Complicações da pancreatite crônica cursando com dor abdominal – manejo endoscópico

Relatamos o caso de uma paciente feminina de 56 anos, com história de alcoolismo e tabagismo de longa data, cursando com dor abdominal por 12 meses, até ser internada na enfermaria de Gastroenterologia do Hospital São Paulo, UNIFESP, com piora importante da dor, emagrecimento e aumento do volume abdominal.

Ao exame na admissão hospitalar apresentava-se emagrecida com IMC=19Kg/m2, descorada, anictérica e com ascite moderada, sem sinais de insuficiência hepática. Hemoglobina 11 g/dL, albumina 2,8 g/dL, bilirrubina total 0,39 mg/dL, FA 233 U/L, GGT 114 U/L, amilase 463 U/L, PCR 48 mg/dL e AP/RNI 84%/1,14.  Líquido ascítico com total de 350 células, amilase de 1884 e albumina de 1,6.  RNM apresentou pâncreas com dimensões reduzidas, cisto de parede espessada (3,5 x 3,8 cm) na porção cefálica, dilatação de ducto pancreático principal (DPP), trombose parcial da veia porta e ascite. (Figura 1)

Figura1

Figura 1: Colangiorressonância.

Feito hipótese de pancreatite crônica complicada com ascite pancreática (provável fístula do DPP) e pseudocisto de cabeça de pâncreas.

Primeira PCRE: dilatação e tortuosidade do DPP com extravasamento de contraste (ponto da fístula) na cauda, além de pseudocisto na cabeça pancreática. Foi colocado uma prótese pancreática plástica de 7 Fr x 10 cm. (Figuras 2, 3 e 4).

Figura 2

Figura 3

Figura 4

Figura 4

Não apresentou melhora da dor, nem da ascite, e passou a apresentar febre com quadro de sepse. Hipótese: complicação da drenagem transpapilar (prótese ocluída e contaminação da cavidade peritoneal pelo extravasamento de contraste), apesar de antibioticoterapia profilática.

Segunda PCRE: persistia com pseudocisto de cabeça de pâncreas e extravasamento de contraste na cauda. Notado ainda possível estenose do DPP na transição cabeça/corpo. Feito esfincterotomia pancreática, dilatação da estenose pancreática com balão de via biliar de 10 mm e colocação de prótese biliar 10 Fr x 10 cm. (Figuras 5, 6 e 7). Ampliado espectro de antibióticos.

Figura 5

Figura 5

Figura 6

Figura 6

Figura 7

Figura 7

Apresentou melhora clínica da dor, ascite e quadro da sepse. Recebeu alta hospitalar e seguiu no ambulatório de pâncreas, recebendo pancreatina via oral. Evoluiu sem dor, com ganho de peso e regressão da ascite. TC de abdomen confirmou 3 meses após ausência de ascite e do pseudocisto. Retornou para nova PCRE.

Terceira PCRE (3 meses depois da segunda PCRE): retirada a prótese pancreática. DPP dilatado, tortuoso, sem sinais de extravasamento de contraste (sem fistula e sem pseudocisto). Colédoco distal com estenose regular e dilatacão da via biliar a montante. Realizado troca da prótese pancreática por uma de 10 Fr x 12 cm (biliar). Esfincterotomia biliar, dilatação da estenose biliar com balão de 10 mm e colocação de prótese biliar auto-expansível totalmente recoberta de 10 mm x 6 cm. (Figuras 8, 9, 10, 11, 12 e 13).

Figura 8

Figura 8

Figura 9

Figura 9

Figura 10

Figura 10

Figura 11

Figura 11

Figura 12

Figura 12

Figura 13

Figura 13

No seguimento evoluiu sem dor abdominal, com ganho de peso, em uso de pancreatina, em abstinência do álcool.

Retornou para a quarta PCRE (3 meses após) quando foi trocado a prótese do pâncreas por outra biliar de 10 Fr, sendo mantida a prótese biliar auto-expansível.

Por fim, retornou para quinta PCRE quando foram retiradas as duas próteses, a biliar auto-expansível (permaneceu 6 meses) e a prótese do pâncreas (pelo menos 10 meses de permanência).

Desde então, é acompanhada clinicamente no ambulatório de pâncreas, assintomática, em uso de pancreatina, há cerca de 3 anos.

O objetivo deste relato foi demonstrar um complexo caso de pancreatite crônica com várias complicações, tratado com múltiplos e diferentes procedimentos disponíveis na terapia endoscópica para pancreatite crônica, além do tratamento clinico de suporte.

Excelente revisão da literatura sobre o assunto pode ser vista em artigo publicado na Endoscopy (link): “Endoscopic treatment of chronic pancreatitis: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Clinical Guideline”. Endoscopy 2012; 44(8):784-800.

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