas menos comuns foram pancreatite autoimune, ascaridíase, coledococele (Figuras 4 e 5), anomalia da junção biliopancreática e divertículo.
Nesta mesma meta-análise, quando se comparou a acurácia da ecoendoscopia nos pacientes já submetidos a colecistectomia prévia com os não colecistectomizados, o resultado foi diferente entre os dois grupos, sendo de 50% e 64%, respectivamente 7. Demonstrando assim como a litíase na vesícula biliar é, de fato, uma das causas mais comuns.
Quando realizar a ecoendoscopia após o episódio de pancreatite?
Existe controvérsia na literatura de quando seria o momento ideal para realização da ecoendoscopia após um episódio de pancreatite aguda 5. Os autores que sugerem a realização do procedimento de forma mais precoce, às vezes com o paciente ainda internado, defendem que um possível diagnóstico poderia ser feito de forma mais rápida, evitando a possibilidade de uma recorrência e evitando também que o paciente perca o seguimento 5. Já os que preferem a realização do procedimento mais tardiamente, após cerca de 4 semanas da resolução do caso, defendem que as alterações inflamatórias secundárias à pancreatite poderiam dificultar o diagnóstico, diminuindo a acurácia da ecoendoscopia 5.
Na meta-análise de Umans e colaboradores, a acurácia da ecoendoscopia após a melhora da pancreatite aguda e antes da melhora foi de 61% e 48%, respectivamente 7.
Realizar a ecoendoscopia após o primeiro episódio de pancreatite aguda idiopática ou somente nos casos recorrentes?
Não existe consenso na literatura de qual seria a indicação ideal para realização da ecoendoscopia 5. Parece haver uma acurácia semelhante quando realizada após o primeiro episódio ou quando realizada após episódios recorrentes 5,7. Uma vez que muitas das causas identificadas são tratáveis e evitaria novas crises, existe uma tendência de já se indicar a ecoendoscopia após o primeiro episódio.
Ecoendoscopia X Colangiorressonância
Uma meta-análise de Wan e colaboradores, comparando a acurácia da ecoendoscopia com a colangiorressonância, demostrou uma melhor performance com a ecoendoscopia, 64% e 34%, respectivamente 8. O principal benefício ocorreu na litíase biliar (34% x 9%) e na pancreatite crônica (10% x 1%). No pancreas divisum a acurácia foi semelhante com as duas técnicas (2% x 2%). Quando se associou o uso de secretina, que não está disponível no Brasil, a colangiorressonância foi melhor (12%). Já Hallenslebem e colobaradores demostraram acurácia semelhante entre a ecoendoscopia (36%) e a colangiorressonância (33%) 8.
Conclusão
A ecoendoscopia tem papel fundamental na investigação de pacientes com pancreatite aguda idiopática. Ela apresenta uma alta acurácia para o diagnóstico de fatores causais, sendo vários deles tratáveis, evitando assim crises recorrentes.
Ainda não está bem estabelecido na literatura qual seria o momento ideal para a realização do procedimento, mas a maioria dos estudos tendem a aguardar cerca de 4 semanas após a melhora da pancreatite para sua realização, minimizando assim a dificuldade diagnóstica secundária a alterações inflamatórias. A maioria dos autores recomendam, também, a realização da ecoendoscopia já após a primeira crise. Importante salientar que o diagnóstico de neoplasias não detectadas por outros métodos pode chegar a 7% 6.
A colangiorressonância e a ecoendoscopia devem ser usadas em conjunto. Uma vez que a litíase biliar seria a causa mais comum e a ecoendoscopia teria uma melhor acurácia para este diagnóstico, existe uma tendência de indica-la como primeira opção após a investigação inicial negativa.
Referências
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Alteração pancreática em paciente portador de complexo da esclerose tuberosa
O complexo da esclerose tuberosa (CET) é uma doença genética autossômica dominante, que acomete 1 a cada 6.000-10.000 nascidos vivos (1). Ela acomete igualmente ambos os sexos e todas as raças e ocorre devido a mutações nos genes supressores tumorais TSC 1 ou TSC 2 (1). No entanto, embora seja uma doença autossômica dominante, cerca de 80% dos casos são por variantes “de novo”, sendo a mutação no gene TSC2 a mais comum (2).
O CET é caracterizado pelo desenvolvimento de uma variedade de tumores benignos envolvendo múltiplos órgãos, incluindo a pele, cérebro, rim, olhos, entre outros. O risco de tumores malignos também está aumentado nesse grupo de pacientes (3). No entanto a apresentação clínica é muito variável, mesmo dentro da mesma família (4). As lesões cutâneas são as mais comuns, estando presente em mais de 90% dos pacientes, incluindo máculas hipopigmentadas, angiofibromas faciais, placa de Shagreen, entre outras (1). As manifestações neuropsiquiátricas estão presentes na maioria dos pacientes também e são responsáveis por importante morbidade. Elas incluem epilepsia, déficit cognitivo e de aprendizado, autismo e alterações do comportamento, hamartomas glioneurais, nódulos subependimários e astrocitoma subependimário de células gigantes (5). A presença de angiomiolipomas e cistos renais é comum e podem levar ao desenvolvimento de insuficiência renal (1). Outros órgãos acometidos com menos frequência são os olhos, pulmão e coração.
Diagnóstico
O diagnóstico pode ser baseado em critérios clínicos e no teste genético. Para o diagnóstico clínico são necessários a presença de dois critérios maiores ou um maior e dois ou mais menores (tabela 1). Já o teste genético se baseia na pesquisa da mutação dos genes TSC1 e TSC2. Embora a presença da mutação confirme o diagnóstico, ela não presente na totalidade dos casos, sendo positiva em 75% a 90% dos pacientes (1).
CRITÉRIOS MAIORES
CRITÉRIOS MENORES
Placas hipomelanóticas (≥3, 5mm ou maior de diâmetro)
Lesões na pele “em confete”
Angiofibromas (≥3) ou placa fibrosa cefálica
Defeitos puntiformes no esmalte dentário
Fibroma ungueal (≥2)
Fibromas orais (≥2)
Placa de Shagreen
Manchas acrômicas na retina
Múltiplos hamartomas de retina
Múltiplos cistos renais
Túberes corticais (SNC)
Hamartomas não-renais
Nódulos subependimários (≥2)
Astrocitoma subependimário de células gigantes
Rabdomioma cardíaco
Linfangioleiomiomatose
Angiomiolipomas (≥2)
Tabela 1: Critérios diagnósticos para o complexo de esclerose tuberosa
As lesões pancreáticas não são comuns e não estão incluídas nos critérios diagnósticos do complexo de esclerose tuberosa. No entanto, devido ao aumento na realização de exames de imagem abdominal, principalmente para seguimento das lesões renais, tem se observado um aumento no diagnóstico incidental das lesões pancreáticas, em especial os tumores neuroendócrinos (6).
Caso clínico
Paciente masculino, 35 anos, já com diagnóstico de esclerose tuberosa e teste genético positivo, com mutação no gene TSC 2, veio encaminhado para realização de ecoendoscopia devido ao achado de lesões císticas pancreáticas em ressonância de abdome durante seguimento de cistos renais. Além dos achados pancreáticos, o paciente possuía angiofibromas nasais, hamartomas na retina (imagem 1) e múltiplos cistos renais (imagem 2). Não era portador de distúrbios neuropsiquiátricos.
RNM
presença de formação nodular heterogênea, predominantemente cística, com área de hipossinal em T2 de permeio, contornos lisos, localizada no aspecto posterior da cauda pancreática, medindo 20,8 x 15,8 mm.
Outra pequena formação cística homogênea na face posterior do corpo pancreático, de contornos lisos, medindo 8 mm. Não se observa comunicação com o ducto pancreático principal (imagens 3 e 4).
Ecoendoscopia:
Presença de lesão cística, com conteúdo hipoecoico e heterogêneo, sem componente sólido evidente e sem comunicação com o ducto pancreático principal, medindo 15,7 x 13,2 mm, localizada em cauda do pâncreas. Realizada punção ecoguiada com agulha FNA de 22G, não sendo possível aspirar todo o conteúdo do cisto (imagem 5, 6 e 7).
Presença de outra pequena lesão cística, com conteúdo anecoico e homogêneo, sem componente sólido e sem comunicação com o ducto pancreático principal, medindo 8,1 x 7,0 mm, localizada em corpo (imagem 8). Não realizada punção ecoguiada.
Ecoendoscopia com doppler mostrando o maior cisto pancreáticoEcoendoscopia com mensuração do maior cisto pancreáticoEcoendoscopia com punção do maior cisto pancreáticoEcoendoscopia com doppler e mensuração do menor cisto pancreático
Estudo anatomopatológico:
Proliferação de células pequenas e monótonas, formando arranjos sólidos, em a meio grande quantidade de hemácias, apresentando discretíssimas atipias nucleares, índice mitótico muito baixo e citoplasma predominantemente eosinofílico com regiões de células claras.
Os achados histopatológicos são sugestivos do diagnóstico de um processo neoplásico (neoplasia neuroendócrina? Carcinoma de célular acinares? Outros?). Sugere-se estudo imunohistoquímico na tentativa de maior detalhamento da lesão.
Imuno-histoquímica:
Citoqueratina – Positivo
Sinaptofisina – Positivo forte e difuso
CD-56 – Positivo
Ki-67 – Positivo (<2%)
O perfil imunohistoquímico é sugestivo de uma neoplasia neuroendócrina bem diferenciada de baixo grau.
Paciente foi encaminhado para avaliação cirúrgica, mas, devido ao tamanho da lesão, por se tratar de tumor não funcionante e por estar assintomático, foi optado pelo tratamento conservador, com seguimento por ressonância magnética.
Discussão:
Os tumores neuroendócrinos do pâncreas são raros e correspondem a 1%-3% de todas as neoplasias pancreáticas (6). A maioria deles ocorre de forma esporádica, entretanto cerca de 10% estão associados a síndromes genéticas, como neoplasia neuroendócrina múltipla do tipo 1 (mais comum), von Hippel Lindau, neurofibromatose tipo 1 e complexo de esclerose tuberosa (7).
A incidência dos tumores neuroendócrinos em pacientes com CET é de 1,8% – 9%, bem maior que na população em geral, que é de cerca de 0,003% (7,8). No entanto, algumas semelhanças entre as duas populações podem ser observadas, sendo a localização mais comum no corpo e cauda do pâncreas e a presença de tumores não funcionantes (7). Por outro lado, os pacientes com CET são mais jovens ao diagnóstico (26 anos x 56 anos) e apresentam uma maior proporção de lesões císticas (7). A mutação no gene TSC2 parece ser a mais associada à presença de tumores neuroendócrinos (8).
Embora os tumores neuroendócrinos pancreáticos não estejam entre os critérios diagnósticos do complexo da esclerose tuberosa e não exista indicação para o seu rastreamento nesse grupo de pacientes, deve-se estar atento para o seu diagnóstico na presença de lesão sólida ou cística, uma vez que ele representa o tumor pancreático mais comum em pacientes com CET (7).
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Como citar este artigo
Retes FA. Alteração pancreática em paciente portador de complexo da esclerose tuberosa Endoscopia Terapeutica 2023 Vol 2. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/alteracao-pancreatica-em-paciente-portador-de-complexo-da-esclerose-tuberosa/
Quiz! Lesão polipóide em antro
Paciente masculino, 62 anos, assintomático, foi encaminhado para realização de ecoendoscopia devido ao diagnóstico de lesão subepitelial em antro gástrico. Ecoendoscopia evidenciou lesão hipoecoica, homogênea, de limites mal definidos, acometendo a segunda e terceira camadas (mucosa profunda e submucosa), medindo 10,2 x 9,6 mm.
Divertículo Intraduodenal (“Windsock Diverticulum”): uma causa rara de obstrução intestinal alta
Paciente feminina, 19 anos, previamente hígida, iniciou com quadro de distensão abdominal e vômitos pós-alimentares recorrentes há cerca de 30 dias. Referia perda ponderal de 3 Kg no período.
Negava outras comorbidades, uso de medicamentos ou cirurgias prévias.
Ao exame físico mostrava-se emagrecida, desidratada e com abdome distendido em região epigástrica. Sem outras alterações.
Tomografia de abdome evidenciava espessamento inespecífico em segunda porção duodenal promovendo dilatação do bulbo e da câmara gástrica.
Foi então submetida à endoscopia digestiva alta que mostrou septo espesso na transição do bulbo para a segunda porção duodenal, com formação de grande divertículo intraduodenal, com pequeno orifício no fundo diverticular, que não permitia a passagem do endoscópio. A papila duodenal maior encontrava-se na borda do septo e era possível transpor o aparelho para a segunda porção duodenal, pela lateral do divertículo, sem dificuldades.
Figura 1: imagem endoscópico do divertículo intraduodenal. Seta verde: divertículo. Seta preta: septo do divertículo. Seta azul: segunda porção duodenal.Figura 2: imagem endoscópica do fundo do divertículo. Seta preta: orifício no fundo diverticular.Figura 3: imagem endoscópica mostrando a relação entre o divertículo e a papila duodenal maior (seta preta).
Após discussão com a paciente e com a equipe cirúrgica sobre as possibilidades terapêuticas, foi optado pela tentativa de tratamento endoscópico.
O procedimento foi realizado com a paciente sob anestesia geral, sendo incialmente identificada a papila duodenal maior e iniciado o corte longe da sua localização. Foi realizada secção de todo o septo do divertículo, com auxílio de cateter tipo “needle-knife”, da sua porção inicial na transição do bulbo para a segunda porção duodenal até o seu orifício distal. Em seguida foi realizada hemostasia das duas bordas com aplicação de clipes metálicos. Procedimento transcorreu sem intercorrências e a paciente foi encaminhada para o quarto.
Figura 4: imagem endoscópica após a secção do septo do divertículo. Figura 5: imagem endoscópica da hemostasia do septo do divertículo.
No segundo dia de pós-operatório, a paciente apresentou episódio de hematêmese volumosa, com instabilidade hemodinâmica, sendo então encaminhada para a unidade de tratamento intensivo. Foi submetida a nova endoscopia digestiva alta que mostrou sangramento ativo nas bordas seccionadas do divertículo, apesar dos clipes metálicos posicionados. Foi optado, então, pelo tratamento combinado com injeção de solução de adrenalina e colocação de mais clipes metálicos, com parada do sangramento.
Paciente não apresentou recorrência do sangramento sendo reiniciada dieta por via oral, com boa aceitação, 48 horas após a segunda endoscopia. Recebeu alta no 6 PO, com boa tolerância alimentar, sem queixas.
Paciente retornou 30 dias após o procedimento, assintomática, para realização de endoscopia digestiva alta de controle. Procedimento evidenciou apenas pequenos septos seccionados remanescentes na transição do bulbo para a segunda porção duodenal, sem formação diverticular residual, com fácil transposição do endoscópio para a segunda porção duodenal.
Figura 6: imagem endoscópica do controle após 30 dias do procedimento.
Discussão
O divertículo intraduodenal, também chamado de “windsock diverticulum”, é uma anomalia congênita rara, secundária a recanalização incompleta do intestino anterior durante o desenvolvimento embrionário. Inicialmente ele teria o aspecto de uma membrana ou diafragma duodenal e que, com o passar dos anos e com a peristalse, passaria a ter um aspecto mais alongado, formando o divertículo. Seu nome “windsock diverticulum” seria devido a semelhança de seu formato com uma biruta, windsock em inglês (1).
Ele foi inicialmente descrito em 1885 por Silock e consiste em uma formação diverticular alongada, localizada na segunda porção duodenal, adjacente à papila duodenal maior (2). Um orifício na sua porção distal pode ou não estar presente.
Em geral, o divertículo intraduodenal é assintomático e identificado incidentalmente. Sua sintomatologia pode ser muito variável como náuseas, vômitos, empachamento, distensão ou dor abdominal e, mais raramente, hemorragia digestiva alta, pancreatite aguda ou obstrução intestinal (3).
O diagnóstico pode ser feito através da endoscopia digestiva alta ou de exames radiológicos, como tomografia computadorizada com contraste oral ou raio X contrastado de esôfago, estômago e duodeno (4).
O tratamento pode ser cirúrgico ou endoscópico, não existindo recomendação quanto a melhor técnica devido a baixa prevalência do divertículo intraduodenal. Tem se dado preferência ao endoscópico pela sua menor morbidade (1).
Existem diferentes técnicas descritas para o tratamento endoscópico, variando desde a diverticulectomia com auxílio de alça de polipectomia até a diverticulotomia com a utilização do “needle-knife” (1). Independente da técnica escolhida, dois cuidados são fundamentais, a identificação da papila previamente à realização do procedimento, devido a proximidade do divertículo com a papila maior, e a realização de hemostasia cuidadosa, uma vez que o divertículo é muito vascularizado e a chance de sangramento pós-procedimento é alta (1).
Apesar de ser uma entidade rara, o médico endoscopista deve estar atento ao diagnóstico do divertículo intraduodenal em pacientes com sintomas gastrointestinais altos. O tratamento endoscópico apresenta bons resultados e deve ser considerado em pacientes sintomáticos.
Referências
Law R, Topazian M, Baron TH. Endoscopic treatment of intraluminal duodenal (“windsock”) diberticulum: varying techniques from five cases. Endoscopy 2012;44:1161-1164.
Silock AQ. Ephithelioma of de ascending colon: enterocolitis, congenital duodenal septum with internal diverticulum. Trans Pathol Soc London 1885;36:207.
Odemis B, Baspinar B, Erdogan C, et al. A rare case of a windsock-shaped intraluminal duodenal diverticulum treated successfully with endoscopic diverticulectomy. Endoscopy 2022;54:E914-E915.
Karagyozov P, Tishkov I, Gdeorgieva Z, et al. Endoscopy International Open 2019;07:E87-E89.