Uso de adesivos tissulares para fechamento de fístulas do trato digestivo

A fístula enterocutânea é definida como uma comunicação do trato gastrointestinal com a pele ou em ferida aberta (fístula enteroatmosférica). Em mais de 2/3 dos casos, elas decorrem de manipulação cirúrgica prévia (recentemente também associada a procedimentos endoscópicos terapêuticos), com mortalidade global de 15-25% [1]. É uma condição de alta morbidade, usualmente necessitando de internação prolongada. O tratamento das fístulas gastrointestinais requer um manejo multidisciplinar, indo desde o diagnóstico (clínico ou por imagem), controle de infecção, nutrição, avaliação para necessidade de drenagem de coleções até a escolha do melhor método de intervenção para o seu fechamento.

As fístulas enterocutâneas podem ser classificadas em superficiais (trajeto curto-menores que 2 cm de extensão ou labiadas) ou profundas (trajeto longo) e com alto (acima de 500 mL/24 horas) ou baixo débito (abaixo de 200 mL/24 horas). Fatores como obstrução distal, presença de coleções/cavitações com abscesso, desnutrição importante, neoplasia e irradiação prévia estão associados a menor chance de fechamento da fístula.

Sempre que possível, o tratamento minimamente invasivo é a primeira escolha, mas, em casos de fístulas com contaminação grosseira de cavidades, septicemia e/ou instabilidade hemodinâmica ou fístulas atmosféricas labiadas (intestino exposto com evisceração), a abordagem cirúrgica deve ser considerada. Para fístulas com orifício interno pequeno (abaixo de 5 mm) e baixo débito, o uso de selantes deve ser considerado como primeira alternativa.

O uso de selante injetado por meio endoscópico foi descrito pela primeira vez em 1990, quando Eleftheriadis et al reportaram o uso de cola de fibrina para tratamento de fístulas enterocutâneas [3].

Desde então, várias técnicas de tratamento de fístulas gastrointestinais foram desenvolvidas, com ótimos resultados no manejo dessas complicações. Em 2015, o mesmo grupo grego publicou série de 25 anos de experiência do uso de selantes (fibrina e cianoacrilato) em 63 pacientes, com sucesso clínico e técnico de 96,8%, a maior série institucional reportada até o momento [4].

O uso de selantes para o fechamento de fístulas gastrointestinais consiste na injeção de uma substância líquida biocompatível com capacidade de solidificação dentro do trajeto fistuloso. Essa técnica requer, portanto, o uso de um cateter fino dentro do trajeto fistuloso, este usualmente inserido com auxílio de fio-guia. A injeção pode ocorrer a partir do orifício interno (endoscópico) e externo (percutâneo). A injeção de selantes por cateter no trajeto fistuloso é uma técnica muito segura com risco muito baixo, usualmente relacionados à reação ao agente selante (ex. aprotinina bovina – cola de fibrina) ou ao risco anestésico do próprio ato endoscópico. Os raros relatos de embolia aérea estão relacionados ao uso concomitante de fistuloscopia (introdução do endoscópio por dentro do trajeto fistuloso e insuflação aérea). O uso de cianoacrilato em grande quantidade no trajeto fistuloso pode teoricamente originar infecção e reação de corpo estranho, como visto em uso para colagem de tela sintética para tratamento de hérnias inguinais.

Para a aplicação dos selantes, recomenda-se realizar escarificação do trajeto fistuloso com intuito de aumentar a resposta inflamatória e consequente retração cicatricial. Isso pode ser feito com uso de uma escova de citologia biliar e coagulação com plasma de argônio em baixa potência. O uso de selantes pode ser combinado com próteses digestivas ou sutura endoscópica [5], para garantir selamento ou mesmo telas biológicas servindo como matriz/ancoragem [6].

O cianoacrilato e a cola de fibrina se destacam entre os selantes tissulares comercialmente disponíveis no Brasil, com características biológicas distintas. Existem outros materiais utilizados como selantes cirúrgicos, como a mistura de albumina/gluraldeído, cujos resultados preliminares na utilização em fechamento de fístulas perianais foram associados à sepse perineal [7].

A cola de fibrina possui a vantagem de ser facilmente reabsorvível, porém, mediante contato de secreções digestivas, ela pode se dissolver precocemente antes que ocorra a cicatrização do trajeto. Os dois componentes principais da cola de fibrina são o fibrinogênio humano reconstituído com aprotinina bovina sintética e a trombina reconstituída com cloridrato cálcio, que, quando misturados, formam um coágulo de fibrina (em um processo semelhante à coagulação sanguínea). O mecanismo de ação da cola de fibrina é bloquear a passagem do conteúdo gastrointestinal e promover reparo cicatricial através de migração celular local e angiogênese com proliferação fibroblástica e de queratinócitos. A cola de fibrina possui também propriedades hemostáticas, sendo utilizada em tratamento de hemorragia digestiva por injeção direta [7].

Para aplicação de cola de fibrina no trajeto fistuloso, idealmente deve-se realizar infusão através de mecanismo de dupla seringa para evitar solidificação do mesmo no trajeto. Os kits comerciais disponíveis no Brasil possuem um conector em Y junto à saída da seringa e um cateter lúmen único curto com finalidade para injeção em campo cirúrgico ou percutâneo. O uso de fibrina por via endoscópica requer um cateter longo, sendo necessária a utilização de um cateter coaxial com lúmen bipartido ou duplo-lúmen em paralelo (este fabricado de forma caseira como alternativa) para que a mistura dos componentes ocorra em sua extremidade, evitando-se a solidificação da mesma no trajeto (FIGURA 1). O cateter com lúmen bipartido possui um calibre menor (existem modelos comerciais a partir de 1.9 mm, não disponíveis no Brasil) comparado ao alinhamento caseiro de 2 cateteres. Outra dificuldade na utilização de um cateter longo é a extrusão de todo o componente retido no cateter, visto que o volume utilizado é pequeno – lembramos que uma agulha de 23G (1.9Fr) com 180 cm de comprimento pode reter mais de 2 mL de líquido em seu interior. A diferença de viscosidade das duas soluções pode levar a velocidades de infusão diferentes; deve-se atentar ao tipo de seringa utilizado com intuito de se atingir a proporção de injeção de 1:1. O uso de gás carbônico facilita a extrusão do material.

 

cateter fibrina corte longitudinal e transversa

Figura 1 – cateter fibrina corte longitudinal e transversal

Figura 3 – Dispositivo para injeção de gás carbônico a ser utilizado para injeção de cola de fibrina (extraído de www.nordsonmedical.com) O uso de cola de fibrina humana autóloga com a centrifugação do soro do próprio paciente para obtenção de cola de fibrina foi utilizado em 2 casos de fístula esofágica, com sucesso [8]. Nesses casos, a injeção é realizada na submucosa ao redor da fístula com agulha. No Brasil, não dispomos de cateter duplo-lúmen coaxial endoscópico para uso comercial. Para fabricar de forma caseira um cateter duplo-lúmen, podem-se utilizar 2 cateteres de colangiografia finos (a partir de 4Fr) ou 2 bainhas de cateter de injeção endoscópica de 23G (retiradas as agulhas e remontado o cateter), alinhados paralelamente (FIGURA 2). Essa última opção tem sido nossa preferência devido ao custo (FIGURA 3). Deve-se atentar ao calibre obtido, pois o seu uso requer um canal de trabalho terapêutico (a partir de 3.8 mm). Na falta de um cateter duplo-lúmen, outra opção descrita é realizar a injeção sequencial através de um cateter com lúmen único. O uso de cateter de colangiografia duplo lúmen de troca rápida não deve ser utilizado pelo risco de vazamento lateral [9].

Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente

Figura 2 – Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente

Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente. Detalhe – fixador de cateter

Figura 3 – Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente. Detalhe – fixador de cateter

Para uso em endoscopia, o cianoacrilato apresenta-se em 2 fórmulas [10]: o N-butil 2-cianoacrilato, também conhecido como embucrilato e comercializado no Brasil como Histoacryl (B. Braun Medical, Bethlehem, PA). O ocrilato, por sua vez, possui 8 carbonos em sua fórmula (2-octyl cyanoacrylate) e é comercializado no Brasil como Dermabond (Johnson & Johnson, New Bruns- wick, NJ). O Glubran 2 (GEM, Viareggio, Italy) contém metacriloxi sulfalano, o qual aumenta o tempo de polimerização e reduz a produção de calor reacional. O lipiodol é recomendado para utilização de mistura com enbucrilato na proporção de 1:1 a 1:1.6, com a vantagem de reduzir o tempo de polimerização e permitir visualização radiológica. Após injeção, a lavagem do cateter deve ser feita com água destilada. Ambas as versões farmacológicas de ocrilato não requerem uso de lipiodol e podem ser lavadas com solução salina fisiológica. As técnicas de injeção são as mesmas recomendadas para tratamento de varizes gástricas, com a diferença de a injeção ser por meio de um cateter dentro do trajeto da fístula.

Descrevemos um caso em que foi usada terapia a vácuo e colagem de fibrina por via endoscópica com sucesso como modalidade terapêutica para fístula traqueoesofágica pós esofagectomia.

O desenvolvimento de fístula traqueoesofágica (TE) é uma rara complicação associada a uma alta mortalidade em pacientes submetidos à esofagectomia. Estudos mostram que, caso a fístula TE não tenha cicatrização dentro de um período de 4 a 6 semanas, o tratamento conservador deve ser abandonado. Opções de tratamento hoje dependem de condições, como vascularização do conduto gástrico, a gravidade da pneumonia aspirativa e o volume do vazamento de ar, e usualmente podem incluir tanto intervenção cirúrgica com uso de retalhos como endoscópica com colocação de prótese intraluminal. Em outubro 2019, um indivíduo do sexo masculino de 53 anos com quadro de disfagia, astenia e emagrecimento apresentou diagnóstico de carcinoma escamocelular em esôfago distal, moderadamente diferenciado, invasor (EC III). Entre novembro e dezembro de 2019, fez tratamento neoadjuvante com quimioterapia e radioterapia (cross trial). Após exames de re-estadiamento, foi optado por esofagectomia total em 3 campos com acesso torácico por videocirurgia e reconstrução utilizando tubo gástrico em janeiro de 2020.

O pós-operatório (PO) se deu em UTI, sem necessidade de ventilação mecânica e em boas condições hemodinâmicas, com uso de baixas doses de drogas vasoativas. No 4º dia PO, o dreno em região cervical demonstrou alto débito de aspecto bilioso, sendo indicada tomografia de tórax, que visualizou uma coleção pequena entre tubo gástrico e traqueia com pequena quantidade de ar, derrame pleural à esquerda com focos de consolidação e pequeno pneumotórax. No 12º PO, iniciou com instabilidade hemodinâmica associada a desconforto respiratório e saída de ar pela ferida cervical, com necessidade de intubação orotraqueal e estabilização em UTI. Uma fibrobroncoscopia diagnóstica revelou traqueobronquite aguda leve com secreção purulenta abundante à esquerda e presença de fístula traqueomediastinal em traqueia distal, sendo realizada reabordagem cirúrgica com enxerto bovino para fechamento da mesma, sem sucesso. Após tratamento conservador com jejum e nutrição parenteral por 18 dias, sem melhora significativa do quadro, foi optado por intervenção endoscópica com terapia a vácuo. Realizou tratamento endoscópico por terapia utilizando pressão negativa (vácuo) intraluminal esofágico por 3 semanas, com trocas e reavaliações periódicas (a cada 5 dias), até redução significativa do orifício fistuloso (FIGURA 4). Em abril de 2020, realizou exame contrastado deglutido, o qual evidenciou pequeno trajeto fistuloso. Foi submetido à nova abordagem endoscópica com injeção de cola de fibrina (FIGURA 5), recebendo alta 1 semana após. Em retorno em agosto de 2021, o paciente referiu melhora clínica, sem queixas de disfagia ou respiratórias, e exames contrastado e endoscópico revelaram fechamento completo da fístula (FIGURA 6).

Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica puntiforme, com comunicação traqueal

Figura 4 – Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica puntiforme, com comunicação traqueal

Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica após injeção de cola de fibrina

Figura 5 – Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica após injeção de cola de fibrina

Anastomose esôfago-gástrica pérvia e ampla, sem solução de continuidade

Figura 6 – Anastomose esôfago-gástrica prévia e ampla, sem solução de continuidade

Autores

Eduardo A. Bonin*

Larissa M. S. Gomide*

Bruno Verschoor*

Ricardo S. de Bem*

Leticia Rosevics*

Bruna S. Fossati*

* Serviço de Endoscopia Digestiva, Hospital de Clínicas (UFPR)

Ilustrações

Rodrigo R. Tonan

Como citar este artigo

Bonin EA, Gomide LMS, Verschoor B, Bem RS, Rosevics L, Fossati BS. Uso de adesivos tissulares para fechamento de fístulas do trato digestivo. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/uso-de-adesivos-tissulares-para-fechamento-de-fistulas-do-trato-digestivo/

Referências

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Papilectomia endoscópica – revisão da literatura

Os tumores localizados na papila duodenal maior (ou ampola de Vater) são um grupo de neoplasias pouco comum no trato gastrointestinal, no entanto, um estudo mostra um aumento da incidência anual nos últimos 30 anos nos Estados Unidos, situando-se, atualmente, em torno de 3.000 casos/anoi. Dentre os tipos histológicos, o adenocarcinoma e o adenoma representam mais de 95% dos casos. Embora o adenocarcinoma da papila duodenal maior seja usualmente a lesão de maior prevalência1, o surgimento de casos de adenomas incidentais nessa topografia (por ocasião de um exame endoscópico gastroduodenal de rotina, por exemplo) tende a mudar essa estatísticaii. Em uma série brasileira recente de pacientes submetidos à papilectomia endoscópica (PE), houve um aumento do número de procedimentos nos últimos 5 anos, com predomínio de adenomas com displasia de alto grauiii.

Os tumores dessa complexa região anatômica, onde confluem os ductos biliar e pancreático, podem ser classificados como benignos, pré-neoplásicos (por exemplo, adenomas) e malignos. O adenoma de papila duodenal maior é considerado uma lesão pré-neoplásica, pois tende a seguir a sequência adenoma-adenocarcinoma de maneira semelhante ao câncer colorretal, com taxas de transformação para adenocarcinoma variando entre 25-85%iv. Os adenomas podem ser esporádicos ou no contexto de síndromes genéticas, como o câncer colorretal hereditário não polipóide e a polipose adenomatosa familiar (PAF), em que até 80% dos pacientes desenvolverão tal condição durante a vidav. Os sintomas, quando presentes, são geralmente inespecíficos, como dor abdominal, mal-estar, náusea, vômito e perda ponderalvi; a icterícia está mais frequentemente associada a lesões invasoras.

Por serem, muitas vezes, diagnosticados incidentalmente e não apresentarem sintomas, os adenomas da papila duodenal maior representam hoje um dilema diagnóstico e terapêutico. A abordagem terapêutica desses tumores é tradicionalmente cirúrgica e, embora permita a remoção completa da lesão, está associada a taxas consideráveis de morbidade e mortalidade (9-14% e 1-9%, respectivamente)vii. A excisão local por via endoscópica (PE) ou por ampulectomia cirúrgica pode ser empregada para lesões precoces, isto é, adenoma com acometimento neoplásico superficial (displasia de alto grau) sem sinais de invasão da muscular própria (estadiamento oncológico clínico pré-operatório: T0/T1aN0M0). A duodenopancreatectomia (procedimento de Whipple) tem sido reservada para tumores de papila com suspeita para invasão para a muscular própria, tendo como sinais macroscópicos ulceração, infiltração, friabilidade e endurecimento à endoscopia.

A PE, inicialmente proposta em 1993viii como uma alternativa de salvamento para pacientes sem condição de cirurgia, vem destacando-se mundialmente e na América Latina como uma opção terapêutica menos invasiva no tratamento de lesões precoces que acometem a papila duodenal maior3 ix. Embora não exista consenso sobre quais adenomas devem ser acompanhados ou ressecados por via cirúrgica ou endoscópica, recomenda-se a PE em adenomas tubulares, túbulo-vilosos ou vilosos na presença de displasia de alto grau (DAG) 7. Em duas revisões sistemáticas e meta-análise publicadas até o momento, avaliando-se o tratamento cirúrgico comparado ao endoscópico, a ressecção cirúrgica local está associada a maiores taxas de ressecção completa e menor recidivax xi. Quando incluído o procedimento de duodenopancreatectomia na avaliação, nota-se um maior número de complicações 11. Em ambos estudos, é notória ausência de estudos prospectivos randomizados e elevada heterogeneidade. Na meta-análise mais recente (2020)11, a taxa de ressecção endoscópica completa (ressecção oncológica R0) para PE foi 76.6% (IC 71.8–81.4%), a taxa de eventos adversos global 24.7% (IC 19.8–29.6%) e a taxa de recidiva 13.0% (IC 10.2–15.6%), esta para uma média de 44 meses de seguimento. As complicações que necessitam alguma intervenção associadas à PE, em ordem de frequência, são sangramento (intra ou pós-operatório), pancreatite e perfuração. Colangite e estenose de papila são outras complicações reportadas, de menor chance. A mortalidade é rara, sendo reportada como menos de 1%4. Na maior série comparativa (caso-controle) publicada até o momento, envolvendo 180 pacientes submetidos à técnica endoscópica (130 pacientes) versus cirurgia para excisão local de adenomas da papila de Vaterxii, os resultados clínicos foram semelhantes. A cirurgia apresentou maior número de eventos adversos (EA), e a PE maior chance de recidiva quando nesta houve necessidade de mais de uma sessão de tratamento endoscópico. As lesões desfavoráveis para tratamento endoscópico foram lesões maiores que 3.5 cm e com extensão para o ducto biliar. A PE, portanto, é recomendada como a principal opção de excisão local para adenomas menores que 4 cm, profundidade de invasão confinada à mucosa e submucosa e com extensão ductal menor que 1 cm 7.

A biópsia de papila duodenal maior permanece o padrão-ouro para decisão terapêutica, em que recomenda-se a obtenção de, ao menos, 6 espécimes e/ou coleta de fragmentos após 10 dias de uma esfincterotomia pós-drenagem biliar de tumor ampular obstrutivo7, bem como avaliação por patologista experiente em doenças biliopancreáticas. Entretanto, a biópsia, isoladamente, oferece baixa sensibilidade para diagnóstico de adenoma e de carcinoma, em que se pode subestimar a lesão em até 23% dos casosxiii, e que, na suspeita de neoplasia, recomenda-se a ressecção completa da lesão. Inversamente, as múltiplas variações morfológicas endoscópicas histopatológicas de uma papila duodenal maior normal podem ser erroneamente interpretadas como adenomas. Esses dilemas diagnósticos são evidenciados quando se estuda a população de pacientes submetidos à PE, em que, atualmente, apenas cerca de 13 a 36% deles apresentam correlação histopatológica com o espécime cirúrgico ressecadoxiv xv. Nesse contexto, pode haver tecido adenomatoso sem displasia (podendo ser interpretado como falso positivo para DAG ou eliminação do foco de displasia por ocasião da biópsia) e neoplasia invasora (falso negativo para adenocarcinoma) no espécime cirúrgico. Em uma série nacional recente, houve baixa correlação entre o diagnóstico pré e pós-PE para adenocarcinoma invasor e presença de DAG3. Com o aumento da experiência na abordagem dessas lesões, espera-se que essa correlação venha a ser equilibrada. Em complementação ao diagnóstico, houve um aprimoramento das técnicas endoscópicas de estadiamento, como o ultrassom endoscópico (USE), cromoscopia e magnificação endoscópica4. De fato, a utilização do USE parece ser um método útil no estadiamento de lesões precoces, com taxa de detecção de malignidade para lesões suspeitas de 82%xvi.

Com relação ao aspecto técnico, a PE propõe a ressecção da mucosa e submucosa duodenal na topografia dos anexos anatômicos da papila duodenal maior, incluindo o aparato esfincteriano e tecido ao redor do ducto biliar e os orifícios do ducto pancreático. A principal vantagem desse procedimento comparado à ampulectomia cirúrgica é evitar o acesso abdominal com duodenotomia e manipulação da região periampular, com ressecção de tecido pancreático e reinserção separada do ducto biliar comum e do ducto pancreático principal na parede duodenalxvii. Atualmente, tem sido descrito a ressecção endoscópica completa de tumores ampulares de até 4-5 cm de extensão lateral, desde que restritos à submucosa e com infiltração intraductal menor que 1 cm, mantendo taxas de sucesso elevadas e morbidade inferior às séries cirúrgicas.A técnica de PE tem como objetivo remover a lesão em bloco utilizando uma alça diatérmica, semelhante a um procedimento de mucosectomia endoscópica para adenomas colônicos. Com relação às técnicas utilizadas, as principais controvérsias são o uso de injeção submucosa antecedendo a ressecção com alça diatérmica e o uso de prótese pancreática profilática após a ressecção da lesão. Os argumentos para o uso de injeção submucosa são a redução no risco de sangramento quando associado à adrenalina e a criação de um coxim com separação das camadas superficial e profunda. Entretanto, essa etapa tem sido abolida por muitos centros por aumentar a dificuldade de apreensão da alça na lesão e o risco de pancreatitexviii. O benefício do uso de prótese pancreática como profilaxia para pancreatite, atualmente recomendado nesse contexto para pacientes de alto risco para pancreatite7 xix xx, vem sendo questionado em séries mais recentesxxixxii. O uso de próteses biliares não é incentivado de rotina7, podendo ser útil em caso de perfuração e sangramento com o intuito de compressão local e desvio da secreção biliar. Outras técnicas descritas, alternativamente, consistem na utilização de um fio guia transpapilarxxiii ou dissecção submucosa da margem lateralxxiv, empregados previamente à preensão e ressecção com alça diatérmica. Para casos de recidiva junto ao óstio, pode-se aplicar plasma de argônio e, quando biliar intraductal, pode-se recorrer à ablação endoscópica com radiofrequênciaxxv.

Conclusão

A papilectomia endoscópica é uma técnica endoscópica minimamente invasiva que permite a remoção tumoral completa de lesões ampulares precoces, na maioria dos casos, com taxas de eventos adversos aceitáveis.

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Como citar este artigo

Bonin E.A. Papilectomia Endoscópica – Revisão da literatura. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/papilectomia-endoscopica–revisao-da-literatura

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xix Singh P, Das A, Isenberg G, Wong RC, Sivak MV, Agrawal D, Chak A. Does prophylactic pancreatic stent placement reduce the risk of post-ERCP acute pancreatitis? A meta-analysis of controlled trials. Gastrointest Endosc. 2004;60:544–550

xx Yining Wang Y, Qi M, Hao Y, Hong J. The efficacy of prophylactic pancreatic stents against complications of post-endoscopic papillectomy or endoscopic ampullectomy: a systematic review and meta-analysis Therap Adv Gastroenterol. 2019; 12: 1756284819855342. Published online 2019 Jun 26.

xxi Chang WI, Min YW, Yun HS, Lee KH, Lee JK, Lee KT, Rhee PL Prophylactic pancreatic stent placement for endoscopic duodenal ampullectomy: a single-center retrospective study. Gut Liver. 2014 May;8(3):306-12.

xxii Taglieri E, Micelli-Neto O, Bonin EA, Goldman SM, Kemp R, dos Santos JS, Ardengh JC, Analysis of risk factors associated with acute pancreatitis after endoscopic papillectomy. Sci Rep. 2020; 10: 4132.

xxiii Moon JH, Cha SW, Cho YD, Ryu CB, Cheon YK, Kwon KW, Kim YS, Kim YS, Lee JS, Lee MS, Shim CS, Kim BS. Wire-guided endoscopic snare papillectomy for tumors of the major duodenal papilla. Gastrointest Endosc. 2005 Mar;61(3):461-6.

xxiv Takahara N, Tsuji Y, Nakai Y, et al. A Novel Technique of Endoscopic Papillectomy with Hybrid Endoscopic Submucosal Dissection for Ampullary Tumors: A Proof-of-Concept Study (with Video). J Clin Med. 2020 Aug; 9(8): 2671.

xxv Camus M, Napoléon B, Vienne A, Le Rhun M, Leblanc S, Barret M, Chaussade S, Robin F, Kaddour N, Prat F. Efficacy and safety of endobiliary radiofrequency ablation for the eradication of residual neoplasia after endoscopic papillectomy: a multicenter prospective study. Gastrointest Endosc. 2018 Sep;88(3):511-518.

Autores

Eduardo Aimore Bonin

Nelson Silveira Cathcart Junior

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Casos Clínicos: Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática

 

Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática – achados de endoscopia digestiva alta e de ultrassom endoscópico.

A neoplasia intraductal mucinosa papilar (NIMP) pancreática é uma neoplasia epitelial, que se caracteriza por proliferação papilar e dilatação do ducto pancreático principal, com consequente formação de cisto[i]. As NIMPs são classificadas como tipo ducto pancreático principal (DP), tipo ducto pancreático secundário (DS), ou misto com base no envolvimento topográfico ductal do tumor. Sua identificação usualmente é feita por colangiopancreatoressonância magnética (ColangioRM), podendo ser confirmada pelo ultrassom endoscópico (USE) com ou sem punção ecoguiada, cujo principal achado é a confirmação de comunicação ductal, corroborado pela presença de células mucinosas. Seu tratamento baseia-se nos fatores de risco (sintomas clínicos, achados de imagem) pelo fato da NIMP progredir para carcinoma de forma infrequente e muitos pacientes serem assintomáticos. Atualmente, as recomendações de sociedade sugerem acompanhamento de 2 a 3 anos para cistos < 1 cm; anual de cistos (1 e 2 cm) por um período total de 2 anos e de 3-6 meses para cistos > 2 cm. Qualquer paciente ictérico ou com história de pancreatite aguda é candidato à cirurgia com base na localização do cisto e na extensão do envolvimento do DP[ii]. A NIMP pode apresentar-se como uma variável fistulizante, usualmente para o duodeno. Os autores apresentam um caso de formação espontânea de fístula gastropancreática secundária a uma NMIP tipo misto detectada e avaliada por endoscopia digestiva alta e ecoendoscopia.

 

CASO CLÍNICO

Paciente do sexo feminino, 68 anos, procurou o serviço de gastroenterologia do CHC-UFPR em maio 2018 com queixa de plenitude pós-prandial e desconforto abdominal. Solicitados exames diagnósticos de rotina, em que um US mostrou lesão solido-cística pancreática a esclarecer. Um exame de ColangioRM mostrou dilatação e irregularidade ductal a esclarecer, tendo como hipóteses diagnósticas NMIP do tipo misto ou pancreatite crônica calcificante (FIGURA 1). Foi submetida a ecoendoscopia e endoscopia digestiva alta o qual evidenciou NIMP com fistulização para o estômago e acentuada dilatação ductal pancreática com vegetações em seu interior (FIGURAS 2, 3 e 4). Foi possível adentrarmos no trajeto fistuloso para obteção de biópsias das vegetações.

A biópsia endoscópica confirmou NIMP do tipo misto padrão intestinal (FIGURA 5) e, conforme os critérios de Fukuoka 2016 (sintomas, acentuada dilatação ductal) acometimento de toda a glândula pancreática e o elevado risco de malignidade, foi decidido por pancreatectomia total como opção para tratamento curativo. Durante o ato cirúrgico, não foi possível a dissecção da cabeça pancreática devido a aderências em grandes vasos. Foi optado então por pancreatectomia corpo-caudal, cuja congelação de margem evidenciou lesão papilar ductal sem displasia. O procedimento foi associado a gastrectomia parcial e esplenectomia. A paciente apresentou evolução pós-operatória favorável, recebendo alta 10 dias pós-procedimento. O anatomopatológico evidenciou neoplasia mucinosa intraductal papilífera com displasia de alto grau, sem foco de neoplasia invasora, com acometimento ductal extenso e margem proximal positiva para presença de epitélio papilar sem displasia. Seis meses após o procedimento, a paciente retorna ao hospital por diarreia e desnutrição, a qual foi manejada com orientações dietéticas e revisão da reposição de enzimas pancreáticas. Um mês após, a paciente é reinternada com quadro de sepse sem origem determinada, evoluindo a óbito em 3 dias a despeito de medidas suportivas e uso de antibiótico de largo espectro.

FIGURA 1 – Colangioressonância – acentuada dilatação e tortuosidade do ducto pancreático principal (flechas verdes) com sinais de comunicação fistulosa com o estômago ao nível do corpo pancreático (flecha azul).

Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática

 

FIGURA 2 – Achado ecoendoscópico – presença de vegetação intraductal doppler-positivo dentro do ducto pancreático principal (este dilatado), confirmando tratar-se de NIMP tipo misto.

 

FIGURA 3 – Achado endoscópico – presença de uma gota de muco junto à parede posterior do estômago, confirmando tratar-se de uma neoplasia mucinosa.

Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática

 

FIGURA 4 – Achado endoscópico – após adentrado no orifício fistuloso, nota-se a parede do ducto pancreático principal (ao fundo) e uma vegetação (à direita).

Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática

 

FIGURA 5 – Fotomicrografia demonstrando projeção papilar e epitélio tipo intestinal (flechas amarelas). Hematoxilina-eosina 40x.

Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática

 

DISCUSSÃO

A NIMP pode apresentar como complicação durante seu seguimento a formação de fístula espontânea em órgãos adjacentes em até 6% dos casos[i], ou mesmo, muito raramente, ruptura em peritônio livre[ii]. A presença de uma fístula é usualmente identificada por exames de imagem não invasivos, tais como a TC de abdômen e a ColangioRM, pois permitem a identificação anatômica da fístula. Tais achados podem ser confirmados por ultrassom endoscópico.

As fístulas podem ser múltiplas, ocorrendo em qualquer dos tipos de NIMP (DP, DS ou misto) [iii]. O tipo de fístula pode variar em comportamento como sendo invasor (tipo penetrante) devido à infiltração por neoplasia avançada ou por compressão local e isquemia da parede do tubo digestivo (tipo mecânico), este usualmente não associado à malignidade e responsável por até cerca de 2/3 dos casos de NIMP fistulizante (4). Dentre os sítios descritos, a NIMP pode fistulizar para o duodeno (65%), seguido de colédoco (11%), estômago (19%) e cólon (3%)[iv]. Dentre as fístulas para o estômago, identificamos na literatura um total de 5 casos publicados e 2 séries de casos.

Embora o achado de fístula sugira agressividade, nos casos em que ocorre compressão (tipo mecânico), a sua presença não está necessariamente associada à neoplasia invasiva. De fato, o tipo histológico usual nas fístulas é o intestinal6, considerado de baixa agressividade dentre os quatro tipos histológicos de NIMP descritos na literatura. No presente caso, a paciente apresentava tipo histológico intestinal com foco de displasia de alto grau, sem sinais de neoplasia invasora. Entretanto, o acometimento ductal desses pacientes tende a ser difuso por toda a extensão do pâncreas. Isso determina um dilema terapêutico para pacientes com alto risco cirúrgico e idosos, uma vez que a cirurgia com potencial de cura seria a pancreatectomia total, um procedimento de elevado risco e morbidade pré e pós-operatória. Clinicamente, a presença de fístula em si não representa uma situação de risco para o paciente. A fistulização, em verdade, pode promover descompressão ductal pancreática[v] e melhora dos sintomas[vi], restando apenas o componente secretor da doença, que teoricamente poderia espoliar o paciente por perda proteica. No presente estudo, a paciente referia-se à dor abdominal crônica, provavelmente decorrente de pancreatite crônica adjacente.

Em relação à conduta, no presente caso, optou-se, inicialmente, por pancreatectomia total, mas foi tecnicamente possível somente a realização de pancreatectomia corpo-caudal (aderências ao nível da cabeça pancreática) e gastrectomia parcial com remoção do componente fistuloso. A despeito de ter sido realizada uma cirurgia que poupou tecido pancreático, a paciente desenvolveu desnutrição grave em curto espaço de tempo de pós-operatório.

A fístula gastropancreática é considerada rara na literatura e suas consequências, a longo prazo; risco de neoplasia e o intervalo de seguimento não estão definidos7. No presente caso, o exame endoscópico e endossonográfico foram cruciais para o diagnóstico e, quanto ao tratamento, faz-se necessária uma avaliação do risco, ponderando-se as ressecções pancreáticas extensas, principalmente em pacientes idosos e de alto risco.

 

 

 

AUTORES

Eduardo Aimore Bonin1, Raquel Canzi Almada de Souza1, Renata Pereira Mueller1, Sergio Ossamu Ioshii1, José Celso Ardengh 2.

1- Complexo Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.
2- Hospital 9 de Julho, Setor de Endoscopia, São Paulo, SP, Brasil, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Endoscopia, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

 

Como citar esse artigo:

Aimore E., Canzi R., Pereira R., Ossamu S. e Celso J. Casos Clínicos: Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/fistula-gastropancreatica-secundaria-neoplasia-intraductal-mucinosa-papilar-pancreatica-achados-de-endoscopia-digestiva-alta-e-de-ultrassom-endoscopico/

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Referências

[i] Kobayashi G., Fujita N., Noda Y., Ito K., Horaguchi J., Obana T. Intraductal papillary mucinous neoplasms of the pancreas showing fistula formation into other organs. J Gastroenterol. 2010;45(October, 10):1080–1089.
[ii] Mizuta Y, Akazawa Y, Shiozawa K, Ohara H, Ohba K, Ohnita K, Isomoto H, Takeshima F, Omagari K, Tanaka K, Yasutake T, Nakagoe T, Shirono K, Kohno S. Pseudomyxoma peritonei accompanied by intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas. Pancreatology. 2005; 5(4-5):470-4.
[iii] Ravaud S., Laurent V., Jausset F., Cannard L., Mandry D., Oliver A. CT and MR imaging features of fistulas from intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas to adjacent organs: a retrospective study of 423 patients. Eur J Radiol. 2015;84(November, 11):2080–2088.
[iv] Ravaud S., Laurent V., Jausset F., Cannard L., Mandry D., Oliver A. CT and MR imaging features of fistulas from intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas to adjacent organs: a retrospective study of 423 patients. Eur J Radiol. 2015;84(November, 11):2080–2088.
[v] Patel A,Allen A, Kuwahara J, Tracy Wadsworth T, Loeffler DM,Xie KL. Intraductal papillary mucinous neoplasm complicated by a gastropancreatic fistula Radiol Case Rep. 2019 Mar; 14(3): 320–323.
[vi] Gebran Khneizer,a,d Kavya M. Reddy,b Muhammad B. Hammami,c and Samer Alkaadeb Formation of Pancreatoduodenal Fistula in Intraductal Papillary Mucinous Neoplasm of the Pancreas Decreased the Frequency of Recurrent Pancreatitis. Gastroenterology Res. 2019 Feb; 12(1): 43–47.

 

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DIRETRIZ – ASGE – Papel da endoscopia no diagnóstico e tratamento das neoplasias císticas do pâncreas

 




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Paciente, sexo feminino, 68 anos, procurou o ambulatório de gastroenterologia em maio de 2018 com queixa de plenitude pós-prandial e desconforto abdominal há 2 anos. Como antecedentes, apresentava diabetes mellitus tipo 2, hipotireoidismo, DPOC tabágico (25 maços/ano), dislipidemia, apendicectomia e herniorrafia incisional. Dentre os exames diagnósticos de rotina solicitados, identificou-se, através de ultrassom de abdome, uma lesão sólido-cística em corpo pancreático indeterminada, medindo cerca de 3 cm. Não havia histórico de pancreatite ou cirurgia pancreatobiliar prévia.

Fig. 1 – A colangiorressonância apresentava este aspecto:

Acentuada dilatação e tortuosidade do ducto pancreático principal (flechas verdes) com sinais de comunicação fistulosa com o estômago ao nível do corpo pancreático (flecha azul).

Autores

Eduardo Aimore Bonin (1), Raquel Canzi Almada de Souza (1), Renata Pereira Mueller (1), Sergio Ossamu Ioshii (1), José Celso Ardengh (2).

(1) Complexo Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.

(2) Hospital 9 de Julho, Setor de Endoscopia, São Paulo, SP, Brasil, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Endoscopia, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Referências

  1. Kobayashi G., Fujita N., Noda Y., Ito K., Horaguchi J., Obana T. Intraductal papillary mucinous neoplasms of the pancreas showing fistula formation into other organs. J Gastroenterol. 2010;45(October, 10):1080–1089.
  2. Mizuta Y, Akazawa Y, Shiozawa K, Ohara H, Ohba K, Ohnita K, Isomoto H, Takeshima F, Omagari K, Tanaka K, Yasutake T, Nakagoe T, Shirono K, Kohno S. Pseudomyxoma peritonei accompanied by intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas. Pancreatology. 2005; 5(4-5):470-4.
  3. Ravaud S., Laurent V., Jausset F., Cannard L., Mandry D., Oliver A. CT and MR imaging features of fistulas from intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas to adjacent organs: a retrospective study of 423 patients. Eur J Radiol. 2015;84(November, 11):2080–2088.
  4. Ravaud S., Laurent V., Jausset F., Cannard L., Mandry D., Oliver A. CT and MR imaging features of fistulas from intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas to adjacent organs: a retrospective study of 423 patients. Eur J Radiol. 2015;84(November, 11):2080–2088.
  5. Patel A, Allen A, Kuwahara J, Tracy Wadsworth T, Loeffler DM, Xie KL. Intraductal papillary mucinous neoplasm complicated by a gastropancreatic fistula Radiol Case Rep. 2019 Mar; 14(3): 320–323.

 

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Terapia a vácuo transgástrica para tratamento de fístula pancreatocutânea após necrosectomia endoscópica utilizando um sistema de drenagem túbulo-laminar fechado

A pancreatite aguda necrotizante está associada a coleções necróticas organizadas em mais de 50% dos casos, e cerca de 25% desses casos necessitam intervenção. A necrosectomia endoscópica transgástrica (NET) é uma opção menos invasiva para tratamento de coleção necrótica organizada, e deve ser priorizada sempre que possível antes de uma abordagem cirúrgica. A terapia a vácuo transgástrica tem sido descrita para tratamento de coleção necrótica organizada pancreática. Nós descreveremos a seguir um método de drenagem a vácuo utilizando um sistema de drenagem túbulo-laminar fechado para tratamento de fístula pancreaticocutânea de alto débito associado a pancreatite necrotizante.

Um paciente masculino de 36 anos foi hopsitalizado em Junho de 2018 com sintomas de dor abdominal por pancreatite aguda necrotizante associada a etilismo e tabagismo. Ele não apresentava comorbidades. O paciente evoluiu com síndrome de resposta inflamatória sistêmica e falência de múltiplos órgãos, e uma tomografia computadorizada de abdomem revelou uma coleção necrótica organizada massiva. O paciente desenvolveu quadro séptico e sangramento digestivo varicoso, necessitando tamponamento com passagem de balão esofágico. Em seguida, houve drenagem espontânea de secreção pancreática em região inguinal esquerda.

Coleção necrótica organizada massiva estendendo-se através do espaço retroperitonial (setas vermelhas) até a região inguinal esquerda (seta amarela).

FIGURA 1 – Coleção necrótica organizada massiva estendendo-se através do espaço retroperitonial (setas vermelhas) até a região inguinal esquerda (seta amarela).

 

FIGURA 2 – Varizes gástricas devido a trombose de veia esplênica (setas). Essa complicação impôs um desafio à drenagem transgástrica.

 

Nessa ocasião o paciente foi então transferido de hospital para o nosso setor de endoscopia para NET com uso de prótese metálica autoexpansível para aposição luminal.

Figura 3 – Drenagem transgástrica de coleção pancreática organizada utilizando prótese metálica por aposição luminal (setas) (Hanaro BCF 12mm/30mm stent, MItech, Gyeonggi-do, Rep. of Korea).

 

Após três sessões semanais de NET, houve limpeza efetiva do material necrótico pancreático, porém o paciente desenvolveu uma fístula pancreaticocutânea de alto débito em região inguinal (acima de 1000mL). Foi decidido por terapia a vácuo com dreno túbulo-laminar.

Figura 4 – Terapia a vácuo transgástrica utilizando drenagem fechada túbulo-laminar (dreno de Waterman). a. O dreno foi construído a partir de uma sonda nasogástrica de polietileno tipo Levine 14F envolta por um dreno de latex tipo Penrose N3. b. um fio-guia foi inserido endoscopicamente até sua exteriorização no orifício inguinal. O fio-guia foi então transferido da boca para a narina esquerda. c. o dreno túbulo-laminar foi então inserido até atingir a cavidade abdominal auxiliando por um endoscópio. d. Extremidade gástrica do dreno túbulo-laminar.

 

 

Uma primeira tentativa de passagem do dreno através da prótese resultou em mal posicionamento da mesma, com persistência da fístula. Uma semana após, foi optado por remoção da prótese e passagem através do orifício gástrico e dentro da retrocavidade abdominal.

Figura 5 – Dreno tubulo-laminar situado no espaço retroperitonial (setas). A prótese metálica pré-existente foi removida.

 

 

A terapia a vácuo (pressão de 200 mmhg) foi então reiniciada, resultando em redução significativa do débito da fístula (de acima de 1000mL para 30mL em 24 horas). Cinco dias após controle efetivo do débito da fistula, o dreno foi removido e 2 próteses plásticas duplo-espiraladas 7F/7cm (Cook endoscopy, Winstom-Salem, NC, USA) foram posicionadas através do pertuito gástrico.

Figura 6 – Resolução completa da cavitação necrosada e da fistula pancreaticocutânea. Duas próteses plásticas duplo-espiraladas foram inseridas para manutenção do pertuito gastrico. A seta amarela mostra a extremidade distal/interna da prótese.

 

O paciente restaurou a dieta via oral e recebeu alta 2 semanas após este procedimento. Após 18 semanas de seguimento o paciente restaurou o peso original e encontra-se sem sintomas digestivos. As próteses pancreáticas transgástricas devem permanecer indefinidamente devido ao desenvolvimento de síndrome de desconexão pancreática.

 

 

AUTORES

Eduardo Aimore Bonin, Andre Marussi Morsoletto, Eduardo Silva Carboni, Eduardo Brommelstroet Ramos, Julio Cesar Wiederkher, Micheli Fortunato Domingos, Guilherme Francisco Gomes.

Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba, Brasil

 

REFERÊNCIAS

1  Manrai M, Kochhar R, Gupta V, Yadav TD, Dhaka N, Kalra N, Sinha SK, Khandelwal N. Outcome of Acute Pancreatic and Peripancreatic Collections Occurring in Patients With Acute Pancreatitis. Ann Surg. 2018 Feb;267(2):357-363.

2 Sarathi Patra P, Das K, Bhattacharyya A, Ray S, Hembram J, Sanyal S, Dhali GK. Natural resolution or intervention for fluid collections in acute severe pancreatitis. Br J Surg. 2014 Dec;101(13):1721-8.

3 Bakker OJ, van Santvoort HC, van Brunschot S, Geskus RB, Besselink MG, Bollen TL, van Eijck CH, Fockens P, Hazebroek EJ, Nijmeijer RM, Poley JW, van Ramshorst B, Vleggaar FP, Boermeester MA, Gooszen HG, Weusten BL, Timmer R; Dutch Pancreatitis Study Group. Endoscopic transgastric vs surgical necrosectomy for infected necrotizing pancreatitis: a randomized trial. JAMA. 2012 Mar 14;307(10):1053-61.

4 Loske G, Schorsch T, Gobrecht O, Martens E, Rucktäschel F.Transgastric endoscopic vacuum therapy with a new open-pore film drainage device in a case of infective pancreatic necrosis. Endoscopy. 2016;48 Suppl 1:E148-9.

5 Wedemeyer J, Kubicka S, Lankisch TO, Wirth T, Patecki M, Hiss M, Manns MP, Schneider AS. Transgastrically placed endoscopic vacuum-assisted closure system as an addition to transgastric necrosectomy in necrotizing pancreatitis (with video).Gastrointest Endosc. 2012 Dec;76(6):1238-41.

 




Quiz LESÃO CÍSTICA SIMPLES INTRA-ABDOMINAL PERIPANCREÁTICA

Paciente feminina, 41 anos, história de desconforto epigástrico recorrente associado a náuseas e plenitude pós-prandial, apresentando períodos de melhora quando em uso de omeprazol 20 mg. A paciente é tabagista e portadora de hipertensão arterial sistêmica e nefrolitíase. Nega antecedente de neoplasia ou tratamento oncológico, trauma abdominal ou cirurgia prévia. Exame físico sem particularidades. Investigação iniciada com endoscopia digestiva alta, esta sem alterações.

Ao ultrassom de abdomen presença de imagem incidental ovalada, anecoica, com septações, adjacente ao pâncreas e artéria renal direita, medindo 40 x 30 mm, sem fluxo ao doppler colorido, a qual não foram atribuídos sintomas. Realizado complementação diagnóstica com Tomografia computadorizada (TC) de abdomen a qual evidenciou imagem hipodensa, ovalada, de paredes finas, sem realce à injeção de contraste, localizada adjacente ao processo uncinado, entre o polo inferior do rim direito e a veia cava inferior, medindo 4,3 x 3,4 x 4,1 cm nos maiores diâmetros.




QUIZ – Lesão subepitelial em bulbo duodenal

 

Paciente masculino, J.C.W., 61 anos, com histórico de tromboembolismo pulmonar há mais de 5 anos, após trauma pélvico contuso de alto impacto, sem sequelas. Sem outras comorbidades, sem alergias e sem uso de medicações diárias no momento. Realizou endoscopia digestiva alta há cerca de 30 dias por quadro de dispepsia, onde foi observada lesão elevada, subepitelial à propedêutica endoscópica (presença de sinal da tenda) em parede anterior do bulbo duodenal, próximo à transição para a segunda porção duodenal. Ela era recoberta por mucosa normal e estimada em 15mm.

 

Autores:

Eduardo Carboni da Silva

Eduardo Aimore Bonin

Guilherme Francisco Gomes

Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba, Paraná




Recanalização guiada por ecoendoscopia de estenose total de anastomose pancreaticojejunal pós duodenopancreatectomia

A duodenopancreatectomia é uma técnica cirúrgica que consiste da ressecção da cabeça pancreática, e, por questões anatômicas, ela necessariamente envolve também o colédoco distal e toda a topografia da segunda porção duodenal. Essa técnica é frequentemente utilizada para tratamento de lesões no território da cabeça pancreática, papila duodenal maior ou segunda porção duodenal. Ela requer uma reconstrução do coto do ducto pancreático principal remanescente (corpo e cauda pancreáticos), usualmente através de uma anastomose com o jejuno (anastomose pancreaticojejunal).
A cirurgia pode ter como efeito tardio uma estenose da anastomose pancreaticojejunal. A estenose é clinicamente significativa quando ela determina estase e/ou aumento da pressão intraductal pancreática, sendo estimada em até 2-10% dos casos[1] [2]. A estenose ductal pancreática pode resultar em alterações similares às observadas em pancreatite crônica, como dilatação ductal, formação de debris ou litíase ductal e alterações do parênquima pancreático. Clinicamente, ela pode manifestar-se com insuficiência pancreatica exócrina, surtos de pancreatite e dor abdominal crônica.
O tratamento da estenose ductal pós duodenopancreatectomia está indicado na presença de sintomas recorrentes ou refratários a tratamento clínico, e invariavelmente envolve descompressão ductal pancreática. Essa descompressão é tradicionalmente obtida por anastomose pancreatojejunal longitudinal por via cirúrgica por laparotomia. Alternativamente, a descompressão pode ser obtida através de técnicas minimamente invasivas envolvendo dilatação da estenose e/ou colocação de prótese pancreática, sendo essa possível por via radiológica, endoscópica, ou combinadas (rendez-vous).
Dentre essas técnicas, a endoscópica guiada por ecoendoscopia vem se destacando com diversas variações técnicas descritas[4] e sucesso técnico próximo de 70%[5] [6]. A vantagem em relação aos outros métodos minimamente invasivos é um acesso através de punção facilitado ao ducto pancreático (este usualmente dilatado) e com mínima interposição tecidual (interposição apenas da parede gástrica). As desvantagens seriam sua baixa disponibilidade e a necessidade de se criar um trajeto pancreato-gástrico. Os pontos controversos são seus resultados clínicos a longo prazo, comparados ou não à cirurgia, e manutenção do trajeto pancreatogástrico. Embora a taxa de sucesso clinico com o método tem sido descrito em torno de 80% (seguimento médio de 2 anos)6, esses dados são escassos na literatura, e tais questões serão difíceis de respondê-las devido à raridade dessa condição.
A técnica anterógrada transgástrica guiada por ecoendoscopia consiste de punção transgástrica, seguida de acesso, instrumentação e manipulação ductal pancreática guiada por ecoendoscopia e fluoroscopia. O ducto pancreático é identificado ao ultrassom e acessado em sua porção mais próxima à parede gástrica, usualmente ao nível do corpo pancreático junto à transição corpo-caudal. Durante a punção, a angulação da agulha deve ser obliqua a permitir injeção de contraste e passagem de um fio guia por via anterógrada em direção à anastomose pancreaticojejunal. Com o fio-guia, tenta-se atravessar a estenose e acessar a alça jejunal. Em seguida, dilata-se o local da punção – interface da parede gástrica-parênquima pancreático (trajeto pancreato-gástrico). Através do trajeto pancreato-gástrico obtido é possível instrumentação, resultando em dilatação da anastomose, remoção de cálculos e passagem de prótese pancreática para manutenção do trajeto pancreato-gástrico. Mesmo na vigência de uma estenose total da anastomose pancreaticojejunal, uma punção através da mesma por via anterógrada intraductal pode ser realizada, resultando em recanalização ductal pancreática e permitindo a passagem de fio guia e subsequentes manipulações.
 

CASO CLÍNICO:


 
 
REFERÊNCIAS
[1] Aram N Demirjian, Tara S Kent, Mark P Callery, Charles M Vollmer. The inconsistent nature of symptomatic pancreatico-jejunostomy anastomotic strictures. HPB (Oxford). 2010 Sep; 12(7): 482–487. doi:  10.1111/j.1477-2574.2010.00214.x
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