ASPIRE

Por Cynthia Teixeira e Sérgio Barrichello

A obesidade é uma doença crônica que afeta milhares de pessoas consituindo um problema de saúde pública impactando na saúde de um terço da população adulta.1-3

Doenças relacionadas à obesidade, incluindo o tipo 2 diabetes, hipertensão e apneia obstrutiva do sono, aumentam a morbimortalidade dos pacientes acarretando um impacto negativo na qualidade de vida dos mesmos.

Várias opções terapêuticas estão disponíveis, embora a eficácia esteja correlacionada com maior invasividade. Modificações dietéticas e no estilo de vida têm um sucesso limitado e a curto prazo na perda de peso na maioria dos pacientes.4

A cirurgia bariátrica é o tratamento mais bem sucedido para pacientes obesos porém é um procedimento cirúrgico invasivo e que altera a anatomia do trato digestivo. 5

O AspireAssist permite a terapia de aspiração, em que o alimento é removido do estômago após a ingestão. Esse método foi aprovado pela FDA em 2016 para pacientes com IMC de 35-55 kg / m2 e consiste em uma gastrostomia endoscópica percutânea de 30Fr (chamado tubo de aspiração), uma porta externa na pele para aspiração e um dispositivo portátil que se conecta à porta para realizar a descarga e aspiração. O AspireAssist permite o consumo de uma refeição, infusão de água e, em seguida, aspiração de uma porção da refeição. O tubo de aspiração é inserido endoscopicamente pela técnica de tração.6

A aspiração do conteúdo gástrico é feita 20 minutos após o consumo de refeições e três vezes ao dia. A aspiração leva cerca de 10 minutos para executar e remove aproximadamente 30% das calorias ingeridas.

As imagens abaixo ilustram esse método:

Assim, visando entender melhor a segurança e a eficácia do método ASPIRE Sullivan e colaboradores desenvolveram o seguinte estudo piloto:

 

METODOLOGIA:

Dezoito adultos obesos (IMC entre 40,0 e 50,0 kg / m2 ou entre 35,0 e 39,9 kg / m2 com comorbidades) recrutados entre fevereiro e outubro de 2009 participaram deste estudo.

Os participantes foram randomizados em dois grupos sendo um grupo com a intervenção do ASPIRE mais a mudança do estilo de vida e o outro somente com a mudança do estilo de vida; acompanhados pelo período de 24meses.

 

RESULTADOS

Os autores relataram uma perda significativamente maior de excesso de peso com a terapia de aspiração em combinação com a intervenção do estilo de vida do que a intervenção do estilo de vida isolado nas primeiras 52semanas e que nenhuma alteração significativa na perda de peso ocorreu da semana a partir de então, como ilustra a figura abaixo.

A perda média de excesso de peso por protocolo foi de 54,4% aos 12 meses e 61,5% aos 24 meses.

Os autores também concluíram que a terapia por aspiração não induz a comportamentos alimentares adversos ou altera os escores de depressão basais.

A quantidade de tempo necessário para a aspiração (~ 10 minutos) não foi diferente quando os sujeitos aspiravam aos 20 ou 60 minutos após uma refeição de 450 ou 800 kcal. Aproximadamente 30% das calorias ingeridas foram removidas por aspiração 20 minutos após o consumo de uma refeição de 450 ou 800 kcal. Aspirar 20 ou 60 minutos depois de consumir a refeição de 800 kcal não afeta significativamente a porcentagem de calorias removidas por aspiração. No entanto, a porcentagem de calorias aspiradas foi maior aos 20 minutos do que 60 minutos após o consumo a refeição de 450 kcal.

A perda de peso não resultou em alterações significativas no perfil lipídico e/ou dos eletrólitos tais como magnésio e cálcio. Houve uma tendência para uma diminuição da concentração plasmática de alanina transaminase (ALT) no grupo da intervenção em comparação com o grupo sem a intervenção.

No grupo da intervenção, 4 indivíduos necessitaram de suplementação de ferro, 3 indivíduos necessitaram de suplementação de vitamina D, e um sujeito exigiu suplementação de vitamina B12. Com suplementação, a terapia por aspiração não resultou em diferença nas concentrações plasmáticas de ferro, 25-hidroxivitamina D ou vitamina B12 em comparação com o grupo sem intervenção.

 

EFEITOS ADVERSOS

Nenhum evento adverso grave ocorreu nos grupos. Os eventos adversos mais comuns incluíram dor peristomal nas primeiras 4 semanas após a colocação do dispositivo, irritação peristomal e constipação (Tabela 3).

 

DISCUSSÃO

Esse estudo piloto concluiu que sujeitos do grupo que sofreu a intervenção do ASPIRE apresentaram uma perda de peso maior que os do grupo que só tiveram a mudança do estilo de vida e essa perda ponderal alcançada em 1 ano foi mantida por dois anos.

O reganho de peso, que normalmente é observada após 1 ano de terapia intensiva de emagrecimento e de 1 a 10 anos da cirurgia bariátrica não foi observada neste estudo.

Além disso, não foi observado nenhuma complicação grave.  E não houve evidências de efeitos adversos sobre padrões alimentares, psicopatologia do transtorno alimentar ou fome no grupo da intervenção.

Estes dados mostram que a terapia de aspiração pode ser uma opção de tratamento de longo prazo segura e efetiva para pessoas com obesidade.7

Em outro estudo randomizado Thonson e colaboradores avaliaram em 52 semanas, 207 participantes com índice de massa corporal (IMC) de 35,0-55,0 kg / m 2 foram distribuídos aleatoriamente em uma proporção de 2:1 ao tratamento com AspireAssist e mudança do estilo de vida (n = 137; o IMC médio foi de 42,2 ± 5,1 kg / m 2) ou a mudança de estilo de vida isolada (n = 70; o IMC médio foi 40,9 ± 3,9 kg / m 2). E observaram que os participantes no grupo AspireAssist perderam uma média (± s.d.) de 31,5 ± 26,7% do seu excesso de peso corporal (12,1 ± 9,6% do peso corporal total), enquanto que aqueles no grupo mudança do estilo de vida isolada perderam uma média de 9,8 ± 15,5% do excesso de peso corporal.

Concluiram que o uso de AspireAssist causa considerável perda de peso e é mais eficaz do que a modificação intensiva do estilo de vida sozinha no tratamento da obesidade. O sistema foi projetado para o tratamento longo prazo da obesidade e necessita de monitoramento regular, ambos aspectos importantes para o tratamento de uma doença crônica. O procedimento de colocação é o mesmo que o utilizado para gastrostomia endoscópica percutânea e pode ser realizada a nivel ambulatorial. Também pode ser removido se posteriormente for decidido interromper a terapia e não causa alterações anatômicas que impediriam a futura cirurgia bariátrica. A eficácia da perda de peso e o perfil de segurança da AspireAssist sugerem esta abordagem de tratamento como ponte entre os tratamentos conservadores e os procedimentos cirúrgicos bariátricos estabelecidos para pessoas com obesidade Classe II e Classe III.8

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
  1. Allison DB, Downey M, Atkinson RL, et al. Obesity as a disease: a white paper on evidence and arguments commissioned by the council of the obesity society. Obesity (Silver Spring). 2008;16(6): 1161–1177.
  2. AMA. Report of the Council on Science and Public Health. Chicago, IL: AMA; 2013. Available from: http://www.ama-assn.org/assets/ meeting/2013a/a13-addendum-refcomm-d.pdf#page=19. Accessed December 14, 2016.
  3. Ward ZJ, Long MW, Resch SC, et al. Redrawing the US obesity landscape: bias-corrected estimates of state-specific adult obesity prevalence. PLoS One. 2016;11(3):e0150735.
  4. Turk MW, Yang K, Hravnak M, Sereika SM, Ewing LJ, Burke LE. Randomized clinical trials of weight-loss maintenance: a review. J Cardiovasc Nurs. 2009;24(1):58–80.
  5. Nguyen NT, Vu S, Kim E, Bodunova N, Phelan MJ. Trends in utilization of bariatric surgery, 2009–2012. Surg Endosc. 2016; 30(7): 2723–2727
  6. Kumar N, Sullivan S, Thompson CC. The role of endoscopic therapy in obesity management: intragastric balloons and aspiration therapy Diabetes Metab Syndr Obes. 2017; 10: 311–316. Published online 2017 Jul 6. doi: 10.2147/DMSO.S95118
  7. Sullivan S, Stein R, Jonnalagadda S, Mullady D, Edmundowicz S. Aspiration therapy leads to weight loss in obese subjects: a pilot study. Gastroenterology. 2013;145(6):1245–52.
  8. Thonson et al. Percutaneous Gastrostomy Device for the Treatment of Class II and Class III Obesity: Results of a Randomized Controlled Trial. Endoscopy Am J Gastroenterol 2017; 112:447–457; doi: 10.1038/ajg.2016.500; published online 6 December 2016

 

Autores

Cynthia Teixeira

Especialista em Gastroenterologia pela BP-SP
Especialista em Endoscopia pelo Hospital Estadual Mario Covas
Membro titular da FBG e SOBED
Medica Endoscopista do Hospital Albert Sabin SP




Complicações de Balão Intragástrico

 

Desde o inicio de sua utilização na década de 80, ainda numa forma bastante rudimentar, o balão intragástrico proporciona bons resultados. Entretanto, no início da experiência, as complicações eram frequentes e preocupantes.

Com os constantes estudos realizados e o aperfeiçoamento do material do balão, o número e gravidade das complicações caíram significativamente ao longo dos anos. Entretanto, a difusão mundial e crescente utilização do método, trouxeram novas formas de complicações e aumentaram as antigas ocorrências.

Dessa forma é muito importante que os médicos endoscopistas e das demais áreas que acompanham estes pacientes, conheçam e saibam manejar suas complicações.

 

Faremos um breve tour pelas complicações mais comuns do BIG

 

Náuseas e vômitos: as complicações menores e também as mais comuns são as de ocorrência precoce, ou seja, nos primeiros 3 a 5 dias pós implante do acessório. Náuseas e vômitos, acompanhados ou não de dor abdominal e de graus variados ocorrem em cerca de 70% dos casos segundo meta-análise publicada em 2015 (Zheng, Wang et al. 2015). Importante ressaltar que os dados apresentados são semelhantes a experiência de nosso grupo com cerca de 1500 balões implantados.

Entre os pacientes que apresentam os sintomas descritos, cerca de 7 – 15% necessitarão de medicação e hidratação endovenosa. Apesar de muito comum, esses sintomas merecem atenção especial já que além de serem a maior causa de retirada precoce do acessório, pode acarretar complicações graves como desidratação, distúrbios hidroeletrolíticos e insuficiência renal aguda, potencialmente fatais. Alguns estudos mostram taxa de retirada precoce por esse tipo de sintomas de até 20% (De Castro, Morales et al. 2010).

 

Sangramento: Relatos de pequenos sangramentos durante os primeiros dias são corriqueiros entre médicos com algum volume de procedimentos, mas quando persistentes, os vômitos podem causar lesões como síndrome de Mallory-Weiss com sangramento maciço e necessidade de terapêutica endoscópica. Outra causa rara, mas que não podemos deixar de pensar em casos de HDA em pacientes com BIG é a lesão de Dieulafoy. Nos últimos 3 anos foram relatados 4 casos dessa patologia em pacientes em uso do balão intragástrico no estado de São Paulo.

 

Soluços: ainda com pouca descrição na literatura, mas de grande incomodo para o paciente, são os soluços. Raros pacientes apresentam crises de soluços que podem durar minutos até dias e nesses casos o manejo é bastante complicado, sendo usados medicações variadas inclusive benzodiazepínicos para debelar o sintoma.

 

Impactação no antro: mais comum nos primeiros meses após implante. Quando impactado, o balão ocasiona o represamento do conteúdo provocando distensão abdominal, dor , náuseas, vómitos até com pequenas quantidades de líquido, pirose retroesternal, podendo cursar até com broncoaspiração. Essa complicação é importante pois frequentemente causa a retirada precoce do acessório.

Balão impactado no antro com muito resíduos

Balão impactado no antro com muito resíduos

 

Hiperinsuflação espontânea:, complicação rara, que simula a impactação antral. A causa ainda não está bem determinada, mas a principal hipótese é a colonização fúngica e/ou bacteriana. Os sintomas são muito semelhantes aos descritos quando da impactação antral, entretanto a troca do acessório se faz necessária quando diagnosticado, e em muitos casos o mesmo paciente pode apresentar nova hiperinsuflação do balão.

Hiperinsuflação espontânea

Hiperinsuflação espontânea

 

Colonização fúngica: ainda não se sabe exatamente as razões que levam a formação de uma camada muitas vezes grosseira de fungos sobre o balão, a hipótese atualmente mais considerada é que o ambiente básico devido ao uso de IBPs possa ser a causa da presença dessa ocorrência. Observamos na prática diária, em concordância com a literatura a grande prevalência de candida albicans nos casos de fungos em BIG. (Kotzampassi, K., et al. 2013).

Colonização por fungos

Colonização por fungos

 

Vazamento do balão: nos EUA o balão intragástrico habitualmente não é preenchido com o marcador azul de metileno para identificação de eventual vazamento, já em nosso país a utilização desse marcador é amplamente difundida. Dessa forma a ocorrência da complicacão é amplamente documentada em terras brasileiras, e a incidência gira em torno de 0,35 a 1,5%, valores correspondentes com a literatura internacional.(Genco, Bruni et al. 2005). Quando do vazamento o medico responsavel deve estar atento pois casos de migração para o intestino causando obstrução aguda são relatados na literatura (Di Saverio, Bianchini Massoni et al. 2014, Daghfous, Baraket et al. 2015).

 

Pancreatite aguda: Nas condições de represamento de conteúdo e distensão da câmara gástrica como as referidas anteriormente, mas não só nelas, existem chances de uma intercorrência relativamente comum, a pancreatite leve. Trata-se de um quadro de dor abdominal seguida de elevação das enzimas pancreáticas e sinais tomográficos de pancreatite leve , principalmente caudal. Em alguns casos causando a retirada do BIG. Existem raros relatos de pancreatite aguda grave na literatura (Vongsuvanh, Pleass et al. 2012).

 

Úlceras: são eventos de ocorrência pouco frequente, entretanto podem ocasionar cenários catastróficos com HDA, exigindo retirada do BIG e terapêutica endoscópica imediata.

Úlcera pós-BIG

Úlcera pós-BIG

 

Perfurações gástricas: a causa ainda é desconhecida, sendo a principal hipótese a isquemia da parede do órgão por compressão do acessório, ou por abrasão, formando úlcera e evoluindo para perfuração. A incidência relatada de perfurações gástricas em pacientes usando balão intragástrico na literatura é de 0,2% (Genco, Bruni et al. 2005).

 

Complicações relacionadas ao procedimento: as complicações oriundas do implante e da retirada do acessório incluem eventos durante a sedação e/ou anestesia, além de lesões agudas do TGI. A necessidade de realizar o procedimento em ambiente controlado, com suporte avançado de vida, todo o arsenal de acessórios, como pinça, tesoura endoscópica, alça grande, cateter de perfuração, overtube, etc… é mandatório para fazer de um procedimento simples também um procedimento seguro.

 

Conclusão: A eficiência comprovada da abordagem (Moura, Oliveira et al. 2016) e a aparente simplicidade do método, despertou o interesse dos endoscopistas. O manejo do balão intragástrico enquanto não há complicações é bastante prático e tranquilo, entretanto a variedade de eventos e a gravidade dos mesmos, fazem com que os profissionais que trabalham com esse acessório, devam estar treinados e preparados para enfrentar as possíveis complicações .

 

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Referências:

Daghfous, A., et al. (2015). “[Intestinal obstruction caused by migration of intragastric balloon. A case report].” Tunis Med 93(4): 272-274.

De Castro, M. L., et al. (2010). “Efficacy, safety, and tolerance of two types of intragastric balloons placed in obese subjects: a double-blind comparative study.” Obes Surg 20(12): 1642-1646.

Di Saverio, S., et al. (2014). “Complete small-bowel obstruction from a migrated intra-gastric balloon: emergency laparoscopy for retrieval via enterotomy and intra-corporeal repair.” Obes Surg 24(10): 1830-1832.

Genco, A., et al. (2005). “BioEnterics Intragastric Balloon: The Italian Experience with 2,515 Patients.” Obes Surg 15(8): 1161-1164.

Kotzampassi, K., et al. (2013) “Candida albicans colonization on an intragastric balloon.” Asian J Endosc Surg 6(3): 214-216.

Milone, M., et al. (2014). “An early onset of acute renal failure in a young woman with obesity and infertility who underwent gastric balloon positioning. A case report.” G Chir 35(3-4): 73-74.

Moura, D., et al. (2016). “Effectiveness of intragastric balloon for obesity: A systematic review and meta-analysis based on randomized control trials.” Surg Obes Relat Dis 12(2): 420-429.

Vongsuvanh, R., et al. (2012). “Acute necrotizing pancreatitis, gastric ischemia, and portal venous gas complicating intragastric balloon placement.” Endoscopy 44 Suppl 2 UCTN: E383-384.

Zheng, Y., et al. (2015). “Short-term effects of intragastric balloon in association with conservative therapy on weight loss: a meta-analysis.” J Transl Med 13: 246.