Dieta pobre em resíduos vs dieta líquida antes da colonoscopia: uma metanálise de trabalhos randomizados e controlados
Realizar revisão sistemática e metanálise de estudos comparativos onde dois grupos de pacientes foram submetidos a colonoscopia e consumiram uma dieta líquida (DL) versus dieta pobre em resíduos (DPR), na véspera do exame.
Métodos: Pesquisa nos bancos de dados: Scopus, PubMed / MEDLINE, Cochrane, e CINAHL.
A análise foi realizada usando os modelos DerSimonian e Laird Mantel-Haenszel, ou com o odds ratio (OR). Sendo os desfechos: qualidade do preparo, tolerabilidade, vontade de repetir a dieta e efeitos adversos.
Resultados: Nove estudos (1686 pacientes) foram incluídos.
O grupo de pacientes que consomem uma DPR comparado ao grupo da DL apresentou taxas significativamente maiores de tolerabilidade (OR 1,92; IC 95%, 1,36-2,70; P <0,01) e vontade de repetir o preparo (OR 1,86; IC 95%, 1,34-2,59; P < 0,01), sem diferenças em relação a qualidade do preparo (OR 1,21; 95% CI, 0.64-2.28; PZ 0,58) ou efeitos adversos (OR 0,88; IC 95%, 0,58-1,35; PZ 0,57).
Conclusão: Uma DPR antes da colonoscopia resultou em melhor tolerabilidade pelos pacientes e uma maior vontade de repetir o preparo. Não houve diferenças quanto aos efeitos adversos ou qualidade do preparo. Esse resultado sugere que a dieta líquida deva ser substituída pela dieta pobre em resíduos.
Comentário:
O resultado desse estudo é no mínimo questionável devido ao grande número de vieses, sendo um dos principais a ausência de dados sobre o nível de instrução e compreensão dos pacientes. Esse tipo de viés tende a ser maior em países em desenvolvimento. Nessa metanálise, 200 pacientes do Líbano estão incluídos. Não que esse seja um fator determinante para dizer que o resultado desse estudo está completamente equivocado, mas não há dúvidas que isso deva ser levado em consideração. Explico o porquê. Notem; no Brasil todos sabemos que há diferenças brutais entre os sistemas público e privado, não só em relação a qualidade do atendimento e a infraestrutura, mas também em relação ao grau de instrução e compreensão dos pacientes, portanto esse fato não pode ser menosprezado, e obviamente isso influencia no resultado final do presente trabalho. Sabemos que a orientação dos pacientes para a realização do preparo da colonoscopia (dieta e as medidas a serem adotadas na véspera) é fundamental para que a preparação intestinal tenha sucesso. Não é raro em nossa prática clínica, observarmos algumas situações que contradizem o resultado desse estudo. Diversas vezes quando adotamos uma dieta líquida restrita conseguimos um preparo de melhor qualidade em comparação com a dieta pobre em resíduos; isso se torna mais evidente quando os pacientes apresentam níveis socioculturais mais baixos.
Apesar dessa metanálise ser composta por trabalhos randomizados, há outros vieses que também contribuem para diminuir a relevância do seu resultado, são eles:
- A metanálise é composta de estudos de baixa qualidade: dos 9 estudos selecionados, 5 apresentam pontuação 3 na escala de Jaddad (moderada qualidade) e 4 apresentam pontuação 2 (baixa qualidade).
- A substituição das dietas pobres em resíduos variou: alguns permitiram essa dieta somente pela manhã, outros em duas refeições, e alguns substituíram as três refeições.
- Foram adotados diferentes tipos de soluções para o preparo.
- Alguns estudos usaram dietas pré-fabricadas e outros dietas baseadas em protocolos próprios.
- As escalas de avaliação do preparo não foram as mesmas.
- Os estudos incluídos nessa metanálise foram baseados em “abstracts”.
E como discutido anteriormente, algumas questões essenciais que precisavam ser respondidas:
- Como foi feita a orientação do preparo (email, telefone, internet, pessoalmente)?
- O nível de escolaridade dos pacientes?
- Foram preparos domiciliares ou hospitalares?
Em resumo, o resultado do presente estudo deve ser visto com parcimônia. Estudos com menos vieses são necessários para se chegar à uma conclusão mais precisa sobre esse tema.