Neoplasia periampular sem lesão visível

Paciente do sexo feminino, 53 anos, sem comorbidades prévias, iniciou quadro de icterícia, febre e aumento de enzimas caniculares.

  • Realizou ressonância magnética (RNM) abdominal que identificou sinais de colangite com dilatação da VB intra e extra-hepáticas.
  • Submetida a CPRE em serviço externo com evidência de “papilite” e microcálculos no coledoco. Realizado fistulotomia, dilatação de papila, varredura com balão extrator e passagem de prótese plástica. Biopsiado a papila que resultou em amostra inconclusiva.

Após um mês, apresentou novamente quadro de colangite e a nova RNM de abdome apresentava as mesmas alterações, agora com a presença de prótese biliar.

  • Realizada ecoendoscopia que mostrou dilatação do colédoco (16 mm) e ducto principal pancreático (4,5 mm), com interrupção dos mesmos na topografia da papila duodenal, sem nítida lesão perceptível na ecoendoscopia. Efetuada punção ecoguiada com agulha fina. 
  • Em nova CPRE, realizada dilatação, biópsias de papila e passagem de nova prótese plástica.

Resultado de anatomopatológico da punção ecoguiada e das biópsias por CPRE: adenocarcinoma moderadamente diferenciado de papila duodenal, superficialmente invasivo e ulcerado.

Paciente foi submetida a gastroduodenopancreatectomia com linfadenectomia regional. Estadiamento revelou comprometimento linfático, vascular e neural pT3b pN2. O tratamento adjuvante com quimioterapia foi indicado.

Vídeo

Comentários:

Esse caso ilustra bem a importância de insistir na elucidação diagnóstica dos tumores periampulares. Apesar da imagem endoscópica e da RNM não demonstrarem lesão nítida na papila duonenal maior, a suspeita se manteve devido a grande dilatação do colédoco (16mm) associado a icterícia, sem uma causa muito convincente (apenas microcálculos na CPRE anterior). Isso motivou a realização da Ecoendoscopia concomitante para melhor investigar a região, a qual demonstrou dilatação do duto pancreático principal que não havia sido evidenciado na RNM, o que aumentou ainda mais a suspeita de uma lesão periampular. Nesses casos, a punção guiada por ecoendoscopia justamente no local onde ocorre a interrupção dos dutos aumenta a sensibilidade diagnóstica.

O adenocarcinoma de papila duodenal faz parte do grupo de tumores periampulares que surgem nas proximidades da ampola de Vater. A incidência é maior na população com síndromes de Polipose Hereditária. O quadro clínico mais comum é de síndrome colestática obstrutiva associado a dor abdominal, emagrecimento e anemia. Laboratorialmente evidencia-se aumento de bilirrubinas diretas e enzimas caniculares. A avaliação diagnóstica das vias biliares se inicia com USG de abdome, com pouca sensibilidade para visualizar o tumor. A CPRE é indicada para o diagnóstico, permitindo a identificação do tumor, biópsia e descompressão biliar. A ecoendoscopia apresenta importância para detecção e punção de tumores pequenos como também no estadiamento. O tratamento padrão envolve a gastroduodenopancreatectomia e frequentemente associada à quimioterapia adjuvante e radioterapia.

Por ser um diagnóstico raro e de maior complexidade, é fundamental ressaltá-lo precocemente diante de um quadro de colestase obstrutiva, com melhora do prognóstico quando detectado inicialmente.

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Como citar esse artigo?

Cardoso ACFL, Martins BC. Neoplasia periampular sem lesão visível. Endoscopia Terapêutica 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/neoplasia-periampular-sem-lesao-visivel/




Critérios de Fukuoka para IPMN

O consenso de Fukuoka, também conhecido como critérios de Fukuoka ou guideline de Fukuoka, fornece as diretrizes para diagnóstico, seguimento e tratamento da neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) do pâncreas.

Tumores císticos no pâncreas estão sendo cada vez mais diagnosticado e muitas vezes é difícil saber se estamos diante de uma lesão neoplásica ou não.

A neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) merece atenção especial não só pela sua frequência, mas também pelo potencial de malignidade, sendo consideradas lesões pré-malignas. Por conta disso, existe intensa discussão de condutas que variam desde a vigilância periódica até a ressecção cirúrgica limitada até a pancreatectomia total.

Antigamente, grande parte dessas lesões eram ressecadas, tendo em vista seu potencial maligno. Após a publicação dos critérios de Sendai (2006) e Fukuoka (2012), uma conduta conservadora tem sido adotada na maioria das lesões. Atualmente, a diretriz revisada de Fukuoka (2017) é o guideline mais utilizado para diagnóstico e tratamento desses tumores [2].

1. Classificação

Os IPMNs podem ser classificados em três tipos:

  • IPMN de ducto priuncipal (MD-IPMN)
  • IPMN de ducto secundário (BD-IPMN)
  • tipo misto.

MD-IPMN é caracterizado por dilatação segmentar ou difusa do ducto pancreático principal (MPD) > 5 mm sem outras causas de obstrução. Cistos pancreáticos > 5 mm de diâmetro que se comunicam com o MPD devem ser considerados como BD-IPMN (pseudocisto é o diagnóstico diferencial para pacientes com história prévia de pancreatite). Os pacientes do tipo misto possuem critérios tanto para MD-IPMN quanto para BD-IPMN.

2. Investigação

De acordo com essa diretriz, os IPMN podem ser classificados como Fukuoka-positivos com estigmas de alto risco, lesões com características preocupantes ou Fukuoka-negativos

2.1 IPMN Fukuoka-positivos

IPMN Fukuoka-positivos são aqueles que têm estigmas de alto risco para malignidade:

  • Lesões na cabeça do pâncreas cursando com icterícia obstrutiva
  • Nódulos murais > 5 mm e hipercaptantes
  • Dilatação do ducto pancreático principal > 10 mm (IPMN de duto principal)

2.2 IPMNs com “características preocupantes”

Os IPMNs com “características preocupantes” são aqueles com:

  • Lesões císticas > 3 cm
  • Paredes císticas espessadas ou hipercaptantes
  • Dilatação do ducto pancreático principal entre 5–9 mm
  • Mudanças abruptas no diâmetro do ducto pancreático e atrofia distal
  • Evidência de linfonodos
  • Elevação sérica de CA 19-9
  • Crescimento cístico de pelo menos 5 mm em 2 anos
  • Sinais clínicos de pancreatite

2.3 IPMN Fukuoka-negativos

IPMNs Fukuoka-negativos são aqueles sem estigmas de alto risco e sem as “características preocupantes” descritas acima.

Nota: o melhor exame de imagem para se avaliar lesões de 5 mm é o ultrassom endoscópico. Na indisponibilidade desse método a ressonância magnética (RNM) pode ser utilizada, mas apresenta acurácia inferior.

3. Conduta

As diretrizes também incluem recomendações sobre a abordagem terapêutica:

  • IPMNs positivos para Fukuoka devem ser tratados cirurgicamente, desde que paciente tenha condições clínicas
  • Na presença de “características preocupantes” e evidências no EUS de nódulos murais > 5 mm, alterações no ducto principal ou presença de citologia maligna ou suspeita de malignidade, a ressecção cirúrgica também deve ser considerada.
  • Na ausência dessas alterações, acompanhamento com TC/RNM ou EUS devem ser realizados em intervalos específicos, dependendo do tamanho do IPMN (ver figura 1)

Uma abordagem baseada nessas diretrizes mostrou que o risco de tratamento excessivo de IPMN “inofensivos” devido a cirurgia injustificada e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de tumores malignos a partir de IPMNs aparentemente “inofensivos” é extremamente baixo.

Um estudo incluindo mais de 1.100 pacientes com IPMN mostrou que [3]:

  • a taxa de malignidade em 5 anos em IPMN Fukuoka-negativos foi inferior a 2%
  • Na presença de “características preocupantes”, o risco de carcinoma em IPMN não operados foi de aproximadamente 4%
  • em pacientes Fukuoka-positivos, a incidência de câncer de pâncreas em 5 anos foi de 49%

Importante: pacientes com IPMN sob vigilância apresentam risco aumentado de neoplasias pancreáticas independentemente das lesões císticas. Portanto, a vigilância deve sempre incluir todo o pâncreas. [4]

Figura 1: Algoritmo para o gerenciamento de suspeita de BD-IPMN. *A pancreatite pode ser uma indicação cirúrgica para alívio dos sintomas. &. O diagnóstico diferencial inclui mucina. A mucina pode se mover com a mudança na posição do paciente, pode ser deslocada com a lavagem do cisto e não tem fluxo Doppler. As características do nódulo tumoral verdadeiro incluem falta de mobilidade, presença de fluxo Doppler e PAAF do nódulo mostrando tecido tumoral. @. A presença de paredes espessadas, mucina intraductal ou nódulos murais é sugestiva de envolvimento do ducto principal. Na sua ausência, o envolvimento do ducto principal é inconclusivo. Abreviaturas: BD-IPMN, neoplasia mucinosa papilar intraductal do ducto secundário; PAAF, aspiração por agulha fina. Adaptado de Tanaka M, et al. Pancreatology 2017

Referências

  1. IMPN: Fukuoka Classification (guidelines). Siegbert Faiss. Disponível em: https://www.endoscopy-campus.com/en/classifications/impn-fukuoka-classification-guidelines/
  2. Tanaka M, Fernandez-del Castillo C, Kamisawa T, Jang JY, Levy P, Ohtsuka T, et al. ‘Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pancreas’, Pancreatology 2017; 17 :738–53.
  3. Mukewar S, de Pretis N, Aryal-Khanal A, Ahmed A, Sah R, Enders F, Larson JJ, et al. ‘Fukuoka criteria accurately predict risk for adverse outcomes during follow-up of pancreatic cysts presumed to be intraductal papillary mucinous neoplasms’, Gut 2017 Oct; 66(10): 1811–17.
  4. Yamaguchi K, Kanemitsu S, Hatori T, Maguchi H, Shimizu Y, Tada M, et al.

Como citar esse artigo

Martins BC. Critérios de Fukuoka para IPMN. Endoscopia Terapêutica 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/criterios-de-fukuoka-para-ipmn




Guideline ESGE – Sangramento Varicoso

Em novembro 2022 a ESGE lançou seu novo guideline sobre sangramento varicoso.

Esse guideline já incorpora os novos conceitos introduzidos pelo consenso de Baveno VII. O artigo na íntegra pode ser obtido através deste link.

No vídeo a seguir trazemos um breve resumo deste guideline. Bons estudos!

Referência

Gralnek IM, Camus Duboc M, Garcia-Pagan JC, Fuccio L, Karstensen JG, Hucl T, Jovanovic I, Awadie H, Hernandez-Gea V, Tantau M, Ebigbo A, Ibrahim M, Vlachogiannakos J, Burgmans MC, Rosasco R, Triantafyllou K. Endoscopic diagnosis and management of esophagogastric variceal hemorrhage: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2022 Nov;54(11):1094-1120. doi: 10.1055/a-1939-4887. Epub 2022 Sep 29. PMID: 36174643.




Anestesia tópica das vias aéreas superiores

A anestesia tópica das vias aéreas superiores para realização de endoscopia alta é um procedimento muito utilizado no dia a dia, e que devemos estar familiarizados. Na maioria dos casos, não há necessidade de um bloqueio sensitivo profundo dessa região, mas existem situações em que a endoscopia deve ser realizada com paciente acordado devido ao risco de broncoaspiração.

A seguir, resumimos alguns conceitos importantes que todo endoscopista deve estar familiarizado a respeito da nesstesia tópica.

O benefício da aplicação da anestesia tópica em pacientes submetidos a sedação com propofol é questionável.

Se a anestesia tópica resulta em menos desconforto para os pacientes com sedação moderada é incerto.

Em uma meta-análise incluindo 491 pacientes submetidos à endoscopia, os pacientes submetidos à anestesia tópica relataram menos desconforto em comparação com o grupo sem anestesia tópica (razão de chances [OR] 1,88, IC 95% 1,13-3,12).

No entanto, outros estudos sugerem que, para pacientes submetidos à sedação com propofol, não foram observadas diferenças nas respostas somáticas ou reflexo de engasgo em comparação com placebo.

Está indicada em casos de risco de broncoaspiração, em suspeita de estômago cheio e recusa do paciente à sedação. Entretanto podem ser utilizados fármacos com o objetivo de atingir ansiólise ou sedação consciente para maior conforto.

Além das situações em que é evidente a presença de estômago cheio, são considerados fatores de risco para estômago cheio e broncoaspiração: diabetes descompensado, uremia, obstrução intestinal, ascite, distensão abdominal, distúrbios da motilidade esofágica, entre outros. Nestes casos, está contraindicada a sedação moderada e profunda, já que podem abolir o reflexo de tosse e de proteção das vias aéreas inferiores, podendo ocorrer broncoaspiração em caso de regurgitação de conteúdo gástrico.

Entretanto pode-se administrar sedação leve ou consciente, na qual o paciente permanece acordado, porém levemente sonolento, e tranquilizado, sem necessidade de suporte de oxigênio. Esse nível de sedação pode ser obtido com pequenas doses fracionadas e subsequentes de midazolam (0,5 a 1mg) e fentanil (25mcg), aguardando-se adequado intervalo de tempo entre as doses, até atingir o nível desejado de ansiólise. Pode ser administrado antes ou durante a topicalização da mucosa.

A inervação sensitiva é feita pelos pares de nervos cranianos VII (facial), IX (glossofaríngeo) e X (vago).

Ramos do nervo facial conduzem a sensibilidade dos dois terços anteriores da língua. Já o nervo glossofaríngeo tem como território sensitivo o terço posterior da língua, a valécula, a superfície anterior da epiglote, as paredes posteriores e laterais da faringe e os pilares tonsilares. Já o nervo vago, através do ramo laríngeo superior é responsável pela sensibilidade da laringe.

IMPORTANTE: Em casos de risco de broncoaspiração, o bloqueio do território sensitivo do nervo laríngeo superior (ramo do vago) não é desejado. O bloqueio do nervo laríngeo superior ou seu território, irá abolir completamente os reflexos de proteção das vias aéreas inferiores, levando ao risco de broncoaspiração em caso de regurgitação, e por isso não deve ser realizado nessa situação. Para endoscopia digestiva alta, a ausência desse bloqueio dificilmente irá ocasionar desconforto ao paciente, desde que a laringe não seja tocada com a ponta do endoscópio.

O uso de fármacos antisialogogos aumenta a absorção de anestésico local pela mucosa, aumentando a eficiência do bloqueio.

Caso as condições clínicas e cardiovasculares permitam, a administração endovenosa de atropina, escopolamina ou glicopirrolato (indisponível no Brasil), antes da topicalização, ao diminuírem a presença de muco e saliva, aumentam a eficiência dos anestésicos locais. É importante aguardar o tempo de ação de cada medicamento.

A lidocaína pode ser utilizada para topicalização das vias aéreas superiores na forma de spray 10%, gel 2% e ampola sem vasoconstritor a 2%.

Técnica sugerida para uso rotineiro (associada a sedação)

  • Em geral utiliza-se 4-6 instilações de lidocaína spray direcionados para base da língua, palato mole, pilares amigdalianos e úvula.
  • Tal dose de lidocaína é bem inferior aos níveis tóxicos da droga. Além do mais, boa parte é inativada pelo suco gástrico, sem ser absorvida.
  • Em adulto, não se deve fazer mais de 20 nebulizações para se alcançar a anestesia desejada. O número de nebulizações depende da extensão da área a ser anestesiada.
  • A experiência do médico e conhecimento do estado físico do paciente são importantes para calcular a dose necessária. Nos pacientes idosos, debilitados, com doenças agudas ou em crianças, deve-se adequar as doses de acordo com a idade, peso e condições físicas.

Cada nebulização libera 100 mg de spray que corresponde a 10 mg de lidocaína.

Técnica sugerida de bloqueio:

  • Obtém-se consentimento do paciente, que deve ser esclarecido da importância e segurança de não ser sedado profundamente. Obter a colaboração do paciente é fundamental para o sucesso da técnica.
  • Com o paciente sentado, procede-se a sedação consciente e administração de antissialogogo.
  • Território do nervo facial é topicalizado primeiro com lidocaína 10% spray nos dois terços anteriores da língua.
  • Com uma gaze, segurar a ponta da língua por alguns segundos para impedir que o paciente degluta o anestésico, aumentando sua eficiência.
  • A seguir, é possível bloquear diretamente o nervo glossofaríngeo, que situa-se poucos milímetros posterior ao pilar amigdaliano posterior, podendo ser anestesiado por via tópica, desde que a absorção seja eficiente.
  • Com uso suave de laringoscópio com lâmina de Macintosh, afastar a língua para exibir o pilar amigdaliano posterior e borrifar lidocaína 10% diretamente sobre o pilar, aguardando sua absorção e impedindo a deglutição, bilateralmente.
  • Por fim, depositar lidocaína gel 2% na porção posterior da língua, deixando que escorra até a valécula. Pode-se empurrar o gel com o dedo indicador e ao mesmo tempo, palpar a valécula e testar se o bloqueio do glossofaríngeo foi eficaz, observando ausência de reflexo de náusea mediado por este par craniano.
  • Nota: essa é a técnica utilizada pelos anestesiologistas para maximizar bloqueio sensitivo das vias aéreas superiores. Na endoscopia de rotina não há necessidade de seguir todos esses passos. Mas importante conhece-los para poder utilizar em situações de alto risco de broncoaspiração

Referências

  • Sakai P, et al. Tratado de Endoscopia Diagnóstica e Terapêutica – vol1 – 3a edição. Atheneu.
  • Evans LT, Saberi S, Kim HM, et al. Pharyngeal anesthesia during sedated EGDs: is “the spray” beneficial? A meta-analysis and systematic review. Gastrointest Endosc 2006; 63:761.
  • de la Morena F, Santander C, Esteban C, et al. Usefulness of applying lidocaine in esophagogastroduodenoscopy performed under sedation with propofol. World J Gastrointest Endosc 2013; 5:231.
  • Tsai HI, Tsai YF, Liou SC, et al. The questionable efficacy of topical pharyngeal anesthesia in combination with propofol sedation in gastroscopy. Dig Dis Sci 2012; 57:2519.



Síndrome da Polipose Juvenil

Definição:

A síndrome da Polipose Juvenil (SPJ) é caracterizada por predisposição a pólipos hamartomatosos no trato gastrointestinal.

Primeiramente, vamos lembrar o que são pólipos hamartomatosos:

  • Os pólipos hamartomatosos são compostos por elementos celulares normais, mas com arquitetura distorcida.

  • As síndromes de polipose hamartomatosa incluem Síndrome da Polipose Juvenil, Síndrome de Peutz-Jeghers e Síndrome do Tumor Hamartomatoso PTEN.

  • As síndromes de polipose hamartomatosas são incomuns, e juntas são responsáveis por menos que 1% dos casos de câncer colorretal nos EUA.

A SPJ É uma condição autossômica dominante, associada a mutação do gene SMAD4 ou BMPR1A. 75% dos pacientes têm história familiar positiva, mas 25% são mutação de novo. É uma condição rara, com incidência na população geral de 1:100.000 – 1:160.000 (Figuras 1 a 4)

Figura 1


Figura 2


Figura 3


Figura 4

.

 

Apresentação clínica

O número de pólipos varia, podendo indivíduos da mesma família ter 4 – 5 pólipos por todo o tempo de vida, enquanto outros podem apresentar centenas.

Os pólipos estão presentes em sua maioria no cólon (98%) sendo mais comum no cólon direito (70%), mas também podem estar presentes no estômago (14%), duodeno (7%), jejuno e íleo (7%). O tamanho varia de pólipos sésseis pequenos até pólipos pediculados maiores que 3 cm, geralmente têm a superfície lisa, enantematosa, podendo haver um exsutado esbranquiçado em sua superfície (Figuras 5 a 7).

Figura 5


Figura 6


Figura 7

Os sintomas começam geralmente nas primeiras duas décadas de vida, e os mais comuns são sangramento e anemia (90%), mas os pacientes também podem apresentar dor abdominal, diarreia, intussuscepção e obstrução intestinal.

A SPJ também pode estar associado a condições extracolônicas, como telangiectasia hemorrágica hereditária, macrocefalia, hidrocéfalo, coarctação de aorta e tetralogia de Fallot.

 

Histologia

A histologia mostra glândulas dilatadas e ecctasiadas, com espaços císticos preenchidos por mucina, lâmina própria abundante e infiltrado inflamatório crônico. Diferentemente de Peutz-Jeghers, não há proliferação da camada muscular lisa.  Cerca de 50% dos pólipos tem áreas de adenoma.

nota-se glandula dilatada e ectasiada

nota-se glândula dilatada e ectasiada


Notam se glandulas dilatadas e ectasiadas algumas preenchidas com mucina alem de congestao vascular

Notam-se glândulas dilatadas e ectasiadas, algumas preenchidas com mucina, além de congestão vascular


Notam-se glândulas dilatadas e preenchidas por mucina setas amarelas_glandulas normais seta azul

Notam-se glândulas dilatadas e preenchidas por mucina (setas amarelas); glândulas normais representadas pela seta azul

Risco de Câncer

  • Estes pacientes têm risco aumentado de câncer gástrico, colorretal, duodenal e pâncreas.
  • O risco de câncer colorretal varia de 17-22% aos 35 anos, chegando a 68% aos 60 anos.
  • A incidência de câncer no trato gastrointestinal superior pode chegar a 30%.

 

Diagnóstico

O diagnóstico da SPJ exige o preenchimento de 1 dos seguintes critérios:

  • Cinco ou mais pólipos juvenis do cólon e reto,
  • Pólipos juvenis em outros segmentos do trato gastrointestinal
  • Qualquer número de pólipos juvenis se história familiar positiva.

Importante: A presença de pólipos juvenis esporádicos no cólon não é tão incomum, estando presente em até 2% das crianças abaixo de 10 anos, sem caracterizar SPJ ou representar risco aumentado de câncer.

 

Rastreamento e vigilância

Para o rastreamento / vigilância, o guideline da ACG de 2015 recomenda para os pacientes em risco:

  • Colonoscopia inicialmente aos 12 anos ou quando iniciarem os sintomas, devendo ressecar os pólipos maiores que 5 mm e repetir anualmente até erradicação dos pólipos, depois pode-se espaçar para 3/3 anos.
  • Endoscopia inicialmente aos 12 anos, repetir a cada 1-3 anos, devendo ressecar todos os pólipos maiores que 5 mm.
  • Estudo do delgado: Se houver pólipos no duodeno, anemia ou enteropatia perdedora de proteínas, recomenda-se cápsula endoscópica, enteroscopia ou enterotomografia

 

Tratamento:

Pacientes com número limitado de pólipos podem ser manejados com polipectomia e vigilância endoscópica (Figuras 8 a 10).

Figura 8


Figura 9


Figura 10

Colectomia com anastomose ileorretal é indicado em caso de câncer, displasia de alto grau ou se não for possível controlar a polipose adequadamente. O reto no entanto deve permanecer em vigilância endoscópica.

Proctocolectomia pode ser necessária dependendo do número de pólipos no reto. Metade dos pacientes submetidos a colectomia, vão precisar de proctectomia posteriormente.

Gastrectomia total ou parcial pode ser necessária para pacientes com displasia avançada, câncer gástrico ou polipose que não pode ser adequadamente controlada por endoscopia.

 

Como citar esse artigo:

Figueiredo LZ, Martins BC. Síndrome da Polipose Juvenil. Endoscopia Terapêutica. 2022; vol 1. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-da-polipose-juvenil

 

Referências:

Zbuk KM, Eng C. Hamartomatous polyposis syndromes. Nat Clin Pract Gastroenterol Hepatol. 2007 Sep;4(9):492-502. doi: 10.1038/ncpgasthep0902. PMID: 17768394.

Larsen Haidle J, MacFarland SP, Howe JR. Juvenile Polyposis Syndrome. 2003 May 13 [updated 2022 Feb 3]. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, Wallace SE, Bean LJH, Gripp KW, Mirzaa GM, Amemiya A, editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993–2022. PMID: 20301642.

Calva, Daniel, and James R Howe. “Hamartomatous polyposis syndromes.” The Surgical clinics of North America vol. 88,4 (2008): 779-817, vii. doi:10.1016/j.suc.2008.05.002

Syngal S, Brand RE, Church JM, Giardiello FM, Hampel HL, Burt RW; American College of Gastroenterology. ACG clinical guideline: Genetic testing and management of hereditary gastrointestinal cancer syndromes. Am J Gastroenterol. 2015 Feb;110(2):223-62; quiz 263. doi: 10.1038/ajg.2014.435. Epub 2015 Feb 3. PMID: 25645574; PMCID: PMC4695986.




Tumores neuroendócrinos do pancreas

Introdução

A incidência dos tumores neuroendócrinos do pâncreas está crescendo, possivelmente devido à realização com maior frequência exames de imagem e à qualidade destes exames. No entanto, sua prevalência felizmente ainda é rara. Esse post do Endoscopia Terapêutica tem a finalidade de servir como um guia de consulta quando eventualmente nos depararmos com uma dessas situações no dia a dia.

Conceitos gerais importantes sobre tumores neuroendócrinos do trato gastrointestinal

Os TNE correspondem a um grupo heterogêneo de neoplasias que se originam de células neuroendócrinas (células enterocromafins-like), com características secretórias.

Todos os TNE gastroenteropancreáticos (GEP) são potencialmente malignos e o comportamento e prognóstico estão correlacionados com os tipos histológicos.

Os TNE podem ser esporádicos (90%) ou associados a síndromes hereditárias (10%), como a neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM-1), SD von Hippel-Lindau, neurofibromatose e esclerose tuberosa.

Os TNE são na sua maioria indolentes, mas podem determinar sintomas. Desta forma, podem ser divididos em funcionantes e não funcionantes:

  • Funcionantes: secreção de hormônios ou neurotransmissores ativos: serotonina, glucagon, insulina, somatostatina, gastrina, histamina, VIP ou catecolaminas. Podem causar uma variedade de sintomas
  • Não funcionantes: podem não secretar nenhum peptídeo/ hormônios ou secretar peptídeos ou neurotransmissores não ativos, de forma a não causar manifestações clínicas.

Tumores neuroendócrinos do pâncreas (TNE-P)

Os TNE funcionantes do pâncreas são: insulinoma, gastrinoma, glucagonoma, vipoma e somatostatinoma.

Maioria dos TNE-P são malignos, exceção aos insulinomas e TNE-NF menores que 2 cm.

A cirurgia é a única modalidade curativa para TNE-P esporádicos, e a ressecção do tumor primário em pacientes com doença localizada, regional e até metastática, pode melhorar a sobrevida do paciente.

De maneira geral, TNE funcionantes do pancreas devem ser ressecados para controle dos sintomas sempre que possível. TNE-NF depende do tamanho (ver abaixo).

Tumores pancreáticos múltiplos são raros e devem despertar a suspeita de NEM1.

A SEGUIR VAMOS VER AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE CADA SUBTIPO HISTOLÓGICO

INSULINOMAS

  • É o TNE mais frequente das ilhotas pancreáticas.
  • 90% são benignos, porém são sintomáticos mesmo quando pequenos.
  • Cerca de 10% estão associadas a NEM.
  • São lesões hipervascularizadas e solitárias, frequentemente < 2 cm.
  • Tríade de Whipple:
    • hipoglicemia (< 50)
    • sintomas neuroglicopenicos (borramento visual, fraqueza, cansaço, cefaleia, sonolência)
    • desaparecimento dos sintomas com a reposição de glicose
  • insulina sérica > 6 UI/ml
  • Peptídeo C > 0,2 mmol/l
  • Pró-insulina > 5 UI/ml
  • Teste de jejum prolongado positivo (99% dos casos)

 

GASTRINOMAS

  • É mais comum no duodeno, mas 30% dos casos estão no pâncreas
  • São os TNE do pâncreas mais frequentes depois dos insulinomas.
  • Estão associados a Sd. NEM 1 em 30%, e nesses casos se apresentam como lesões pequenas e multifocais.
  • Provocam hipergastrinemia e síndrome de Zollinger-Ellison.
  • 60% são malignos.
  • Tratamento: cirúrgico nos esporádicos (DPT).
  • Na NEM 1, há controvérsia na indicação cirúrgica, visto que pode não haver o controle da hipergastrinemia mesmo com a DPT (tumores costumam ser múltiplos)

GLUCAGONOMAS

  • Raros;  maioria esporádicos.
  • Geralmente, são grandes e solitários, com tamanho entre 3-7 cm ocorrendo principalmente na cauda do pâncreas.
  • Sintomas: eritema necrolítico migratório (80%), DM, desnutrição, perda de peso, tromboflebite, glossite, queilite angular, anemia
  • Crescimento lento e sobrevida longa
  • Metástase linfonodal ou hepática ocorre em 60-75% dos casos.

VIPOMAS

  • Extremamente raros
  • Como os glucagonomas, localizados na cauda, grandes e solitários.
  • Maioria maligno e metastático
  • Em 10% dos casos pode ser extra-pancreático.
  • Quadro clínico relacionada a secreção do VIP (peptídeo vasoativo intestinal):
    • diarréia (mais de 3L litros por dia) – água de lavado de arroz
    • Distúrbios hidro-eletrolítico: hipocalemia, hipocloridria, acidose metabólica
    • Rubor
  • Excelente resposta ao tratamento com análogos da somatostatina.

 

SOMATOSTATINOMAS

  • É o menos comum de todos
  • Somatostatina leva a inibição da secreção endócrina e exócrina e afeta a motilidade intestinal.
  • Lesão solitária, grande, esporádico, maioria maligno e metastatico
  • Quadro clínico:
    • Diabetes (75%)
    • Colelitíase (60%)
    • Esteatorréia (60%)
    • Perda de peso

TNE NÃO FUNCIONANTES DO PÂNCREAS

  • 20% de todos os TNEs do pâncreas.
  • 50% são malignos.
  • O principal diagnóstico diferencial é com o adenocarcinoma

TNE-NF bem diferenciados menores que 2 cm: duas sociedades (ENETS e NCCN) sugerem observação se for bem diferenciado. Entretanto, a sociedade norte-americana NETS recomenda observação em tumores menores que 1 cm e conduta individualizada, entre 1-2 cm.

TNE PANCREÁTICO RELACIONADOS A SINDROMES HEREDITARIAS

  • 10% dos TNE-P são relacionados a NEM-1
  • Frequentemente multicêntricos,
  • Geralmente acometendo pessoas mais jovens.
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)

PS: Você se recorda das neoplasias neuroendócrinas múltiplas? 

As síndromes de neoplasia endócrina múltipla (NEM) compreendem 3 doenças familiares geneticamente distintas envolvendo hiperplasia adenomatosa e tumores malignos em várias glândulas endócrinas. São doenças autossômicas dominantes.

NEM-1
  • Doença autossômica dominante
  • Predispoe a TU (3Ps): Paratireóide; Pituitária (hipófise); Pâncreas,
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)
NEM-2A:
  • Carcinoma medular da tireoide,
  • Feocromocitoma,
  • Hiperplasia ou adenomas das glândulas paratireoides (com consequente hiperparatireoidismo).
NEM-2B:
  • Carcinoma medular de tireoide,
  • Feocromocitoma
  • Neuromas mucosos e intestinais múltiplos

Referências:

  1. Pathology, classification, and grading of neuroendocrine neoplasms arising in the digestive system – UpToDate ; 2021
  2. Guidelines for the management of neuroendocrine tumours by the Brazilian gastrointestinal tumour group. ecancer 2017,11:716 DOI: 10.3332/ecancer.2017.716

Como citar esse artigo:

Martins BC, de Moura DTH. Tumores neuroendócrinos do pancreas. Endoscopia Terapêutica. 2022; vol 1.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/tumores-neuroendocrinos-do-pancreas




Fundoplicatura gástrica: como avaliar?

Frequentemente, recebemos pacientes submetidos à fundoplicatura (FPL) para avaliação pós-operatória.

Apesar de parecer um exame relativamente simples, muitas vezes temos dificuldade em avaliar corretamente todas as características das fundoplicaturas, especialmente quando encontramos anormalidades ou complicações cirúrgicas.

Primeiramente, é preciso entender alguns princípios básicos da cirurgia:

  • A válvula é confeccionada com o fundo gástrico que passa posteriormente ao estômago;
  • A FPL deve envolver cerca de 2 a 3 cm do esôfago distal;
  • O ponto que segura a válvula deve “beliscar” a parede anterior do esôfago, para evitar que ela deslize para baixo;
  • Aproximação dos pilares diafragmáticos (hiatoplastia).

Aspecto endoscópico da fundoplicatura Nissen (360°)

Visão Frontal

  • TEG deve estar sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura (admite-se como normal até 1 cm acima);
  • Transposição do endoscópio pela FPL ocorre com leve resistência, sem desvio do eixo e sem “degrau”.

À retrovisão (fundoplicatura Nissen – 360°)

  • Prega gástrica transversal envolvendo circunferencialmente a cárdia, justa ao aparelho e sem torções;
  • Sem torções significa: estar paralela às linhas brancas demarcatórias do endoscópio;
  • Fundoplicatura intra-abdominal;
  • Ausência de hérnia paraesofágica (hiatoplastia íntegra).

À retrovisão (fundoplicatura Toupet-Lind – 270°)

  • Prega gástrica transversal envolvendo parcialmente a cárdia;
  • Prega posterior menos robusta que a Nissen;
  • Com os movimentos respiratórios, podem ocorrer breves períodos de abertura da válvula, expondo a linha Z.
À retrovisão (fundoplicatura Toupet-Lind – 270°)
Na visão frontal, a TEG deve estar sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura.
Na retrovisão, a FPL deve envolver a cárdia
Na retrovisão, a FPL deve envolver a cárdia, abraçando o aparelho em quase 360°. Avaliar se a válvula está paralela à demarcação do aparelho ou se não está torcida.
Fundoplicatura
FPL parcial envolve o aparelho em menos de 360 graus, porém em mais de 180 graus (ou estaria desgarrada). O formato da FPL é da letra grega ômega. Com base nesses conhecimentos, fica mais fácil entender as anormalidades da cirurgia.

Com base nesses conhecimentos, fica mais fácil entender as anormalidades da cirurgia

Fundoplicatura desgarrada

A prega gástrica transversal não envolve o aparelho. A prega faz uma linha reta e um ângulo de 180º na cárdia. É comum a recidiva dos sintomas do refluxo nessa situação.

Fundoplicatura Desgarrada
Fundoplicatura desgarrada. Não envolve o aparelho.

Fundoplicatura torcida

Prega gástrica (FPL) não está paralela às linhas de demarcação do endoscópio. Geralmente, isso se deve a um erro técnico no qual não houve liberação adequada do fundo gástrico. Podem ocorrer sintomas, como disfagia ou refluxo.

Fundoplicatura torcida
FPL torcida. A prega gástrica deveria estar paralela às linhas brancas de demarcação do endoscópio. Nesse caso, está correndo em um sentido crânio-caudal, ou seja, torcida.

Fundoplicatura migrada

A FPL encontra-se íntegra, porém a hiatoplastia se abriu, permitindo a migração cranial da fundoplicatura e da TEG em direção ao tórax. Muitas vezes, apesar dessa complicação, os pacientes permanecem assintomáticos.

Fundoplicatura migrada
FPL migrada. Na visão endoscópica, observa-se também uma hérnia para-hiatal.

Fundoplicatura deslizada (FPL gastrogástrica ou estômago bicompartimentado)

Essa situação é relativamente comum, mas as pessoas têm dificuldade em diagnosticar – talvez por desconhecerem o termo.

A FPL deve envolver o esôfago distal e a linha Z. Mas ela pode deslizar (descer) e ficar abraçando o próprio estômago. Na visão endoscópica frontal, observa-se a TEG 2 cm ou mais acima da zona de constrição (como uma hérnia hiatal). Na retrovisão, observa-se a fundoplicatura intra-abdominal, ou seja, ela não está migrada nem desgarrada.

Fundoplicatura deslizada
Fundoplicatura deslizada. A TEG está acima da zona de constrição.
Fundoplicatura deslizada
Fundoplicatura deslizada. A TEG está acima da zona de constrição. Nota-se câmara gástrica herniada, e à retrovisão o aspecto da fundoplicatura é normal.

Presença, ou não, de hérnia paraesofágica

A FPL pode estar íntegra, em posição intra-abdominal, não desgarrada, mas a hiatoplastia pode ter se alargado, permitindo a herniação de parte do fundo gástrico para o tórax. Notam-se pregas gástricas correndo em direção à hiatoplastia e “caindo” na cavidade torácica.

Fundoplicatura com presença de hérnia paraesofágica
Fundoplicatura intra-abdominal e não desgarrada, porém com hérnia paraesofágica.

Resumo da avaliação endoscópica

TEG x fundoplicatura

  • TEG está sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura;
  • TEG está fora da zona de pressão, ou seja, acima da fundoplicatura. Se > 2 cm acima, concluímos como FPL deslizada.

Posição da fundoplicatura

  • Fundoplicatura intra-abdominal;
  • Fundoplicatura parcialmente migrada;
  • Fundoplicatura totalmente migrada.

Descrição da fundoplicatura

  • Fundoplicatura envolve completamente a cárdia;
  • Fundoplicatura envolve parcialmente a cárdia;
  • Fundoplicatura completamente desgarrada;
  • Fundoplicatura torcida.

Presença de hérnia paraesofágica

  • Presente;
  • Ausente.

Veja também

Quiz! Você conhece essas anormalidades das fundoplicaturas?

Como citar este artigo

Martins B. Fundoplicatura gástrica: como avaliar? Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/fundoplicatura-gastrica-como-avaliar/

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Trivia Quiz – Fatos e curiosidades da motilidade e esvaziamento gástrico.

Confira se você sabia tudo, complete e a tabela e comente com a gente o seu desempenho!

Pergunta Essa foi fácil Suspeitava Fazia nem ideia
1.       Que o estômago normal apresenta cerca de 3 contrações por minutos?
2.       Que cada peristalse elimina cerca de 3 ml de Quimo?
3.       Num ritmo consistente de 3kcal/min (Regrinha 3/3/3).
4.       Que o estômago apresenta um “marcapasso” que está situado entre na grande curvatura entre o fundo e o corpo proximal?
5.       Que as células Interticiais de Cajal são os “marcapassos celulares” e responsáveis pela geração da peristalse?
6.       Que ácidos graxos longos no duodeno estimulam a produção de colecistoquinina que provoca o relaxamento do fundo, inibe a contração no antro e aumento o tônus do piloro? (Uma boa explicação para os alimentos gordurosos terem uma digestão tão lenta)
7.       Que a hiperglicemia (> 220 mg/dl) resulta em diminuição das contrações antrais, diminuiu o esvaziamento gástrico e induz “disritmias” gástricas? (Tudo para diminuir a absorção intestinal de glicose – imagine sem isso, glicemia alta e ainda absorvendo mais!!!)
8.       Que a velocidade de esvaziamento gástrico aumenta quando o IMC aumenta? (Isso pode ser relevante na perpetuação da obesidade)
9.       Que a ingestão 600 ml de água provoca a sensação de estômago cheio em indivíduos saudáveis, mas que em pessoas com dispepsia funcional apenas 350 ml são suficientes para provocar essa sensação?
10.    Que gastroparesia é definida pela cintilografia quando ocorre retenção de mais de 60% da refeição em 2 horas ou mais de 9% em 4 horas?

 

E aí sabia todas? Qual pergunta te deixou mais surpreso? Qual te fez lembrar da época da faculdade? Deixe seus comentários abaixo.

 

Fonte: Kenneth L. Koch Capítulo 50 – Gastric Neuromuscular Function and Neuromuscular Disorders. Sleisenger & Fordtran’s Gastrointestinal and Liver Disease. In: Eleventh. Philadelphia: Elsevier; 2021. p. 735-763.




Qual é sua hipótese?

Paciente do sexo feminino, 65 anos, submetida à gastrectomia total por neoplasia gástrica (há 4 anos). Queixa-se de disfagia para sólidos, embora nunca tenha apresentado impactação alimentar. Realizada endoscopia digestiva alta (clique na imagem para ampliar).

gastrectomia total por neoplasia gástrica imagem 1

gastrectomia total por neoplasia gástrica imagem 2

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CORPO ESTRANHO IMPACTADO NA GARGANTA: VOCÊ SABE AVALIAR?

“Doutor, estava comendo peixe e engoli uma espinha! Estou sentindo ela presa aqui na minha garganta!”

Todo endoscopista que faz plantão de sobreaviso já passou por essa situação.

Espinha de peixe e espículas de frango são os mais terríveis, pois têm grande chance de ficar impactados em algum local do trajeto (hipofaringe, esôfago, etc).

Quando pensei em escrever sobre esse assunto, o principal objetivo era familiarizar o endoscopista com o exame e a anatomia das estruturas supraglóticas, visto que, para nós, essa é uma região apenas “de passagem”. Mas também vamos recapitular o que os guidelines orientam sobre o melhor momento de realizar esse exame.

Em alguns serviços existe uma discussão a respeito de quem deveria atender a esses pacientes: endoscopistas ou os otorrinos? Já deixo aqui a minha opinião:

  • Exame físico dedicado com o otorrinolaringologista deveria ser a conduta padrão, pois é simples de realizar, pode resolver o problema rapidinho e não exige sedação;
  • Caso o otorrino não encontre a espinha impactada em nenhum lugar acessível, o exame endoscópico estaria indicado;

Mas nem sempre temos o melhor dos mundos a nosso favor e, tendo a suspeita de corpo estranho impactado “na garganta”, não podemos omitir socorro ao paciente, ok?

Então, vamos lá!

O que diz o guideline da ASGE sobre ingestão de objetos pontiagudos?

Objetos pontiagudos (agulhas, ossos, palitos de dente)

  • Laringoscopia direta é uma opção para remover objetos acima do cricofaríngeo;
  • Objeto pontiagudo impactado no esôfago é uma emergência médica e deve ser retirado imediatamente;
  • A maioria dos objetos pontiagudos passam pelo TGI sem incidentes. No entanto, a chance de complicação pode chegar até 35%. Portanto, objetos pontiagudos no estômago ou duodeno proximal devem ser retirados por endoscopia.

Clique aqui para ver o guideline.

O guideline não fala a respeito de jejum em cada situação, mas deixo aqui a minha opinião:

  • Suspeita de impactação acima do cricofaríngeo: melhor esperar jejum (ou fazer com anestesia tópica, mas nem sempre o paciente colabora);
  • Suspeita de impactação no esôfago: emergência médica! Exame imediato!
  • Sem suspeita de impactação no esôfago: exame assim que completar o jejum.

Anatomia da laringe

Figura 1: visão endoscópica da laringe. Epiglote parcialmente visualizada.

Exame endoscópico

Paciente jovem, feminina, refere ingestão de corpo estranho (osso de frango) há 2 dias. Refere dor na garganta e suspeita que o osso de frango está impactado em algum lugar. 

Para ser honesto, com essa história arrastada de 2 dias e poucos sintomas, meu palpite era que eu não iria achar nada no local. Mesmo assim, procedemos com o exame cuidadoso.

 

Figura 2: exame do esôfago e coto gástrico normal.

Figura 3: laringe, seio piriforme esquerdo e direito.

Figura 4: epiglote, pilar amigdaliano direito e tonsila direita.

 

Até agora, nada. Porém, cumpre lembrar que a endoscopia digestiva alta não é o exame adequado para estudar essa região. O relaxamento da musculatura, devido à sedação e ao posicionamento do paciente, dificulta o exame adequado. Por isso, sempre recomendamos realizar um exame com auxílio de um cap acoplado à extremidade do aparelho antes de concluir que está tudo bem.

 

Figura 5: exame com auxílio de cap. Visualização da epiglote e da valécula (região atrás da epiglote).

Figura 6: exame da tonsila esquerda como auxílio de cap e identificação de corpo estranho.

Figura 7: vista ampliada do “danado”.

Figura 7: vista ampliada do “danado”.

Figura 8: retirada do corpo estranho com pinça de biópsia.

Figura 8: retirada do corpo estranho com pinça de biópsia.

 

Como viram, devemos procurar com muita atenção um possível corpo estranho nessa região, realizando exame da orofaringe e hipofaringe com muito cuidado e lembrar sempre do uso do cap. Cuidado com conclusões precipitadas!

Como citar este artigo:

Martins BC. CORPO ESTRANHO IMPACTADO NA GARGANTA: VOCÊ SABE AVALIAR?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/corpo-estranho-impactado-na-garganta-voce-sabe-avaliar

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