Mucosa gástrica ectópica em esôfago proximal
Muitas vezes nos deparamos com ectopia de mucosa gástrica no esôfago proximal, especialmente durante a retirada cuidadosa do aparelho. Apesar da certa irrelevância desse achado na nossa rotina (que muitas vezes nem é descrito no laudo), alguns autores atribuem a esta condição, sintomas extraesofágicos do RGE como globus, pigarro ou rouquidão .
Neste post revisaremos brevemente do que se trata esse epitélio e lançaremos uma pequena polêmica a respeito do assunto.
Para fazer esta revisão, me baseei principalmente no artigo publicado em dez 2016 na GIE por Meining A. e Bajbouj M.: link aqui
Apresentação
- Mucosa Gástrica Ectópica (MGE) são ilhas de epitélio colunar gástrico heterotópico no esôfago proximal (cervical), com prevalência estimada de 1-12%
- A apresentação histológica pode variar. Na maioria dos casos, a MGE assemelha-se a mucosa do tipo cárdico, sendo menos comum a mucosa oxíntica do corpo. Ou seja, na maioria dos casos essa mucosa secreta muco, mas não secreta ácido.
- Existe mais de uma teoria para explicar sua etiologia. A mais aceita é relacionada com processo embrionário, visto que na 4a semana de gestação, o estômago está localizado na região cervical. Outras teorias sugerem origem de células pluripotenciais nesta região, ou ainda cistos de retenção esofágicos que eclodem e se transformam em epitélio colunar.
- Interessante que existe uma correlação entre MGE e Esôfago de Barrett.
Mucosa gástrica ectópica tem algum significado clínico?
Visto que até 10% das pessoas são portadoras de MGE, fica claro que a grande maioria dos portadores não apresentam sintomas.
No entanto, alguns pacientes com epitélio produtor de ácido podem apresentar erosões, ulcerações e até mesmo estenose local.
A grande questão é se a MGE pode ou não estar relacionada com sintomas como globus, bolo na garganta, tosse crônica, rouquidão, odinofagia ou laringite, visto que esses sintomas geralmente são atribuídos a manifestações extraesofágicas da DRGE.
A investigação de globus portanto, fica mais complicada:
- Manifestação não somática (distúrbio de ansiedade, etc)?
- DRGE?
- Mucosa gástrica ectópica?
Nesse caso, não apenas os pacientes com epitélio secretor apresentariam o sintoma, mas aqueles produtores de muco também poderiam cursar com sensação de globus ou pigarro na garganta. Nesses casos, IBP seriam ineficazes e a melhor abordagem seria ablação deste epitélio (!!!?).
Que casos deveriam ser tratados?
Em um artigo publicado na GIE de dezembro 2016, Dunn et al trataram 10 pacientes portadores de MGE que apresentavam sintomas como globus ou dor. Após média de 2 sessões de radiofrequência, 8 pacientes tiveram remissão completa deste epitélio, dos quais 7 relataram resolução completa dos sintomas.
Embora o número de pacientes tratados neste estudo tenha sido pequeno, os achados estão alinhados com outros relatos mostrando que pacientes com sintomas orofaríngeos e MGE talvez se beneficiem da ablação endoscópica:
Estudo | N Pacientes | Follow-up (m) | Método | Resposta |
Dunn et al |
10 |
14 | RFA | 9/10 |
Di Nardo et al |
12 |
36 | APC | 12/12 |
Frieling et al |
14 |
1 | APC |
8/11 |
Klare et al |
31 |
27 | APC | 23/31 |
Bajbouj et al |
17 | 17 | APC |
13/17 |
Meining et al |
10 |
2 | APC | 10/10 |
Alberty et al |
5 | 3 | APC |
5/5 |
Todos |
99 |
80/99 (80.8%) |
Vale ressaltar, que os pacientes incluídos nestes estudos foram submetidos a terapia endoscópica somente após falha de outros métodos como psicoterapia, IBP, procinéticos, medidas comportamentais, etc, e dentro de protocolo institucionais bem estabelecidos.
Outro aspecto importante é que, apesar de não haver descrição de complicações nestes estudos, a aplicação de argônio no esôfago pode levar ao risco de estenose. Nesse sentido, a radiofrequência e o cateter híbrido de argônio (Hybrid-APC, Wilson-Cook) apresentam vantagens em relação ao argônio tradicional.
Seria interessante agora uma discussão sobre como encaramos esse achado na nossa rotina:
- Ignora completamente?
- Documenta somente na foto?
- Descreve no corpo do laudo?
- Descreve na conclusão?
- Depende do caso?
Na minha rotina costumo fotografar e descrever no corpo do laudo, especialmente em pacientes com sintomas extraesofágicos como globus faríngeo. Ou seja: não concluo e nem descrevo em todos os casos.
Referências:
Meining A, Bajbouj M. Gastric inlet patches in the cervical esophagus: what they are, what they cause, and how they can be treated. Gastrointest Endosc. 2016 Dec;84(6):1027-1029.
Dunn JM, Sui G, Anggiansah A, et al. Radiofrequency ablation of symptomatic cervical inlet patch using a through-the-scope device: a pilot study. Gastrointest Endosc 2016;84:1022-6.
Síndrome de Mirizzi
Em 1948, o cirurgião argentino Pablo L. Mirizzi descreveu um paciente com obstrução parcial do hepatocolédoco secundário a cálculo biliar impactado no infundíbulo da vesícula biliar associado à resposta inflamatória envolvendo o ducto cístico e o ducto hepático comum. Essa apresentação tornou-se conhecida como Síndrome de Mirizzi (SM).
Inicialmente, Mirizzi caracterizou a síndrome por associação dos seguintes fatores: ducto cístico com trajeto paralelo ao ducto hepático comum, cálculos impactados no ducto cístico ou no infundíbulo da vesícula biliar, obstrução mecânica do ducto hepático comum por cálculos ou secundário à inflamação, icterícia contínua ou intermitente e colangite recorrente.
Atualmente, ela compreende um espectro de apresentações que variam desde a compressão extrínseca do hepatocolédoco até a presença de fístula colecistobiliar.
É uma complicação relativamente rara, ocorrendo em 0,05% – 3,95% dos pacientes com colelitíase.
Possui maior prevalência em mulheres com idade entre 21 e 90 anos, provavelmente um reflexo da preponderância de litíase biliar nesse grupo.
Quadro clínico e laboratorial
O quadro clínico-laboratorial da SM não é específico. Na anamnese, normalmente o paciente relata colelitíase de longa data, episódios de icterícia obstrutiva e passado de colecistite aguda e/ou colangite.
Os sinais e sintomas referidos geralmente incluem:
- dor abdominal em hipocôndrio direito e/ou epigástrio;
- icterícia;
- náuseas e vômitos;
- colúria;
- febre.
Quanto aos exames laboratoriais, as transaminases costumam estar elevadas, bem como a bilirrubina direta, a fosfatase alcalina e a gama- GT.
Cerca de 80% dos pacientes com SM apresentam icterícia, dor abdominal e alterações das provas de função hepática.
Exames de imagem
A ultrassonografia e a tomografia computadorizada de abdome podem sugerir o diagnóstico de SM ao revelar cálculo(s) fixo(s) na área do infundíbulo, próximo à junção do ducto cístico com o hepático comum, e dilatação das vias biliares acima do local da compressão.
A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) também pode revelar compressão ou estreitamento do hepatocolédoco.
A ecoendoscopia no diagnóstico da coledocolitíase, independentemente do tamanho do cálculo ou do diâmetro coledociano, é um teste diagnóstico mais acurado do que a CPRE para a detecção de cálculo na via biliar principal.
Para o diagnóstico da SM, a ecoendoscopia apresenta uma sensibilidade de 97% e especificidade de 100%.
A colangioressonância pode demonstrar com precisão a presença de dilatação biliar, o grau de obstrução, a localização intra ou extraluminal dos cálculos, podendo revelar ainda alterações anatômicas, como fístulas e malformações.
Classificação
A síndrome de Mirizzi, que antes era classificada em apenas quatro tipos, atualmente, inclui mais um, o tipo V, que compreende a fístula colecistoentérica.
Os tipos são:
I) compressão extrínseca do ducto hepacolédoco por cálculo no infundíbulo da vesícula ou no ducto cístico;
II) presença de fístula colecistobiliar com erosão de diâmetro inferior a 1/3 da circunferência do ducto hepacolédoco;
III) presença de fístula colecistobiliar com diâmetro superior a 2/3 da circunferência do ducto hepacolédoco;
IV) presença de fístula colecistobiliar que envolve toda a circunferência do ducto hepacolédoco;
V) qualquer tipo, mais fístula colecistoentérica (Va: sem íleo biliar e Vb: com íleo biliar).
Tratamento
Os casos de Mirizzi tipo I, ou seja, sem fístula colecistobiliar, podem ser tratados pela colecistectomia clássica. Porém, em casos de extenso processo inflamatório, a colecistectomia subtotal com remoção dos cálculos pode ser mais adequada.
Mirizzi II/III (fístula colecistobiliar): abordagem dos pacientes com fístula colecistobiliar envolve colecistectomia subtotal fundo-cística. A vesícula biliar deve ser removida deixando um remanescente de parede medindo cerca de 5-10 mm ao redor da fístula colecistobiliar, a fim de permitir a coledocoplastia do ducto biliar destruído. A exploração do colédoco deve ser sempre realizada usando uma incisão distal à fístula e protegida por um tubo Kehr.
No tipo IV, devido à extensa destruição da via biliar, o tratamento consiste em anastomose bilioenterica.
No tipo V, deve ser realizada a sutura da víscera acometida.
A CPRE e a colangioscopia podem ser realizadas também como técnicas alternativas de tratamento em pacientes sem condições cirúrgicas.
Como citar este artigo
Ruiz RF, Martins B. Síndrome de Mirizzi. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/mirizzi/
Referências
- Safioleas M, et al. Mirizzi Syndrome: an unexpected problem of cholelithiasis. Our experience with 27 cases International Seminars in Surgical Oncology 2008;5:12.
- Waisberg J, et al. Benign Obstruction of the common hepatic duct (Mirizzi Syndrome): diagnosis and operative management. Arq Gastroenterol 2005;42(1).
- Beltran MA, Csendes A, Cruces Ks. The Relationship of Mirizzi Syndrome and Cholecystoenteric Fistula: Validation of a Modified Classification. World J Surg 2008; 32:2237-2243.
- Fonseca Neto OCL, Pedrosa MGL, Miranda Al. Surgical management of Mirizzi syndrome. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2008;21(2):51-4.
- Machado MAC, et al. Colecistectomia Videolaparoscópica em paciente com Síndrome de Mirizzi. Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo 1997;52(6):324-327.
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Hiperinsuflação espontânea de balão intragástrico
Paciente 35 anos, IMC 32, submetida a colocação de balão intragástrico há 6 semanas.
Procedimento de implante: SF 500 ml + 20 ml de azul de metileno.
Apresentou boa evolução após o procedimento, com progressão habitual da dieta e perda de 8 kg no período.
Há 1 semana iniciou quadro de dor em região lombar, sem relação com a posição ou movimentação, associada a náuseas, empachamento, desconforto abdominal e alguns episódios de vômitos.
Ao EF chamava atenção uma região endurecida à palpação de epigástrio/ HCE (Balão?).
Exames laboratoriais:
- Amilase: 356; Lipase:1330
- Na 142; K 3,7
- Hb 13,7; Leuco 10.500
- U 38; Cr 0,9
Solicitado RX de abdômen:
Realizada endoscopia digestiva alta com anestesia geral:
Presença de resíduos alimentares em pequena quantidade. BIG apresentava colonização fúngica em sua superfície, dificultando a visualização do nível hidroaéreo. Chamou atenção o volume relativamente normal do BIG. Esperava encontrar o balão bem volumoso, dificultando inclusive a passagem do aparelho para o antro, mas isso não aconteceu. A incisura estava achatada, comprimindo o antro, devido impactação no corpo distal. Era possível sua mobilização para o fundo, porém em poucos segundos ele retornava para sua posição habitual.
Realizada retirada do BIG sem intercorrências.
Evolução
Paciente permaneceu internada e repetiu exames laboratoriais no dia seguinte, apresentando normalização das enzimas pancreáticas. Bilirrubinas e enzimas hepáticas sem anormalidades. USG de abdomen apresentou microcálculos em vesícula biliar, sem dilatação do colédoco.
Apresentou melhora da dor, aceitando bem dieta leve e recebeu alta hospitalar.
Fisiopatologia
O mecanismo de hiperinsuflação espontânea do balão intragástrico ainda é desconhecido. Os dados na literatura são escassos e não permitem uma conclusão. Uma hipótese é que exista alguma relação com infecção por fungos ou bactérias anaeróbias. No entanto, não há uma explicação plausível para essa colonização:
- durante o procedimento de inserção do BIG (por contaminação do líquido)?
- defeito da válvula?
- porosidade do material?
- alguma condição intrínseca ao paciente?
A hiperamilasemia transitória provavelmente ocorre devido compressão do balão no corpo do pâncreas, especialmente no ponto em que este cruza com a coluna dorsal.
E você? Já teve algum caso semelhante? Como foi a evolução?
Classificação das neoplasias colorretais precoces segundo Workshop de Paris
Em 2002, um grupo internacional de endoscopistas, cirurgiões e patologistas se reuniram em Paris para discutir a utilidade e a relevância clínica da classificação endoscópica Japonesa de neoplasias superficiais do trato GI.
Desde então, a classificação de Paris tem sido adotada mundialmente como a classificação padrão-ouro para a descrição macroscópica das lesões do TGI.
Neste post, vamos resumir brevemente como aplicar a classificação de Paris para as lesões colorretais precoces.
Modelos do crescimento do tumor durante o desenvolvimento da neoplasia colorretal:
A progressão ocorre em 4 modelos distintos:
- como uma lesão de projeção polipoide, sentido ascendente
- como uma lesão não polipoide, crescendo para para baixo na profundidade da parede
- como uma lesão não polipoide que permanece plana ou plano-elevada
- como uma LST (lateral spreading tumor)
No esôfago, estômago e no cólon, o termo superficial foi adotado para descrever as lesões cuja aparência endoscópica sugiram uma lesão neoplásica não invasiva (displasia/adenoma) ou uma neoplasia invasiva confinada a mucosa/submucosa (T1).
Importante não confundir os termos neoplasia invasiva, com neoplasia avançada:
- As neoplasias avançadas são aquelas que invadem a camada muscular própria (T2).
- As lesões invasivas são aquelas que as células mitóticas extrapolam a região do epitélio glandular e começam a invadir a lâmina própria (T1a), muscular da mucosa e a submucosa (T1b).
Isso quer dizer que uma lesão pode ser invasiva e mesmo assim ser precoce (T1).
O termo “tipo 0” foi adotado para diferenciar as lesões superficiais das lesões avançadas descritas por Bormann (tipo 1-4).
CLASSIFICAÇÃO DE PARIS
O tipo 0 da classificação de Paris pode ser subdividido em POLIPOIDES vs NÃO POLIPOIDES (vide figura)
Especialmente no cólon, a subdivisão das lesões não polipoides entre lesões planas (0-IIa e 0-IIb) vs lesões deprimidas (0-IIc) tem um significado clínico extremamente importante, com implicação na conduta, visto que as lesões deprimidas carregam um risco muito maior de invasão da submucosa do que as lesões planas (vide abaixo).
TIPO Is
Nas lesões tipo I, a altura da lesão é maior do que a altura da pinça de biópsia fechada (2.5mm). As lesões podem ser sésseis Is (como na figura apresentada) ou pediculadas (Ip). O consenso de Paris não proíbe, mas desencoraja o termo subpediculado (Isp), visto que essas lesões são normalmente tratadas como lesões sésseis. m, mucosa; mm, muscularis mucosae; sm, submucosa
TIPO II
Nas lesões tipo II, a altura da lesão é menor do que a altura da pinça de biópsia fechada (2.5mm). Podem ser subdivididas em elevadas (IIa), completamente planas (IIb) e deprimidas (IIc). As lesões IIa e IIb são relativamente estáveis, com evolução lenta mas podem progredir para lesões polipoides ou para LST. As lesões deprimidas tem comportamento distinto (veja a seguir). m, mucosa; mm, muscularis mucosae; sm, submucosa
TIPO III
As lesões escavadas (ulceradas) são praticamente inexistentes no cólon.
LESÕES DEPRIMIDAS E TIPOS MISTOS
“No cólon, lesões tipo IIc, mesmo que de pequeno diâmetro, estão geralmente em um estágio mais avançado de neoplasia, com invasões mais profundas do que todos os outros tipos”
Esta frase está entre aspas pois foi traduzida exatamente como no texto do consenso de Paris, e é autoexplicativa.
Conforme o crescimento em profundidades das lesões deprimidas, sua superfície começa a se elevar, bem como suas bordas, evoluindo para os tipos mistos (IIc + IIa e então IIa + IIc). Segue mais um trecho do consenso de Paris:
“As a rule, type IIa + IIc lesions have a poorer prognosis, with a risk of large invasion in the submucosa than all other types of lesions”
Esse conceito é muito importante compreender, pois é muito comum o emprego da classificação IIa + IIc em lesões relativamente mais “inocentes” do tipo IIa.
Muitos argumentam: “mas existe uma pequena depressão no centro da lesão”. Existe mesmo. Mas infelizmente a classificação não é perfeita. Alguns endoscopistas orientais utilizam o termo IIa + dep (abrev de deprimido). Nesse caso, a lesão deveria ser classificada como IIa. Daí a importância do olho treinado do endoscopista. Veja abaixo o exemplo de uma lesão tipo IIa+IIc:
Em resumo, a mensagem mais importante desta classificação é saber diferenciar entre lesões polipoides x lesões não polipoides x lesões deprimidas, pois isso tem grande implicação clínica como descrito no tópico a seguir.
Importância da Classificação
Apesar de muitos endoscopistas criticarem as classificações Japonesa e de Paris, alegando que não passa de um exercício de botânica, existe uma correlação importante entre a forma da lesão e o risco de abrigar lesões mais avançadas, com invasão de submucosa.
A tabela abaixo resume a experiência de dois serviços de referência no Japão, demonstrando um risco muito elevado de invasão da submucosa em lesões tipo IIc tão pequena quanto 6-10 mm (44%!!!)
Referências:
- O consenso de Paris pode ser acessado pelo site da WEO: http://www.worldendo.org/wp-content/uploads/2016/03/ParisClassification2000.pdf
- Nonpolypoid neoplastic lesions of the colorectal mucosa. Kudo SE, et al. Gastrointest Endosc. 2008 Oct;68(4 Suppl):S3-47.
Como citar esse artigo
Martins BC. Classificação das neoplasias colorretais precoces segundo Workshop de Paris. Em Endoscopia Terapêutica, 2017, vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/classificacao-das-neoplasias-colorretais-precoces-segundo-workshop-de-paris
Alergia a Contraste em CPRE
Contrastes iodados são fundamentais para uma boa qualidade de imagem na CPRE. No entanto, é muito comum recebermos pacientes com antecedente de reação alérgica a contraste iodado em procedimentos radiológicos (ex: tomografia computadorizada). Por outro lado, a ocorrência de reação alérgica em pacientes submetidos a CPRE é extremamente rara.
Qual o risco de reação alérgica ao contraste iodado na CPRE?
O que fazer em casos de antecedente de reação alérgica?
Vários estudos já confirmaram que ocorre absorção sistêmica de contraste após a CPRE. A concentração sérica de iodo após CPRE pode aumentar até 90 x, o que corresponde a cerca de 1% da elevação observada com administração endovenosa em procedimentos radiológicos e cerca de 0.6% da observada durante uma coronariografia.
Felizmente, a ocorrência de reação adversa em CPRE é extremamente rara:
- Bilbao et al reportaram 3 reações adversas manifestadas como eritema e rash, em 8.681 CPREs;
- Sable et al não encontraram manifestações alérgicas pós CPRE, apesar de antecedente de hipersensibilidade intravascular em 2 pacientes;
- Draganov e col realizaram estudo prospectivo envolvendo 601 pacientes submetidos a CPRE com contraste hiperosmolar. Destes, 80 tinham antecedente de reação alérgica (39 leve, 21 moderada e 20 grave). Nenhum paciente recebeu profilaxia e não houve relato de manifestações alérgicas em nenhum destes pacientes.
A pancreatografia parece estar associada a maior absorção sistêmica de iodo do que a colangiografia.
Tipos de Contraste
Contrastes iodados são ácidos benzoicos hidrofílicos, com baixa afinidade por proteínas e baixa solubilidade aos lipídeos.
Podem ser divididos em iônicos (geralmente são de alta osmolaridade) e não iônicos (baixa osmolaridade)
- Alta osmolaridade: custo menor
- Baixa osmolaridade: menor chance de reações adversas.
- Qualidade de imagem: semelhante
A qualidade de imagem dos meios iônicos e não iônicos são muito semelhantes. A diluição do agente com água diminui sua atenuação. Em geral, prefere-se o contraste um pouco diluído para o diagnóstico de cálculos em colédoco dilatado. Para estudo de estenoses e do pâncreas, preferimos utilizar contraste puro.
Obs: o Gadolíneo é um agente não iodado usado em radiologia para casos com antecedente de reações graves ao agentes iodados. Seu uso já foi descrito em colangiografia. No entanto, o custo é mais elevado, a apresentação do frasco é de 15-20 ml e a atenuação é menor do que os contrastes iodados.
Reações Alérgicas
Muito do que se sabemos sobre reações alérgicas a contraste são conhecimentos dos estudos de radiologia.
A incidência de reações adversas com contraste hiperosmolar é de 5-12%, com os de baixa osmolaridade 1-3% e com gadolínio é de 0.07-2.4%.
Existem 2 tipos principais de reações adversas:
-
Anafilactoide (idiossincráticas)
- São as verdadeiras alergias. Não dependem nem da dose, nem da velocidade de infusão.
- Maioria ocorre dentro de 5 minutos da administração.
- Patogênese pouco compreendida. Acredita-se que não seja mediada por IgE (como as verdadeiras reações anafiláticas) .
- Mecanismo mais importante envolve liberação de histamina de basófilos e eosinófilos
- Liberação de compostos vasoativos provocando hipotensão
- Administração prévia de corticoides e anti-histamínicos pode diminuir sua incidência, porém uma pequena fração dos pacientes pode ter uma verdadeira anafilaxia mediada por IgE
- Sintomas incluem urticária, prurido, edema cutâneo, coceira na garganta, congestão nasal, podendo em casos graves evoluir para edema de laringe, broncoespasmo e choque anafilático (ver tabela)
2. Não anafilactoide (quimiotóxica)
- Também chamadas de reações fisiológicas, são causadas pela propriedades químicas dos meios de contraste e são dependentes da dose e da velocidade de infusão.
- As características iônicas dos meios de contraste provocam alterações de sinalização neuronal e cardíaca, ao passo que sua osmolaridade interfere no balanço de fluidos.
- Sintomas incluem: náusea, cefaleia, flush, hipertensão, tontura, calafrio, ansiedade, alterações no gosto (altered taste), sintomas vago-vagais e nefrotoxicidade.
- Casos graves podem cursar com arritmia, convulsão e emergência hipertensiva.
- Geralmente são autolimitadas e não necessita tratamento específico. Tampouco são preveníveis com administração de esteroides.
- Visto ser dose-dependente e visto a absorção sistêmica pós-CPRE ser muito baixa, não deve ser uma preocupação nos pacientes submetidos a CPRE.
Quanto a gravidade, podem ser classificadas em:
- Leve: autolimitada, sem progressão
- Moderada: mais difusas e geralmente necessitam intervenção medicamentosa
- Intensa: risco de morte
Reação leve | Reação moderada | Reação intensa |
Urticaria/prurido limitado
Edema cutâneo limitado Garganta “arranhando” Congestão nasal Espirro |
Urticaria difusa
Eritema difuso sem hipotensão. Edema facial sem dificuldade respiratória Sensação de aperto na garganta, mas sem dificuldade respiratória Broncoespasmo com leve dispneia |
Edema difuso ou edema facial
Eritema difuso com hipotensão Edema de laringe com estridor e/ou hipóxia Broncoespasmo com hipóxia Choque anafilático |
Prevenção:
A administração profilática de corticoides e anti-histamínicos tem se mostrado eficaz na redução das manifestações alérgicas aos meios de contraste. No entanto, o efeito destes medicamentos se administrados em menos de 4-6h antes do procedimento é insignificante.
Esquema mais utilizado entre os radiologistas é a seguinte associação:
Prednisona: 50 mg VO 13h, 7h e 1h antes da injeção de contraste
+
Difenidramina: 50 mg VO, EV ou IM 1 h antes
Recomendações da ASGE
As evidências de segurança provenientes dos estudos do uso endovascular na radiologia não podem ser extrapolados para a endoscopia, visto a baixa incidência de reações adversas, especialmente de reações graves na CPRE.
Não há evidência na literatura para recomendar contrastes não iônicos como método de prevenção de complicações em CPRE (existe evidência para o uso EV, mas não existe esta comprovação para colangiografia).
Em pacientes considerads de alto risco (reação anafilactoide grave com contraste EV) pré-medicações ou substituição do meio de contraste podem ser considerados uma opção, baseado em considerações teóricas.
Você já teve algum problema com reação alérgica em CPRE? Qual agente de contraste tem utilizado no seu serviço? Como conduz os casos com antecedente de reação alérgica a contraste?
.
Referências:
1: Rose TA Jr, Choi JW. Intravenous Imaging Contrast Media Complications: The Basics That Every Clinician Needs to Know. Am J Med. 2015 Sep;128(9):943-9.
2: Pan JJ, Draganov PV. Adverse reactions to iodinated contrast media administered at the time of endoscopic retrograde cholangiopancreatography (ERCP). Inflamm Allergy Drug Targets. 2009 Mar;8(1):17-20.
3: Mishkin D, Carpenter S, Croffie J, Chuttani R, DiSario J, Hussain N, Liu J, Somogyi L, Tierney W, Petersen BT; Technology Assessment Committee, American Society for Gastrointestinal Endoscopy.. ASGE Technology Status Evaluation Report: radiographic contrast media used in ERCP. Gastrointest Endosc. 2005 Oct;62(4):480-4.
4: Bilbao MK, Dotter CT, Lee TG, Katon RM. Complications of endoscopic retrograde cholangiopancreatography (ERCP). A study of 10,000 cases. Gastroenterology. 1976 Mar;70(3):314-20.
5: Sable RA, Rosenthal WS, Siegel J, Ho R, Jankowski RH. Absorption of contrast medium during ERCP. Dig Dis Sci. 1983 Sep;28(9):801-6.
QUIZ! Qualidade em Colonoscopia
ARTIGO COMENTADO – HEMOSPRAY no tratamento do sangramento gastrointestinal
O HemosprayTM é um novo pó hemostático desenvolvido para uso endoscópico.
É composto de partículas não orgânicas, biologicamente inertes, que se tornam aderentes e coesas quando entram em contato com a umidade do TGI. Funciona portanto, como uma barreira hemostática mecânica.
Para que ocorra a ação eficaz do Hemospray, é necessário que haja sangramento ativo. Ele não estaria indicado, por exemplo, em casos de úlceras Forrest IIa, IIb ou IIc.
Algumas séries de casos já haviam descrito bons resultados com o uso deste produto. Este artigo canadense publicado na Endoscopy em 2015, resume a maior experiência clínica até então com o uso do Hemospray.
Link para o artigo original: Hemostatic powder TC-325 in the management of upper and lower gastrointestinal bleeding: a two-year experience at a single institution. Chen YI, Barkun A, Nolan S. Endoscopy. 2015 Feb;47(2):167-71.
Métodos
Análise retrospectiva dos pacientes submetidos a tratamento com Hemospray entre 2011 e 2013 na Universidade de McGill (Canada).
Indicações
- HDA não varicosa não maligna
- HDA por doença maligna
- HDB
- Sangramento intra-procedimento
Resultados
- 67 aplicações de Hemospray em 60 pacientes
- Hemostasia imediata com sucesso em 66 aplicações (98.5%)
- Ressangramento precoce em 6 (9.5%) e tardio em 9 (14.3%)
- Não houve complicações relacionadas ao uso do pó hemostático.
Resultados em pacientes com HDA não varicosa não maligna
- 21 pacientes
- Hemostasia inicial com sucesso em 20 pacientes.
- Hemostasia não foi possível em um paciente com sangramento oriundo de úlcera de anastomose gastrojejunal, que apresentava grande quantidade de sangue e coágulos no estômago (hemostasia obtida com aplicação de 3 hemoclipes)
- Ressangramento precoce em 5 casos e tardio em 3
- Endoscopia de controle (second-look) foi realizada em 9 pacientes:
- Três apresentavam leve sangramento em porejamento:
- 1 com úlcera da anastomose (recebeu segunda aplicação de Hemospray),
- 1 devido a angioectasia (tratado com cateter multipolar),
- 1 devido a lesão de Dieulafoy (tratado com clipes + epinefrina).
- Três apresentavam leve sangramento em porejamento:
- Interessante notar que nestes 9 pacientes submetidos a nova endoscopia em 24-48 horas, não havia resquícios do pó hemostático no local da aplicação.
Resultados em pacientes com HDA por doença maligna
- 19 pacientes
- Hemostasia inicial com sucesso em 100%
- Ressangramento precoce em 1 paciente e tardio em 6 pacientes
- Mortalidade em 30 dias: 21.1%
Resultados em pacientes com HDB (no Brasil o Hemospray não está liberado para ser usado nesta indicação)
- 11 pacientes com sangramento ativo
- Hemostasia inicial com sucesso em 100%
- Não houve ressangramento
Resultados em sangramentos intra-procedimentos
- 16 pacientes, incluindo sangramentos pós-biópsias, polipectomias, ESD e dilatação balonada
- Hemostasia inicial com sucesso em 100%
- Não houve ressangramento
Discussão
A grande vantagem do HemosprayTM reside na sua facilidade de uso e nas excelentes taxas de hemostasia imediata. A hemostasia endoscópica convencional pode ser um verdadeiro desafio em lesões de difícil acesso, em que o posicionamento do endoscópio não é favorável, dificultando por exemplo, a aplicação de um clipe metálico. Esse posicionamento preciso não é necessário com o HemosprayTM. Quando acionado o cateter, o pó hemostático se espalha por todo o campo de ação, aderindo nos locais com sangramento, onde o pó exerce seu efeito hemostático.
Este estudo corrobora as descrições anteriores de sucesso na hemostasia inicial (98.5% para causa não varicosas, não tumorais e 100% para as outras causas)
As taxas de ressangramento aparentemente variaram em função das causas iniciais de sangramento. Foram 5 casos de ressangramento PRECOCE:
- 3 pacientes com úlceras pépticas
- 1 paciente com lesão de Dieulafoy
- 1 paciente com angioectasia
Apesar do sucesso inicial nestes casos, houve necessidade de tratamento complementar endoscopico por método mecânico ou térmico.
A ação do Hemospray ocorre principalmente na etapa inicial, estancando o sangramento em atividade. Seu benefício além do primeiro dia da aplicação, parece pouco provável. Por conta disso, os autores deste artigo sugerem que seu uso como monoterapia deva ser evitado em pacientes com risco significativo de ressangramento além das 24 horas.
Resumo da utilização do Hemospray:
A seguir, fizemos uma pequena entrevista com Prof. Alan Barkun, pioneiro nesta tecnologia.
- How safe is HemosprayTM for the patients and for the Endoscope?
A.B.: The mineral product used in HemosprayTM has been used for decades towards medical uses. As far as is known, it is a very safe product to use with no reports in humans of bowel obstruction, or vascular or tissue embolization. It also has no long-term negative effects on endoscopes as far as is known. Of course, ongoing vigilance is indicated as with every relatively new technology used for novel indications. - What are the main indications for using HemosprayTM?
A.B.: HemosprayTM is thought to only adhere to actively bleeding sites and as such is indicated in the hemostasis of spurting or oozing lesions of the gastrointestinal tract. It is only approved for use in the lower gi tract in certain countries, and the manufacturer does not recommend it for portal hypertension-related bleeding. Having said this many data exist suggesting its effectiveness in both latter types of hemorrhagic pathologies. - In the article discussed here, you comment that HemosprayTM should not be use as monotherapy in patients at high risk of rebledding. How would be your preferred approach?
– Hemospray, than perform a second-look endoscopy to apply the definitive treatment?
– or should the second treatment modality be attempted at the initial endoscopy?
A.B. Observational results and now very limited comparative data as well have shown that the hemostatic powder only stays bound to a bleeding site for around 12-24 hours and for this reason learned reviews suggest it be used as one of a multimodality endoscopic therapeutic approach if the risk of rebleeding extends beyond this period either at a given initial endoscopy session, or during a pre-planned second-look, depending on the clinical situation and judgment of the endoscopist.
DESAFIO QUIZ! – Você reconhece essas anormalidades das fundoplicaturas?
Não é fácil reconhecer as anormalidades das fundoplicaturas. As descrições não são bem padronizadas, variados termos são empregados, e até a avaliação do que se esperar de uma fundoplicatura normal também é tema controverso.
Em agosto/2015 fizemos um post detalhando como fazer a avaliação endoscópica das fundoplicaturas. Quem quiser rever os conceitos é só CLICAR AQUI
Tentei reunir imagens didáticas de anormalidades das fundoplicaturas, mas admito que não é fácil avaliar uma imagem estática, e a interpretação pode variar dependendo do observador.
Vamos ao Quiz!
CPRE transgástrica para tratamento de coledocolitíase pós-cirurgia bariátrica
Cerca de 1/3 dos pacientes submetidos a cirurgia de bypass desenvolvem colelitíase no pós-operatório. Embora não seja comum, alguns pacientes podem apresentar coledocolitíase. Devido à anatomia alterada, o tratamento endoscópico da coledocolitíase representa um desafio.
Neste vídeo, apresentamos uma possibilidade de tratamento da coledocolitíase pela abordagem combinada da laparoscopia e colangiografia endoscópica.
Importante ressaltar o uso do insuflador de CO2 para minimizar a distensão das alças e facilitar o término do procedimento pela laparoscopia (sutura do gastrostomia, revisão do leito e sutura da aponeurose).