CORPO ESTRANHO IMPACTADO NA GARGANTA: VOCÊ SABE AVALIAR?
“Doutor, estava comendo peixe e engoli uma espinha! Estou sentindo ela presa aqui na minha garganta!”
Todo endoscopista que faz plantão de sobreaviso já passou por essa situação.
Espinha de peixe e espículas de frango são os mais terríveis, pois têm grande chance de ficar impactados em algum local do trajeto (hipofaringe, esôfago, etc).
Quando pensei em escrever sobre esse assunto, o principal objetivo era familiarizar o endoscopista com o exame e a anatomia das estruturas supraglóticas, visto que, para nós, essa é uma região apenas “de passagem”. Mas também vamos recapitular o que os guidelines orientam sobre o melhor momento de realizar esse exame.
Em alguns serviços existe uma discussão a respeito de quem deveria atender a esses pacientes: endoscopistas ou os otorrinos? Já deixo aqui a minha opinião:
- Exame físico dedicado com o otorrinolaringologista deveria ser a conduta padrão, pois é simples de realizar, pode resolver o problema rapidinho e não exige sedação;
- Caso o otorrino não encontre a espinha impactada em nenhum lugar acessível, o exame endoscópico estaria indicado;
Mas nem sempre temos o melhor dos mundos a nosso favor e, tendo a suspeita de corpo estranho impactado “na garganta”, não podemos omitir socorro ao paciente, ok?
Então, vamos lá!
O que diz o guideline da ASGE sobre ingestão de objetos pontiagudos?
Objetos pontiagudos (agulhas, ossos, palitos de dente)
- Laringoscopia direta é uma opção para remover objetos acima do cricofaríngeo;
- Objeto pontiagudo impactado no esôfago é uma emergência médica e deve ser retirado imediatamente;
- A maioria dos objetos pontiagudos passam pelo TGI sem incidentes. No entanto, a chance de complicação pode chegar até 35%. Portanto, objetos pontiagudos no estômago ou duodeno proximal devem ser retirados por endoscopia.
Clique aqui para ver o guideline.
O guideline não fala a respeito de jejum em cada situação, mas deixo aqui a minha opinião:
- Suspeita de impactação acima do cricofaríngeo: melhor esperar jejum (ou fazer com anestesia tópica, mas nem sempre o paciente colabora);
- Suspeita de impactação no esôfago: emergência médica! Exame imediato!
- Sem suspeita de impactação no esôfago: exame assim que completar o jejum.
Anatomia da laringe

Figura 1: visão endoscópica da laringe. Epiglote parcialmente visualizada.
Exame endoscópico
Paciente jovem, feminina, refere ingestão de corpo estranho (osso de frango) há 2 dias. Refere dor na garganta e suspeita que o osso de frango está impactado em algum lugar.
Para ser honesto, com essa história arrastada de 2 dias e poucos sintomas, meu palpite era que eu não iria achar nada no local. Mesmo assim, procedemos com o exame cuidadoso.

Figura 2: exame do esôfago e coto gástrico normal.

Figura 3: laringe, seio piriforme esquerdo e direito.

Figura 4: epiglote, pilar amigdaliano direito e tonsila direita.
Até agora, nada. Porém, cumpre lembrar que a endoscopia digestiva alta não é o exame adequado para estudar essa região. O relaxamento da musculatura, devido à sedação e ao posicionamento do paciente, dificulta o exame adequado. Por isso, sempre recomendamos realizar um exame com auxílio de um cap acoplado à extremidade do aparelho antes de concluir que está tudo bem.

Figura 5: exame com auxílio de cap. Visualização da epiglote e da valécula (região atrás da epiglote).

Figura 6: exame da tonsila esquerda como auxílio de cap e identificação de corpo estranho.
Como viram, devemos procurar com muita atenção um possível corpo estranho nessa região, realizando exame da orofaringe e hipofaringe com muito cuidado e lembrar sempre do uso do cap. Cuidado com conclusões precipitadas!
Como citar este artigo:
Martins BC. CORPO ESTRANHO IMPACTADO NA GARGANTA: VOCÊ SABE AVALIAR?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/corpo-estranho-impactado-na-garganta-voce-sabe-avaliar
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