“Fechando a questão” com clipes tipo “Over the Scope”. Casos clínicos (com vídeos) e revisão da literatura.

Os clipes tipo “over the scope” têm a capacidade de apreender áreas mais amplas com maior força e atingindo camadas mais profundas da parede do trato digestório, como a camada muscular própria. Por estas características têm sido usados para fechamento de defeitos como perfurações e fístulas e também, para fechamento de leitos de ressecções. Além disso podem ser usados para fixação de stents e outros dispositivos. 

Recentemente alguns autores e mesmo diretrizes de sociedades como a ESGE têm advogado seu uso para hemostasia do TGI, em casos de ressangramento e sangramento persistente. A maior parte dos estudos trata do uso dos clipes “over the scope” no manejo de úlceras pépticas. No entanto há interesse crescente em seu uso para o sangramento do TGI inferior.

Há dois tipos de clipes “over the scope” disponíveis: o OTSC® clip (Ovesco Endoscopy AG, Tübingen, Germany) e o clipe Padlock (Steris Corporation)

Nesta publicação vamos postar dois casos clínicos (com vídeos) em que os clipes foram utilizados com funções distintas: para o fechamento de uma fístula gastrocutânea persistente pós GTT e para hemostasia de cólon. À seguir há uma revisão da literatura existente.

Caso 1 – Fistula gastrocutânea persistente pós GTT

Paciente do sexo feminino, com 69 anos, portadora de neoplasia renal metastática, em vigência de tratamento quimioterápico. Paciente evoluindo com disfagia, inapetência e comprometimento importante do estado geral. Equipe de oncologia clínica indicou realização de GTT, realizada em junho de 2020. Paciente evoluiu com BBS (“Buried Bumper Syndrome”) precoce e o manejo realizado na ocasião foi o reposicionamento da sonda com sucesso (Figura 1).

Figura 1. Imagens endoscópicas da realização da GTT (imagens da fileira superior) e aspecto endoscópico do BBS precoce (imagens da fileira inferior)

No mês de Setembro de 2020 a paciente evoluiu com perda da GTT e na ocasião foi realizada troca por sonda de baixo perfil tipo button. Em outubro de 2020 a paciente iniciou um vazamento peri GTT importante associado a dermatite e, na ocasião foi optado pela remoção da sonda de GTT (Figura 2).

Figura 2. Aspecto do abdome da paciente com dermatite e grande vazamento por fístula gastrocutânea pós GTT.

No início de Dezembro de 2020 o orifício da GTT ainda persistia aberto, e a primeira tentativa de manejo endoscópico foi realizada com escarificação do trajeto e uso de clipes convencionais, no entanto, não foi um procedimento que obteve sucesso no fechamento do orifício (Figura 3). 

Figura 3. Primeira tentativa de manejo da fístula gastrocutânea persistente com uso de clipes endoscópicos convencionais

No final de Dezembro optado por fechamento do orifício com uso de clipe Padlock (vídeo). A paciente teve boa evolução pós procedimento com parada de saída de secreção gastroentérica pelo orifício da GTT além de melhora expressiva da dermatite. A figura 4 mostra o aspecto endoscópico e abdominal quatro meses após o procedimento.

Figura 4. Aspecto endoscópico e do abdome da paciente quatro meses após a instalação do clipe Padlock para o tratamento da fístula gastrocitânea persistente.

A Gastrostomia Endoscópica Percutânea (GEP) ou GTT é um procedimento extremamente comum nas rotinas endoscópicas e usualmente indicado para pacientes que necessitam de uma via nutricional alternativa, de médio e longo prazos. Após a remoção da sonda o orifício da gastrostomia geralmente fecha de forma espontânea em até 48-72h.

Nas situações em que o orifício não fecha após 4 semanas temos a chamada fístula pós GTT. Além dos problemas fisiológicos, bioquímicos (dermatite) e eventualmente infecciosos, a fístula gastrocutânea persistente promove sofrimento psicológico para os pacientes. O tratamento pode incluir desde abordagens mais simplificadas, com a remoção de debris e escarificação do orifício associada ao uso de clipes endoscópicos comuns até mesmo o tratamento cirúrgico com gastrorrafia. Outras opções incluem uso de adaptações da sutura endoscópica, trocartes de sutura, plugs de fístula e o uso de clipes tipo “over the scope”. 

Há dados escassos na literatura em relação ao tratamento endoscópico das fístulas gastrocutâneas persistentes pós GTT. O uso do clipe Padlock propiciou o fechamento da fístula com segurança, por meio minimamente invasivo.

Caso 2 – Sangramento digestivo baixo por ectasia vascular

Paciente do sexo feminino, 59 anos, com histórico de enterorragias de repetição, com necessidade de hemotransfusões, apresentando Hb 9,0 mg/dl. A paciente foi submetida a colonoscopia e TC de abdome com o achado de uma ectasia vascular na topografia do cólon descendente (Figuras 5 e 6). A paciente não relatava uso recente de AINEs.

Figura 5. Aspecto da ectasia vascular observado durante colonoscopia
Figura 6. Exame de tomografia computadorizada abdominal mostrando ectasia vascular na topografia do cólon descendente.

Optado por uma primeira tentativa de abordagem da ectasia vascular com uso de clipe endoscópico convencional sem sucesso, com recidiva do sangramento. Optado, então por tratamento de resgate usando o clipe tipo “over the scope” Padlock (vídeos). O tratamento foi bem sucedido e houve recuperação dos níveis de hemoglobina sem recidiva do sangramento no período de seguimento (15 meses).

Como explicitado no início do texto, os clipes tipo “over the scope” devido ás suas características, se tornaram mais populares no manejo de defeitos da mucosa como perfurações agudas ou fístulas. O papel desses clipes na hemostasia mecânica do TGI vem ganhando interesse recente.

David Villaescusa Arenas e colaboradores avaliaram o uso desses dispositivos em uma análise retrospectiva de onze casos de sangramento por úlcera péptica recidivante ou persistente.  Os autores observaram 81,9% de sucesso técnico e 88,9% de sucesso clínico por protocolo, sem efeitos adversos. 

A ESGE e ACG já colocam os clipes tipo “over the scope” como alternativas para o resgate em caso de hemorragia de difícil controle ou recidivante, com bons resultados no que diz respeito às taxas de ressangramento.

Shannon Chan e Phillip Chiu conduziram um estudo clínico randomizado e multicêntrico internacional muito interessante e levantaram uma pergunta clínica instigante: seriam os clipes tipo “over the scope” opções interessantes para o tratamento primário das úlceras pépticas de grandes dimensões (> 1,5 cm)? Os autores compararam os desfechos entre pacientes tratados de forma convencional e com clipes tipo “over the scope”. Não houve diferença entre os grupos em relação às taxas de ressangramento (p=0.23 IC 95% 0.61-6.34) mortalidade (p=0.68 IC 95% 0.37-11.95), na permanência hospitalar ou na necessidade de hemotransfusão. Os autores fizeram ressalvas em relação à curva de aprendizagem para aplicação desses clipes e no eventual impacto que a experiência do expert pode ter em futuros estudos.

Há poucos estudos que tratam da hemostasia de cólon com o uso desses dispositivos, sendo que a maioria deles se refere a sangramento diverticular e relatos de casos, mostrando resultados promissores no que diz respeito às taxas de ressangramento e com taxas de complicações inferiores às dos tratamentos convencionais com hemostasia térmica, ligadura elástica e uso de clipes convencionais.

Os casos acima mostram duas situações em que houve falha do tratamento convencional e os clipes tipo “over the scope” foram usados com sucesso, “fechando a questão”.

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Referências:

  1. Tang S-J. Endoscopic Management of Gastrocutaneous Fistula Using Clipping, Suturing, and Plugging Methods. Video Journal and Encyclopedia of GI Endoscopy (2014) 2, 55–60. http://dx.doi.org/10.1016/j.vjgien.2014.03.001.
  2. Castro J, Cabral J. Pelosof A, Seraphim A, Zitron c.  Combined method for treating gastrocutaneous fistula after percutaneous endoscopic gastrostomy emoval Arq Gastroenterol 2021. v. 58(4): 571-2. doi.org/10.1590/S0004-2803.202100000-101
  3. Villaescusa Arenas D, Rodríguez de Santiago E, Rodríguez Gandía MA, Parejo Carbonell S, Peñas García B, Guerrero García A et al. Over-the-scope-clip (OTSC®) as a rescue treatment for gastrointestinal bleeding secondary to peptic ulcer disease. Rev Esp Enferm Dig 2023;115(2):70-74
  4. Chan S, Pittayanon R, Wang H-P, et al. Use of over-the-scope clip (OTSC) versus standard therapy for the prevention of rebleeding in large peptic ulcers (size ≥1.5 cm): an open-labelled, multicentre international randomised controlled trial. Gut 2023; 72:638–643. doi:10.1136/gutjnl-2022-327007
  5. Gralnek IM, Stanley AJ, Morris AJ, et al. Endoscopic diagnosis and management of nonvariceal upper gastrointestinal hemorrhage (NVUGIH): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline-Update 2021. Endoscopy 2021;53:300-22. DOI: 10.1055/a-1369-5274 7.
  6. Laine L, Barkun AN, Saltzman JR, et al. ACG Clinical Guideline: Upper Gastrointestinal and Ulcer Bleeding. Am J Gastroenterol 2021;116:899-17. DOI: 10.14309/ajg.0000000000001245
  7. Estevinho M M, Pinho R, Gomes C, Correia J, Freitas T. Hemostasis of a bleeding inverted colonic diverticulum. Rev Esp Enferm Dig 2023:115(1):51-52. DOI: 10.17235/reed.2022.9019/2022

Como citar este artigo

Cardoso DMM. “Fechando a questão” com clipes tipo “Over the Scope”. Casos clínicos (com vídeos) e revisão da literatura. Endoscopia Terapêutica 2023, Vol 1. Disponível em:
endoscopiaterapeutica.net/pt/fechando-a-questao-com-clipes-tipo-over-the-scope-casos-clinicos-com-videos-e-revisao-da-literatura/




Laudos em endoscopia digestiva alta-parte III Como descrever as alterações encontradas.

Em nossos primeiros artigos sobre o tema (Laudos Endoscópicos e Fotodocumentação) abordamos como o laudo endoscópico deve ser estruturado, destacando a importância de uma boa foto documentação e da coerência entre o que está descrito e o que está documentado nas imagens.

A intenção deste documento é orientar como descrever as características mais importantes das principais alterações endoscópicas.

Obviamente existem preferências individuais na maneira de redigir o texto, sendo que alguns preferem texto corrido enquanto outros preferem separar em parágrafos, alguns preferem uso da voz passiva e outros voz ativa, e assim por diante. A escolha do estilo usado na descrição das alterações compete a cada profissional. No entanto, é importante estar atento a alguns princípios.

Fornecer as informações necessárias para enquadrar as lesões dentro de uma classificação validada pela literatura.

Exemplo: classificação de Los Angeles. O endoscopista deve descrever a extensão das erosões (maior ou menor do que 5 mm), se são confluentes ou não, e, em caso de erosões confluentes, descrever se acometem mais ou menos do que 75% da circunferência esofágica.

Escrever de forma objetiva

Evitar informações desnecessárias e um texto prolixo. Isso torna a leitura do seu relatório mais precisa e mais agradável. Vale a pela usar frases curtas sempre que possível.

Usar termos descritores padronizados e validados, de acordo com a Minimal Standard Terminology for Digestive Endoscopy (M.S.T. 3.0)

Segue abaixo uma lista com as alterações endoscópicas mais comuns e as sugestões para descrição que são um verdadeiro guia prático para você:

Esofagite erosiva

O que é importante?

  • descrever a extensão das erosões (maiores ou menores do que 5 mm)
  • presença de confluência ou não
  • em caso de erosões confluentes, descrever se acometem mais ou menos do que 75% da circunferência esofágica.

Exemplos:

Mucosa encontra-se opacificada e espessada na região distal, com erosões (menores/maiores) do que 5 mm, não confluentes (ou confluentes em menos do que 75% da circunferência) ao nível da transição esofagogástrica.

Mucosa do segmento distal do esôfago, ao nível da transição esofagogástrica exibe coloração opaca e perda do padrão vascular. Notam-se erosões lineares menores/maiores do que 5 mm, sem confluência (ou exibindo confluência em menos/mais do que 75% da circunferência).

Esôfago de Barrett

O que é importante?

  • descrever a extensão máxima do acometimento circunferencial (C) e a extensão máxima da projeção de epitélio colunar (M) segundo a classificação de Praga.
  • descrever os achados da avaliação do epitélio colunar, com uso de cromoscopia ou magnificação quando disponível
  • relatar a realização de biópsias e se foram realizadas de forma dirigida ou de acordo com protocolo de Seattle.

Exemplos de descrição:

Nota-se epitelização colunar em esôfago distal sendo circunferencial por 1,0 cm e com extensão máxima de 3,0 cm (Praga C1M3). Realizada cromoscopia virtual com (NBI/LCI), seguido de cromoscopia com solução de ácido acético, não se observando áreas suspeitas para displasia. Realizadas biópsias nos quatro quadrantes conforme protocolo de Seattle.

Nota-se em esôfago distal, junto à transição esofagogástrica (localizada a 38 cm dos incisivos), mucosa apresentando coloração rosa-salmão, com acometimento circunferencial de cerca de 1,0 cm (37-38 cm dos incisivos), e com duas projeções de até 3,0 cm pelas paredes anterior e posterior (35-38 cm). Realizada cromoscopia virtual com (NBI/LCI), seguido de cromoscopia com solução de ácido acético, não se observando áreas suspeitas para displasia. Realizadas biópsias nos quatro quadrantes conforme protocolo de Seattle.

Exemplos de Conclusão

  • Epitelização colunar em esôfago distal.
  • Esôfago de Barrett curto/longo (quando já existe a confirmação diagnóstica),
  • Alterações endoscópicas sugestivas de epitelização colunar em esôfago distal

Esofagite eosinofílica

O que é importante?

  • descrever os segmentos do esôfago acometidos.
  • presença de estrias longitudinais ou não
  • presença de exsudato na superfície mucosa ou não
  • presença de padrão em “traqueização” ou não
  • áreas de estenose
  • a realização de biópsias nos segmentos proximal, médio e distal.

Exemplos de descrição no corpo do laudo:

Mucosa dos segmentos proximal, médio e distal apresenta edema e perda do padrão vascular habitual. Além disso notam-se estrias longitudinais, padrão em “traqueização” e exsudato puntiforme aderido. Não visualizamos segmento estenótico. Realizadas biópsias dos segmentos de esôfago.

Mucosa do esôfago médio e distal apresenta aspecto espessado e esbranquiçado, associado a estrias e fissuras longitudinais, anéis concêntricos e exsudato pontilhado esbranquiçado. Realizadas biópsias de esôfago proximal, médio e distal.

Exemplos de Conclusão

  • Alterações endoscópicas compatíveis com esofagite eosinofílica.
  • Esofagite eosinofílica?

Hérnia hiatal

O que é importante?

  • descrever a relação entre a transição esofagogástrica e o pinçamento diafragmático
  • o endoscopista pode também descrever a distância entre as estruturas anatômicas e os incisivos (ou arcada dentária superior – ADS)

Exemplos de descrição no corpo do laudo:

Transição esofagogástrica situada 2,0 cm acima do pinçamento diafragmático.

Transição esofagogástrica situada a 38 cm da ADS, 2,0 cm acima do pinçamento diafragmático.

Exemplos de Conclusão

  • Hérnia hiatal.
  • Hérnia hiatal por deslizamento.
  • Hérnia hiatal mista (tipo III)

Fundoplicatura

O que é importante?

  • Descrever se a TEG está sob a zona de pressão constituída pela fundoplicatura + hiatoplastia ou se está deslizada (considera-se deslizamento da FPL quando a TEG está situada 2,0 cm acima da zona de pressão)
  • descrever se a fundoplicatura está intra-abdominal ou migrada
  • descrever se a fundoplicatura envolve toda a circunferência da cárdia, se envolve parcialmente a cárdia ou se está desgarrada.
  • descrever se há hérnia paraesofágica ou não

Exemplos de descrição no corpo do laudo:

À retrovisão observa-se fundoplicatura intra-abdominal (ou migrada) envolvendo circunferencialmente (ou parcialmente) a cárdia.

À retrovisão observa-se fundoplicatura migrada e parcialmente desgarrada, associada a hérnia paraesofágica.

Exemplos de Conclusão

  • Fundoplicatura íntegra
  • Fundoplicatura em bom aspecto
  • Fundoplicatura (total ou parcial) com bom aspecto 
  • Fundoplicatura migrada, porém não desgarrada
  • Fundoplicatura desgarrada e migrada

Gastrite enantemática (ou enantematosa)

O que é importante?

  • descrever a distribuição do enantema: restrito ao antro, restrito ao corpo, difuso.
  • descrever a intensidade do enantema: leve, moderado ou acentuado

Exemplos de descrição:

Mucosa de (corpo/antro) apresenta enantema difuso de (leve/moderada) intensidade.

Exemplos de Conclusão

  • Gastrite enantemática leve de antro
  • Pangastrite enantematosa moderada

Gastrite erosiva

O que é importante?

  • descrever a distribuição das erosões: restritas ao antro, ao corpo, difusas.
  • descrever o aspecto das erosões: se planas ou elevadas
  • descrever a intensidade do acometimento: leve, moderado ou acentuado

Exemplos de descrição:

Mucosa de (corpo/antro) apresenta erosões (planas/elevadas) em (pequena/grande) quantidade

Exemplos de Conclusão

  • Gastrite erosiva plana leve de antro.
  • Pangastrite erosiva intensa.

Gastrite atrófica

O que é importante?

  • descrever as características da mucosa atrófica como presença de palidez, aspecto adelgaçado da mucosa, realce da vascularização subeptielial, se há redução numérica e/ou volumétrica das pregas do corpo (em caso de gastrite atrófica de corpo)
  • descrever a extensão do acometimento: restrito ao antro, envolvendo antro e corpo, restrito ao corpo, envolvendo antro e pequena curvatura do corpo, etc.
  • documentar caso haja a realização de biópsias e os respectivos locais

Nota: o endoscopista pode utilizar classificações como a classificação de Kimura-Takenoto ou estadiamento OLGA. Estadiamento OLGA depende da coleta de biópsias nos locais adequados e da solicitação do endoscopista no pedido de anatomopatológico.

Exemplos de descrição:

Mucosa de antro apresenta sinais de atrofia que se estendem para incisura angularis e pequena curvatura de corpo distal. Realizadas biópsias de acordo com protocolo OLGA.

Mucosa de antro e pequena curvatura de corpo exibem palidez, realce da vascularização subepitelial e aspecto adelgaçado, compatível com atrofia. Realizadas biópsias de corpo, antro e incisura de acordo com protocolo OLGA.

Mucosa de corpo e fundo apresenta-se adelgaçada e com maior visualização dos vasos submucosos. Além disso há redução numérica e volumétrica das pregas gástricas. Realizadas biópsias de corpo e antro em frascos separados.

Exemplos de conclusão:

  • Gastrite atrófica de antro.
  • Gastrite atrófica de corpo.
  • Alterações endoscópicas sugestivas de gastrite atrófica de antro / corpo
  • Alterações endoscópicas compatíveis com gastrite atrófica (tipo C-2 de Kimura-Takemoto)

Metaplasia intestinal gástrica

O que é importante?

  • descrever a extensão do acometimento: restrito ao antro, envolvendo antro e corpo, restrito ao corpo, envolvendo antro e pequena curvatura do corpo, etc.
  • descrever se houve a realização de biópsias e os locais.

    • Nota: o endoscopista pode decidir pela realização de biópsias de corpo, antro e incisura e solicitar ao patologista a classificação conforme protocolo OLGIM.

Nota: importante salientar que existem variações no fenótipo da metaplasia intestinal, a qual pode apresentar-se como placas esbranquiçadas levemente elevadas, ou placas superficialmente elevadas com centro deprimido (o centro geralmente é mais avermelhado), ou apenas como múltiplas áreas deprimidas. À magnificação é possível observar alteração do padrão de microarquitetura de superfície, presença de substância branca opaca e sinal da crista azul (light blue crest).

Exemplos de descrição:

Observam-se placas esbranquiçadas discretamente elevadas, sugestivas de metaplasia intestinal, distribuídas por toda extensão do antro. Realizada cromoscopia e biópsias de acordo com protocolo OLGIM.

Notam-se inúmeras áreas superficialmente elevadas, cm coloração vermelha, exibindo padrão de microarquitetura de superfície sugestivo de metaplasia intestinal. As lesões distribuem-se pelo corpo e antro, se destacam após cromoscopia. Realizadas biópsias.

Exemplos de conclusão:

  • Alterações endoscópicas sugestivas de metaplasia intestinal em antro.
  • Focos de metaplasia intestinal em corpo gástrico

Lesão subepitelial

O que é importante?

  • descrever a localização da lesão, seu tamanho estimado, consistência e mobilidade
  • descrever o aspecto da mucosa que recobre a lesão (íntegra ou não)

Exemplos de descrição:

Observa-se lesão elevada recoberta por mucosa íntegra, medindo aproximadamente 10mm, móvel à palpação com a pinça, localizada em parede anterior de antro, compatível com lesão subepitelial.

Nota-se lesão elevada, recoberta por mucosa lisa, de aspecto subepitelial, medindo 2,5 cm, localizada em parede posterior de segmento médio de corpo, endurecida ao toque da pinça.

Exemplos de conclusão:

  • Lesão subepitelial em corpo gástrico.
  • Lesão subepitelial em antro gástrico

Úlcera gástrica

O que é importante?

Importante uma descrição detalhada da úlcera com informações importantes para guiar o tratamento, bem como para levantar suspeita quanto natureza benigna ou maligna. A descrição deve incluir:

  1. localização da úlcera
  2. tamanho
  3. formato (ovalada, alongada)
  4. profundidade (rasa, profunda)
  5. aspecto das bordas (regulares ou não / definidas ou não),
  6. retração ou deformidade das pregas,
  7. aspecto do fundo da úlcera (fibrina, restos necróticos, restos hematínicos, etc)

Finalmente, conclui-se a fase do ciclo da úlcera conforme a classificação de Sakita

No caso de úlcera hemorrágica, descrever a presença de estigmas de sangramento recente (vaso visível, coágulo aderido) conforme classificação de Forrest, e se foi realizada terapia endoscópica.

Exemplos de descrição:

Na parede anterior do antro distal observa-se uma ulceração profunda, com formato redondo, medindo cerca de 20 mm. A ulceração apresenta bordos regulares, edemaciados e com halo de enantema. O fundo da ulceração é recoberto por fibrina espessa com restos necróticos.

Na pequena curvatura do antro distal, nota-se úlcera superficial em cicatrização, com convergência de pregas, bordas regulares, hiperemiadas e com pequena área linear de fibrina medindo aproximadamente 5 mm.

Na pequena curvatura do antro, presença de retração cicatricial, compatível com cicatriz de úlcera gástrica.

Exemplos de conclusão:

  • Úlcera em atividade no antro gástrico (Sakita A1)
  • Retração cicatricial no antro gástrico (Sakita S2)
  • Cicatriz de úlcera bulbar (Sakita S2)

Anatomia alterada cirurgicamente

O que é importante?

Descrever a alteração anatômica encontrada, o tamanho do remanescente gástrico (se houver) e sempre que possível identificar o tipo de reconstrução de trânsito que foi empregada. Importante descrever o tipo, tamanho e aspecto da anastomose.

A seguir, exemplificaremos as principais cirurgias que lidamos no nosso dia a dia.

Bypass gastrico

O que é importante?

Descrever o tamanho do remanescente gástrico, presença de constrição anelar se houver e estimar o diâmetro da anastomose. Importante avaliar presença de erosões ou ulceras perianastomoticas e se há torção de eixo na alça alimentar.

Exemplos de descrição:

Estômago operado, com evidências de gastroplastia redutora e reconstrução a Y de Roux.

Coto gástrico medindo 4 cm, com mucosa de aspecto preservado.

Anastomose gastrojejunal em bom aspecto, medindo aproximadamente 1,5 cm de diâmetro e sem lesões.

Alça alimentar sem alterações de eixo ou lesões de mucosa.

Exemplos de conclusão:

Gastroplastia redutora com reconstrução a Y de Roux (Bypass gástrico)

Status pós-operatório de gastroplastia redutora com reconstrução em Y de Roux

Gastrectomia Vertical

O que é importante?

Descrever a forma do remanescente gástrico, atentando-se para a transição corpo antro, próximo da incisura angularis, onde pode haver estenose ou torção de eixo.

Exemplos de descrição:

Presença de sutura longitudinal na grande curvatura do corpo, conferindo forma tubular ao órgão.

Transição corpo-antro (ou…. região da incisura angularis) permitindo a passagem do aparelho sem dificuldades.

Mucosa….

Exemplos de conclusão:

Gastrectomia vertical.

Status pós-operatório de gastrectomia vertical.

Como citar este artigo

Cardoso DMM. e Martins BC. Laudos em endoscopia digestiva alta-parte III Como descrever as alterações encontradas. Endoscopia Terapeutica 2023, vol 1. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/laudos-em-endoscopia-digestiva-alta-parte-iii-como-descrever-as-alteracoes-encontradas/




PÓLIPOS DE CÓLON EM PACIENTES ANTICOAGULADOS. VALE A PENA USAR CLIPES?

Paciente sexo masculino, 65 anos, em uso de xarelto (antecedente de TVP) submetido a colonoscopia de prevenção com achado de pólipo pediculado de 15 mm em cólon transverso. E agora? Melhor fazer polipectomia com uso de corrente elétrica? Ressecção a frio? Clipar ou não clipar?

Vale a pena lembrar que se trata de paciente anticoagulado. Nosso impulso imediato, e podemos dizer, quase medular, é associar o uso de clipe com prevenção de sangramento tardio para pacientes com esse perfil.

Será que essa é a melhor conduta? Será que temos alguma evidência científica que possa nos orientar? As perguntas são muitas e infelizmente há uma escassez de estudos desenhados para responder essas questões.

Louis Lau e colaboradores publicaram um estudo recentemente na Gastrointestinal Endoscopy com o objetivo de responder essas questões.

Vamos resumir os principais achados do estudo destacando 10 pontos:

1) PARA INICIAR A CONVERSA….

Estima-se que sangramento pós-polipectomia ocorra em cerca de 6,5% dos procedimentos. Os fatores de risco para sangramento pós-polipectomia incluem:

– Fatores associados às lesões, como localização em cólon direito, tamanho > 20 mm e morfologia pediculada;

– Fatores relacionados aos pacientes:  idade > 50 anos, presença de comorbidades (doença cardiovascular, doença renal, dentre outros) e uso de antitrombóticos.

Em relação aos antitrombóticos, classicamente destacam-se o uso de warfarina e anticoagulantes orais de ação direta, como associados aos maiores riscos de sangramento.

2) E OS CLIPES NESSA HISTÓRIA TODA?

O uso de clipes tem sido apontado como capaz de prevenir sangramento pós-polipectomia. Será que deve ser usado em todos os casos? Os estudos existentes são bastante conflitantes no que diz respeito à prevenção do sangramento pós polipectomia. Há estudos com resultados positivos, principalmente em casos de lesões maiores que 20 mm localizadas em cólon direito. Por outro lado, há também trials clínicos randomizados que não mostram benefício no uso de clipes.

3) VOLTANDO AO ESTUDO EM QUESTÃO:

O estudo aqui discutido incluiu 547 pacientes em uso de warfarina ou anticoagulantes orais de ação direta e submetidos a polipectomias, com pólipos em diferentes localizações e com diferentes tamanhos. Duzentos e oitenta e cinco pacientes receberam clipe e 262 não receberam

O desfecho analisado pelos autores foi a ocorrência de sangramento em 30 dias (necessidade de nova colonoscopia para hemostasia, queda de hemoglobina de 2mg/dl ou necessidade de hemotransfusão).

4) TIMING PARA REINTRODUÇÃO DOS ANTICOAGULANTES APÓS A POLIPECTOMIA

Interessante fato foi que cerca de 70% dos pacientes retomaram o uso do medicamento anticoagulante em até 24h após os procedimentos de polipectomia.

5) PRINCIPAIS ACHADOS DO ESTUDO:

– Idade, comorbidades, gênero e HAS-BLED score foram semelhantes entre os grupos.

– O uso de clipes profiláticos não reduziu as taxas de sangramento pós-polipectomia com OR 1.19 (IC95% 0.73-1.95, p=0.487).

– O único cenário em que o uso de clipes profiláticos reduziu as taxas de sangramento tardio pós-polipectomia foi em casos de ressecção com uso de corrente elétrica (“ressecções quentes”) com OR 9,76 (IC 95% 3.9-32.6, p<0.01).

– A ocorrência de sangramento durante o procedimento não foi fator de risco para sangramento tardio

– As taxas de sangramento tardio foram 30/285 pacientes (106%) apesar do uso de clipes profiláticos enquanto 11/262 (4,2%) tiveram sangramento no grupo sem uso de clipe.

– A média de tempo para sangramento variou entre 7,5-9,3 dias.

– A proporção de pacientes com queda significativa de Hb, taxa de transfusão, realização de nova colonoscopia para hemostasia e presença de estigmas de sangramento no leito de ressecção foi semelhante entre os grupos. A figura abaixo mostra alguns estigmas de sangramento comumente encontrados após ressecções:

6) TAXAS DE SANGRAMENTO DE ACORDO COM O PROCEDIMENTO

As taxas de sangramento de acordo com o procedimento realizado estão demostradas nas Tabelas abaixo.

Taxas de sangramento tardio de acordo com o procedimento realizado:

7) COLOCANDO UMA LUPA NOS ACHADOS DO ESTUDO

Uma análise de subgrupos foi realizada para avaliar o efeito do uso de clipes profiláticos de acordo com a classe de anticoagulante usada e as características dos pólipos. Foi observado que o suo de clipes foi associado a taxas mais baixas de sangramento pós-polipectomia em usuários de anticoagulantes orais de ação direta, com OR 0.36  IC 95% 0.16-0.82 p 0.015. No entanto entre os usuários de warfarina o risco de sangramento pós-polipectomia foi maior OR 2.98 IC95% 1.44-6.16, p=0.003. Em casos onde a retomada do uso de anticoagulantes foi superior a 2 dias o risco foi, também, menor OR 0.29 IC 95% 0.09-0.93 p 0.038.

8) PONTOS FORTES E PONTOS FRACOS

Apesar de tratar-se de um estudo retrospectivo, foi usada metodologia de escore de propensão correspondente, com uma amostra significativa de pacientes, sendo que todos estavam em uso de anticoagulantes orais. Além disso, o estudo traz mais de 500 pacientes submetidos a polipectomia e em uso de anticoagulantes. A generalização dos resultados pode ser considerada de forma

9) MAS….E A “REVOLUÇÃO FRIA” DOS ÚLTIMOS ANOS? PODE TER INFLUENCIADO NOS RESULTADOS?

Vale a pena destacar a chamada “revolução fria” à partir de 2015.  Após 2019, com a publicação de um trial clínico randomizado por Takeuchi e colaboradores, do Japão, a segurança da realização da polipectomia a frio foi demonstrada, inclusive para usuários de anticoagulantes. Os autores destacam, ainda, que numa análise de subgrupos foi demonstrado maior risco de sangramento em pacientes que estavam fazendo ponte com heparina. Neste subgrupo específico de pacientes a estratégia de proceder ressecções a frio, parece ser mais segura e pode ser melhor explorada.

10) EM RESUMO:

Os autores colocam que o uso de clipes como método de profilaxia de sangramento tardio é benéfico em subgrupos de pacientes em uso de anticoagulantes orais de ação direta e sem necessidade de fazer ponte com heparina. O caso fictício citado no início deste post é um bom exemplo onde o uso de clipes e a retomada do uso de xarelto após 2 dias reduz as taxas de sangramento tardio após a polipectomia. No entanto, a decisão em relação à retomada do uso dos anticoagulantes deve ser considerada caso a caso juntamente com o médico assistente do paciente. Trials clínicos randomizados podem fornecer estudos mais robustos que possam dar melhor suporte às decisões clínicas nestes casos.

E aguardem…..nos próximos dias postaremos uma entrevista exclusiva com o autor do presente estudo no portal e nas redes sociais!




LAUDOS EM ENDOSCOPIA – PARTE I

Um kit de sobrevivência para o endoscopista

A endoscopia digestiva é uma especialidade fortemente atrelada com interpretação de imagens. O endoscopista lida com imagens do trato digestório superior, inferior, do intestino delgado, das vias biliares e pancreáticas. O relatório endoscópico com a descrição dos achados associada às imagens capturadas durante o procedimento é a forma de comunicação mais importante com o médico assistente e com o paciente, muitas vezes alterando hipóteses diagnósticas, previsões prognósticas e planos terapêuticos.

No entanto, nem sempre encontramos uma correlação entre o relatório endoscópico e as imagens, ou entre o relatório e a indicação do exame ou procedimento. Muitas vezes o relatório endoscópico ou laudo é pobre e incompleto em informações.

Isso não é apenas um problema do Brasil. Ariana Barbetta e colaboradores, da equipe de cirurgia torácica do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova York conduziram um estudo avaliando critérios de qualidade de 115 relatórios endoscópicos de pacientes em tratamento para câncer de esôfago, avaliando 11 indicadores de qualidade. Os autores destacaram quão importante é o relatório endoscópico inicial para definir a proposta terapêutica para os pacientes dentro do time multidisciplinar e, de maneira surpreendente apenas 34% dos relatórios foram considerados como alta qualidade (mais de 6 indicadores de qualidade).

Examinando esta questão com um pouco mais de profundidade, podemos observar uma heterogeneidade grande no que diz respeito a adoção de termos descritivos universais para os achados endoscópicos, estruturação padronizada para os laudos, documentação fotográfica, dentre outros. Sabemos que essa heterogeneidade pode refletir as diferenças entre os perfis dos serviços de endoscopia (hospitalares / ambulatoriais) e suas rotinas. No entanto, essa heterogeneidade pode também contribuir para o “empobrecimento” do laudo no que diz respeito a informações importantes e termos descritores adequados.

 Em nossa rotina não é raro que um endoscopista trabalhe em vários serviços numa mesma cidade, ou em cidades vizinhas, cada um com seu esquema próprio de laudos e termos. Geralmente não prestamos muita atenção no “laudo padrão”. Será que é importante ter um “laudo padrão”? Será que nosso laudo “padrão” tem todas as informações importantes? O que é importante num laudo endoscópico?

UM BREVE HISTÓRICO DO PROBLEMA DO LAUDO ENDOSCÓPICO

A estruturação e padronização dos laudos endoscópicos é uma preocupação antiga, no entanto, há uma escassez de informações e de estudos na literatura dedicada. Em meados dos anos 80, Maratka da República Checa e colaboradores desenvolveram a primeiro documento sobre terminologia endoscópica padrão.

O desenvolvimento de tecnologias para processamento e armazenamento de dados, que se acelerou à partir dos anos 90, teve um grande impacto nas rotinas endoscópicas, tornando possível a captura e armazenamento de imagens e informações. A partir de então iniciou-se um processo de transição do laudo “manual” para o “digital” e adoção de sistemas e softwares para confecção de laudos e captura de imagens. Estruturar os relatórios endoscópicos e padronizar os termos para descrições das alterações tornou-se uma preocupação crítica.

 Inúmeras sociedades endoscópicas, particularmente a WEO (na ocasião conhecida como OMED), ESGE a ASGE lançaram iniciativas nesse sentido. A ESGE iniciou trabalhos para desenvolver o chamado M.S.T. 1.0 (Minimal Standard Terminology for Digestive Endoscopy) em parceria com a ASGE. O M.S.T. 1.0, de 1996, tinha como objetivo criar uma lista mínima de termos padronizados para descrever os achados endoscópicos em softwares dedicados para captura de imagens e confecção de relatórios de exames.

Atualmente o M.S.T. está na versão 3.0 e pode ser baixado do site da WEO. (https://www.worldendo.org/resources/minimal-standard-terminology-mst/). A WEO já fez anúncio da atualização para o M.S.T. 4.0 que deve sair nos próximos meses.

A Figura 1 mostra um resumo do histórico do problema do laudo endoscópico e iniciativas para padronização na forma de uma linha do tempo.

Figura 1. Linha do Tempo do Problema do Laudo Endoscópico e iniciativas para padronização.

O QUE É IMPORTANTE NUM LAUDO ENDOSCÓPICO?

O relatório ou laudo endoscópico contém os achados do exame, que devem ser descritos de forma clara, com riqueza de informações e ao mesmo tempo da forma mais objetiva possível. O uso de termos descritivos padronizados é de grande importância nesse contexto, mas não é a única preocupação. O relatório ou laudo endoscópico deve contar uma história para quem não estava presente no momento do exame.

Contar esta história implica em incluir uma série de outras informações sobre os demais aspectos do exame, não relacionados aos achados endoscópicos. Estruturar o laudo de forma a descrever todo o ato endoscópico em suas facetas técnica, médica e acadêmica vai de encontro aos padrões de boas práticas em endoscopia, demonstrando ainda aderência aos indicadores de qualidade, cada vez mais presentes em nossa rotina.

O laudo deve conter:

  • Identificação do paciente (dados sociodemográficos básicos)
  • Data do exame
  • Nome do prescritor (solicitante)
  • Equipamento utilizado (opcional)
  • Tipo de sedação utilizada
  • Indicação do exame (motivo)
  • Relatório endoscópico
  • Procedimentos adicionais
  • Conclusão
  • Observações
  • Nome do endoscopista com CRM e RQE
  • Documentação fotográfica

Documentação fotográfica

Vale lembrar que uma adequada foto documentação do exame é tão importante quanto uma adequada descrição. Deve haver uma correlação clara entre a imagem e o laudo.  A ESGE em 2001 recomendou um mínimo de oito imagens endoscópicas (duas imagens do esôfago, sendo uma delas da TEG, quatro imagens gástricas incluindo fundo gástrico e antro e duas imagens duodenais). Mais recentemente a WEO recomendou a realização de 28 imagens endoscópicas, desde o hipofaringe até a segunda porção duodenal, como documentação completa de um exame de Endoscopia Digestiva Alta.

Discutir aspectos da foto documentação em endoscopia digestiva é objeto para um post exclusivo para o assunto, contudo, salientar que realizar a documentação de achados normais, dos marcos anatômicos importantes, exames completos, achados relevantes e procedimentos específicos é vital para a composição de um laudo completo. Você poderá conferir mais sobre esse assunto em breve em uma outra postagem especial do time Endoscopia Terapêutica.

Informações administrativas

Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), avaliação pré-anestésica, documentos de avaliação pré e pós-endoscópicos, check-lists, dentre outros são procedimentos altamente desejáveis, mas sua documentação tem caráter interno, médico-legal e administrativo e não necessariamente devem fazer parte do relatório endoscópico.

Qualidade da visualização

A qualidade da visualização do trato digestório, eventuais fatores limitantes para uma boa observação da mucosa (presença de resíduo alimentar, áreas de estenose, dentre outros) devem ser relatados. Eventuais dificuldades técnicas e a realização de um exame incompleto devem, também, ser relatadas.

Terminologia

A utilização de uma linguagem universal e padronizada para descrever as alterações observadas, de forma clara e objetiva, sem nenhum tipo de viés de interpretação foi um dos endpoints da M.S.T., oferecendo uma lista de termos-chave, atributos e detalhamento para os achados endoscópicos. A versão 3.0. atualiza essa lista de termos e recomenda que a descrição para cada achado endoscópico siga o seguinte racional:

  • Anatomia do Lúmen do órgão
  • Achados do lúmen (aspecto, conteúdo, mucosa, presença de lesões)
  • Diagnóstico endoscópico (usar classificações padronizadas)
  • Procedimentos (se realizados e se houve sucesso ou não)
  • Eventos adversos (descrever as ações e desfechos)

A M.S.T. recomenda uma sequência para facilitar a descrição das alterações e da localização das alterações (Figuras 2 e 3).

Figura 2. Sequência de descrição dos achados endoscópicos, de acordo com a M.S.T.v3.0.
Figura 3. Descrição das alterações conforme a localização, de acordo com a M.S.T.v3.0.

Achados negativos

Em relação a descrição de ausência de achados ou dos chamados achados negativos, como por exemplo, ausência de estenose ou ausência de varizes esofágicas, deve levar em consideração o contexto do exame. Se a indicação para o exame endoscópico foi investigação de varizes em portador de hepatopatia crônica, o achado negativo de varizes é relevante e deve ser mencionado no relatório.

            O time Endoscopia Terapêutica preparou uma sugestão de Laudo Normal Padrão com todos os itens importantes discutidos nesta postagem e na Live do Dia do Endoscopista (link aqui). Você pode baixar o PDF do modelo do laudo no link abaixo.

REFERÊNCIAS:

  1. Aabakken L, Barkun NA, Cotton PB et al. Standardized Endoscopic Reporting. Journal of Gastroenterology and Hepatology 2014; 29: 234–240
  2. Aabakken L, Rembacken B, LeMoine O et al. Minimal standard terminology for gastrointestinal endoscopy—MST 3.0. Endoscopy 2009; 41: 727–8.
  3. Barbeta A, Faraz S, Shah P et al. Quality os Endoscopic Reports for Esophageal Cancer Patients: Where Do We Stand? Jornal of Gastrointestinal Surgery 2018. doi.org/10.1007/s11605-018-3710-4.
  4. Emura F, Sharma P, Arantes VN et al. Principles and Practice to facilitate complete photodocumentation of the Upper Gastrointestinal Tract: World Endoscopy Organization position statement. Digestive Endoscopy 2019; 32: 168-79.
  5. Rey JF, Lambert R. ESGE recommendations for quality control in gastrointestinal endoscopy: guidelines for image documentation in upper and lower GI endoscopy. Endoscopy2001; 33: 901–3.

Laudo normal





“Minority report” endoscópico. Manejo da acalásia de acordo com os achados da manometria de alta resolução. Revisão de conceitos em forma de mapa mental

Será que a aplicação dos novos conceitos da Classificação de Chicago  pode predizer o destino dos pacientes portadores de acalásia? Qualquer semelhança com o famoso filme pode não ser mera coincidência….

A manometria de alta resolução trouxe uma verdadeira revolução no diagnóstico dos transtornos da motilidade esofágica, tornando possível produzir uma espécie de mapa topográfico do peristaltismo esofágico, atribuindo cores para diferentes níveis de amplitude no esôfago e, dessa maneira, classificando a acalásia.

O objetivo do tratamento da acalásia é promover alívio da resistência na JEG (junção esôfagogástrica) e melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Não é possível reverter ou reabiliatr o distúrbio de contratilidade. Neste contexto conhecer o subtipo de acalásia além de melhorar nosso conhecimento em relação à doença, permite traçar uma estratégia de tratamento mais “personalizada” para cada caso.

Vários estudos têm demosntrado a equivalência entre a cirurgia de Heller, POEM e Dilatação Pneumática como modalidades terapêuticas. A escolha deve ser guiada pelas condições clínicas do paciente, expertise da equipe  e pelos achados da manometria de alta resolução, que são considerados os melhores preditores de resultado do tratamento.

A tabela à seguir mostra as modalidades para tratamento da acalásia disponíveis, suas vantagens e desvantagens.

 

TABELA. Modalidades de tratamento para Acalásia

O presente post mostra conceitos da Manometria de Alta Resolução e aponta as opções terapêuticas que podem ser adotadas para cada subtipo de acalásia. No final da leitura teremos um resumo em forma de mapa mental.

 

Inicialmente vale a pena resgatar alguns conceitos e tópicos importante relacionados ao manejo da acalásia:

  • Acalásia vem do grego a-Khalasis e significa perda do relaxamento. Caracteriza-se por um esfincter esofágico inferior espástico, que não relaxa e por uma perda da peristalse esofágica. É considerada uma doença rara, com incidência mundial estimada em 0.03 a 1.63 casos / 100 000 hab / ano e uma prevalência de 10 casos / 100 000 hab.
  • A Classificação de Chicago foi conceituada como uma abordagem padronizada para a interpretação de estudos clínicos de manometria de alta resolução. Ao adotar uma nomenclatura padronizada, métricas objetivas e uma estrutura baseada em princípios fisiológicos. A última revisão (versão 4.0) foi publicada em 2021. Em relação aos três subtipos de acalásia, os conceitos permanecem os mesmos da versão anterior (3.0, de 2015). Apesar disso ainda há muita dúvida em relação a qual conduta tomar frente aos achados da manometria em um pacientes portadores de acalásia na nossa prática diária.
  • Acalásia é definida quando temos IRP elevado e falha em 100% das contrações peristálticas. O achado de panpressurização esofágica define a acalasia tipo II. Em casos de acalasia tipo III temos além da elevação do IRP, as chamadas contrações prematuras (espasmos) definidas por DL < 4,5s e DCI > 450 mmHg.s.cm em mais de 20% das deglutições.
  • Obstrução ao fluxo da junção esofagogástrica: é uma condição que pode evoluir para acalásia ou representar uma espécie de variante da acalasia. Normalmente se relaciona a condições mais benignas e uso de opioides, compressões mecânicas, lesões subepiteliais, esofagite eosinofílica dentre outros. O diagnóstico ocorre quando a IRP está alterada, mas o paciente possui contrações peristálticas.
  • Motilidade esofágica ineficaz e esôfago hipercontrátil são outras condições que são descritas pela Manometria de Alta Resolução e não estão relacionadas com a acalásia. A Motilidade esofágica ineficaz é definida quando temos mais de 70% das contrações ineficazes ou fragmentadas.  Esôfago hipercontrátil ocorre quando temos mais de 20% das deglutições hipercontráteis. O Jackhammer (esôfago em britadeira) é considerado um subtipo de esôfago hipercontrátil, com contrações prolongadas repetitivas, deglutições hipercontráteis de pico único e deglutições hipercontráteis com uma vigorosa pós-contração do esfíncter inferior do esôfago.
  • Escore de Eckardt: apesar de ser amplamente usado na avaliação clínica dos pacientes, seu uso na avaliação pós tratamento ainda não é completamente validado, provavelmente pela subjetividade na descrição dos sintomas. De toda forma vários autores consideram que um escore de Eckardt > 3 ou uma redução de sintomas relatados < 50% são considerados falhas terapêuticas.

 

Agora que revisamos todos os conceitos importantes, segue um resumo do post em forma de mapa mental, um verdadeiro Minority Report da acalásia.

 

 

REFERÊNCIAS:

  1. Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, Prakash Gyawali C, Roman S, et al. Esophageal motility disorders on high-resolution manometry: Chicago classification version 4.0©. Neurogastroenterol Motil 2021; 33(1):e14058. https://doi.org/10.1111/nmo.14058.
  2. Richter JE. Chicago Classification Version 4.0 and Its Impact on Current Clinical Practice. Gastroenterology & Hepatology 2021; 17(10): 468475.
  3. Herbella FAM, Schlottmann F and Patti MG. Pitfalls in the Interpretation of Chicago Classification for Esophageal Motility Disorders. J Neurogastroenterol Motil, 2021; 27(4): 513-7. https://doi.org/10.5056/jnm20058
  4. Mari A, Baker, FA, Pellicano R and Khoury T. Diagnosis and Management of Achalasia: Updates of the Last Two Years. J. Clin. Med. 2021, 10, 3607. https://doi.org/10.3390/jcm10163607.
  5. Swanstöm L. Achalasia; treatment, current status and future advances.  Korean J Intern Med 2019; 34:1173-1180. https://doi.org/10.3904/kjim.2018.439.

 

 




Seis perguntas que você sempre quis fazer sobre técnicas de ressecção a frio e as respostas inusitadas baseadas em evidências que só o endoscopia terapêutica traz!

O câncer colorretal é atualmente o segundo em incidência em homens e mulheres do Brasil e o terceiro em mortalidade geral. A detecção e remoção de pólipos é uma estratégia que reduz a mortalidade e a incidência dessa neoplasia. A colonoscopia é o exame de escolha para o diagnóstico e tratamento dos pólipos, tendo um papel determinante na prevenção do câncer colorretal.

A avaliação acurada das margens verticais das lesões é de extrema importância. A maior parte das lesões de risco, com histologia avançada, são lesões grandes, maiores que 10 mm. Vale a pena lembrar, no entanto, que cerca de 5,2% dos pólipos pequenos (até 5 mm) são associados à histologia avançada. Independente do tamanho, para lesões com histologia avançada, a ressecção incompleta está associada a um pior prognóstico. Discutir indicações, técnicas de ressecção e as evidências mais recentes tem uma grande importância para todos nós.

Pensando nisso, selecionamos algumas perguntas em relação às chamadas técnicas de ressecção a frio. Vamos lá!

1. O que é melhor para pólipos pequenos (< 5 mm): polipectomia com alça ou com pinça?

A melhor técnica para ressecção de pólipos pequenos (< 5 mm) ainda é motivo de debate. Seriam essas lesões mais bem tratadas pela polipectomia com alça a frio? Será que a polipectomia com pinça é suficiente para tratá-las ?

Sabemos que a maior parte dos pólipos encontrados durante colonoscopias têm tamanho < 10 mm, e as técnicas usadas para a remoção dessas lesões são muito heterogêneas entre os endoscopistas.

Joon Sung Kim e cols conduziram um estudo clínico randomizado muito interessante em seu serviço (Hospital St Mary em Seul, Coreia do Sul) e que foi publicado no ano de 2015. Um total de 139 pacientes foi randomizado entre os grupos polipectomia com pinça e polipectomia com alça a frio. Depois do procedimento, todos os pacientes foram submetidos à mucosectomia para avaliar os leitos de ressecção em busca de lesões residuais.

Os resultados mostram que para as lesões diminutas, ou seja, com tamanho igual ou inferior a 4 mm, os resultados não diferem em relação às duas opções (uso de alça a frio ou polipectomia com pinça). No entanto, para as lesões com tamanho superior a 5 mm, a polipectomia com alça a frio está associada a uma maior taxa de ressecção completa e, por esse motivo, deve ser a preferência para essas lesões.

 

2. Fazer injeção submucosa melhora os resultados da polipectomia a frio?

Esse é um questionamento interessante. Será que há a necessidade de proceder injeção submucosa para melhorar os resultados da polipectomia a frio? Será que a injeção submucosa permite uma ressecção de mais tecido e garante as margens?

Yuichi Shimodate e cols conduziram um estudo prospectivo e randomizado em sua instituição em Okayama, no Japão, para responder a esses questionamentos. Os autores fizeram uma comparação entre a polipectomia com alça a frio auxiliada por injeção de salina na submucosa (salina + índigo carmine + adrenalina) e a polipectomia com alça a frio convencional.

Os desfechos estudados foram a taxa de ressecção completa da muscular da mucosa (definida como taxa de ressecção da muscular da mucosa > 80%), margens lateral e vertical, fragmentação das lesões e complicações, como sangramento e perfuração. Duzentos e quatorze pacientes foram randomizados entre os dois grupos. As taxas de ressecção completa de muscular da mucosa foram 43,9% no grupo com injeção submucosa e 53,3% no grupo de polipectomia convencional, e as taxas de margens vertical e lateral livres foram menores no grupo com uso de injeção submucosa (58% x 76% p=0,03 e 42,3% x 56,7% p=0,006, respectivamente). Os autores concluem que o uso de solução salina na submucosa, de maneira diferente ao que era esperado, não promoveu melhoria no manejo das lesões e, além disso, esteve associado a piores desfechos das ressecções em relação às margens.

O estudo de Shimodate mostra que vale a pena investir em uma boa técnica convencional de polipectomia a frio, sem a necessidade de injeção submucosa. Essa informação favorece, ainda, a polipectomia underwater como método de ressecção completa de lesões.

3. É possível remover lesões grandes com a técnica de polipectomia com alça a frio?

Ressecções de lesões maiores que 10 mm são usualmente realizadas com alça diatérmica e/ou mucosectomia. Esse tem sido o padrão de tratamento. O racional para o uso de corrente elétrica no manejo dessas lesões inclui facilidade na transecção dos tecidos, cauterização de eventuais tecidos displásicos remanescentes e prevenção do sangramento imediato, pela coagulação térmica dos vasos locais.

Nos últimos anos, no entanto, os impactos e riscos da injúria térmica aos tecidos têm sido demonstrados. Podemos citar a perfuração, sangramento tardio e a síndrome pós-polipectomia como exemplos de lesões causadas pelo uso do bisturi elétrico durante ressecções endoscópicas.

A ESGE (European Society of Gastrointestinal Endoscopy) recomenda o uso de polipectomia com uso de bisturi elétrico para lesões com tamanhos entre 10 e 19 mm e mucosectomia para as lesões ≥ 20 mm.

Nesse contexto, o uso da polipectomia a frio para lesões maiores que 10 mm vem sendo investigado, com as primeiras publicações datando de 2014.

Chandrasekar V e cols conduziram uma meta-análise para responder a esses questionamentos e mostraram resultados animadores em relação à segurança e eficácia da polipectomia a frio para lesões > 10 mm.

A meta-análise incluiu 8 estudos e 522 pólipos ressecados, com uma média de tamanho de 17,5 mm (10-60 mm). A taxa de efeitos adversos foi de 1,1%, com 0,7% de sangramento durante o procedimento (IC95%, 0%-1.4%), 0,5% de sangramento pós-procedimento (IC95% 1%-1,2%) e 0,6% de dor abdominal (IC95% 0,1%-1,3%). Não foi observada perfuração na análise. A taxa de complicações foi maior para pólipos ≥ 20 mm (1,3% de sangramento durante o procedimento e 1,2% de dor abdominal, sem sangramento tardio observado). A taxa de ressecção completa foi 99,3% (IC95% 98,6%-100%), e a taxa de lesão residual variou entre 1% e 11,1%, com um período de seguimento de 154 a 258 dias.

4. As taxas de sangramento são maiores com a técnica a frio?

O sangramento pode ocorrer durante o procedimento e após a ressecção. O sangramento durante o procedimento é definido como aquele com duração superior a 60s ou que requer abordagem e ocorre em cerca de 2,8% das polipectomias e 11,3% das mucosectomias. O sangramento pós-procedimento pode ocorrer a partir de 6h até 30 dias, associado à instabilidade hemodinâmica e que requer abordagem. Ocorre em cerca de 6-7% dos casos e está associado a lesões maiores que 20 mm, uso de antitrombóticos e lesões em cólon direito.

polipectomia com alça a frio e polipectomia com pinçaNa questão anterior, mostramos os resultados da meta-análise de Chadrasekar e cols, que mostraram taxas de sangramento intra e pós-procedimento por volta de 1%, mesmo para lesões maiores que 20 mm.

5. O que é aquela “coisinha branca protrusa e revirada” que fica no leito de ressecção? Devo me preocupar com aquilo?

A polipectomia com alça a frio é usualmente usada para remoção segura e efetiva de pólipos e é uma estratégia muito interessante para a prevenção do câncer colorretal. Como mencionado previamente neste texto, a polipectomia com alça a frio é mais usada para lesões pequenas, com tamanho entre 3 e 9 mm, no entanto, a técnica é também efetiva para lesões maiores.

Um dos riscos da polipectomia com alça a frio é a formação de protrusões de tecido no leito de ressecção após a realização da polipectomia.

polipectomia com alça a frio

A prevalência dessas protrusões é de cerca de 14 a 36% e, em sua maioria, correspondem a parte da muscular da mucosa ou da submucosa. Inicialmente, a maioria dos autores não considerou que essas protrusões tivessem algum significado clínico relevante. No entanto, alguns grupos têm valorizado esses achados durante o exame do leito de ressecção. Seriam essas protrusões associadas a problemas?

Tatsuya Ishii et al conduziram um interessante estudo retrospectivo, publicado no periódico GIE de Maio de 2021, estudando os leitos de ressecção e também as peças (pólipos) ressecadas. Os autores acessaram um total de 1.026 lesões, e, dessas, 116 (11,3%) exibiam protrusões de tecido no leito de ressecção. As protrusões estavam associadas à fragmentação das peças tanto em análise univariada (OR 3,74 IC95% 2,47-5,66 p<0.001) quanto em análise multivariada (OR 3,13 IC95% 2,04-4,82 p<0.001). Apesar disso, a proporção de taxas de ressecção completa não foi diferente nos pacientes, independente do fato de existirem as protrusões. A proporção de muscular da mucosa < 50% foi mais elevada no grupo que apresentava as protrusões (48,5 x 29,1% p<0.001).

As protrusões foram associadas com um maior tamanho dos pólipos e dos espécimes ressecados, tanto em análise univariada quanto em análise multivariada. Os autores argumentam que a presença dessas protrusões pode ser um alerta para um diagnóstico patológico fragilizado, pela associação com menor proporção de muscular da mucosa representada na peça e maior associação com fragmentação, que prejudica a análise das margens. Em pólipos malignizados isso torna-se um problema grave.

6. E a polipectomia/mucosectomia underwater? Tem alguma vantagem em relação à técnica convencional?

Nas chamadas técnicas underwater, o espaço luminal é preenchido por água, o que mantém a camada muscular própria sob tensão, fazendo com que as camadas submucosa e mucosa “flutuem”. Dessa maneira, os riscos de lesão térmica e de perfuração estão minimizados, e as técnicas underwater surgem como alternativas às técnicas ditas convencionais.

A injeção na submucosa é considerada um passo importante nos procedimentos de mucosectomia convencional e tem a função de elevar as lesões, tornando-as polipoides e, dessa maneira, facilitando a apreensão com alça de polipectomia. Além disso, afasta as lesões da camada muscular própria, minimizando os riscos de sangramento e perfuração, e, em teoria, aumentaria as taxas de ressecção completa e margens negativas.

O estudo prospectivo e randomizado de Shimodate e cols (mencionado previamente neste post) mostrou resultados que contrariam as premissas das técnicas de mucosectomia convencional e destacam as qualidades dos procedimentos underwater.

Recentemente, uma meta-análise de Choi e cols comparou a mucosectomia underwater (614 pacientes) e a mucosectomia convencional (623 pacientes), mostrando resultados inusitados. Os autores observaram que os procedimentos underwater estavam mais associados a ressecções “em bloc” e menores índices de recorrência em relação às técnicas convencionais, principalmente para lesões maiores que 20 mm. O quadro abaixo mostra os principais achados do estudo:

Sabemos que a recorrência das lesões está fortemente associada a ressecções incompletas ou ressecções piecemeal. As técnicas underwater têm se mostrado seguras, factíveis em diferentes contextos e associadas a maiores taxas de ressecção completa em estudos diversos, estudos head to head, publicados recentemente.

Como citar este artigo

Cardoso DMM. 6 perguntas que você sempre quis fazer sobre técnicas de ressecção a frio e as respostas inusitadas baseadas em evidências que só o endoscopia terapêutica traz. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/6-perguntas-que-voce-sempre-quis-fazer-sobre-tecnicas-de-resseccao-a-frio

Referências

  1. Kim JS, Lee Bo-In, Choi H et al. Cold snare polypectomy versus cold forceps polypectomy for diminutive and small colorectal polyps: a randomized controlled trial. (Gastrointest Endosc 2015;81:741-7.
  2. Shimodate Y, Itakura J, Takayama H et al. Impact of submucosal saline solution injection for cold snare polypectomy of small colorectal polyps: a randomized controlled study. Gastrointest Endosc 2020;92:715-22.
  3. Ferlitsch M, Moss A, Hassan C, et al. Colorectal polypectomy and endoscopic mucosal resection (EMR): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Clinical Guideline. Endoscopy 2017;49:270-97.
  4. Chandrasekar VT, Spadaccini M, Aziz M et al. Cold snare endoscopic resection of nonpedunculated colorectal polyps larger than 10 mm: a systematic review and pooled-analysis. Gastrointest Endosc 2019;89:929-36.
  5. Ishii T, Harada T, Tanuma T et al. Histopathologic features and fragmentation of polyps with cold snare defect protrusions. Gastrointest Endosc 2021;93:952-9.

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FELIZ 2021!!!

Prezados amigos,

Neste último dia de 2020, reiteramos nossos votos de esperança, desejando muita saúde, alegria e união para todos!

Que possamos trabalhar em 2021 com dedicação, ética e engajamento, valores da família EndoscopiaTerapêutica!

Um excelente fim de ano a todos!!!!

2020 foi um ano desafiador em vários aspectos, e, para não perdermos o ritmo, preparamos uma seleção dos melhores desafios (nossos Quizzes) do ano para vocês. Links de Ano Novo:

 

Veja se você é capaz de solucionar esse problema!

Bile no dreno! E agora?

 

 

 

 

Um diagnóstico inusitado e pouco relatado……

http://endoscopiaterapeutica.net/pt/quiz/voce-ja-viu-essa-lesao-antes/

 

Quiz! Você já viu essa lesão antes?

 

Caso raro…..mas pode acontecer com você! É melhor estar preparado e acertar todas!

Quiz

 

 

Nem tudo se resume a COVID-19 em 2020……

 

 

Descomplicando as complicações da cirurgia bariátrica

http://endoscopiaterapeutica.net/pt/quiz/quiz-endoscopia-nas-complicacoes-da-cirurgia-bariatrica/

Quiz! Endoscopia nas Complicações da Cirurgia Bariátrica

 

A queixa era epigastralgia,,,,mas o estômago guardava surpresas….

http://endoscopiaterapeutica.net/pt/quiz/quiz-qual-alternativa-correta-4/

Quiz! Qual a alternativa correta?

 




Síndromes de polipose colorretal

CÂNCER COLORRETAL HEREDITÁRIO E  SÍNDROMES DE POLIPOSE COLORRETAL – DESVENDANDO O MISTÉRIO – O QUE É FOCINHO DE PORCO E O QUE É TOMADA?

A maior parte dos casos de câncer colorretal é esporádica. Estima-se, no entanto, que fatores hereditários estejam envolvidos em cerca de 35% dos casos diagnosticados e que em 5% dos pacientes há uma síndrome genética bem caracterizada.

Recentemente, diversos autores têm reportado uma elevação nas taxas de incidência e mortalidade entre adultos jovens, com idade inferior a 50 anos. Nesse grupo etário em especial, acredita-se que 20% dos diagnósticos podem ter associação com síndromes hereditárias.

A correta identificação dessas situações permite a implementação de seguimento agressivo, além da precisa indicação de cirurgias que podem reduzir o impacto do câncer colorretal.

Existem inúmeras síndromes descritas, o que é inicialmente confuso. O texto a seguir se propõe a resumir as principais síndromes hereditárias associadas ao câncer colorretal, destacando as diferenças entre elas, características clínicas específicas, alterações genéticas envolvidas e recomendações de seguimento para cada situação.

Didaticamente, as síndromes podem ser divididas em dois grandes grupos: síndromes associadas à polipose de cólon e síndromes não associadas à polipose de cólon.

SÍNDROMES DE CÂNCER COLORRETAL HEREDITÁRIO
ASSOCIADAS À POLIPOSE NÃO ASSOCIADAS À POLIPOSE
FAP – POLIPOSE ADENOMATOSA FAMILIAR

FAP ATENUADA

MAP – POLIPOSE RECESSIVA

SÍNDROME PEUTZ-JEGHERS

POLIPOSE JUVENIL

POLIPOSE SERRILHADA

POLIPOSE HAMARTOMATOSA

POLIPOSE MISTA

SÍNDROME DE LYNCH

SÍNDROME “X”

SÍNDROMES ASSOCIADAS À POLIPOSE

FAP – POLIPOSE ADENOMATOSA FAMILIAR

A FAP é a mais conhecida e estudada das síndromes. Causada por uma mutação autossômica dominante no gene APC, responde por 1% dos casos de câncer colorretal. O diagnóstico baseia-se no achado de mais de 100 adenomas distribuídos pelo cólon e, em muitos casos, as lesões são quantificadas aos milhares. Os adenomas surgem durante a adolescência e o risco de evolução de câncer colorretal é de 100% até a idade de 40-50 anos.

É interessante destacar que, em cerca de 20% dos indivíduos, a mutação do gene APC é “de novo”, ou seja, são os primeiros da família a apresentar o quadro de FAP.

Há, ainda, uma grande associação com outras neoplasias ou alterações extra-colônicas que incluem adenomas duodenais e gástricos (95% dos casos), pólipos gástricos de glândulas fúndicas (80-90% dos casos), osteomas (80%), hipertrofia congênita de epitélio pigmentar da retina (75%), cistos epidermoides (50%), anormalidades dentárias (17%), tumores desmoides (15-30%) adenomas de suprarrenal (5%), neoplasias biliares, carcinoma papilar de tireoide, hepatoblastoma e meduloblastoma.

O câncer de duodeno corresponde à segunda neoplasia mais comum em pacientes portadores de FAP. As lesões precursoras, os adenomas duodenais, surgem cerca de 15 anos após os adenomas de cólon. Há um escore, denominado Escore de Spigleman, que estadia e orienta o seguimento endoscópico desses pacientes.

Para os familiares de pacientes portadores de FAP, a investigação está indicada a partir da adolescência, 10-12 anos de idade, com sigmoidoscopia anual ou bianual.

Escore de Spigelman e recomendações para adenomas duodenais associados à FAP

VARIÁVEIS 1 PONTO 2 PONTOS 3 PONTOS
Número de pólipos 1-4 5-20 > 20
Tamanho dos pólipos (mm) 1-4 5-10 > 10
Histologia tubular tubulovilosa vilosa
Displasia leve moderada acentuada
 
SCORE DE SPIGELMAN   ESTADIAMENTO RECOMENDAÇÃO
0 0 EDA 5 ANOS
1-4 I EDA 3-5 ANOS
5-6 II EDA 3 ANOS
7-8 III EDA 1 ANO
9-12 IV CIRURGIA OU EDA EM 6 MESES

O tratamento cirúrgico envolve três opções a depender da extensão do acometimento da doença e manifestações extra-colônicas: colectomia total com anastomose ileocólica, proctocolectomia com bolsa ileal e proctocolectomia com ileostomia. Em situações específicas, há estudos controlados mostrando que é possível proceder a quimioprevenção de pólipos adenomatosos, com sulindac (um anti-inflamatório não esteroidal) ou celecoxib (inibidor da COX-2). O mecanismo envolve apoptose com redução no tamanho e número dos pólipos, mas sem impacto na redução do risco de câncer.

FAP ATENUADA

A FAP atenuada é definida pela presença de menos de 100 adenomas, que se desenvolvem em torno da quarta ou quinta década de vida. Está também associada à mutação do APC. Manifestações extra-colônicas podem estar associadas, exceto a hipertrofia do epitélio pigmentar da retina, que é uma manifestação exclusiva da FAP.

Em alguns casos, os adenomas podem se concentrar no cólon direito e, a depender da quantidade de pólipos, os pacientes podem ser tratados endoscopicamente com polipectomias seriadas.

A colonoscopia de seguimento está indicada a cada 2 anos, a partir de 18-20 anos de idade.

MAP – SÍNDROME DE POLIPOSE RECESSIVA

A MAP é uma síndrome rara, autossômica recessiva, associada a mutações no gene MYH, com alta penetrância. Acredita-se que cerca de 1-2% da população norte-americana e europeia seja de portadores heterozigóticos da mutação. A média de idade ao diagnóstico é em torno de 40-50 anos e o números de pólipos pode variar entre < 100 (maior parte dos casos) até milhares. Cerca de 30% dos pacientes desenvolvem o câncer sem associação com polipose.

Cerca de 5% dos pacientes podem apresentar manifestações extra-colônicas, como adenomas duodenais e há uma predileção de distribuição dos pólipos no cólon direito.

Para portadores bialélicos da mutação no gene MYH, o seguimento está indicado a cada 2 anos, a partir de 18-20 anos. Para portadores monoalélicos, o seguimento é semelhante ao do câncer colorretal esporádico.

O tratamento depende do número, tamanho e localização dos pólipos e é semelhante ao da FAP atenuada.

SÍNDROME DE PEUTZ-JEGHERS

Trata-se de uma rara síndrome autossômica dominante causada pela mutação no gene STK11, associada à polipose hamartomatosa. Os pólipos podem se apresentar em qualquer ponto do TGI.

A OMS estabelece como critério de diagnóstico a presença de pelo menos três pólipos hamartomatosos, ou qualquer número de pólipos hamartomatosos associados à típica pigmentação mucocutânea, para pacientes sem história familiar.

Os pólipos da síndrome de Peutz-Jeghers são mais comuns no intestino delgado (78%), cólon (42%), estômago (38%) e reto (28%). Os portadores dessa síndrome podem desenvolver uma grande variedade de neoplasias (mama, estômago, pâncreas, pulmão, ovário, colo uterino) inclusive câncer colorretal, que se desenvolve em 20% dos pacientes. As recomendações de seguimento incluem todas as neoplasias associadas à síndrome (EDA, TC TÓRAX, RNM ABDOME, MAMOGRAFIA E CA-125). A colonoscopia está indicada a partir de 25 anos de idade, a cada 2 a 5 anos.

O tratamento endoscópico dos pólipos hamartomatosos pode ser uma opção. O tratamento cirúrgico depende do tamanho e localização dos pólipos ou lesões associadas.

SÍNDROME DE POLIPOSE JUVENIL

Os pólipos juvenis são hamartomas e constituem os pólipos mais comuns em crianças, geralmente com apresentação solitária, sem potencial maligno.

Esses pólipos podem, no entanto, fazer parte da síndrome de polipose juvenil e, nesses casos, há potencial maligno. A síndrome de polipose juvenil é rara, autossômica dominante, que inclui mutações nos genes SMAD4 e BMPR1A.

Pacientes portadores da mutação SMAD4 têm maior risco de polipose gástrica e da síndrome de telangiectasia hemorrágica hereditária.

O diagnóstico é feito quando temos cinco ou mais pólipos juvenis no cólon, sem história familiar ou qualquer número de pólipos no estômago ou cólon, com história familiar. Os pólipos se desenvolvem na terceira década de vida e cerca de 10-20% dos pacientes apresentam anormalidades congênitas (macrocefalia, anomalias cardíacas, fissura palatina, anormalidades do TGU).

O seguimento está indicado para parentes de 1º grau a partir de 12 anos de idade com colonoscopia a cada 1-3 anos.

SÍNDROME DE POLIPOSE SERRILHADA

É também conhecida como síndrome de polipose hiperplásica. Acredita-se que o mecanismo de carcinogênese envolva a via do fenótipo metilador das ilhas CPG (CIMP) com provável inativação de genes supressores de tumor.

O diagnóstico da síndrome de polipose serrilhada é baseado nos seguintes critérios:

  • 20 ou mais pólipos serrilhados em qualquer localização no cólon;
  • 5 ou mais pólipos serrilhados proximais ao cólon sigmoide, com dois pólipos > 1 cm;
  • Pelo menos 1 pólipo serrilhado proximal ao cólon sigmoide e um parente de primeiro grau portador da síndrome de polipose serrilhada.

O diagnóstico é normalmente feito durante colonoscopia de rastreamento e, uma vez confirmado, estão recomendadas colonoscopias anuais de seguimento.

SÍNDROMES DE POLIPOSE HAMARTOMATOSA

Incluem síndromes autossômicas dominantes raras associadas à mutação do gene PTEN como a Síndrome de Cowden (SC) e a Síndrome Bannayan-Riley-Ruvacalba.

Na SC, o órgão mais comumente acometido é a pele (triquilemomas faciais, papilomas orais e queratose acral). Há associação com neoplasias extra-colônicas como mama, tireoide, rim e melanoma. O risco de câncer de mama nesses casos é semelhante ao de portadores de mutação do BRCA. A maioria dos pacientes portadores dessas síndromes apresentam pólipos colônicos, hiperplásicos e hamartomatosos. As recomendações de rastreamento incluem colonoscopia a cada 5 anos, a partir de 35-40 anos de idade.

SÍNDROME DE POLIPOSE MISTA

Trata-se de uma condição rara caracterizada por múltiplos pólipos de histologias variadas (adenomatosos, hiperplásicos, hamartomatosos) que surgem durante a adolescência, como resultado da mutação do gene GREM1. O seguimento colonoscópico está indicado a cada 1-3 anos para pacientes portadores dessa síndrome.

SÍNDROMES NÃO ASSOCIADAS À POLIPOSE

SÍNDROME DE LYNCH

A síndrome de Lynch envolve mutações autossômicas dominantes dos genes de reparo (genes MMR), o que promove um risco aumentado de câncer colorretal sem associação com quadro de polipose. É responsável por cerca de 1-3% dos casos de câncer colorretal e está associada com uma grande variedade de neoplasias.

Os genes envolvidos na síndrome de Lynch incluem MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2. Mutações em MLH1 e MSH2 estão presentes em 80% dos casos. As mutações em MLH1 estão associadas com desenvolvimento de câncer em pacientes mais jovens.

O diagnóstico da síndrome de Lynch se baseia nos critérios de Amsterdam II e Bethesda, associados à pesquisa das mutações associadas.

O risco de desenvolvimento de câncer colorretal ao longo da vida varia de 15 a 70%. As demais neoplasias associadas incluem endométrio, trato urinário, ovário, pâncreas, estômago, intestino delgado, trato biliar, cérebro e pele.

Em portadores da síndrome, as colonoscopias de rastreamento estão indicadas a cada 1-2 anos a partir de 20-25 anos de idade. Há estudos clínicos randomizados que mostram eficácia da quimioprofilaxia com uso de altas doses de AAS (600mg/dia por pelo menos 2 anos), mostrando redução de 60% na incidência do câncer colorretal nesses pacientes.

SÍNDROME “X”

Essa síndrome inclui 40% das famílias que preenchem os critérios de Amsterdam I, mas não possuem mutação nos genes de reparo identificada. Há uma elevação do risco de câncer colorretal em relação à média da população, mas não há elevação de incidência das demais neoplasias associadas à síndrome de Lynch. O seguimento colonoscópico está indicado a cada 3-5 anos, 10 anos antes da idade do membro mais jovem da família acometido.

CRITÉRIOS DE AMSTERDAM I
–      Pelo menos três familiares com câncer colorretal;

–      Um deve ser parente de primeiro grau dos outros dois;

–      Pelo menos duas gerações acometidas;

–      Pelo menos um dos familiares diagnosticado antes de 50 anos de idade;

–      FAP deve ser excluída.

CRITÉRIOS DE AMSTERDAM II
–      Três ou mais familiares com neoplasias associadas à síndrome de Lynch;

–      Um deve ser parente de primeiro grau dos outros;

–      Pelo menos duas gerações acometidas;

–      Pelo menos um dos familiares diagnosticado antes de 50 anos de idade;

–      FAP deve ser excluída.

CRITÉRIOS DE BETHESDA
–      Câncer colorretal diagnosticado antes de 50 anos de idade;

–      Câncer colorretal sincrônico, metacrônico ou outra neoplasia associada à síndrome de Lynch;

–      Câncer colorretal com histologia mostrando instabilidade de microssatélites em pacientes < 60 anos de idade;

–      Câncer colorretal em um ou mais parentes de primeiro grau com neoplasia associada à síndrome de Lynch, um deles com diagnóstico < 50 anos de idade;

–      Câncer colorretal diagnosticado em dois ou mais parentes de primeiro ou segundo grau com neoplasias associadas à síndrome de Lynch.

Como citar este artigo:

Cardoso DM. Síndromes de polipose colorretal. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindromes-de-polipose-colorretal/

Referências

  1. Byrne RM, Tsikitis VL. Colorectal polyposis and inherited colorectal syndromes. Ann Gastroenterol 2018; 31: 1-11.
  2. Mahon SM. Hereditary Polyposis Syndromes. Gentics and Genomics 2018; 22(2): 151-6.
  3. Patel SG, Ahnen DJ. Colorectal câncer in the Young. Curr Gastroenterol Rep 2018; 20:15.

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INTUBAÇÃO CECAL – AS APARÊNCIAS PODEM ENGANAR… SERIA O “MUITO BOM” INIMIGO DO “ÓTIMO”?

Observe essa imagem e responda…. Na sua opinião, essa é uma imagem de intubação cecal
adequada?
Intubação cecal
 
Agora vamos assistir a um vídeo e ver o que a imagem acima esconde:
 

 
Atingir o ceco de maneira consistente, segura e eficiente, com o mínimo desconforto para
o paciente, demanda conhecimento técnico, teórico e habilidades específicas dos endoscopistas. A realização de um
exame de colonoscopia completo envolve um grau de dificuldade considerável e é de grande importância, já que
qualquer área da mucosa do cólon pode abrigar lesões.
A colonoscopia só é considerada completa quando ocorre intubação do ceco. No ano de
2015, uma força-tarefa que incluía a Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE) estabeleceu três
indicadores de qualidade considerados “prioritários” para realizar uma colonoscopia com alta qualidade. São eles: a
taxa de detecção de adenoma (TDA), taxa de intubação cecal (TIC) e o uso de intervalos apropriados para rastreamento
e vigilância.
De maneira geral, a habilidade do endoscopista é tida como determinante mais importante
da intubação cecal, e as recomendações atuais estipulam que a TIC deve ser 95% para colonoscopias de
rastreamento.
Será que existem estratégias para melhorar a performance e aumentar a TIC? Será que no
caso da intubação cecal o “muito bom” é inimigo do “ótimo”? Será que lesões avançadas podem estar sendo
subdiagnosticadas?
No post de hoje vamos conversar sobre o conceito de intubação cecal, dificuldades para
realizar a intubação cecal, relevância e a evidência científica existente.
 

VOCÊ CONHECE O CONCEITO DE INTUBAÇÃO DO CECO?

Há um consenso na literatura que a intubação cecal consiste no acesso ao ceco, com exame
e registro de toda sua concavidade e marcos anatômicos, ou seja, óstio apendicular, parede medial junto à válvula
ileocecal, e a própria válvula ileocecal.
Várias situações podem dificultar ou mesmo impedir a adequada intubação do ceco. Podemos
destacar: preparo inadequado, presença de ângulos fixos no cólon, segmentos redundantes, formação de alças, sedação
inadequada levando à dor e desconforto. Além disso, algumas doenças como diverticulose, doença intestinal
inflamatória, estenoses benignas ou malignas podem ser fatores associados.
 

EXISTE RELAÇÃO ENTRE A TIC E A TAXA DE DETECÇÃO DE ADENOMAS?

Sim, existe. Essa relação é demonstrada em vários estudos. O inverso também é
verdadeiro: baixas taxas de intubação cecal são associadas à maior taxa de câncer de intervalo, tanto em cólon
direito quanto em cólon esquerdo.
Bick e cols mostraram em um estudo retrospectivo que envolveu 520 pacientes encaminhados
a um serviço especializado em colonoscopias após uma colonoscopia incompleta. A taxa de detecção de adenomas nesse
grupo foi de 53,3%, sendo que, em 101 pacientes, foram encontrados adenomas avançados. Nove pacientes foram
diagnosticados com adenocarcinomas.
 

A INTUBAÇÃO DO ÍLEO MELHORA A PERFORMANCE DIAGNÓSTICA EM COMPARAÇÃO COM A INTUBAÇÃO DO CECO?

Buerger e cols, em um estudo do ano de 2019, testaram essa hipótese num estudo
envolvendo mais de 4000 pacientes, mostrando que a intubação do íleo não foi associada a uma maior detecção de
adenomas e de lesões serrilhadas em análise multivariada (OR 1.025, 95%-CI 0.639–1.646, p = 0.918, e OR 0.937,
95%-CI 0.671–1.309, p = 0.704, respectivamente).
 

O QUE SERIA DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA ADEQUADA DA INTUBAÇÃO DO CECO?

Não há uma definição clara do que seria necessário para proceder uma documentação
fotográfica confiável. Rex e cols, em uma publicação de 2020, relata que a documentação fotográfica confiável da
intubação cecal deve conter pelo menos uma imagem do óstio apendicular, da válvula ileocecal ou do íleo
terminal.
 

E NÓS? SERÁ QUE ESTAMOS FORNECENDO INFORMAÇÕES CONFIÁVEIS EM NOSSOS RELATÓRIOS ENDOSCÓPICOS?

A qualidade da TIC auto-relatada durante a colonoscopia foi abordada por Rupinska e cols
em um estudo polonês, que comparou a TIC relatada pelos endoscopistas com vídeos dos exames realizados. Os autores
demonstraram que a taxa de intubação cecal documentada por vídeo foi significativamente menor do que a taxa de
intubação cecal auto-relatada (84,4% vs. 96,6%, p = 0,001).
 

QUAL É A CURVA DE APRENDIZAGEM NECESSÁRIA PARA REALIZAR UMA ADEQUADA INTUBAÇÃO CECAL?

Esse assunto ainda é tema de intensos debates. Competência na intubação cecal requer
treinamento prático de alta qualidade.
Uma revisão sistemática publicada em 2014, de Shahidi e cols, envolvendo 18 estudos, com
247 trainees e 37700 exames, teve o objetivo de definir a curva de aprendizagem geradora de competência para a
realização de intubação cecal de forma independente. Competência foi definida por uma TIC superior a 90%. Os autores
mostraram que os estudos que tratam do assunto são bastante heterogêneos, e o número de colonoscopias para
competência varia bastante de acordo com o perfil do serviço. De maneira geral, os trainees adquirem competência
para proceder a intubação cecal em mais de 90% dos casos após realizar algo entre 141 e 305 colonoscopias.
 

A TIC PODE OSCILAR OU CAIR AO LONGO DO TEMPO?

Rex e cols, em um estudo interessante envolvendo 16 colonoscopistas com pelo menos 50
colonoscopias ao ano, por um período de 6 anos, demonstraram que endoscopistas experientes obtêm facilmente taxas de
intubação cecal superiores a 95%. Além disso, a TIC parece ser um parâmetro que uma vez alcançado, mantém-se estável
ao longo dos anos.
 

O QUE FAZER EM CASO DE FALHA NA INTUBAÇÃO CECAL?

Pode-se lançar mão de outras estratégias, como a realização de colonografia por
tomografia, uso de cápsula de cólon. Essas estratégias, no entanto, apresentam limitações, como a necessidade de
novo preparo de cólon, a impossibilidade de coleta de biópsias ou de tratamento de lesões com polipectomias e outras
ressecções, além de um maior custo agregado ao rastreamento. Por esse motivo, a repetição da colonoscopia também
pode ser considerada, usando recursos auxiliares como uso de água.
A colonoscopia auxiliada por água pode reduzir angulações por um efeito de gravidade da
água infundida no interior do cólon. Além disso, a água pode promover um efeito de alongamento de segmentos
redundantes e está associada a um menor desconforto por parte dos pacientes. Há evidências crescentes da eficácia da
colonoscopia auxiliada por água.
O uso de colonoscópios com rigidez variável na ponta, colonoscópios pediátricos, imagem
endoscópica magnética para exibir a configuração do colonoscópio dentro do cólon são outras ferramentas que
demonstraram potencial de aumentar a TIC. Colonoscópios com balão único ou duplo balão e enteroscópios também podem
facilitar a intubação cecal em casos difíceis.
Repetir o exame em um centro especializado também é uma estratégia interessante. A
tabela abaixo mostra as taxas de sucesso de intubação cecal e as
taxas de detecção de adenomas em casos de falha da intubação no primeiro exame.

A colonoscopia é uma ferramenta muito importante no manejo das doenças do cólon,
especialmente do câncer colorretal. Uma região ou um serviço que tenha endoscopistas capazes de realizá-la de forma
independente e eficaz é fundamental.
A aprendizagem da colonoscopia envolve abordagens individualizadas e demanda
habilidades, conhecimento técnico e teórico. Definir competência em colonoscopia ainda é tema de intenso debate e
controvérsias.
A intubação cecal é um dos três parâmetros de qualidade mais importantes e deve ser
realizada de forma sistemática e cuidadosa. Observar o ceco é diferente de intubar o ceco. Aa aparências podem
enganar e o “muito bom” pode ser inimigo do “ótimo”. A intubação cecal envolve a identificação dos marcos anatômicos
da concavidade do ceco e pode revelar lesões, que passariam despercebidas.
 

Como citar este artigo:

Cardoso D. INTUBAÇÃO CECAL – AS APARÊNCIAS PODEM ENGANAR… SERIA O “MUITO BOM”
INIMIGO DO “ÓTIMO”?. Endoscopia Terapêutica; 6(11) 2020. Disponível em:
http://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/intubacao-cecal-as-aparencias-podem-enganar-seria-o-muito-bom-inimigo-do-otimo/

 

Referências

  1. Garborg K, Bretthauer M. Cecal intubation failure:
    Refer or change technique? Gastrointest Endosc 2016; 83(6): 1245-7.
  2. Vemulapalli KC, Wilder SW, Kahi CJ and Rex DK.
    Long-Term Assessment of the Cecal Intubation Rates in High-Performing Colonoscopists: Time for Review.
    Clinical and Translational Gastroenterology 2020;11:e00153.
  3. Buerger M, Kasper P, Allo G, Gillessen J and Schramm
    C. Ileal intubation is not associated with higher detection rate of right-sided conventional adenomas and
    serrated polyps compared to cecal intubation after adjustment for overall adenoma detection rate. BMC
    Gastroenterology 2019; 19:190.
  4. Bick BL, Vemulapalli KC, Rex DK. Regional center for
    complex colonoscopy: yield of neoplasia in patients with prior incomplete colonoscopy, Gastrointest Endosc
    2016;83(6):1239-44.
  5. Rupinska M, Wieszczy P, Franczyk R, et al. The effect
    of routine videorecording on colonoscopy quality indicators: a multicenter, cluster randomized controlled
    trial. Endoscopy. 2018;50(4):S52.
  6. Shahidi N, Ou G, Telford J and Enns R. Establishing
    the learning curve for achieving competency in performing colonoscopy: a systematic review. Gastrointest
    Endoc 2014; 80(3): 410-6.

 
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ENSINO E TREINAMENTO EM ENDOSCOPIA DURANTE A PANDEMIA – ESSA CURVA NÃO PODE SER ACHATADA!

 

A Pandemia por COVID-19 impactou a prática da Endoscopia Digestiva de forma dramática em todo o planeta. Os protocolos de distanciamento social, que são a base para o controle do contágio do SARS-CoV-2, têm trazido importante limitação nas atividades de ensino e treinamento da Endoscopia Digestiva.

Vários preceptores e trainees foram deslocados de suas funções para atender pacientes COVID, vários serviços foram redimensionados ou transformados para atender pacientes COVID com uma mudança sem precedentes nas agendas de endoscopia pelo mundo 1,2.  Estamos presenciando uma redução drástica no número de exames endoscópicos, inclusive no Brasil, com vários serviços fechados e mais de 85% trabalhando apenas com endoscopias de urgência/emergência3.

A pandemia tem exigido, ainda, medidas rigorosas em relação ao uso de EPI, para evitar o contágio das equipes, dos pacientes e mitigar a propagação da infecção.  Os serviços de endoscopia tiveram que incorporar rapidamente os conceitos de “equipe mínima”, “sala mínima” e inúmeras outras adaptações nos fluxos e rotinas.

Estudos recentes mostraram que metade das equipes de endoscopia dos EUA afastaram os trainees das atividades durante a Pandemia! Durante esse provável longo período de convívio com o SARS-CoV-2 que teremos, as equipes de endoscopia digestiva precisarão traçar estratégias de reestruturação, incluindo a reinvenção das atividades de ensino.

A Pandemia criou uma série de restrições que eram desconhecidas de todos nós. Para contornar essas dificuldades precisaremos de soluções criativas e implementação dessas soluções em tempo recorde 1,2,4. Vale a pena fazer um raciocínio simples e lembrar que para cada mês “parado” temos cerca de 10% de perda da aprendizagem do ano. Como correr atrás do prejuízo?

O ensino e treinamento em Endoscopia Digestiva inclui um conjunto de habilidades técnicas complexas, habilidades comportamentais e cognitivas.

Nesse contexto, o papel das sociedades de Endoscopia Digestiva é muito importante. As sociedades podem proporcionar oportunidades autônomas e diversificadas de ensino, tanto em relação ao comportamento da COVID-19 quanto da prática da endoscopia de forma segura durante a Pandemia. No Brasil A SOBED recentemente renovou seu portal diversificando suas atividades de informação e ensino à distância e melhorando os canais de comunicação com os associados, incluindo os trainees. Nos EUA e na Europa, as sociedades de Endoscopia Digestiva vêm trabalhando de forma intensa nesse sentido.

Em nível mundial, inúmeras personalidades e líderes da Endoscopia Digestiva têm participado de Webinars, hangouts, debates dentre outros, fomentando o aprendizado à distância. Alguns eventos tradicionais estão acontecendo pela primeira vez em formato web e já tivemos inclusive um congresso online de endoscopia com a realização de casos ao vivo em vários países.

Mídias sociais têm funcionado como verdadeiras plataformas de ensino ao redor do mundo, com a realização de bate-papos periódicos, discussão de casos e Quiz de assuntos específicos. Canais como Youtube tem promovido projetos educativos e em muitos países verdadeiras “livrarias virtuais” têm sido criadas.

O atendimento remoto ou teleatendimento, em suas múltiplas versões, é algo que provavelmente será realidade num futuro próximo, em diversos países, bem como o uso de simuladores para o ensino.

Nem tudo é prejuízo durante a pandemia! Nesse momento de grande redução de volume, os serviços de endoscopia envolvidos com ensino, podem se dedicar à pesquisa e a implantação de metodologia de aprendizagem individualizada e autônoma para os seus trainees. Alunos iniciantes podem aperfeiçoar competências cognitivas, enquanto que alunos de segundo e terceiro anos podem ajustar as agendas às suas necessidades e aperfeiçoar habilidades técnicas específicas ou sanar deficiências.

A tabela a seguir resume as recomendações e soluções apontadas pelos estudos mais recentes sobre ensino da Endoscopia Digestiva durante a Pandemia 1-5.

 

Soluções  para Ensino da Endoscopia Digestiva durante a Pandemia
Criação de “Livrarias Virtuais” Desenvolvimento e arquivamento de vídeos voltados para o ensino
Atendimento Remoto Teleatendimento
Mídias Sociais Grupos organizados de discussão de casos e temas específicos em Endoscopia Digestiva
Plataformas de Streaming Apresentação e discussão de casos ao vivo
Ensino Web Promoção de Webinars, Debates, Palestras com experts, Discussão de casos entre serviços
Papel das Sociedades de especialidade Apoio aos serviços formadores de especialistas, Estímulo da aprendizagem autônoma com portal de ensino, livraria virtual, atualização e discussão de casos
Simuladores Ensino baseado em modelos e simuladores
Estímulo à pesquisa Nesse momento de redução de volume de procedimentos voltar a atenção à pesquisa em endoscopia
Gestão das equipes Adaptação das equipes com formação de times
Gestão do ambiente Estimular um ambiente de bem estar

 

 

VISÃO DOS PRECEPTORES

Há um reconhecimento quase que universal que essa pausa nos atendimentos endoscópicos vai gerar vários problemas. Teremos uma demanda reprimida grande, um atraso no diagnóstico de neoplasias, que impactará de forma negativa no prognóstico dos pacientes, piora de doenças crônicas que ficarão sem acompanhamento, e várias doenças benignas não diagnosticadas ou tratadas 3.

O treinamento para distanciamento social e o uso correto dos EPI tem provocado adaptação das equipes, com flexibilização nas escalas de trabalho e formação de vários times dentro da mesma equipe.

Aos preceptores cabe, ainda, fazer a gestão de sua equipe, promovendo um balanço entre maximizar e abraçar as oportunidades de ensino e treinamento e fazer atendimento adequado aos pacientes, trabalhando com metas. A preocupação com resultados e eficiência é uma constante.

A gestão das equipes envolve questões mais desafiadoras, como a manutenção do bem estar no ambiente de trabalho. Preceptores e trainees estão lidando com uma carga emocional intensa, medo, perdas, adoecimento de colegas e familiares, expectativas perante a retomada, menores oportunidades de trabalho e de aprendizado, e um impacto econômico sem precedentes.

 

VISÃO DO TRAINEE

Estudo recentemente conduzido pela Italian Association of Young Gastroenterologista and Endoscopist (AGGEI) com 183 trainees em endoscopia digestiva (61,8% abaixo de 30 anos de idade) teve o objetivo de avaliar a perspectiva do trainee, no conhecimento e entendimento desse momento de pandemia. Cerca de 73,8% dos serviços reduziram as atividades atendendo somente endoscopias de urgência e o número de exames de endoscopia caiu drasticamente na Itália (91%).

Um total de 84,5% dos respondedores da pesquisa relataram que o ensino e aprendizagem foram bastante impactados por ocasião da Pandemia, 52% relataram que o preceptor estava menos disponível e 66,4% relataram que foram completamente afastados da realização de determinados procedimentos endoscópicos. Um dado preocupante foi que apenas 63,2% alegaram ter acesso a todos os EPI necessários nos serviços.

O estudo avaliou algumas percepções desse momento de Pandemia, usando uma escala graduada de 0 a 10 e os trainees relataram

  • medo de se infectar (graduado como 6)
  • medo de infectar a família e pacientes (graduado como 8)
  • sensação de estarem protegidos no ambiente hospitalar (graduado como 5)

 

Algumas propostas foram levantadas para contornar o prejuízo nos programas de treinamento:

  • 58,4% propuseram prolongar o período de treinamento
  • 22,7% propuseram aumentar as atividades hands-on
  • 10% propuseram ampliação de atividades teóricas.

 

 

CONCLUSÃO

A Pandemia está trazendo inúmeros desafios para o ensino e treinamento da Endoscopia Digestiva em todo o planeta. Apesar das grandes limitações que estamos enfrentando, temos uma oportunidade para reinventar o ensino e treinamento da Endoscopia Digestiva. Modelos baseados em volume e aprendizagem passiva se tornarão obsoletos. Discussões sobre carreira, liderança, criação de uma rede de auxílio e bem estar, melhora dos processos de comunicação, apoio das sociedades de endoscopia e criação de modelos disruptivos de ensino abraçando e adaptando as tecnologias, irão promover uma quebra de paradigmas na assistência, ensino e pesquisa em Endoscopia Digestiva.

 

 

REFERÊNCIAS:
  1. Keswani RN, Sethi A, Repici A, Messman H, Chiu P, How To Maximize Trainee Education During the COVID-19 Pandemic: Perspectives from Around the World. Gastroenterology (2020) https://doi.org/10.1053/j.gastro.2020.05.012.
  2. Repici A, Pace F, Gabbrandim R et al. Endoscopy Units and the COVID-19 Outbreak. Gastroenterology (2020) https://doi.org/10.1053/j.gastro.2020.04.003.
  3. Arantes VN, Martins BC, Segatto R, Milhomem-Cardoso DM, Franzini TP, Zuccaro AM et al. Impact of coronavirus pandemic crisis in endoscopic clinical practice: Results from a national survey in Brazil. End Int Open 2020 (18): E822-E829. https://doi.org/10.1055/a-1183-3324
  4. Forbes N, Smith ZL, Spitzer RL, Keswani RN, Wani SB, Elmunzer BJ, on behalf of the North American Alliance for the Study of Digestive Manifestations of COVID-19, Changes in Gastroenterology and Endoscopy Practices in Response to the COVID-19 Pandemic: Results from a North American Survey, Gastroenterology (2020) https://doi.org/10.1053/j.gastro.2020.04.071.
  5. Marasco, O.M. Nardone and M. Maida et al., Impact of COVID-19 outbreak on clinical practice and training of young gastroenterologists: A European survey, Digestive and Liver Disease (2020) https://doi.org/10.1016/j.dld.2020.05.023