ARTIGO COMENTADO – Manejo da Neoplasia Intraductal Papilar Mucinosa (IPMNs) de ductos secundários: um grande estudo unicêntrico para avaliar preditores de malignidade e resultados a longo prazo
As neoplasias mucinosas papilares intraductais de ductos secundários (BD-IPMNs) são a variante mais comum de IPMNs e são, em sua maioria, diagnosticadas incidentalmente. O Guideline de Consenso Internacional (ICG) publicado em 2012 – Fukuoka – para o manejo de BD-IPMNs, propões que a indicação de ressecção cirúrgica ou seguimento se baseie nos achados de estigmas de alto risco (HRS) ou características preocupantes (WFs) vistas em tomografia computadorizada ou ressonância magnética (MRI). Tais exames de imagem são amplamente usados na investigação de primeira linha dos pacientes com BD-IPMNs e fundamentam a avaliação dessas lesões.
Fukuoka |
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Estígmas de alto risco |
Icterícia obstrutiva |
Componente sólido captante |
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Ducto pancreático principal (DPP) ≥ 10 mm |
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Características preocupantes |
Cisto≥ 3 cm |
Parede do cisto espessada/captante |
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DPP entre 5-9 mm |
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Nódulo mural não captante |
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Mudança abrupta no calibre do ducto pancreático com atrofia pancreática distal |
Ver consenso ICG 2012 aqui
Já a ecoendoscopia com punção por agulha fina (EUS-FNA) também tem sido usada para a caracterização dos BD-IPMNs, mas seu impacto geral no manejo dessa doença permanece incerto. Alguns trabalhos sugerem que a ecoendoscopia seja o método mais confiável para a caracterização de IPMNs, sendo o seu uso substanciado em algumas situações nos algoritmos de investigação do ICG 2012. Recentemente, a American Gastroenterological Association (AGA) lançou novo guideline no diagnóstico e manejo de neoplasias císticas pancreáticas assintomáticas. Esse guideline sugere, entre outras coisas, que a EUS-FNA seja realizada em cistos pancreáticos com pelo menos 02 características de alto risco (cisto ≥ 3 cm, ducto pancreático principal dilatado ou presença de conteúdo sólido associado ao cisto). De modo geral, o que se percebe é que os guidelines recentemente publicados derivam de um baixo nível de evidência e de um limitado número de estudos, levando a uma falta de consistência sobre a utilidade da ecoendoscopia no manejo dos BD-IPMNs.
American Gastroenterological Association |
Características de alto risco |
Cisto≥ 3 cm |
Componente sólido associado |
DPP dilatado |
Ver Guideline AGA aqui
Em setembro de 2016 foi publicado na revista Gastrointestinal Endoscopy um estudo que objetivou primariamente avaliar a associação entre os achados de HRS e WFs do ICG 2012 e a confirmação de BD-IPMNs malignos, além de determinar a performance do EUS-FNA em identificar BD-IPMNs malignos. Através de um desenho de estudo retrospectivo foram incluídos todos os pacientes com BD-IPMNs pelo ICG 2012 e/ou BD-IPMNs patologicamente confirmados em um serviço de referência terciário entre os anos de 2001 e 2013. Resultados: De 364 pacientes com BD-IPMN
- 229 foram seguidos por imagem
- 135 foram submetidos a cirurgia
De um total de 135 BD-IPMNs ressecados:
- HRS/WFs vistos na TC/MRI foram similares entre os grupos com lesões malignas e benignas
- A dilatação do ducto pancreático principal (DPP) entre 5-9 mm foi mais frequentemente identificada em lesões malignas
A EUS-FNA foi capaz de detectar de forma mais frequente no grupo com lesões malignas:
- Nódulos murais (Sensibilidade (S): 33%; Especificidade (E): 94%; Acurácia (A): 86%)
- Suspeita de envolvimento do DPP (S: 42%; E: 91%; A: 83%)
- Citologia maligna suspeita ou positiva (S: 33%; E: 91%; A: 82%)
- Chamou a atenção que nódulos murais identificados na EUS não foram vistos através de TC/MRI em 28% dos casos no grupo com lesões malignas
Pacientes com lesões malignas tiveram um maior risco de recorrência de IPMN durante um período médio de seguimento de 131 meses (P = .01). O trabalho ressalta assim, entre outros achados, o potencial valor da ecoendoscopia em identificar BD-IPMNs malignos, particularmente na série apresentada, em pacientes sem WFs e que possuíam cistos menores (tamanho médio de 2.2 ± 0.7 cm em cistos malígnos x 2.9 ± 2.5 cm nos cistos benígnos; NS ). Os dados apresentados trazem informações interessantes a literatura em um momento de grande discussão sobre o manejo dos cistos pancreáticos, principalmente, os BD-IPMNs. Todos os guidelines publicados sobre o assunto parecem apresentar imperfeições, com destaque para a maior capacidade de detecção de lesões precoces no guideline ICG 2012 – Fukuoka e de detecção de lesões mais tardias com uso do guideline da AGA. Recentemente, Singhi e colaboradores reportaram que o guideline da AGA, quando aplicado a sua coorte de pacientes, deixava de detectar 45% dos IPMNs com displasia de alto grau ou adenocarcinoma. No algoritmo utilizado na série de pacientes apresentada por tal autor, entre outras condutas, a realização de EUS-FNA em lesões císticas acima de 1,5 cm associado a análise de fluído do cisto (incluindo análise molecular), detectava neoplasias avançadas com sensibilidade de 100% e especificidade de 90%. Tais dados apontam para o potencial benefício da utilização precoce do EUS-FNA associado a avaliação molecular do fluído coletado na melhoria do manejo da lesões císticas pancreáticas.
Presented at Digestive Disease Week 2015, May 17-19, 2015, Washington, DC (Gastrointest Endosc 2015;81:AB115-16).
Wiriyaporn Ridtitid, MD, John M. DeWitt, MD,C. Max Schmidt, MD, PhD, Alexandra Roch, MD, Jennifer Schaffter Stuart, BS, Stuart Sherman, MD, Mohammad A. Al-Haddad, MD, MSc, FASGE
Referências Ridtitid, W., DeWitt, J.M., Schmidt, C.M. et al. Management of branch-duct intraductal papillary mucinous neoplasms: a large single-center study to assess predictors of malignancy and long-term outcomes. Gastrointest Endosc. 2016; 84: 436–445
Tanaka, M., Fernandez-del Castillo, C., Adsay, V. et al. International Consensus Guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology. 2012; 12: 183–197 Vege, S.S., Ziring, B., Jain, R. et al.
American Gastroenterological Association Institute guideline on the diagnosis and management of asymptomatic neoplastic pancreatic cysts. Gastroenterology. 2015; 148: 819–822 (quiz 12-3)
Singhi, A.D., Zeh, H.J., Brand, R.E. et al. The AGA guidelines are inaccurate in detecting pancreatic cysts with advanced neoplasia: a clinicopathological study of 225 patients with supporting molecular data. Gastrointest Endosc. 2016; 83: 1107–1117
ARTIGO COMENTADO – História natural e manejo de estenoses benignas de esôfago refratárias
Bases do estudo:
Estenoses benignas de esôfago possuem múltiplas etiologias, incluindo: cáustica, péptica, pós cirúrgica, por esofagite eosinofílica, pós ablação e ressecção endoscópica e pós radioterapia. As estenoses potencialmente possuem um impacto negativo significativo na qualidade de vida dos pacientes levando, não só a disfagia, mas também a desnutrição, perda de peso e risco de broncoaspiração. A maioria das estenoses benignas são tratadas com dilatação por sonda (“bougie”) ou balão, com resolução após 1 ou somente poucas sessões. Contudo 30% – 40% das estenoses possuem recorrência em longo prazo. Em um grupo de pacientes (<10%), pelo menos 5 dilatações para, pelo menos, 14 mm não conseguem estabelecer adequada e persistente passagem do bolo alimentar. Esses casos são definidos como estenose esofagiana benígna refratária (RBES)
Algumas alternativas técnicas podem ser utilizadas para se evitar o tratamento cirúrgico, ou mesmo a necessidade de suporte nutricional via gastrostomia, entre elas cita-se: dilatação associada a injeção de esteroides no sítio de lesão, uso de próteses auto expansíveis plásticas ou metálicas, e mesmo auto dilatação. Tais técnicas possuem resultado ainda não bem estabelecido na literatura, com dados incertos sobre sua eficácia e pequeno tempo de seguimento dos pacientes.
Objetivo:
Avaliar o resultado do seguimento de longo prazo em pacientes com estenose esofagiana benigna refratária (> 6 meses)
Pacientes e método:
Análise retrospectiva de prontuários dos últimos 15 anos em dois centros terciários acadêmicos (Humanitas Research Hospital, Milan, Italy, e Hospital of the University of Pennsylvania, Philadelphia, Pennsylvania, USA). Selecionados pacientes com diagnóstico de estenose esofagiana recorrente ou refratária, definidos como a persistência ou recorrência de disfagia apesar do tratamento por, ao menos, 5 sessões de dilatação.
Foram realizadas sessões de dilatações com vários tipos de aparelhos, de diferentes marcas e diâmetro, com uso ou não de radioscopia, de acordo com a disponibilidade local de instrumentos, as características da estenose e o tipo de tratamento aplicado. O tratamento incluiu dilatação com sonda (“bougie”) ou balão, injeção de esteroides, colocação de próteses, realização de gastrostomia e cirurgia.
Foram extraídos de prontuário: dados clínicos e demográficos de cada paciente, incluindo sexo, idade do diagnóstico, etiologia, local e extensão da estenose, tipo e números de tratamentos aplicados, tempo livre de disfagia entre os tratamentos, resultados finais e eventos adversos.
O resultado primário avaliado foi a resolução clínica de disfagia definida por: manutenção do status livre de disfagia por, ao menos, 6 meses, sem necessidade de abordagem adicional no seguimento. Resultado desfavorável foi definido como a necessidade de abordagem adicional com tratamento endoscópico, gastrostomia ou cirurgia nesse intervalo.
Resultados:
- Selecionados 70 pacientes com RBES (46 homens; média de idade de 60 anos
- Seguimento médio de 43.9 meses (3.7-157 meses)
- Etiologia:
- Cáustica – 7 (10%)
- Pós radioterapia – 10 (14,3%)
- Cirúrgica – 22 (31,4%)
- Mista – 28 (40%)
- Pós inflamatória – 3 (4,3%)
- Localização da estenose:
- Cervical – 29 (41.4%)
- Esôfago médio – 8 (11.4%)
- Esôfago distal – 29 (41.4%).
- Múltipla – 4 (5.8%)
- Extensão da estenose:
- < 2 cm – 15 (21.4%)
- Entre 2 – 5 cm – 14 (20%)
- > 5 cm – 7 (10%)
- Informação não disponível – 34 (48.6%).
- Todos os pacientes foram submetidos a sessões sequenciais de dilatação pneumática ou por sonda – média de 15.5 sessões por pacientes
- Injeção de esteroide foi usada em 20 pacientes (28.6%), média de 1.65 sessões por paciente (1-7 sessões).
- Stents
- Metálico auto expansível (SEMSs) – 18 (25.7%) pacientes
- Biodegradável – 14 (20%) pacientes
- Eventos adversos:
- Perfuração – 3 pacientes (4.3%)
- Fistula – 4 (5.7%) – 2 em casos de dilatação e 2 em colocação de stent
- Duas mortes (3%) foram relacionadas a RBES
- A resolução dos casos RBES foi alcançada em somente 22 dos 70 (31.4%) pacientes.
- A taxa de sucesso foi menor nos pacientes que foram tratados também com stents ( [OR] 3.7; 95% [CI], 1.01-18.0).
- O tempo médio livre de disfagia foi de 3.3 meses (95% CI, 2.4-4.1) para pacientes tratados com dilatação e 2.4 meses (95% CI, 1.2-3.6) para pacientes tratados com stent (P = .062).
- Ao longo do tempo, o tempo total livre de disfagia aumentou em uma taxa de 4.1 dias (95% CI, 1.7-6.4) por dilatação.
Conclusões:
O estudo apresentado demonstrou um resultado desapontador no seguimento a longo prazo das estenoses esofagianas benígnas refratárias, com resolução clínica alcançada somente em 1 a cada 3 pacientes. O tempo livre de disfagia foi relativamente pequeno, afetando a qualidade de vida. Stents não parecem afetar o resultado o tratamento dos pacientes com RBES.
Comentários:
O presente estudo constitui-se em uma das grandes séries da literatura que abordam pacientes com estenose esofagiana benígna refratária e apresentam dados de grande valor na avaliação e seguimento de tais casos. Assim como outras séries, percebe-se a complexidade no manejo dos pacientes com estenose refratária e baixa percentagem de resolução clínicas de tais casos.
Ao se analisar os dados detalhadamente, percebe-se que a maioria das estenoses refratárias descritas são de conhecido díficil manejo, como as de localização cervical (41.4% dos casos) e de maior tamanho (>2 cm em 21/36 – 58.3% – de tamanho conhecido), e que portanto, necessitam de abordagens em centros terciários especializados.
Chama atenção ainda, a incapacidade dos stents atualmente disponíveis em melhorar o resultado endoscópico final de tais pacientes. Novos stents específicos para tais lesões são necessários.
O fato do trabalho ser retrospectivo, não randomizado, não usar algorítmos definidos no tratamento e não usar escores de disfagia na avaliação traz limitações, sem dúvida. Estudos prospectivos e com desenho específico serão bem vindos.
Natural history and management of refractory benign esophageal strictures
DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.gie.2016.01.053
Alessandro Repici, Aaron J. Small, Aaron Mendelson, Manol Jovani, Loredana Correale, Cesare Hassan, Lorenzo Ridola, Andrea Anderloni, Elisa Chiara Ferrara,Michael L. Kochman.
QUIZ! Qual a principal suspeita diagnóstica diante do quadro apresentado?
Paciente 58 anos, em programação de tratamento oncológico devido a neoplasia de hipofaringe, tendo sido submetido há cerca de 2 meses a gastrostomia endoscópica percutânea. Há 5 dias vem evoluindo com relato de dificuldade para infusão da dieta via gastrostomia, associado a vazamento da mesma.
Ao exame físico foi evidenciado:
Qual a sua principal suspeita diagnóstica?
Artigo comentado : Indometacina retal pré procedimento universal versus pós para pacientes selecionados em CPRE. Trial multicêntrico.
Em estudo multicêntrico, randomizado e controlado publicado na revista Lancet compilando seis centros chineses e envolvendo 2600 pacientes foi avaliado se a administração universal (em todos os pacientes) pré CPRE de indometacina é mais efetiva que a administração pós procedimento somente em pacientes de alto risco na prevenção de pancreatite pós CPRE.
Conhecimento prévio ao estudo:
A pancreatite pós procedimento é a complicação mais comum da CPRE, potencialmente grave, podendo levar a aumento do tempo de internação e dos custos hospitalares associados. Trabalhos recentes tem apontado que o uso de stents pancreáticos e de anti-inflamatórios não esteróides podem prevenir a pancreatite pós CPRE. Entre as principais drogas e vias de administração estudadas, a indometacina via retal parece ser a mais efetiva na prevenção de pancreatite em pacientes de alto e médio risco. Contudo, não está claro qual a população alvo ideal (estratificada por risco ou com uso de forma universal), ou qual o melhor momento da aplicação (antes ou após o procedimento).
Objetivo: Avaliar se a administração pré procedimento de indometacina retal em todos os pacientes é mais efetiva que seu uso pós procedimento em pacientes de alto risco, na prevenção de pancreatite pós CPRE.
Desenho do estudo: Multicêntrico, randomizado, controlado, envolvendo seis centros na China. Pacientes com papila nativa que iam ser submetidos a CPRE foram selecionados e distribuídos em dois grupos em proporção 1:1.
Entre Dezembro de 2013 e Setembro de 2015, 2600 pacientes foram selecionados.
- Grupo Indometacina pré exame universal: Dose simples de Indometacina 100 mg, retal, 30 min antes da CPRE, em todos os pacientes (n= 1297)
- Grupo Indometacina pós exame em risco estratificado: Dose simples de Indometacina 100 mg, imediatamente pós a CPRE, em pacientes estratificados como de alto risco (n= 1303)
Resultados
Ocorrência de pancreatite pós CPRE
- Em 47 (4%) dos 1297 pacientes no grupo em que a indometacina foi administrada de forma universal e em 100 (8%) dos 1303 pacientes no grupo indometacina com risco estratificado (risco relativo 0,47; 95% CI 0,34–0,66; p<0·0001).
- Em 18 (6%) dos 305 pacientes de alto risco no grupo indometacina universal e 35 (12%) dos 281 pacientes de alto risco no grupo de risco estratificado (p=0,0057).
- Menos frequente nos pacientes de risco intermediário no grupo indometacina universal (3% [29/992]), que no grupo de risco estratificado (6% [65/1022]), no qual a droga não foi administrada (p=0,0003).
Outros eventos além de pancreatite aconteceram em 41 pacientes no grupo indometacina universal (3%; dois casos graves) e em 48 pacientes do grupo de risco estratificado (4%; um grave). Não houve aumento significativo no risco de sangramento.
Foi evidenciado que o uso de indometacina pré procedimento em casos não selecionados, quando comparado com o grupo que administrou a droga pós procedimento em casos estratificados como de alto risco, reduziu a ocorrência de pancreatite pós CPRE sem aumentar o risco de sangramento. Os autores sugerem portanto, que esses dados favorecem o uso universal de indometacina pré CPRE na ausência de contra indicações a utilização da mesma.
Essa publicação trouxe grande contribuição a literatura existente, diante da boa amostra e desenho de estudo utilizados. Entre as intervenções propostas, o uso de indometacina de forma universal pré procedimento se apresenta como uma tática capaz de simplificar a abordagem farmacológica nesses pacientes, em comparação principalmente ao uso de indometacina após estratificação de risco (grupo que já havia sido muito bem descrito no importante trabalho publicado por Elmunzer e colegas no New England Journal of Medicine em 2012). Ajuda também, ao ampliar a discussão em relação relação a real capacidade de prevenção da indometacina na pancreatite pós CPRE, diante, por exemplo, dos achados de dois estudos recentes que não demonstraram benefício do uso de indometacina peri procedimento quando comparado a placebo (Levenick et al, 2016; Döbrönte et al, 2014). Novos estudos abordando o uso de indometacina são esperados. Possivelmente trabalhos que abordem amostras populacionais maiores, ajudando a fortalecer a evidência sobre o papel da droga na prevenção da pancreatite pós CPRE, qual o potencial risco de sangramento gastrointestinal e também esclarecendo quais os pacientes não se beneficiam do uso.
Artigo original :
Bibliografia :
- Elmunzer, J, Scheiman, JM, Lehman, GA et al. A randomized trial of rectal indomethacin to prevent post-ERCP pancreatitis. N Engl J Med. 2012; 366: 1414–1422
- Levenick, JM, Gordon, SR, Fadden, LL et al. Rectal indomethacin does not prevent post-ERCP pancreatitis in consecutive patients. Gastroenterol. 2016; 150: 911–917
- Döbrönte, Z, Szepes, Z, Izbéki, F et al. Is rectal indomethacin effective in preventing of post-endoscopic retrograde cholangiopancreatography pancreatitis?. World J Gastroenterol. 2014; 20: 10151–10157
Veja também :
Estratégia de CPRE precoce versus conduta conservadora em pacientes com pancreatite.
CPRE em pacientes com gastrectomia a BIllroth II.
Como realizar tatuagem endoscópica
A localização intraoperatória de lesões detectadas por métodos endoscópicos é sabidamente imprecisa quando se baseia somente em marcos anatômicos com até 14% dos tumores cólon, por exemplo, sendo identificados cirurgicamente em sítio diverso ao descrito na colonoscopia. Particularmente, a abordagem laparoscópica dificulta a identificação de lesões menores que poderiam ser palpadas em técnicas cirúrgicas abertas, levando em último caso, a não ressecção do segmento apropriado.
Uma outra situação que demanda adequada determinação do sítio de lesão, é o segmento endoscópico pós ressecção de lesões. Após a remoção, por exemplo, de uma lesão de cólon em mais de uma fragmento (“piecemeal”), para se assegurar da completa ressecção em exames de controle, se torna essencial saber a localização exata da lesão retirada.
Portanto, com intuito principal de localizar pré-operatoriamente uma lesão do trato gastrointestinal, ou mesmo definir uma área a ser acompanhada endoscopicamente, algumas técnicas foram desenvolvidas. Entre elas, a tatuagem endoscópica é a mais comumente utilizada e mais facilmente reprodutível e será detalhada no texto. Outras técnicas disponíveis podem ser citadas como:
- Medida de inserção: consiste na definição de quantos centímetros foram introduzidos do aparelho em tal órgão com base em algum ponto de referência (ex: arcada dentária superior, borda anal) com a finalidade de localizar melhor uma lesão. Pode ser utilizada em lesões de esôfago e de reto mas se mostra inadequada em lesões de outros órgãos pela formação de alças e imprecisão na medida.
- Referências anatômicas: pode ser útil em algumas situações específicas, como lesões de cárdia, ceco, válvula ileocecal. Em outros segmentos, principalmente quando consideramos o cólon, a determinação de lesões acaba apresentando-se bastante errática.
- Marcação com clipes metálicos: a aplicação de clipes metálicos na mucosa de qualquer localização do trato pode direcionar a localização intraoperatória com uso de radiografia e ultrassonografia. Uma grande desvantagem dessa técnica, é a imprecisão em relação ao período de fixação do clipe a mucosa, tendo o mesmo uma média de 10 dias, mas podendo variar de horas a anos. Caso ocorra uma queda precoce do clipe, o mesmo pode migrar para uma outra localização, causando transtorno da determinação do sítio de lesão.
- Localização intraoperatória: a utilização de endoscopia ou colonoscopia intraoperatória é uma boa forma de determinar o sítio da lesão, contudo a utilização de ar corrente pode levar a insuflação exagerada dos órgãos do trato gastrointestinal, levando a dificuldade técnica cirúrgica.
TATUAGEM ENDOSCÓPICA
Dentre todos os métodos, a tatuagem endoscópica se demonstra claramente como a principal técnica de marcação endoscópica de lesões. Cita-se como vantagens principais a facilidade de execução e a produção de uma marca que habitualmente é acessível ao cirurgião tanto em procedimentos laparoscópicos, quanto em técnicas cirúrgicas abertas. Para a realização da mesma, devem ser utilizados:
- Solução corante
Múltiplos corantes podem ser utilizados em endoscopia, contudo, em sua maioria, possuem altas taxas de absorção. Azul de metileno e índigo cármin, por exemplo, costumam ser absorvidas em até 24 h, não deixando marcas residuais. Dentre os corantes com maior durabilidade cita-se a tinta da India e a indocianina verde, sendo a tinta da India a mais comumente utilizada. A tinta da India consiste de uma solução de partículas de carbono e pode permanecer no tecido corado por tempo estimado de até 10 anos, permitindo a visualização de tumores marcados endoscopicamente em até 97% dos casos. Usualmente utilizada em soluções 1:50 – 1:100.
- Cateter injetor
Produto tradicionalmente disponível para a injeção de outras soluções como de adrenalina ou ethamolin. Introduzido pelo canal de trabalho do aparelho, tem calibre ideal entre 23 – 25 G, com ponta de 3 – 5 mm.
TÉCNICA DE TATUAGEM ENDOSCÓPICA
Após localização da área a ser tatuada, a agulha do cateter injetor é exposta e penetra a mucosa de forma angulada, de modo que a aplicação do conteúdo injetado acesse a submucosa. Quando da penetração de forma perpendicular, há maior chance da agulha atravessar completamente a parede do órgão e dispensar a solução injetada no peritônio.
Em relação ao modo de injeção, duas variações técnicas principais são propostas:
- Injeção direta
A tinta da índia é injetada diretamente no tecido em alíquotas de 0,5 – 1 ml
- Teste com solução salina
A técnica de teste com solução salina consiste da formação de uma bolha submucosa com 1 – 3 ml de solução salina previamente a injeção da tinta da índia, evitando assim, a penetração transmural da tinta. Após a injeção de cerca de 1 ml da tinta, 2 ml de solução salina é usada para dispensar o resíduo de tinta possivelmente retido no cateter. Quando comparada a técnica tradicional, o teste com solução salina parece ser mais efetiva, permitindo maior número de identificações intraoperatórias de lesões.
ONDE TATUAR
A realização da tatuagem, principalmente quando de fins pré-operatório, como comentado anteriormente, deve ser realizada em locais de difícil identificação cirúrgica. Lesões em válvula ileocecal, ceco, cólon ascendente proximal e em reto, de modo geral, não necessitam ser tatuadas.
Diversas são as técnicas propostas na literatura em relação ao número de tatuagens e sobre a marcação proximal, distal ou ambas em relação a lesão, principalmente no que se refere ao cólon. Como princípios essenciais utilizados na decisão da melhor forma de tatuar é importante salientar:
- Quanto mais circunferencial for a marcação, maior a chance de que se evite que a tatuagem se localize exclusivamente na borda mesentérica do órgão, o que portanto poderia levar a um difícil acesso cirúrgico.
- É essencial que o ponto de injeção se localize 2-3 cm distante a lesão para uma melhor definição de suas margens e evitando que a tatuagem junto ou abaixo da lesão provoque uma reação fibrótica, dificultando por exemplo, uma adequada remoção endoscópica posterior.
- Caso seja decidida pela tatuagem exclusivamente proximal ou distal ao sítio de lesão, é fundamental que isso fique bem claro na comunicação entre o endoscopista e equipe cirúrgica, evitando ressecções de segmentos inadequados.
Como sugerimos:
- Optar pela técnica com teste de solução salina e formação de bolha submucosa anterior a injeção da tinta
- Realizar a tatuagem em 2 – 3 pontos, atentando-se para a injeção de forma contra-lateral ou a cada 1/3 quando de tatuagens no cólon
- Tatuar cerca de 2 – 3 cm proximalmente e distalmente a lesão. Quando houver perspectiva de ressecção endoscópica, uma distância de até 5 cm da lesão deve ser respeitada.
- Evitar tatuagens muito próximas ou logo abaixo da lesão
SEGURANÇA DA TÉCNICA
Raras são as complicações descritas com a tatuagem endoscópica pela técnica de teste com solução salina. Entre as complicações descritas, principalmente com uso da técnica de injeção direta, cita-se:
- Formação de úlcera no sítio de injeção
- Abscessos
- Perfurações
- Necrose perivisceral e formação de pseudotumor inflamatório
É possível evitar boa parte das potenciais complicações utilizando-se sempre de tinta da índia estéril, realizando injeções em pequenas alíquotas e evitando injeções profundas.
Veja também: Vídeo sobre tatuagem endoscópica
Referências:
Pohl, J. Endoscopic Tattooing.Video Journal and Encyclopedia of GI Endoscopy , Volume 1 , Issue 2 , 355 – 356
ASGE Technology Committee, Kethu SR, Banerjee S, Desilets D, Diehl DL, Farraye FA, Kaul V, Kwon RS, Mamula P, Pedrosa MC, Rodriguez SA, Wong Kee Song LM, Tierney WM. Gastrointest Endosc. 2010 Oct;72(4):681-5.
Fu KI, Fujii T, Kato S, Sano Y, Koba I, Mera K, Saito H, Yoshino T, Sugito M, Yoshida S. A new endoscopic tattooing technique for identifying the location of colonic lesions during laparoscopic surgery: a comparison with the conventional technique. Endoscopy. 2001;33:687–691
Qual a sua suspeita diante dessa lesão identificada na ecoendoscopia?
Paciente de 42 anos, submetida a ecoendoscopia para avaliação de lesão cística pancreática identificada incidentalmente em exame de imagem. Observado a lesão abaixo demonstrada:
Tratamento endoscópico de varizes de fundo gástrico
O sangramento digestivo originado de varizes gástricas (VG) costuma ser menos frequente, contudo, com uma potencial maior gravidade do que o sangramento proveniente de varizes esofágicas.
Sabe-se que até 50% dos pacientes com doença crônica parenquimatosa do fígado podem apresentar VG. Entre os principais fatores de risco para o sangramento de VG estão:
- Localização de varizes gástricas (IGV1 > GOV2 > GOV1)
- Tamanho das varizes (grosso > médio > pequeno)
- Gravidade da disfunção hepática (Child C > B > A) ou MELD (Model for End-Stage Liver Disease) maior ou igual a 17
- Presença de sinais da cor vermelha na VG
- Carcinoma hepatocelular concomitante
- Presença de gastropatia hipertensiva portal
A classificação endoscópica mais utilizada no caso de varizes gástrica é a de Sarin que se baseia na localização das varizes no estômago e estuda a sua relação com as varizes esofagianas propondo 04 subtipos:
– Variz esofagogástrica (GOV) tipo 1 – associa a presença de varizes esofágicas com varizes gástricas seguindo pela pequena curvatura
– Variz esofagogástrica (GOV) tipo 2 – associa a presença de varizes esofágicas com varizes gástricas seguindo pelo fundo gástrico
– Variz gástrica isolada (IGV) tipo 1 – varizes de fundo gástrico isoladas
– Variz gástrica isolada (IGV) tipo 2 – varizes gástricas ectópicas ou na primeira parte do duodeno
Sabe-se que cerca de 70% das VG são representadas pelo subtipo GOV 1.
Tratamento endoscópico de varizes gástricas
Entre as modalidades endoscópicas disponíveis no tratamento de VG sangrantes podemos citar:
- Escleroterapia de VG
Apesar de ser uma técnica potencialmente efetiva, costuma requerer alto volume de injeção de solução esclerosante com maiores taxas de complicação e menos sucesso técnico. As taxas de controle de sangramento relatadas com essa técnica variam entre 60 – 100% dos casos, mas com taxas variáveis de ressangramento, podendo alcançar até 90%, principalmente nos casos de GOV 2 e IGV 1. A escleroterapia portanto é uma técnica que pode ser útil no sangramento principalmente de GOV 1. As soluções usualmente utilizadas são as mesmas para varizes esofagianas, entre eles cita-se principalmente o oleato de etanolamina
- Obturação (ou obliteração) de VG com cola:
É uma técnica que se utiliza de adesivos tissulares (N-butil-2-cianoacrilato ou 2-octil-cianoacrilato) que se polimerizam rapidamente em contato com os tecidos, com a finalidade de preencher o lúmen da variz e extinguir seu fluxo. Atualmente é a principal técnica utilizada atingindo hemostasia adequada em mais de 90% dos casos. A seguir uma breve descrição da técnica de sua aplicação.
Cuidados técnicos:
– Utilizar proteção ocular durante a preparação e injeção
– Utilizar aparelho endoscópio de visão frontal lubrificando sua estrutura externa distal com silicone ou lipiodol, prevenindo a adesão do cianoacrilato ao aparelho
– Inserir também no canal de trabalho do aparelho soluções lubrificantes como silicone para facilitar a inserção do cateter e evitar adesão potencial do cianoacrilato
– Evitar realizar sucção de secreções durante o procedimento (evita possível sucção acidental de cianoacrilato extravasado)
– Utilizar cateter injetor pré escovado com solução salina
– Preparar o adesivo tissular a ser injetado em solução habitual de 1:1 de cianoacrilato e lipiodol
– Após a punção da variz injetar a solução de cianoacrilato e seguir com a injeção de solução salina para total remoção do adesivo tissualr de dentro do cateter e inserção no lúmen do vaso
– Quando retirar a agulha do interior do vaso (atentar para realizar isso de forma ágil após a injeção para evitar impactação do cateter ao adesivo tissular dispensado no vaso), realizar nova injeção de solução salina para lavagem completa do cateter do lúmen gástrico
– Logo que a injeção for completa e a hemostasia atingida, retirar o aparelho com a agulha recolhida e o cateter no seu interior. Com o aparelho removido do paciente, expõe-se o cateter e corta-se a sua ponta, evitando o contato do cianoacrilato residual do cateter com o canal de trabalho.
– Limpar a ponta do aparelho com silicone e atentar para uma lavagem adequado dos canais de trabalho
Algumas complicações são descritas com o uso do cianoacrilato, principalmente as relacionadas a embolização da cola aplicada. O lipiodol atua nesse contexto como marcador radiológico permitindo observar-se através de radiografia convencional a permanência da solução de cianoacrilato em posição adequada ou, quando de embolizações, em localizações anômalas.
Variz de fundo com sangramento
Injeção de cianoacrilato
- Ligadura com banda elástica
A utilização de ligadura elástica é um método bem estabelecido no tratamento e prevenção de sangramento de varizes de esôfago e tem uso também descrito em varizes gástricas com resultados conflitantes devido a altas taxas de ressangramento em algumas séries. Melhores resultados tem sido descritos com o seu uso de sangramento de subtipos GOV 1, contudo não deve ser utilizada como primeira escolha no tratamento de varizes gástricas, principalmente as de maior calibre.
- Terapia endoscópica combinada (cianoacrilato e molas)
Nos últimos anos temos visto o surgimento de uma interessante discussão no uso de molas associado ou não ao cianoacrilato com ótimos resultados. Série recente publicado apontou um sucesso técnico de 99% com uso dessa técnica e com taxa de obliteração completa em controle precoce por ecoendoscopia de 93%. Os resultados são animadores.
Seguimento:
Conforme consenso de Baveno VI, após a realização de tratamento de uma variz gástrica sangrante, uma reavaliação da patência da mesma com continuação de profilaxia secundária endoscópica é recomendada no período compreendido entre 2 a 4 semanas. Entre outras opções o paciente também pode ser manejado com uso de betabloqueadores e mesmo com shunt iuntrahepático portosistêmico transjugular (TIPS)
Profilaxia primária:
Embora trabalho recente tenha apontado benefício do cianoacrilato na profilaxia primária de pacientes com GOV 2 e IGV 1 de grosso calibre, quando comparado ao uso de betabloqueadores, ainda não há na literatura uma recomendação formal para tal conduta.
Considerações finais:
Conforme os dados apresentado e seguindo a recomendação atual do Baveno no que concerne as varizes gástricas pode-se concluir:
- GOV 1 é a variz gástrica mais comum e pode ser abordada de diferentes formas com bons resultados no controle do sangramento. BavenoVI:Ligadura elástica ou adesivo tissular são recomendados para hemorragia digestiva por variz gástrica GOV-1 (5;D).
- Varizes tipo GOV 2 e IGV possuem outras opções terapêutica contudo o adesivo tissular consiste na terapêutica com melhor benefício evidente . Baveno VI: Em caso de varizes gástricas GOV-2 (5;D) e variz gástrica isolada (IGV) (1b;A), a primeira escolha é o adesivo tissular N-butil-cianoacrilato.
- A terapêutica ecoguiada com uso de molas associadas ao cianoacrilato parece ser uma técnica promissora com alto sucesso clínico e baixas taxas de complicação.
Referências:
de Franchis R; Baveno VI Faculty. Expanding consensus in portal hypertension: Report of the Baveno VI Consensus Workshop: Stratifying risk and individualizing care for portal hypertension. J Hepatol. 2015 Sep;63(3):743-52. doi: 10.1016/j.jhep.2015.05.022
Sarin S.K., Lahoti D., Saxena S.P., et al: Prevalence, classification and natural history of gastric varices: a long-term follow-up study in 568 portal hypertension patients. Hepatology 1992; 16: pp. 1343-1349
Bhat YM, Weilert FF, Fredrick RT, Kane SD, Shah JN, Hamerski CM, Binmoeller KF. EUS-guided treatment of gastric fundal varices with combined injection of coils and cyanoacrylate glue: a large U.S. experience over 6 years (with video). Gastrointest Endosc. 2015 Oct 6. pii: S0016-5107(15)02955-7
S.R. Mishra, B.C. Sharma, A. Kumar, et al. Primary prophylaxis of gastric variceal bleeding comparing cyanoacrylate injection and beta-blockers: a randomized controlled trial. J Hepatol, 54 (2011), pp. 1161–1167
Veja também:
Classificação de Sarin para varizes gástricas
HDA: guia resumido de condutas desde admissão à alta hospitalar