Pólipo hamartomatoso juvenil solitário pediátrico: relato de caso e revisão de literatura.

Paciente do sexo feminino, 4 anos de idade, apresentando episódios recorrentes de sangramento retal (hematoquezia) há 11 meses, sem instabilidade hemodinâmica ou necessidade de hemotransfusão. Histórico atual de intolerância à lactose, sem outras doenças crônicas ou cirurgias. Apesar da exclusão de lacticínios e derivados da dieta, os episódios de sangramento persistiram.
Realizou colonoscopia, ambulatorialmente, onde foi identificado um pólipo pediculado lobulado no cólon descendente distal, com mucosa congesta e edematosa, coberta por fibrina e áreas hiperêmicas, com padrão de criptas tipo II de Kudo (Fig.1-2). O pólo cefálico tinha aproximadamente 3 cm de diâmetro, com um pedículo longo e largo (Fig.3-4). Foi realizada a polipectomia utilizando alça diatérmica, com ressecção completa em monobloco (Fig.5-6). Optou-se pelo fechamento do sítio da excisão com um endoclipe, sem complicações (Fig.7-8). Não houve achados adicionais nos demais segmentos estudados. O procedimento teve duração de 30 minutos, com alta da paciente após sua conclusão.

O exame anatomopatológico revelou tratar-se de uma lesão polipóide hiperplásica benigna, com estroma frouxo (Fig.9-10). As estruturas glandulares estavam hiperplásicas, variando de tamanho e ocasionalmente dilatadas cisticamente, sem apresentar atipias. O diagnóstico é compatível com pólipo hamartomatoso juvenil.

Revisão de literatura

As principais causas de hemorragia digestiva baixa, em crianças de 2 a 12 anos, incluem fissura anal, pólipo juvenil, enterocolite infecciosa e DII (Doença Inflamatória Intestinal). Mais raramente, podem estar relacionadas à úlcera retal solitária, duplicação intestinal, púrpura de Henoch-Schönlein, síndrome hemolítico-urêmica e malformação vascular colônica.

A presença de pólipo hamartomatoso juvenil solitário (esporádico), em crianças com menos de 10 anos de idade, tem incidência de até 2%. O termo “juvenil” refere-se ao tipo anatomopatológico do pólipo e não à idade de aparecimento. Apesar de serem infrequentes, também são descritos casos em adultos. Esses pólipos não são neoplásicos, apresentando histologicamente espaços císticos dilatados, inflamação, aumento da vascularização e áreas de destruição epitelial.

Distribuem-se por qualquer segmento colônico, com predileção pelo hemicólon esquerdo, sendo a topografia retossigmoidea a mais comum. O tipo pediculado é o mais frequente. Apesar da denominação “pólipos juvenis solitários”, eles podem ser únicos ou ocorrer em até 5 pólipos, sendo que 50% das crianças com essa condição apresentam mais de um pólipo. A verdadeira incidência de pólipos juvenis solitários é subestimada devido à sua apresentação clínica discreta e, geralmente, indolor, além da dificuldade do acesso a exame confirmatório.

O tipo pediculado é o mais frequente. Eventualmente, pode ocorrer torção no próprio eixo e autoamputação do pólipo, com consequente hemorragia, que pode ser volumosa.

Ao exame, o tamanho varia de 1 a 3 cm de diâmetro, com friabilidade associada, o que leva ao sangramento retal. Pode haver prolapso do pólipo através do ânus e, raramente, dor abdominal. Um terço das crianças apresenta-se com anemia microcítica em consequência do sangramento crônico, fato que pode induzir erroneamente o diagnóstico de doença inflamatória intestinal e postergar a solicitação da colonoscopia.

É essencial frisar que o pólipo hamartomatoso juvenil solitário difere da síndrome da polipose juvenil familiar (SPJ). A SPJ também é caracterizada pela presença de pólipos hamartomatosos contudo trata-se de uma doença genética autossômica dominante, causada por mutações nos genes SMAD4 e BMPR1A, que confere um risco aumentado de desenvolver câncer no trato gastrointestinal ao longo da vida. A SPJ abrange a Síndrome da Polipose Juvenil, a Síndrome de Peutz-Jeghers e a Síndrome do Tumor Hamartomatoso PTEN. O diagnóstico da SPJ requer o preenchimento de um dos seguintes critérios:

  • 1) mais de 5 pólipos juvenis no cólon e/ou no reto;
  • 2) múltiplos pólipos juvenis ao longo do trato gastrointestinal;
  • 3) qualquer número de pólipos com história familiar presente.

A SPJ familiar é uma condição pré-neoplásica, distinguindo-se do pólipo hamartomatoso solitário, que é esporádico, benigno e apresenta baixo risco de malignização.

A colonoscopia é uma ferramenta amplamente utilizada em todo o mundo para diagnosticar sangramentos gastrointestinais baixos e, frequentemente, serve como método terapêutico em muitos desses casos. No entanto, os exames endoscópicos pediátricos apresentam particularidades que exigem cuidados mínimos essenciais, devendo ser realizados em hospitais que possuam serviços de pediatria e anestesia preparados, tendo assegurado o apoio multiespecialidades indispensáveis ao tratamento de possíveis complicações, sobretudo quando se pratica endoscopia terapêutica.  Além disso, o preparo adequado dos cólons é outro aspecto crucial, que pode representar um desafio, podendo atrasar ou adiar o acesso ao exame, diagnóstico e tratamento.

Como tratamento padrão, preconiza-se a remoção desses pólipos por via endoscópica, utilizando a técnica e os recursos adequados.

Conclusão

A investigação do sangramento corretal persistente em crianças com menos de 10 anos deve incluir a realização de colonoscopia. Na presença de um pólipo hamartomatoso juvenil esporádico, após a completa remoção, dado o baixo risco de transformação maligna, não há indicação de repetir a colonoscopia rotineiramente ou encaminhamento para aconselhamento genético, eliminando a necessidade de qualquer acompanhamento posterior adicional.

Referências

  1. Yachha SK, Khanduri A, Sharma BC, Kumar M. Gastrointestinal bleeding in children. Journal of Gastroenteroly and Hepatology. 1996;11:903–907.
  2. Colonoscopic finding in children with lower gastrointestinal complaints. Journal of Gastroenteroly and Hepatology. 2023 Nov 8;7(12):863-868.
  3. Current role of colonoscopy in infants and young children: a multicenter study.  BMC Gastroenterology. 2019; 19: 149.
  4. A solitary rectal juvenile polyp with chicken skin-like changes in the surrounding mucosa in an adult: A case report. Experimental and  Therapeutic Medicine. 2023 Apr; 25(4): 185.
  5. Cancer risk and mortality in patients with solitary juvenile polyps—A nationwide cohort study with matched controls. United European Gastroenterology Journal. jul, 2023.
  6. Figueiredo LZ, Martins BC. Síndrome da Polipose Juvenil. Endoscopia Terapêutica. 2022; vol 1. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-da-polipose-juvenil.

Como citar este artigo

Vieira BB. Pólipo hamartomatoso juvenil solitário pediátrico: relato de caso e revisão de literatura. Endoscopia Terapeutica 2024, Vol I. disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/polipo-hamartomatoso-juvenil-solitario-pediatrico-relato-de-caso-e-revisao-de-literatura/




Diagnóstico e tratamento de tumor neuroendócrino gástrico na gastrite atrófica metaplásica autoimune

Paciente do sexo feminino, 61 anos, natural e residente em Maceió – AL, apresenta queixas dispépticas inespecíficas e realiza exames endoscópicos regularmente. Possui histórico de hipertensão arterial, anemia e tireoidite de Hashimoto e faz uso regular de anti-hipertensivos.

Ao exame endoscópico, destaca-se intensa atrofia de mucosa, predominantemente em fundo e corpo, com notável redução das pregas gástricas e presença de ilhotas de mucosa residual (pseudopólipos) no fundo. Observa-se uma linha delimitando a mudança do padrão mucoso na incisura e antro que se encontram normais. Adicionalmente, é identificado um pequeno pólipo séssil único no corpo médio, em parede anterior, medindo 4-5 mm, com superfície avermelhada e presença de vasos discretamente dilatados.

Vídeo da avaliação endoscópica à luz branca

Os resultados anatomopatológicos indicam mucosa normal do antro e incisura, com pesquisa de H. pylori negativa; no corpo, é evidenciada metaplasia intestinal leve e incompleta + atrofia glandular moderada, também com pesquisa de H. pylori negativa.

Exames laboratoriais revelam elevação da gastrina no valor de 190 pg/mL (VR até 115 pg/mL), anticorpo anti-célula parietal e anti-fator intrínseco reagentes, deficiência de ferro sérico 35 ug/dL (VR 50-170 ug/dL) e vitamina B12 130 pg/mL (VR 172 a 890 pg/mL). A ecoendoscopia para avaliação do pólipo mostra uma formação hipoecogênica e homogênea em segunda camada, mucosa profunda, passível de ressecção endoscópica, sem linfonodomegalia.

Formação hipoecogênica e homogênea em segunda camada, mucosa profunda, avaliada por ecoendoscopia

Diante das características da lesão, opta-se pela técnica de mucosectomia assistida por banda elástica, com ressecção completa do tumor em monobloco (utilizando o dispositivo Captivator EMR da Boston Scientific). A revisão do leito não demonstra sinais de lesão residual ou complicações imediatas (sangramento/perfuração), sendo o leito cruento fechado com um endoclipe (Resolution 360º da Boston Scientific). O procedimento, realizado ambulatorialmente, transcorreu sem intercorrências, com duração de 30 minutos, seguido de alta.

Vídeo da mucosectomia assistida por banda elástica

O anatomopatológico da peça confirma tratar-se de tumor neuroendócrino bem diferenciado (G2), com índice mitótico 2M/10 CGA, margens vertical (2 mm da lesão) e lateral livres, ausência de invasão perineural e angiolinfática, estadiamento patológico pT1a.

Anatomopatológico

Discussão

A Gastrite Atrófica Metaplásica Autoimune (GAMA) é um termo empregado para caracterizar uma variante de gastrite crônica, predominantemente observada no sexo feminino. Caracteriza-se pela agressão imunomediada às células parietais gástricas, resultando na substituição dessas células por tecido mucoso atrófico e metaplásico. A GAMA pode estar associada a outras doenças autoimunes, sendo a tireoidite de Hashimoto e o diabetes mellitus tipo 1 as mais comumente observadas nesse contexto (Clique aqui para saber mais sobre Gastrite atrófica e suas classificações).

A destruição das células parietais leva à hipo/acloridria, que estimula a hipergastrinemia como resposta fisiológica à escassez de ácido clorídrico (HCl). O excesso de gastrina de forma crônica leva à hipertrofia e hiperplasia das células enterocromafins-like (ECL), com a possível influência de fatores genéticos nesse fenômeno. Essas modificações podem favorecer o surgimento de tumores neuroendócrinos gástricos (carcinoides). A suspeita e o correto reconhecimento dessas lesões são fundamentais para evitar ressecções inadequadas (polipectomia convencional). A elegibilidade da modalidade terapêutica empregada depende do tamanho da lesão, dos recursos disponíveis e da expertise do endoscopista.

Os tumores do tipo 2 apresentam um comportamento semelhante ao observado nos tumores do tipo 1. Geralmente, são multifocais e apresentam um comportamento predominantemente indolente. Podem estar associados à síndrome neuroendócrina múltipla (NEM tipo 1) e à síndrome de Zollinger-Ellison. No caso de tumores neuroendócrinos gástricos tipo 1 e 2 com diâmetro inferior a 2 cm, a ressecção endoscópica emerge como a terapia apropriada, através das técnicas de mucosectomia ou dissecção submucosa (ESD), a menos que existam fatores de mau prognóstico que indiquem o tratamento cirúrgico (Clique aqui para mais detalhes sobre tipos e graus de tumores neuroendócrinos).

A vigilância endoscópica subsequente é necessária a cada 6 a 12 meses, uma vez que esses pacientes continuam a manifestar alterações na mucosa pela hiperplasia de células enterocromafins-like (ECL), resultante da exposição prolongada à hipergastrinemia secundária à doença de base. 

Referências:

  • JENSEN, P.J.; FELDMAN, M. Metaplastic (chronic) atrophic gastritis. Uptodate (https://www.uptodate.com/), 2023. 
  • Park, Jason Y et al. “Review of autoimmune metaplastic atrophic gastritis. Gastrointestinal endoscopy vol. 77,2 (2013): j.gie.
  • Jonathan R Strosberg, MD, Alexandra Gangi, MD Staging, treatment, and post-treatment surveillance of non-metastatic, well-differentiated gastrointestinal tract neuroendocrine (carcinoid) tumors. Uptodate (https://www.uptodate.com/), 2023. 
  • Roberto GA, Rodrigues CMB, Peixoto RD, Younes RN. Gastric neuroendocrine tumor: A practical literature review. World J Gastrointest Oncol 2020; 12(8): wjgo.v12.i8.850.



Caso clínico: ressecção underwater de LST

Paciente do sexo feminino, 54 anos, hígida e sem comorbidades prévias. Submetida a primeira colonoscopia (índice) de rastreio para câncer colorretal, assintomática.

À colonoscopia foi identificado uma lesão espraiada, planoelevada pseudodeprimida e de crescimento lateral não granular (Paris 0-IIA + IIC), localizada em cólon transverso distal, medindo cerca de 23 mm no maior diâmetro, apresentando prolongamentos laterais e cavalgando uma haustração.

Realizado propedêutica endoscópica com cromoscopia digital e com corantes de superfície (ácido acético e indigo carmin) com padrão de criptas predominantemente III S e III L de kudo (frequentemente associado a histologia adenomatosa e com displasia de baixo grau)  (figuras de 1 a 4), sem características de invasão submucosa. Não foram realizadas biópsias (evitar fibrose durante terapêutica).

Procedimento Terapêutico

Realizado nova colonoscopia eletiva para proceder à retirada da LST. Optado pela técnica de mucosectomia com imersão em água (“underwater”) (figura 5) – UEMR, com ressecção completa da lesão em monobloco (figura 9). A revisão do leito não demonstrou sinais de lesão residual ou complicações imediatas (sangramento/perfuração) (figuras 6 e 7). Fechamento do leito cruento com três endoclipes (figura 8). Procedimento executado ambulatorialmente e transcorrido sem intercorrências, com duração de 30 minutos, seguido de alta.

Anatomopatológico da peça mostrou tratar-se de adenoma tubular com displasia de baixo grau (displasia moderada), margens profundas e laterais livres, e ausência de invasão linfovascular. Procedimento considerado curativo.

Vídeo do procedimento

Conclusões

O caso demonstra que a mucosectomia com imersão em água (“underwatwer”) como preconizado por Kenneth Binmoeller é uma opção segura e tecnicamente factível para ressecção de lesões de crescimento lateral (especialmente aquelas que necessitam remoção em monobloco).

Como citar este artigo

Viera BB. Caso clínico: Paciente feminino, 54 anos, hígida e sem comorbidades prévias. Submetida a primeira colonoscopia (índice) de rastreio para câncer colorretal, assintomática. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol 1. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/caso-clinico-paciente-feminino-54-anos-higida-e-sem-comorbidades-previas-submetida-a-primeira-colonoscopia-indice-de-rastreio-para-cancer-colorretal-assintomatica/