QUANTAS ENDOSCOPIAS DIGESTIVAS ALTAS QUALIFICADAS PODEM SER REALIZADAS EM 6h?

Você já parou para pensar nesta pergunta? No quanto ela é relevante para nossa especialidade, justamente por ser a Endoscopia Digestiva Alta (EDA) o principal e mais comum procedimento realizado dentro da Endoscopia Digestiva?

Tipos de pagamento

Pagamento por serviço executado (ou “Fee-for-Service”)

O modelo de remuneração preponderante no Brasil ainda é o baseado no pagamento por serviço executado (ou “Fee-for-Service”), que foi criado nos Estados Unidos na década de 1930. A crítica a este conceito é o estímulo ao volume e à complexidade dos serviços, por vezes desconsiderando a qualidade, que deveria ser o foco de todo hospital, e incentivando práticas inconsequentes de custo.

Pagamento baseado em valor (ou “value-based payment”)

Em todo o mundo há uma nítida transição deste modelo, em virtude das críticas mencionadas, para um modelo de pagamento baseado em valor (ou “value-based payment”). Nesta modalidade muda a ênfase do atendimento, passando do simples reembolso por exames e serviços solicitados para recompensar médicos por fornecer um cuidado coordenado e adequado, que mantém os pacientes saudáveis. Os programas de assistência com base em valor são projetados para reduzir os custos da assistência médica e melhorar o atendimento global ao paciente, alcançando uma melhor relação custo-benefício e otimizando resultados.

Verticalização

Paralelamente aos dois modelos descritos, surge o fenômeno da “verticalização” do mercado, onde grupos e corporações estabelecem trabalhos por turnos, costumeiramente de 6h, mas que também pode ser de 12h, quase como um “plantão”. Neste contexto é acordado com o Endoscopista realizar uma quantidade (habitualmente grande) de exames por um valor fixo, pré-determinado. É exatamente neste cenário que cabe o questionamento do limite de EDA´s que podem ser agendadas por turno de trabalho, mantendo uma produtividade efetiva, todavia sem causar qualquer prejuízo a qualidade do exame.

Primeiramente se faz necessário tentar conceituar o que seria uma EDA qualificada: “procedimento com indicação precisa, onde diagnósticos corretos/relevantes são reconhecidos ou excluídos, as terapias realizadas são apropriadas e todas as etapas que minimizam os riscos foram cumpridas”. No entanto, para sabermos se uma EDA realizada foi efetivamente qualificada, é mandatório comparar as performances individuais, ou de um serviço, com um benchmark ideal.  Eis que surge o primeiro desafio: qual seria este benchmarkideal?!

Para Colonoscopias os parâmetros já estão relativamente bem estabelecidos, sendo os principais: taxa de intubação cecal, taxa de detecção de adenoma (ADR) e tempo de retirada em exames de screening negativos. Porém para EDA os critérios relevantes não estão devidamente pacificados. Nós sabemos que a Qualidade na Endoscopia orbita em torno de um tripé constituído por três grandes variáveis: Estrutura x Resultado x Procedimento

Qualidade da endoscopia

Concernente a estrutura, destacamos a importância de Endoscopistas com treinamento apropriado e certificação da proficiência através dos meios competentes (no Brasil, certificado de conclusão de residência médica ou aprovação no título de especialista em endoscopia – AMB/SOBED); aparelhos com imagens em alta definição e cromoscopia virtual; reprocessamento de preferência automatizado, que cumpra todas as etapas e atenda a todos os pré-requisitos legais/sanitários; além de suporte de outras especialidades correlatas para condução adequada dos casos, como Patologia e Radiologia.

Os resultados devem ser regularmente aferidos e confrontados com os dados da literatura para parametrização, como as taxas de detecção de câncer e notificação de eventos adversos, quer sejam relacionados à sedação ou ao procedimento endoscópico propriamente dito.

Quanto ao procedimento, convém separar a etapa que antecede o mesmo (confirmação de tempo de jejum, preenchimento de termos de consentimento, coleta apropriada de história clínica/uso de medicações, etc), da etapa durante (documentação fotográfica, tempo de inspeção, etc) e da etapa após (critérios de alta, índice de satisfação do paciente, etc).

Para responder a pergunta original deste Post, que se refere a uma métrica temporal, vamos focar no tempo de inspeção propriamente dito da EDA, até porque esta é a principal variável do intraprocedimento e uma das maiores balizadoras da qualidade, além de buscar a melhor evidência científica disponível para tentar estabelecer o número de exames qualificados que podem ser realizados em 6h.

Antes, porém, para contextualizar a indiscutível importância do controle de qualidade na EDA, gostaria de apresentar os resultados de uma Meta-análise publicada por Shyam Menon e Nigel Trudgillno Endoscopy Internacional Open em 2014, que se propôs a avaliar o quão comum é a perda diagnóstica do câncer do trato gastrointestinal alto (TGI) à EDA e traz números alarmantes. Foram 10 estudos, 3.787 pacientes diagnosticados com câncer do TGI alto. Como conclusão, obteve-se que 11,3% e 6,4% dos CA’s não foram identificados em endoscopias prévias realizadas até 3 anos e 1 ano antes do diagnóstico, respectivamente.

O tempo de inspeção apropriado para o exame de EDA está diretamente relacionado a uma maior detecção de câncer no TGI, um dos mais importantes resultados esperados deste procedimento. O professor Kenshi Yao numa publicação de 2013 no Annals of Gastroenterologyacerca do diagnóstico endoscópico do câncer gástrico faz uma sistematização do exame de EDA, estabelecendo 8-10min como tempo mínimo necessário de efetiva avaliação do esôfago (2min), estômago (4min) e duodeno (2min), levando em consideração a adequada limpeza, insuflação e análise minuciosa de checkpointspré-estabelecidos. Vários outros trabalhos corroboram inequivocamente esta associação, sendo na maioria deles 7min o ponto de corte da duração do exame para alcançar a significância na detecção do câncer. Fizemos uma compilação das principais publicações acerca do tema, as quais sugerimos a leitura na íntegra:

GIE 2012;76:531-8

 

 

 

Clinical Gastroenterology and Hepatology 2015;13:480–487

 

 

 

 

 

 

Gastroenterology 2017;153:460–469

 

 

 

O cálculo do número máximo de EDA’s que podem ser realizadas num determinado intervalo de tempo precisa partir de algumas condições pré-concebidas:

  1. EDA’s diagnósticas padrão (“standard”)– exames diagnósticos de condições de alto risco (Barrett, Atrofia gástrica, antecedente neoplasia cabeça/pescoço, etc) ou exames terapêuticos não se enquadram nesta definição

  2. EDA’s realizadas em sala única –múltiplas salas para conduzir uma agenda alteram a conta

  3. Número suficiente de endoscópios – não havendo atrasos para esperar a finalização do reprocessamento

  4. Número suficiente de auxiliares de sala – peças fundamentais da engrenagem para otimizar o tempo

  5. Reprocessamento adequado dos endoscópios – todas as etapas e normas regulatórias seguidas fielmente

  6. Estrutura física apropriada – que comporte um fluxo contínuo de pacientes sem prejuízo a segurança

As etapas que imediatamente antecedem o exame endoscópico consumem em média mais 8-10min, a saber: assinatura dos termos de consentimento livre e informado; breve entrevista clínica, abordando tempo de jejum, sintomas, alergias, comorbidades, antecedente, etc; realização do ”time out”. Ainda há de considerar a retirada do paciente da sala ao término do procedimento.

Sendo assim, levando em consideração as etapas descritas, chegamos a conclusão que a duração completa de uma EDA é de, no mínimo, 20 (vinte) minutos. O Guideline de padrões de qualidade em EDA da Sociedade Britânica de Gastroenterologia (BSG) é a única publicação identificada por nós que faz a recomendação explícita de destinar 20min por EDA dentro de um agenda de exames.

Por fim, como hipoteticamente consideramos um turno de trabalho de 6h, temos que a resposta direta para o questionamento inicial é 18 (dezoito) exames de EDA qualificadas.




Mucocele de Apêndice – Qual o papel da Colonoscopia?!

CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

O termo Mucocele do Apêndice refere-se à obstrução e dilatação do lúmen apendicular devido ao acúmulo de substância mucoide.

Apesar de frequentemente utilizado, esse termo é ambíguo, sendo mais apropriado para descrever uma aparência de imagem ao invés de uma entidade patológica, uma vez que a natureza e o comportamento clínico das lesões mucinosas apendiculares englobam desde processos neoplásicos a não neoplásicos, sejam benignos ou malignos.

Embora a literatura mais antiga sobre o tema falhe na distinção entre lesões benignas e neoplásicas, a classificação das lesões mucinosas apendiculares sofreu um refinamento significativo ao longo dos anos. Em 2012, o Grupo Internacional de Oncologia de Superfície Peritoneal (PSOGI) desenvolveu uma classificação de consenso que ajudou a resolver grande parte da confusão em torno da terminologia diagnóstica:

 

  • Lesões mucinosas NÃO NEOPLÁSICAS do apêndice
    • Mucoceles simples ou cistos de retenção– caracterizados por alterações epiteliais degenerativas devido à obstrução (por exemplo, fecalito) e distensão, sem qualquer evidência de hiperplasia da mucosa ou neoplasia. Também são chamadas de mucoceles inflamatórias ou obstrutivas

 

  • Lesões mucinosas NEOPLÁSICAS do apêndice
    • Pólipos serrilhados do apêndice (5-25%) – Podem se apresentar com ou sem displasia. Apesar de lembrarem as lesões serrilhadas do cólon, possuem características moleculares diferentes
    • Neoplasias mucinosas do apêndice (63 a 84%)– são tumores mucinosos displásicos que podem ser classificadas como de baixo grau (LAMN) ou de alto grau (HAMN)
    • Adenocarcinomas mucinosos do apêndice (11 a 20%)– diferentemente das neoplasias mucinosas, apresentam um caráter francamente infiltrativo. Eles podem ser classificados como adenocarcinomas mucinosos moderadamente diferenciados ou pouco diferenciados (presença de células em anel de sinete)

 

MANIFESTAÇÃO CLÍNICA

A mucocele do apêndice é um achado incomum, com incidência relatada de 0,2% a 0,3% das amostras de apendicectomia.

Os pacientes geralmente são assintomáticos (50% dos casos) ou apresentam sintomas inespecíficos.

O sintoma mais frequente é dor abdominal no quadrante inferior direito. Uma massa abdominal é ocasionalmente palpável. Com menos frequência, os pacientes podem apresentar dor tipo cólica intermitente associada à intussuscepção da mucocele; obstrução intestinal por efeito de massa; sangramento gastrointestinal; sintomas genitourinários devido à obstrução do ureter direito ou bexiga;  abdome agudo por ruptura da mucocele ou sepse.

 

DIAGNÓSTICO ENDOSCÓPICO

Uma proporção significativa de todas as mucoceles é descoberta incidentalmente em imagens abdominais (TC, RNM, USG) e colonoscopias para investigação de dor abdominal ou rastreamento de câncer colorretal, ou ainda  durante cirurgias abdominais não relacionadas.

A aparência endoscópica típica da mucocele é de uma lesão subepitelial revestida por mucosa íntegra e brilhante, projetando-se sobre o lúmen apendicular, com o óstio localizado no centro do abaulamento (“sinal do vulcão”), eventualmente entrando e saindo do ceco conforme a respiração, bem como com drenagem de exsudato inflamatório hialino.

Por se tratarem de lesões subepiteliais, onde a mucosa subjacente é normal, as biópsias endoscópicas não são diagnósticas e consequentemente não devem ser realizadas.

“Sinal do Vulcão” (Imagem: arquivo pessoal)

Drenagem de exsudato inflamatório hialino (Imagem: arquivo pessoal)

Ausência de anormalidades à cromoscopia virtual com NBI (Imagem: arquivo pessoal)

 

A Ecoendoscopia (miniprobes) também pode ser realizada para ajudar a excluir outras lesões subepieliais, como lipomas, tumores neuroendócrinos e linfangiomas. A ultrassonografia endoscópica pode confirmar a natureza cística da mucocele, que se apresenta anecóica ou hipoecóica. Além disso, a invasão estromal, sugestiva de adenocarcinoma mucinoso, também pode ser observada. Pelos desafios no diagnóstico citológico dessas lesões e em virtude do risco da disseminação peritoneal, não se recomenda punção das mesmas.

Nos pacientes onde a mucocele foi detectada incidentalmente pela colonoscopia, com ou sem Ecoendoscopia, uma TC abdominal deve ser realizada para confirmar o diagnóstico e excluir outras etiologias. Por outro lado, quando detectada através de imagens abdominais (TC, RNM ou USG), a colonoscopia também pode ser usada para avaliar existência de outras lesões apendiculares, bem como para determinar se há envolvimento do ceco, o que seria compatível com a invasão local de um adenocarcinoma.

 

TRATAMENTO

Mucoceles do apêndice menores que 2 cm raramente são malignas, enquanto aquelas maiores que 6 cm são geralmente consideradas malignas e  com alto risco de ruptura (20%).

Embora seja uma doença rara, a aparência endoscópica da mucocele de apêndice é característica e permite um diagnóstico pré-operatório preciso. O reconhecimento da doença e a ressecção cirúrgica são obrigatórios devido ao potencial de transformação maligna, bem como para impedir a ruptura da mesma, o que promove o desenvolvimento do pseudomixoma peritoneal.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  1. Karakaya K et al. Appendiceal mucocele: Case reports and review of current literature. World J Gastroenterol 2008 April 14; 14(14): 2280-2283
  2. Zanati S et al. Colonoscopic diagnosis of mucocele of the appendix. GASTROINTESTINAL ENDOSCOPY Volume 62, No. 3 : 2005
  3. Cordero-Ruiz P et al. Appendiceal mucocele in a young patient – does size matter? Endoscopy 2011; 43: E243
  4. Ponsky J. An endoscopic view of mucocele of the appendix. GASTROINTESTINAL ENDOSCOPY Volume 23, No. 1 : 1976
  5. Nakagawa T. Colonoscopic diagnosis of mucocele of the appendix. GASTROINTESTINAL ENDOSCOPY Volume 39, No. 5 : 1993



Hematoquezia intermitente: Qual a melhor opção?

Homem, 72 anos, hipertenso, previamente hígido, foi referenciado à Colonoscopia por hematoquezia intermitente há 2 meses e dor retal esporádica. Exames laboratoriais evidenciavam apenas Hb 11 g/dL. Negava alteração de hábito intestinal ou perda de peso neste período. Ao toque retal não havia anormalidades, exceto pela presença de pequena quantidade de sangue vermelho vivo em “dedo de luva”. De antecedente pessoal relatava tratamento cirúrgico para Câncer de Próstata com necessidade de radioterapia há 1 ano.

Colonoscopia:


Colonoscopia por hematoquezia intermitente Colonoscopia por hematoquezia intermitente

Ocupando o reto médio e distal notam-se várias lesões vasculares planas, avermelhadas, aracneiformes, ocupando cerca de 50% da luz e apresentando pequena quantidade de sangue vermelho vivo.

Cromoscopia virtual com NBI:

Colonoscopia por hematoquezia intermitente Colonoscopia por hematoquezia intermitente

As lesões vasculares descritas são realçadas, percebendo-se com nitidez suas características e limites.

 

Confira quiz no Endoscopia Terapêutica

O portal Endoscopia Terapêutica tem como objetivo compartilhar experiências da prática diária, além de prover atualizações por meio de Artigos comentados, Casos clínicos, Diretrizes e discussões sobre endoscopia digestiva.

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Ética Médica nas Mídias Sociais: O que pode e o que não pode!

O uso das Mídias Sociais estão crescendo exponencialmente nos últimos anos e revolucionaram a prática médica, mudando a forma como estes profissionais de saúde se comunicam, sejam entre si ou com os pacientes, e compartilham experiências.

Cada plataforma de Mídia Social possui recursos específicos para interação entre os usuários. O Facebook é a mais amplamente utilizada com aproximadamente 1,9 bilhão de usuários ativos mensais. Ela permite criar um perfil pessoal, bem como profissional/institucional, que pode carregar informações, comentários e compartilhar materiais. Já o Twitter, outra plataforma também bastante utilizada para fins médicos, tem sido cada vez mais usada em todo o mundo. Nela os usuários podem compartilhar frases com “seguidores” que não excedam 140 caracteres, links diversos, além de fotos e vídeos curtos.

As finalidades mais habituais consistem em oportunidade de visibilidade das realizações, interação com pacientes, transmissão de credibilidade e confiança aos demais usuários, além de geração de tráfego para site de uma possível instituição vinculada.

Outro propósito que ganha cada vez mais adeptos é a atualização dos conhecimentos, visto serem as mídias sociais uma ferramenta rápida e direta, além de lúdica, que permite acesso à informação médica de qualidade. É neste contexto que os veículos produtores/disseminadores de evidência científica, como as revistas médicas internacionais, sites de conteúdo médico e as sociedades de especialidade, podem incrementar de maneira muito significativa o alcance de suas informações e a penetração de suas publicações no meio médico.

Diante de tantas formas de exposição nas mais variadas plataformas de Mídias Sociais, o ético exercício da medicina exige conhecimento e respeito aos limites da propaganda e da publicidade médica. Muitos profissionais ignoram este último ponto e, por vezes, se colocam em situações delicadas de afronta aos critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

O CFM possui duas resoluções – nº 1.974/11 e nº 2.126/15 – que delineiam claramente o que pode e o que não pode ser feito nessa área, estabelecendo os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo e a autopromoção. Além destas resoluções, existe a Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (CODAME) do CFM, a qual é resposável por novas proposições/atualizações de resolução acerca do tema, caso necessário, e possui um manual próprio onde estão compiladas todas as informações.

A Resolução nº 2.126 faz uma atualização da 1.974, tratando da ética médica nas redes sociais e na internet. Temas como distribuição de selfies (autorretratos), anúncio de técnicas não validadas cientificamente e a forma adequada de interação dos profissionais em mídias sociais foram abordados nesse documento.

Essa norma explica que os selfies não podem ser feitos em situações de trabalho e atendimento, orienta que nas mídias sociais (sites, blogs, Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp e similares), como já havia sido determinado, continua vedado ao médico anunciar especialidade/área de atuação não reconhecida ou para a qual não esteja qualificado e registrado junto aos Conselhos de Medicina, além de desaconselhar expressamente a publicação de imagens do tipo “antes” e “depois”, de compromissos com êxito em um procedimento e a adjetivação excessiva (“o melhor”, “o mais completo”, “o único”, “o mais moderno”), tão naturais em ambiente de competição puramente comercial. A regra em questão também veda ao médico consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa ou a distância, assim como expor a figura de paciente em divulgação de técnica, método ou resultado de tratamento. Além disso, orienta que nas peças publicitárias sempre constem dados como o CRM e o Registro de Qualificação de Especialista (RQE). No caso de estabelecimentos de saúde, deve ser indicado o nome do diretor-técnico-clínico (com suas informações cadastrais visíveis).

O RQE é um número fornecido, quando do registro (obrigatório) do título de especialista nos Conselhos Regionais de Medicina, a todos os médicos que sejam especialistas em áreas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Para obtenção do Título de Especialista, faz-se necessário realização de Residência Médica na especialidade pleiteada ou ser aprovado na Prova de Título de Especialista realizada pela sociedade da especialidade médica (AMB/CFM). Se você atua na especialidade e faz divulgação da mesma, deve fazer o seu RQE o quanto antes, pois desde 2011, publicidade sem o mesmo é infração ética.

Clique aqui e acesse as Resoluções CFM nº 1.974/11 e nº 2.126/15 na íntegra.

Compilamos as principais recomendações do CFM concernentes a prática ética da publicidade na medicina, sobretudo nas mídias sociais, para auxilar num exercício profissional sem incorrer em infrações éticas:

 




Quiz – Lesão plana de esôfago médio.

Homem, 70 anos, hipertenso, previamente hígido, foi referenciado à EDA por sintomas dispépticos de início recente. Etilista social de pequena quantidade, nunca fumou. Negava perda de peso ou disfagia. Exame físico sem anormalidades.

 

Imagem com luz branca

Na transição parede lateral direita/posterior, distando cerca de 24 cm da ADS, observa-se lesão não polipóide plana, esbranquiçada, de aspecto rugoso, formato irregular, porém bem delimitada, medindo cerca de 25mm no maior eixo.

 

Cromoscopia eletrônica com NBI

IPCL exibindo discreta dilatação, sinuosidade, calibre irregular e variação de formas.

 

Cromoscopia com Lugol

Presença de extensa área iodo-negativa em exata correspondência a lesão descrita na luz branca e na cromoscopia com NBI




Manejo Endoscópico da Síndrome de Boerhaave

Tratamento Endoscópico da Síndrome de Boerhaave

A Síndrome de Boerhaave (SB) é uma rara condição definida como perfuração esofágica espontânea de esôfago normal, não relacionada a corpos estranhos, instrumentação prévia, cirurgia ou trauma.

Após sua descrição inicial em 1724, a SB passou a ser considerada a perfuração gastrintestinal mais letal, com mortalidade próxima a 100%, se não diagnosticada ou se nenhum tratamento for instituído, e 20 – 40% de mortalidade global. A SB pode ser difícil de ser reconhecida na urgência, com possibilidade de um diagnóstico equivocado na apresentação em quase metade dos casos relatados. É mais comum em homens, por volta dos 60 anos de idade, estando a ruptura localizada na maioria dos casos na parede lateral esquerda do terço inferior, com diâmetro médio de 2cm.

Os sintomas mais comuns da SB incluem vômitos (84%), dor torácica (79%), dispneia (53%), dor epigástrica (47%) e disfagia (21%). A tríade de Mackler (dor torácica, vômitos e enfisema) é altamente sugestiva, porém encontrada em apenas um terço dos casos. O exame físico pode revelar enfisema subcutâneo e sinais relacionados ao desenvolvimento de hidropneumotórax.

A radiografia pode evidenciar pneumomediastino, derrame pleural, hidropneumotórax e presença de ar subdiafragmático, no entanto, pode ser normal em cerca de 12% dos pacientes. A tomografia computadorizada com contraste oral é capaz de identificar uma perfuração e o processo inflamatório circundante (por exemplo, mediastinite) – Figura 1. A maioria dos autores recomenda a endoscopia digestiva alta para confirmar a SB, com sensibilidade e especificidade de 100% e 83%, respectivamente – Figura 2. Há, contudo, preocupação quanto ao aumento do tamanho da perfuração existente.

    Figura 1 – Tomografia computadorizada mostrando pneumomediastino (setas) na parte inferior do esôfago no local da perfuração – corte Axial (a) e Coronal (b).

Figura 2 – Imagens endoscópicas mostrando perfuração esofágica (setas) em pacientes com SB.

Até recentemente a intervenção cirúrgica figurava como base do tratamento, no entanto, cirurgias em apresentações agudas carregam um alto nível de complicações. Com os avanços na endoscopia, tem havido um interesse crescente no uso de terapias endoluminais, incluindo sutura (OverStitch, Apollo EndosurgeryInc., Austin, TX, United States), clipes through-the-scope (TTS) e over-the-scope (OTSC, OvescoInc., Tubingen, Germany), além da derivação através de stents esofágicos autoexpansíveis.

O manejo atual da SB inclui tratamentos conservadores, endoscópicos e cirúrgicos. As taxas de sobrevivência para cada tratamento são de 75%, 100% e 81%, respectivamente. Nos casos de diagnóstico precoce e apresentação clínica com sepse, o tratamento cirúrgico é favorecido. O cenário ideal para abordagem endoscópica acontece quando o diagnóstico ocorre dentro das primeiras 48h e não existe sinais de sepse ou contaminação grosseira. O manejo conservador pode ser proposto apenas para pacientes com diagnóstico tardio, sem sepse e boa tolerância à contaminação pleural – quando há falha nesta abordagem geralmente é reconsiderado o tratamento cirúrgico.

O tratamento endoscópico visa principalmente evitar a contaminação séptica e guiar a reepitelização da mucosa esofágica, seja com o stent esofágico ou através da sutura endoscópica.

Os stents foram amplamente avaliados para uso em casos de fístulas esofágicas / perfuração, incluindo pacientes com SB. De fato, seu uso em associação com drenagem torácica tubular ajudou a evitar a cirurgia em 60% dos pacientes na primeira série de casos publicada e apresentou 100% de sucesso clínico em um estudo recente. A principal desvantagem do uso dos stents nesta situação é a migração, que pode ocorrer em até 31% dos pacientes, sendo necessário reposicionamento freqüente e eventualmente colocação de um novo. No que tange o tipo de stent utilizado, os metálicos auto-expansíveis parcialmente cobertos apresentam menor taxa de migração, mantendo boa facilidade de remoção. Com o intuito de mitigar as chances desta complicação faz-se necessário uso de fixação, que pode ser externa (técnica de Shim) ou através de endoclipes, preferencialmente do tipo over-the-scope – Figura 3.

Figura 3 – Uso de stent esofágico metálico autoexpansível totalmente recoberto com fixação externa através de sonda (técnica de Shim).

Endoclipes over-the-scope e dispositivos de sutura endoscópica têm sido utilizados com sucesso na SB, sejam em monoterapia ou eventualmente associados a outras modalidades endoscópicas, como derivação através de stens. Infelizmente no Brasil ainda possuem baixíssima disponibilidade nos centros hospitalares, o que limita consideravelmente suas aplicações – Figura 4.

Figura 4 – Posicionamento do OTSC para fechamento da perfuração sob supervisão fluoroscópica e endoscópica.

Assim, com base no exposto, sugerimos a seguinte abordagem endoscópica: para pacientes com apresentação precoce (<24h) e perfuração ≤1cm, fechamento direto com endoclipe ou sutura endoscópica. Na presença de extravasamento de contraste do esôfago, derrame pleural, empiema ou contaminação mediastinal, a drenagem adjuvante é mandatória, seja por radiologia intervencionista ou cirurgia (cirurgia torácica vídeoassistida ou toracotomia). Para aqueles pacientes com perfuração ≥1cm, o fechamento endoluminal primário pode ser tentado por derivação através da colocação de stent, associada a drenagem pleural, conforme necessário.

Idealmente, faz-se necessário um estudo prospectivo para fortalecer as recomendações apresentadas na literatura médica, bem como padronizar as indicações, o tempo e as características anatômicas para todas as modalidades de tratamento utilizadas.

Referências Bibliográficas

1. Dickinson KJ et al. Endoscopic therapy in the management of Boerhaave syndrome. Endoscopy International Open 2016; 04: E1146–E1150.

2. Tellechea JI et al. Role of Endoscopy in the Management of Boerhaave Syndrome. Clin Endosc 2018;51:186-191

3. Aloreidi Khalil et al. Non-surgical management of Boerhavaave´s syndrome: a case series study and review of the literature. Endoscopy International Open 2018; 06: E92–E97.




QUIZ! Lesão na cauda do pâncreas

Mulher, 40 anos, obesa (IMC 30,5 kg/m²), previamente hígida, com queixas de dor abdominal inespecífica e recorrente de leve/moderada intensidade há 3 meses. Nega DM, HAS ou perda de peso neste intervalo de tempo. Não é tabagista ou etilista, tampouco fazia uso regular de quaisquer medicamentos.

Exames laboratoriais todos normais, exceto por: AST 51 (até 31 U/L), ALT 62 (até 31 U/L), FA 110 (35-104 U/L), GGT 69 (8-41 U/L).

Ressonância magnética de abdome 

Pâncreas com imagem nodular de contornos lobulados, com sinal heterogêneo, havendo pequenas áreas císticas em seu interior, apresentando realce periférico e septal ao meio de contraste, sem evidente comunicação com o ducto pancreático, medindo cerca de 3,3 x 2,3cm, localizada na cauda do pâncreas.

Ecoendoscopia

Presença de lesão predominantemente sólida, com áreas císticas de permeio, arredondada, hipoecóica, heterogênea, com limites bem definidos, medindo 26 x 22 mm, localizada na transição corpo-caudal, sem fluxo ao Doppler e sem comunicação com o ducto pancreático, que apresenta calibre normal.

 

Foram realizadas punções ecoguiadas com agulha de 22G sem intercorrências e com obtenção de material representativo, que foi enviado para análise por cell-block.

 Diante da apresentação clínica e dos achados nos exames de imagem, qual o diagnóstico mais provável?




Síndrome de Plummer-Vinson

Dificuldade em engolir ou disfagia é um sintoma comum. Membranas esofágicas, apesar de infrequentes, podem ocorrer em associação com anemia por deficiência de ferro e disfagia. Esta tríade clínica foi denominada de diversas formas: “Síndrome de Plummer–Vinson” (SPV) e “Síndrome de Paterson–Brown–Kelly”. O primeiro termo foi derivado dos nomes de dois médicos americanos da Mayo Clinic (Henry Stanley Plummer e Porter Paisley Vinson), e o segundo por dois otorrinolaringologistas ingleses (Donald Ross Paterson e Adam Brown-Kelly).

A tríade típica da SPV não é vista em todos os pacientes com membrana esofágica. Disfagia e anemia por deficiência de ferro são as características mais comuns, embora alguns pacientes não apresentem uma membrana claramente demonstrável. Da mesma forma, nem todos os pacientes com anemia e membrana esofágica apresentam disfagia.

A Síndrome de Plummer-Vinson (SPV) é uma condição rara e que continua a ser enigmática, apesar de transcorrido um século desde a sua primeira descrição. A literatura disponível sobre sua patogênese, tratamento e história natural é limitada a relatos de casos e série de casos retrospectivas. Apesar de raros relatos em crianças e adolescentes, a maioria dos pacientes acometidos é de meia-idade (47 anos). A raça branca parece ser mais afetada que a negra, bem como as mulheres são muito mais afetadas que os homens (8:1), de tal forma que, em determinado momento, a SPV foi considerada uma doença exclusivamente feminina. Esta notável preponderância feminina pode ser atribuída, pelo menos em parte, a uma maior prevalência de anemia ferropriva entre as mulheres, devido à menor ingestão dietética, perda de sangue menstrual e gravidez.

Patogênese

A patogênese exata da SPV ou da formação da membrana esofágica não é clara porque, pelo menos em parte, tais estudos são difíceis de conduzir devido à natureza infrequente dessa condição. Vários mecanismos foram propostos, como fatores genéticos, nutricionais, autoimunes e infecciosos. No entanto, a anemia ferropênica é único fator aceito por unanimidade para desempenhar um papel. Sabe-se que o trato gastrointestinal é susceptível à ferropenia, dada sua elevada taxa de renovação celular com enzimas dependentes de ferro. Dessa forma, é possível que tal alteração promova degradação da mucosa e formação de membranas, bem como alteração na contração muscular por degradação progressiva dos músculos da faringe devido à redução de enzimas oxidativas ferro-dependentes.

Tratamento

O tratamento dos pacientes com Síndrome de Plummer-Vinson tem por objetivo a correção da anemia, bem como da disfagia.

A reposição com ferro por via oral é eficaz no tratamento da maioria dos pacientes com anemia ferropriva, entretanto, em algumas situações específicas, nas quais a terapia por via oral é insuficiente, a administração de ferro por via parenteral é uma alternativa eficaz.

A dilatação endoscópica através dos dilatadores de Savary-Gilliard ou de balão é bastante eficaz e segura. É recomendada utilização da “regra dos 3”, que consiste em três diâmetros consecutivos de dilatadores em cada sessão, tendo como alvo um diâmetro final de 15mm. Normalmente são necessárias poucas sessões, eventualmente apenas uma, para alcançar resolução da disfagia, com eventos adversos em torno 1-3%.

O desfecho em curto prazo é geralmente favorável porque a disfagia e a anemia podem ser tratadas de forma eficaz. Alguns pacientes podem recidivar, principalmente por causa da descontinuação
de tratamento e menos comumente após uma melhora clínica que parecia estável. As taxas de recorrência variaram entre 14% e 30% e ocorrem geralmente no seguimento a longo prazo.

Outras opções terapêuticas descritas são coagulação com plasma de argônio ou YAG laser, especialmente em casos de múltiplas recorrências.

A Síndrome de Plummer-Vinson está associada a um alto risco de transformação maligna (3% -30%) e por isso é considerada uma lesão pré-cancerosa, principalmente para carcinoma de células escamosas da hipofaringe ou do esôfago superior. Portanto, o acompanhamento a longo prazo desses pacientes é necessário. A vigilância através de endoscopia digestiva alta anual para detecção precoce de neoplasia é recomendada por muitos autores, contudo a eficácia desta recomendação não está confirmada definitivamente.

Caso clínico de exemplo:

Mulher, 45 anos, com queixas de disfagia alta (cervical) progressiva, predominantemente para sólidos, há cerca de um ano e meio.

Nega DM, HAS ou perda de peso neste intervalo de tempo. Não é tabagista ou etilista, tampouco possui histórico de neoplasias nos antecedentes clínicos. Como única intervenção cirúrgica, submeteu-se à gastroplastia redutora à Capella há 7 anos para tratamento de obesidade, sem relato de reganho de peso.

Exames laboratoriais revelaram Hb 9,1g/dL (12-16g/dL), Ht 28,5%,  Ferro sérico 20µg/dL (37-145 µg/dL), Transferrina 80 µg/dL (250-380 µg/dL), Sat. Ferro 19% (20-40%).

No caso em questão, a EDA revelou curto segmento de estenose no esôfago proximal, imediatamente abaixo do cricofaríngeo, composto por finas membranas esbranquiçadas, que ocupavam metade da circunferência local cada e conferiam leve/moderada resistência à passagem do gastroscópio (9,8mm).

As biópsias da área de estenose evideciaram esofagite crônica leve, sem sinais de especificidade. Concomitante à reposição de ferro procedeu-se dilatação endoscópica através de sondas termoplásticas (Savary-Gilliard) até 17mm, obtendo-se excelentes resultados em sessão única:

 

Referências Bibliográficas

1. Goel A, Bakshi S, Soni N, Chhavi N. Iron deficiency anemia and Plummer–Vinson syndrome: current insights. Journal of Blood Medicine. 2017:8 175-184.

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Como citar esse artigo:
Brasil G. Síndrome de Plumer-Vinson. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-de-plummer-vinson/ 



QUIZ! Disfagia

 

µg/dL (37-145 µg/dL), Transferrina 80 µg/dL (250-380 µg/dL), Sat. Ferro 19% (20-40%).

Realizou EDA:

Área de estenose em esôfago proximal (15cm da ADS) com 1,5cm de extensão, que conferia moderada resistência à passagem do gastroscópio (9,8mm)

 

Status pós-operatório de gastroplastia redutora à Capella sem anormalidades.




QUIZ! Qual sua opinião sobre essa suspeita de esôfago de Barrett?

 

Homem, 36 anos, apresenta queixa de pirose esporádica há 6 meses e faz uso regular de IBP com melhora do sintoma. Não apresenta comorbidades, pratica atividade física regular e possui IMC 23,8 Kg/m2. Vai ao seu consultório para uma segunda opinião após realizar EDA que evidenciou o seguinte achado:

Esôfago distal, imediatamente acima da junção escamocolunar, exibe três projeções digitiformes regulares (setas) de coloração salmão, semelhantes à mucosa gástrica, medindo entre 5-6mm de extensão. Realizadas biópsias.

Resultado das biópsias realizadas nas projeções descritas:

– Epitélio colunar com presença de células caliciformes (metaplasia intestinal) e ausência de displasia – Esôfago de Barrett.