Quiz Vigilância Pós-Polipectomia

Vamos ver se você acerta essa sobre a vigilância pós-polipectomia?

Homem de 52 anos e sem comorbidades é submetido a sua primeira colonoscopia para rastreamento.

No cólon descendente, observa-se volumoso pólipo pediculado. Efetuada polipectomia.

Análise histopatológica mostrou tratar-se de adenoma túbulo-viloso com displasia epitelial de alto grau, com margens livres (imagens gentilmente cedidas por Dra. Syomara Melo).




Demografia Médica no Brasil 2023 – Uma leitura sobre a Endoscopia Digestiva

Publicado em fevereiro de 2023, a pesquisa Demografia Médica no Brasil (DMB), é uma referência sobre a profissão e suas especialidades no país. Iniciada em 2011 no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o estudo encontra-se na sua sexta edição, e é fruto do acordo de cooperação técnica celebrado entre a Associação Médica Brasileira (AMB) e a FMUSP.

No relatório, é apresentada uma análise demográfica detalhada e atualizada, discriminando também aspectos relevantes das especialidades e residências médicas.

Com isso, é possível extrair informações relevantes sobre quantos e quais médicos estão disponíveis no Brasil para atuar no sistema de saúde, quais as regiões mais ou menos assistidas, o que mudou na formação e no trabalho médico no país, entre outras informações.

Aqui estão alguns dos principais pontos:

  • Em pouco mais de duas décadas, desde 2000, quando o Brasil contava com 219.896 médicos, o número de profissionais mais do que dobrou. No mesmo período, a população geral do país cresceu cerca de 27%

  • A estimativa é que o Brasil chegue em 2025 com taxa de 2,91 médicos por 1.000 habitantes, quase três vezes maior que a taxa de 1980 (0,94 médico por 1.000 habitantes), e acima da taxa de 2015, que era de 2 médicos por 1.000 habitantes.
  • A distribuição de médicos é desigual em todo o país, com a região Sudeste tendo a maior concentração de médicos (3,39 por 1.000 habitantes), enquanto a região Norte tem a menor (1,45 por 1.000 habitantes).

  • Mulheres serão a maioria dos médicos em 2024 (50,2%)

Em relação à Endoscopia Digestiva:

  • A especialidade de Endoscopia conta com 1.253 médicos do sexo feminino (31,7%) e 2.703 do sexo masculino (68,3%), resultando em uma razão de 2,2 homens para cada mulher na especialidade.
  • Houve um aumento de 2374 especialista em 2012 para 4365 em 2023 (aumento de 83,86%).
  • A média de idade do especialista é 50,5 +/- 12 anos

    • < 35 anos: 400 (10,1%)
    • >55 anos: 1477 (37,3%)

  • Existem 142 residentes em Endoscopia (67 são R1), representando 0,3% do total de residentes do país.

  • Os estados com maior número de especialistas em Endoscopia são:
Unidade da Federação Número de Especialistas Percentual do Total (%)
Brasil 4365 100%
São Paulo 1181 27.05%
Minas Gerais 452 10.36%
Rio de Janeiro 383 8.77%
Paraná 333 7.63%
Rio Grande do Sul 319 7.31%
Bahia 230 5.27%
Santa Catarina 202 4.63%
Ceará 170 3.89%
Goiás 138 3.16%
Distrito Federal 128 2.93%
Pernambuco 124 2.84%
Espírito Santo 107 2.45%
Paraíba 86 1.97%
Pará 72 1.65%
Mato Grosso 65 1.49%
Mato Grosso do Sul 57 1.31%
Maranhão 49 1.12%
Alagoas 47 1.08%
Rio Grande do Norte 44 1.01%
Amazonas 40 0.92%
Piauí 37 0.85%
Sergipe 37 0.85%
Tocantins 26 0.60%
Rondônia 24 0.55%
Amapá 7 0.16%
Roraima 4 0.09%
Acre 3 0.07%

  • Entre os especialistas em Gastroenterologia (5997), 2.128 (35,48%) também são especialistas em Endoscopia.
  • Outras áreas com mais de uma especialização, incluindo Endoscopia:

Quais foram os dados que mais te surpreenderam?

Referências

  1. SCHEFFER, M. et al. Demografia Médica no Brasil 2023. São Paulo, SP: FMUSP, AMB, 2023. 344 p. ISBN: 978-65-00-60986-8.
  2. Documento completo: https://amb.org.br/wp-content/uploads/2023/02/DemografiaMedica2023_8fev-1.pdf

Como citar este artigo

Medrado B. Demografia Médica no Brasil 2023 – Uma leitura sobre a Endoscopia Digestiva. Endoscopia Terapeutica 2023 vol 2. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/demografia-medica-no-brasil-2023-uma-leitura-sobre-a-endoscopia-digestiva




Onde coletar as biópsias gástricas para o estadiamento OLGA?

O protocolo OLGA para estadiamento da atrofia gástrica ficou muito popular no nosso meio. Cada vez mais os endoscopistas estão recebendo pedidos dos gastroenterologistas solicitando coleta de biópsias conforme o protocolo OLGA.

Mas existe uma dúvida persistente: de que locais devemos coletar essas biópsias?

O Sistema Sidney

Primeiramente, devemos revisitar um artigo importantíssimo acerca do assunto: O update do sistema Sydney, escrito pelo Dr. Michael Dixon, pelo famoso Dr. Pelayo Correa além de outros autores (Dixon M, 1996). Destaco esse trecho:

Recommendations: For optimal assessment, five biopsy specimens are taken, two from the antrum within 2 to 3 cm from the pylorus, one from the distal lesser curvature, and the other from the distal greater curvature, two from the corpus about 8 cm from the cardia (one from the lesser and the other from the greater curvature), and one from the incisura angularis (Fig. 2). Samples from antrum, corpus, and incisura angularis should be separately identifiable.”

Sistema OLGA

Em abril de 2005, um grupo internacional de gastroenterologistas e patologistas (Operative Link for Gastritis Assessment [OLGA]) reuniu-se em Parma, Itália, com o objetivo de reavaliar criticamente as diretrizes atualizadas do Sistema de Sydney e determinar se seria possível adicionar alguma espécie de estadiamento da gastrite crônica.

Como o risco do CaG esta relacionado a extensão da atrofia gástrica, um sistema que envolvesse o status da atrofia poderia fornecer informações importantes para o prognostico e seguimento desses pacientes. Nasce então o sistema OLGA.

Nesse artigo, os autores escrevem o seguinte paragrafo:

“…the Sydney Systems took into account the topographical distribution of the elementary lesions in the different gastric compartments and recommended that multiple endoscopic biopsy samples be taken from predefined sites of the stomach [8]. Five main sites were considered necessary: (1) greater and lesser curvature of the distal antrum (mucus-secreting mucosa), (2) greater and lesser curvature of the proximal corpus (oxyntic mucosa), and (3) lesser curvature at the incisura angularis, where the earliest atrophic-metaplastic changes tend to occur.” [Rugge M. Hum Pathol. 2005]

Ou seja, eles se baseiam nas recomendações do sistema Sidney e recomendam biópsias da pequena e grande curvatura tanto de corpo quanto de antro, além da incisura.

Em 2007 surge uma nova publicação do protocolo OLGA

“According to the Sydney system, the biopsy sampling protocol required that no less than five biopsy samples were obtained: two from the antral mucosa; one from the mucosa of the angularis incisura; two from the oxyntic area. Biopsy samples were submitted to the pathology department in different vials labelled according to the site of the sample.” [Rugge M. Gut. 2007]

Notem que aqui ele já não fala nada a respeito da parede gástrica, se pequena curvatura, grande, anterior ou posterior.

Um ano depois, em 2008, sai a seguinte publicação

“The OLGA proposal (basically consistent with the Houston-updated biopsy protocol) consists in recommending (at least) five biopsy samples from: (1) the greater and lesser curvatures of the distal antrum (A1–A2 = mucussecreting mucosa); (2) the lesser curvature at the incisura angularis (A3), where the earliest atrophic–metaplastic changes mostly occur; and (3) the anterior and posterior walls of the proximal corpus (C1–C2 = oxyntic mucosa) (Fig. 2)”. Rugge M. Dig Liver Dis. 2008.

Aqui ele já muda para parede anterior e posterior de corpo, porém cita a mesma referência de Dixon M et al, do updated Sydney System de 1994, que recomendava PC e GC 🧐. Esse novo artigo do Dr. Massimo Rugge tem ilustrações bonitinhas e que foram bastante reproduzidas nas aulas de congressos, publicações, etc. Talvez um dos motivos da maioria das pessoas entenderem que o local correto é a parede anterior e posterior de corpo.

Teria sido um erro da publicação?

A princípio parece que não, pois em publicações posteriores, Massimo Rugge e colaboradores reiteram a coleta na parede anterior e posterior de corpo, mas em outras publicações voltam para pequena e grande curvatura e em algumas citam apenas corpo, antro e incisura, sem especificar a parede. Explicado então porque existe tanta confusão a esse respeito.

MAPS II

Mais recentemente, a ESGE, em conjunto com outras sociedades europeias (European Helicobacter and Microbiota Study Group (EHMSG), European Society of Pathology (ESP), and Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED) publicaram o consenso MAPS (Management of epithelial precancerous conditions and lesions in the stomach). Nesse consenso a preferência é pela pequena e grande curvatura.

“Biopsies of at least two topographic sites (from both the antrum and the corpus, at the lesser and greater curvature of each) should be taken and clearly labelled in two separate vials.”

Nesse consenso a preferência é pela pequena e grande curvatura, mas sumiu a incisura angularis! 😫

Incisura angularis: to biopsy or not biopsy?

Mais biópsias permitirão um melhor estadiamento. No entanto, na prática clínica, mais biópsias significam mais tempo e mais custos.

O racional para a biópsia da incisura vem das recomendações do sistema Sydney atualizado. O sistema Sydney original recomendava duas biópsias de antro e duas de corpo. Já o sistema Sydney atualizado recomenda incluir a incisura, visto ser o local onde mais precocemente ocorre as alterações atróficas e metaplásicas “….lesser curvature at the incisura angularis, where the earliest atrophic-metaplastic changes tend to occur”. No entanto, essa recomendação foi baseada em conceitos, e não havia evidências cientificas sugerindo um benefício clínico.

Estudos sobre o benefício da amostragem de biópsia da incisura:

  • Um grande estudo com mais de 400 mil biópsias mostrou que a aderência ao sistema original de Sydney proporcionou a mais alta eficácia diagnóstica para infecção por H. pylori e IM. A inclusão de uma biópsia da incisura resultou em ganhos diagnósticos marginais a um custo adicional. [Lash JG, 2013]
  • Dois estudos europeu mostraram que sem a biópsia da incisura, 14/1048 pacientes mudariam a categoria de alto risco (III/IV) para baixo risco (I/II) do estadiamento OLGA. [Isajevs S, 2014 e Varbanova M, 2016]
  • Isso se traduziu em um número necessário para tratar de 75 – 80, o que significa que um em cada 75 – 80 pacientes não seria corretamente incluído em um grupo de alto risco se a biópsia da incisura não fosse realizada.
  • Outro estudo europeu, incluindo população de alto risco (parentes de primeiro grau de pacientes com câncer gástrico de início precoce) avaliou o sistema OLGA sem a biópsia da incisura e demonstrou um downgrade geral de 15% e 30% em comparação com o sistema OLGA original. No entanto, para pacientes em estágios de alto risco (OLGA III/IV), o rebaixamento foi menor (apenas 5% dos pacientes). [Marcos-Pinto R, 2012]
  • Um estudo coreano (Kim YI, 2017) incluindo 247 pcts de alto risco testou vários protocolos de biópsias e mostrou que incluir a incisura angularis e obter biópsias da pequena e grande curvaturas de corpo (PC + GC) ao invés da parede anterior e posterior (AP) identificavam mais pacientes no grupo de alto risco de OLGA e OLGIM

    • Corpo (PC + GC), incisura, antro (PC + GC) = 64,4%
    • Corpo (PC + GC) + antro (PC + GC) = 59,5% (p= .031)
    • Corpo (AP), incisura, antro (PC + GC) = 55,5% (P< .001)
    • Corpo (AP) + antro (PC + GC) = 47,8% (P< .001)

Em resumo, existe um pequeno rendimento adicional de uma biópsia da incisura o qual precisa ser equilibrado em relação aos custos e tempo, tempo e trabalho. O consenso MAPS II recomenda um mínimo de duas biópsias do antro e duas biópsias do corpo, observando que pode ser considerado adicionar uma biópsia da incisura para maximizar a detecção de pacientes com condições pré-neoplásicas, especialmente quando a cromoendoscopia não está disponível.

Onde colher então?

Minha preferência é pela pequena e grande curvatura. Além dos motivos já expostos, devemos lembrar da linha F, que é a linha de progressão da atrofia no estômago. Segundo a classificação de Kimura, a linha F se estende pela pequena curvatura do corpo em direção à cárdia. Ou seja: maior chance de pegar uma amostra com sinais de atrofia se incluirmos a PC nas amostras.

Saiba mais

Classificação de Kimura-Takemoto

Explicação sobre estadiamento OLGA

OLGA, OLGIM e Kimura

Laudando gastrite atrófica

Referências

  1. Dixon MF, Genta RM, Yardley JH, Correa P. Classification and grading of gastritis. The updated Sydney System. International Workshop on the Histopathology of Gastritis, Houston 1994. Am J Surg Pathol. 1996 Oct;20(10):1161-81. doi: 10.1097/00000478-199610000-00001. PMID: 8827022.
  2. Rugge M, Genta RM. Staging and grading of chronic gastritis. Hum Pathol. 2005 Mar;36(3):228-33. doi: 10.1016/j.humpath.2004.12.008. PMID: 15791566.
  3. Rugge M, Meggio A, Pennelli G, Piscioli F, Giacomelli L, De Pretis G, Graham DY. Gastritis staging in clinical practice: the OLGA staging system. Gut. 2007 May;56(5):631-6. doi: 10.1136/gut.2006.106666. Epub 2006 Dec 1. PMID: 17142647; PMCID: PMC1942143.
  4. Rugge M, Correa P, Di Mario F, El-Omar E, Fiocca R, Geboes K, Genta RM, Graham DY, Hattori T, Malfertheiner P, Nakajima S, Sipponen P, Sung J, Weinstein W, Vieth M. OLGA staging for gastritis: a tutorial. Dig Liver Dis. 2008 Aug;40(8):650-8. doi: 10.1016/j.dld.2008.02.030. PMID: 18424244.
  5. Pimentel-Nunes P, Libânio D, Marcos-Pinto R, Areia M, Leja M, Esposito G, Garrido M, Kikuste I, Megraud F, Matysiak-Budnik T, Annibale B, Dumonceau JM, Barros R, Fléjou JF, Carneiro F, van Hooft JE, Kuipers EJ, Dinis-Ribeiro M. Management of epithelial precancerous conditions and lesions in the stomach (MAPS II): guideline update 2019. Endoscopy. 2019 Apr;51(4):365-388. doi: 10.1055/a-0859-1883. Epub 2019 Mar 6. PMID: 30841008.
  6. Misiewicz JJ. The Sydney System: a new classification of gastritis. Introduction. J Gastroenterol Hepatol 1991; 6: 207 – 208
  7. Isajevs S, Liepniece-Karele I, Janciauskas D et al. The effect of incisura angularis biopsy sampling on the assessment of gastritis stage. Eur J Gastroenterol Hepatol 2014; 26: 510 – 513
  8. Lash JG, Genta RM. Adherence to the Sydney System guidelines increases the detection of Helicobacter gastritis and intestinal metaplasia in 400738 sets of gastric biopsies. Aliment Pharmacol Ther 2013; 38: 424 – 431
  9. Varbanova M, Wex T, Jechorek D et al. Impact of the angulus biopsy for the detection of gastric preneoplastic conditions and gastric cancer risk assessment. J Clin Pathol 2016; 69: 19 – 25
  10. Marcos-Pinto R, Carneiro F, Dinis-Ribeiro M et al. First-degree relatives of patients with early-onset gastric carcinoma show even at young ages a high prevalence of advanced OLGA/OLGIM stages and dysplasia. Aliment Pharmacol Ther 2012; 35: 1451 – 1459
  11. Kim YI, Kook MC, Cho SJ, Lee JY, Kim CG, Joo J, Choi IJ. Effect of biopsy site on detection of gastric cancer high-risk groups by OLGA and OLGIM stages. Helicobacter. 2017 Dec;22(6). doi: 10.1111/hel.12442. Epub 2017 Sep 22. PMID: 28940945.

Como citar este artigo

Martins BC. Onde coletar as biópsias gástricas para o estadiamento OLGA? Endoscopia Terapeutica 2023, vol 2. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/onde-coletar-as-biopsias-gastricas-para-o-estadiamento-olga




Nova Classificação de Eventos Adversos em Endoscopia Digestiva: AGREE

Com a expansão das técnicas endoscópicas diagnosticas e terapêuticas faz-se necessário métodos uniformes e mundialmente reconhecidos para avaliação dos eventos adversos relacionados aos procedimentos endoscópicos. Essa padronização permite avaliação da qualidade de serviço, de procedimento, bem como, para estudos científicos (coorte, ensaios clínicos randomizados e metanálises).

Na literatura atual há uma escassez de ferramentas de definição para tais eventos. Para intervenções cirúrgicas existe a classificação de Clavien-Dindo (CD)1, que, por vezes, sua utilização foi extrapolada para procedimentos endoscópicos. A classificação de CD é inadequada quando aplicada para procedimentos endoscópicos, pois existem diferenças quanto a origem dos pacientes: a maioria são ambulatoriais nos procedimentos endoscópicos comparado ao perfil internado para as intervenções cirúrgicas.

Com o objetivo de padronizar o registro de eventos adversos em endoscopia digestiva, foi proposta a nova classificação chamada AGREE (Classification for Adverse events in GastRointEstinal Endoscopy)2.

Esta classificação estratifica os pacientes desde os que não apresentam eventos adversos em 30 dias até os que evoluem para óbito por complicações relacionadas ao procedimento endoscópico (vide tabela 1). A definição de evento adverso nesta nova classificação foi similar à classificação de CD, que define evento adverso como um desfecho negativo para o paciente que impede a conclusão de um procedimento planejado ou causa qualquer desvio do curso pós-procedimento padrão, independente da correlação direta. Por exemplo, paciente vítima de acidente de bicicleta que foi submetido a colonoscopia 3 dias antes sob sedação consciente pode parecer não relacionado ao procedimento, mas ainda deve ser registrado como evento adverso. Vale ressaltar que, assim como é realizado na classificação de CD, caso o paciente apresente múltiplos eventos adversos relacionados, apenas o mais grave deve ser considerado.

Graduação Definição
Ausência de Evento Adverso Contato telefônico com profissional, ambulatório ou serviço de endoscopia ou observação estendida após procedimento < 3h, sem qualquer necessidade de intervenção.
Grau I

Evento adverso sem necessidade de intervenção endoscópica, radiológica ou cirúrgica.
– Comparecimento a emergência,
– Admissão hospitalar <24h,
– Uso de drogas sintomáticas ou eletrólitos,
– Testes diagnósticos laboratoriais ou radiológicos.

Grau II Evento adverso com necessidade de uso de outras medicações (antibióticos, antitrombóticos), necessidade de transfusão sanguínea ou admissão hospitalar por mais de 24h.
Grau III III a – necessidade de intervenção endoscópica ou radiológica
III b – necessidade de intervenção cirúrgica
Grau IV Necessidade de cuidados intensivos
IV a- disfunção orgânica simples (incluindo dialise)
IV b – disfunção múltipla de órgãos
Grau V Óbito
Tabela 1: Classificação de AGREE

Para a validação desta nova ferramenta de registro de eventos adversos endoscópicos, foram cumpridas três etapas. Na primeira etapa, foram analisadas as diferentes percepções dos eventos adversos sob a ótica de endoscopistas experientes, enfermeiras e pacientes, sendo selecionados casos fictícios e analisados para graduação dos eventos na nova classificação AGREE. Como esperado, houve algumas subjetividades principalmente na análise do nexo causal do evento adverso e o procedimento endoscópico. Além disso, endoscopistas experientes tinham uma percepção menos grave sobre a necessidade de uma nova intervenção para tratamento de um evento adverso do que enfermeiras e pacientes. Na segunda etapa da validação, foram coletados dados retrospectivos de eventos adversos registrados num serviço acadêmico de Amsterdam no período de janeiro de 2016 a novembro de 2020. Foram aplicadas a classificação AGREE em todos os 436 eventos adversos. Na terceira e última etapa de validação da classificação AGREE, foram aplicados questionários para especialistas de 30 países e 5 continentes diferentes. Um dado importante é que cerca de metade dos endoscopistas experientes dos diferentes centros do mundo não utilizavam nenhum banco de dados para reportar os seus eventos adversos.

É importante ressaltar algumas limitações dessa nova classificação as quais podemos citar a ausência de definição de leve, moderada ou grave como é padronizada na classificação da ASGE3, além de não haver uma graduação de gravidade relacionada a longa permanência hospitalar na nova classificação AGREE. Comparando as duas classificações, os efeitos adversos severos correspondem graus II a IVb da classificação de AGREE. Outra ressalva deve-se a variedade de políticas aplicadas no manejo dos eventos adversos nos diversos serviços dos diversos países, dando abertura para subjetividade na avaliação de desvio do tratamento pós-procedimento padrão.

Entretanto, esta nova classificação AGREE foi considerada simples, reprodutível, aplicável e lógica pela maioria dos endoscopistas especialistas, tornando-se uma importante ferramenta no registro padronizado dos eventos adversos, gerando estudos através do banco de dados e contribuindo com a melhoria das práticas endoscópicas em todo mundo.

Em suma, o AGREE permite uma padronização exequível em todo o mundo para avaliar qualidade de serviço de endoscopia, criticidade de um novo procedimento e fomento de estudos científicos observacionais, ensaios clínicos e metanálises.

Referências

  1. Dindo D, Demartines N, Clavien PA. Classification of surgical complications: a new proposal with evaluation in a cohort of 6336 patients and results of a survey. Ann Surg. 2004 Aug;240(2):205–13.
  2. Nass KJ, Zwager LW, van der Vlugt M, Dekker E, Bossuyt PMM, Ravindran S, et al. Novel classification for adverse events in GI endoscopy: the AGREE classification. Gastrointest Endosc. 2022 Jun;95(6):1078-1085.e8.
  3. Ben-Menachem T, Decker GA, Early DS, Evans J, Fanelli RD, Fisher DA, et al. Adverse events of upper GI endoscopy. Gastrointest Endosc. 2012 Oct;76(4):707–18.

Como citar este artigo

Kum AST Nova Classificação de Eventos Adversos em Endoscopia Digestiva: AGREE Endoscopia Terapeutica 2023, vol 2. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/nova-classificacao-de-eventos-adversos-em-endoscopia-digestiva-agree/




CPRE em pacientes pediátricos

A colangiopancreatografia retrograde endoscópica (CPRE) é um dos procedimentos mais desafiadores dentro da endoscopia. Não somente pela dificuldade técnica, mas pela variedade de patologias, variações anatômicas e principalmente pelas complicações graves envolvidas, inclusive óbito.

Dentre os desafios encontrados está a CPRE em pacientes pediátricos. Muitas dúvidas envolvem o tema devido a pouca frequência em que é indicado este procedimento nesta faixa etária.

Ramin Nikman e cols (1). realizaram uma mini revisão da literatura baseada em um caso clínico de colangite desencadeada por coledocolitíase, resolvida por CPRE com sucesso. Comentaremos a seguir as principais peculiaridades da CPRE em criança baseada na revisão desses autores.

A litíase biliar é rara em crianças com prevalência variando de 0,13% a 0,3%, porém a sua prevalência aumenta na adolescência e em crianças com obesidade, podendo chegar a 6,1%. A causa mais frequente são as doenças hemolíticas (20%-30%), outras causas são as anomalias congênitas, obesidade, nutrição parenteral total, cistos de colédoco e prematuridade.

A indicação da CPRE em crianças é menor que no adulto (3.3% e 4% de acordo com Felux e cols. e Lou e cols.) não somente pela pouca frequência das patologias pancreatobiliares, mas também por limitações técnicas que diminuem sua indicação. Uma delas é a limitação do tamanho do aparelho. Os duodenoscópios convencionais só podem ser utilizados em crianças com mais de 10 kg de forma geral, limitando a aplicação desta alternativa terapêutica.

Uma avaliação detalhada com exames de imagem é fundamental para uma indicação correta da CPRE. No caso apresentado neste artigo, foi realizada ultrassonografia do abdome superior, demonstrando uma vesícula hiper distendida com espessamento de sua parede, além de dilatação do hepatocolédoco ocasionada por um cálculo no seu segmento intrapancreático. A colangiorressonância confirmou o diagnóstico e caracterizou uma vesícula biliar localizada à esquerda do ligamento redondo, anomalia rara que pode estar associada a ausência do segmento IV e a má formação das ramificações da veia porta. A vesícula biliar à esquerda do ligamento redondo é uma anomalia rara variando de 0,1% a 1,2%.

Em outro artigo, Fumihiro Terasaki descreve em detalhes estas alterações anatômicas e as classifica, concluindo que nestes casos de anomalia de implantação do ligamento redondo há mudança significativa do volume dos segmentos III e IV do fígado.

Os aparelhos disponíveis para CPRE disponíveis no Brasil são todos terapêuticos com diâmetro da ponta distal maior que 13 mm. A Olympus só fabrica atualmente o modelo TJF-190 e TJF-170. A Fujinon tem os modelos ED-580T e ED-580XT. Nestes casos temos uma limitação significativa de uso, sendo indicados apenas para crianças com peso superior a 10 kg. Felux J. utilizou o duodenoscópio convencional para adultos em crianças com peso superior a 12,5 kg e um pediátrico (Olympus PJF160) para crianças menores (com até 6 meses de idade); já Lou utilizando um duodenoscópio Olympus JF240, com 11,5 mm, realizou uma CPRE com sucesso em lactente de 3 meses (peso de 7,5 kg). Estes aparelhos não estão disponíveis comercialmente no Brasil.

Em resumo a CPRE em crianças é um procedimento de escolha para tratamento de patologias biliares, principalmente a coledocolitíase, porém com limitação de tamanho dos aparelhos disponíveis. A avaliação prévia através da colangiorressonância é importante, a fim de evitar uma CPRE puramente diagnóstica e de antever possíveis anomalias anatômicas.

Referências

  1. Stone removal in a 5-year-old child with extrahepatic biliary obstruction using ERCP: A case report and a mini-review. Niknam R, Mortazavi SMM, Jahromi MG, Davoodi M, Soheili M, Ataollahi M, Moshfeghinia R. Clin Case Rep. 2023 Jul 27;11(8): e7620. doi: 10.1002/ccr3.7620. PMID: 37520769; PMCID: PMC10374985.
  2. Felux J, Sturm E, Busch A, Zerabruck E, Graepler F, Stüker D, Manger A, Kirschner HJ, Blumenstock G, Malek NP, Goetz M. ERCP in infants, children and adolescents is feasible and safe: results from a tertiary care center. United European Gastroenterol J. 2017 Nov;5(7):1024-1029. doi: 10.1177/2050640616687868. Epub 2017 Jan 11. PMID: 29163969; PMCID: PMC5676540.
  3. Terasaki F, Yamamoto Y, Sugiura T, Okamura Y, Ito T, Ashida R, Ohgi K, Aramaki T, Uesaka K. Analysis of right-sided ligamentum teres: The novel anatomical findings and classification. J Hepatobiliary Pancreat Sci. 2021 Feb;28(2):221-230. doi: 10.1002/jhbp.856. Epub 2020 Nov 17. PMID: 33135376.
  4. Lou Q, Sun J, Zhang X, Shen H. Successful Therapeutic ERCP in a 99-Day-Old Child with Common Bile Duct Stones: A Case Report and Discussions on the Particularities of the ERCP in Children. Front Pediatr. 2020 Jul 28;8:435. doi: 10.3389/fped.2020.00435. PMID: 32850548; PMCID: PMC7399065.

Como citar este artigo

Ide E. CPRE em pacientes pediatricos Endoscopia Terapeutica 2023, vol. 2. Disponível em: 
endoscopiaterapeutica.net/pt/cpre-em-pacientes-pediatricos-2/




Processo de aprendizado – Parte 2: como aprender melhor e mais rápido?

Não seria bacana aprender qualquer coisa de maneira mais eficaz e mais rápida? Sem dúvida nossa vida seria muito mais fácil! Existem vários livros e técnicas sobre esse assunto.

Na primeira parte dessa série, explicamos sobre o processo de aprendizado e a curva de esquecimento. Se você não leu a primeira parte, clique aqui nesse post.

Nesse segundo artigo, estou compartilhando algumas técnicas bacanas sobre como melhorar a memória e o aprendizado.  

O acrônimo para decorar a fim de aprender mais rápido é F.A.S.T.

F= FORGET

Para aprender melhor você precisa esquecer 2 coisas:

  1. Esqueça qualquer coisa não urgente que possa desviar sua atenção. Apesar de tentarmos fazer várias coisas ao mesmo tempo, nosso cérebro não foi desenhado para cumprir múltiplas tarefas simultâneas. Desligue o celular e concentre-se no que está estudando.
  2. Esqueça suas limitações. Se começar o aprendizado repetindo ideias como: “isso é muito difícil”, “nunca vou aprender isso”, “sou ruim com números/pessoas/pólipos/drogas/etc” muito dificilmente você aprenderá alguma coisa sobre o assunto em questão. Essa é uma dica muito poderosa.

A sigla mnemônica em inglês para esse conceito é ANT (authomatic negative thoghts). Portanto, para um melhor aprendizado você precisa acabar com esses pensamento negativos, ou seja: KILL THE ANTs! Significa eliminar os pensamentos negativos que tiram sua concentração e travam seu aprendizado. Isso vale não apenas para memória de conceitos mas também para o aprendizado técnico de endoscopia, colonoscopia, ultrassom endoscópico, etc.

Kill the ANTs!!!

A= ACTIVE

Seja ativo! Tome atitude! O aprendizado eficaz não pode ser uma atividade passiva. Isso não funciona e sabemos disso há décadas!

Lembre-se do esquema de aula na escola: os alunos entediados na sua carteira enquanto o professor falava de algum assunto que não desperta interesse. Resultado: aprendizado zero!

Assim ninguém aprende

O cérebro também aprende através da criação. Fazer perguntas, imaginar situações, se envolver no assunto, tomar notas, fazer desenhos, etc. Quanto mais ativo –> maior o aprendizado.

Por último: pratique atividade física! Existem diversos estudo científicos relacionando atividade física com melhora da capacidade de aprendizado. O que é bom para o coração, também é bom para o seu cérebro.

“Um grande estudo da Universidade de Munique, por exemplo, acompanhou 4.000 idosos durante dois anos. Aqueles que raramente faziam atividades físicas tiveram mais do que o dobro de chance de sofrer algum comprometimento cognitivo se comparados aos que faziam jardinagem, natação ou ciclismo algumas vezes por semana.” – (extrato de artigo da revista galileu – Link – original da revista new scientist por Christie Aschwanden)

Fonte: revista galileu. Renato Faccini. https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2014/02/quer-ser-mais-inteligente-corra.html

S= STATE

Seu estado emocional pode ajudar ou atrapalhar o seu aprendizado. São as emoções que você está sentindo naquele momento.

Muito mais propício para o aprendizado se você estiver empolgado, curioso ou fascinado pelo assunto. Se cansado, estressado ou se estiver pensando na praia, é melhor você não perder seu tempo e passar seu protetor solar.

INFORMAÇÃO + EMOÇÕES = MEMÓRIA DE LONGO PRAZO

T= TEACH

Todos já ouviram a máxima: “see one, do one, teach one” Durante seu estudo, aprenda como se fosse ensinar alguém. Você irá prestar mais atenção. Irá tomar notas. Querer entender o porquê. Vai repetir o conteúdo até ter certeza que a informação que você irá passar é a mais correta possível. Resultado –> melhor aprendizado pessoal!  

Duas outras dicas que eu gosto bastante!!!

1. DURMA BEM

Com uma mente tubulenta não conseguimos nos concentrar, nem tomar decisões acertadas e nem aprender nada. Uma boa noite de sono ajudará você a se concentrar, pensar com mais clareza e tomar melhores decisões. Também é essencial para a sua memória, porque durante o sono é quando você consolida a memória de curto a longo prazo.

Técnicas de meditação também funcionam para o mesmo propósito.

 

2. FAÇA PARTE DE UM GRUPO POSITIVO DE PESSOAS

As pessoas com quem você convive é quem você acabe se tornando. Em um grupo positivo de pessoas, uma pessoa acaba estimulando a outra com novidades, curiosidades, dúvidas, etc. Portanto, verifique se as pessoas com quem você está convivendo são boas para sua mente e sua vida. De alguma forma, isso é exatamente o que fazemos aqui no Endoscopia Terapêutica!

Quer saber mais?




Alteração pancreática em paciente portador de complexo da esclerose tuberosa

O complexo da esclerose tuberosa (CET) é uma doença genética autossômica dominante, que acomete 1 a cada 6.000-10.000 nascidos vivos (1). Ela acomete igualmente ambos os sexos e todas as raças e ocorre devido a mutações nos genes supressores tumorais TSC 1 ou TSC 2 (1). No entanto, embora seja uma doença autossômica dominante, cerca de 80% dos casos são por variantes “de novo”, sendo a mutação no gene TSC2 a mais comum (2).

O CET é caracterizado pelo desenvolvimento de uma variedade de tumores benignos envolvendo múltiplos órgãos, incluindo a pele, cérebro, rim, olhos, entre outros. O risco de tumores malignos também está aumentado nesse grupo de pacientes (3). No entanto a apresentação clínica é muito variável, mesmo dentro da mesma família (4). As lesões cutâneas são as mais comuns, estando presente em mais de 90% dos pacientes, incluindo máculas hipopigmentadas, angiofibromas faciais, placa de Shagreen, entre outras (1). As manifestações neuropsiquiátricas estão presentes na maioria dos pacientes também e são responsáveis por importante morbidade. Elas incluem epilepsia, déficit cognitivo e de aprendizado, autismo e alterações do comportamento, hamartomas glioneurais, nódulos subependimários e astrocitoma subependimário de células gigantes (5). A presença de angiomiolipomas e cistos renais é comum e podem levar ao desenvolvimento de insuficiência renal (1). Outros órgãos acometidos com menos frequência são os olhos, pulmão e coração.

Diagnóstico

O diagnóstico pode ser baseado em critérios clínicos e no teste genético. Para o diagnóstico clínico são necessários a presença de dois critérios maiores ou um maior e dois ou mais menores (tabela 1). Já o teste genético se baseia na pesquisa da mutação dos genes TSC1 e TSC2. Embora a presença da mutação confirme o diagnóstico, ela não presente na totalidade dos casos, sendo positiva em 75% a 90% dos pacientes (1).

CRITÉRIOS MAIORES CRITÉRIOS MENORES
Placas hipomelanóticas (≥3, 5mm ou maior de diâmetro) Lesões na pele “em confete”
Angiofibromas (≥3) ou placa fibrosa cefálica Defeitos puntiformes no esmalte dentário
Fibroma ungueal (≥2) Fibromas orais (≥2)
Placa de Shagreen

Manchas acrômicas na retina

Múltiplos hamartomas de retina Múltiplos cistos renais
Túberes corticais (SNC) Hamartomas não-renais
Nódulos subependimários (≥2)
Astrocitoma subependimário de células gigantes
Rabdomioma cardíaco
Linfangioleiomiomatose
Angiomiolipomas (≥2)
Tabela 1: Critérios diagnósticos para o complexo de esclerose tuberosa

As lesões pancreáticas não são comuns e não estão incluídas nos critérios diagnósticos do complexo de esclerose tuberosa. No entanto, devido ao aumento na realização de exames de imagem abdominal, principalmente para seguimento das lesões renais, tem se observado um aumento no diagnóstico incidental das lesões pancreáticas, em especial os tumores neuroendócrinos (6).

Caso clínico

Paciente masculino, 35 anos, já com diagnóstico de esclerose tuberosa e teste genético positivo, com mutação no gene TSC 2, veio encaminhado para realização de ecoendoscopia devido ao achado de lesões císticas pancreáticas em ressonância de abdome durante seguimento de cistos renais. Além dos achados pancreáticos, o paciente possuía angiofibromas nasais, hamartomas na retina (imagem 1) e múltiplos cistos renais (imagem 2). Não era portador de distúrbios neuropsiquiátricos.

Retinografia mostrando hamartomas de retina
Ressonância de abdome mostrando cistos renais

RNM

  • presença de formação nodular heterogênea, predominantemente cística, com área de hipossinal em T2 de permeio, contornos lisos, localizada no aspecto posterior da cauda pancreática, medindo 20,8 x 15,8 mm.
  • Outra pequena formação cística homogênea na face posterior do corpo pancreático, de contornos lisos, medindo 8 mm. Não se observa comunicação com o ducto pancreático principal (imagens 3 e 4).

Ecoendoscopia:

  • Presença de lesão cística, com conteúdo hipoecoico e heterogêneo, sem componente sólido evidente e sem comunicação com o ducto pancreático principal, medindo 15,7 x 13,2 mm, localizada em cauda do pâncreas. Realizada punção ecoguiada com agulha FNA de 22G, não sendo possível aspirar todo o conteúdo do cisto (imagem 5, 6 e 7).
  • Presença de outra pequena lesão cística, com conteúdo anecoico e homogêneo, sem componente sólido e sem comunicação com o ducto pancreático principal, medindo 8,1 x 7,0 mm, localizada em corpo (imagem 8). Não realizada punção ecoguiada.

Estudo anatomopatológico:

  • Proliferação de células pequenas e monótonas, formando arranjos sólidos, em a meio grande quantidade de hemácias, apresentando discretíssimas atipias nucleares, índice mitótico muito baixo e citoplasma predominantemente eosinofílico com regiões de células claras.
  • Os achados histopatológicos são sugestivos do diagnóstico de um processo neoplásico (neoplasia neuroendócrina? Carcinoma de célular acinares? Outros?). Sugere-se estudo imunohistoquímico na tentativa de maior detalhamento da lesão.

Imuno-histoquímica:

  • Citoqueratina – Positivo
  • Sinaptofisina – Positivo forte e difuso
  • CD-56 – Positivo
  • Ki-67 – Positivo (<2%)

O perfil imunohistoquímico é sugestivo de uma neoplasia neuroendócrina bem diferenciada de baixo grau.

Paciente foi encaminhado para avaliação cirúrgica, mas, devido ao tamanho da lesão, por se tratar de tumor não funcionante e por estar assintomático, foi optado pelo tratamento conservador, com seguimento por ressonância magnética.

Discussão:

Os tumores neuroendócrinos do pâncreas são raros e correspondem a 1%-3% de todas as neoplasias pancreáticas (6). A maioria deles ocorre de forma esporádica, entretanto cerca de 10% estão associados a síndromes genéticas, como neoplasia neuroendócrina múltipla do tipo 1 (mais comum), von Hippel Lindau, neurofibromatose tipo 1 e complexo de esclerose tuberosa (7).

A incidência dos tumores neuroendócrinos em pacientes com CET é de 1,8% – 9%, bem maior que na população em geral, que é de cerca de 0,003% (7,8). No entanto, algumas semelhanças entre as duas populações podem ser observadas, sendo a localização mais comum no corpo e cauda do pâncreas e a presença de tumores não funcionantes (7). Por outro lado, os pacientes com CET são mais jovens ao diagnóstico (26 anos x 56 anos) e apresentam uma maior proporção de lesões císticas (7). A mutação no gene TSC2 parece ser a mais associada à presença de tumores neuroendócrinos (8).

Embora os tumores neuroendócrinos pancreáticos não estejam entre os critérios diagnósticos do complexo da esclerose tuberosa e não exista indicação para o seu rastreamento nesse grupo de pacientes, deve-se estar atento para o seu diagnóstico na presença de lesão sólida ou cística, uma vez que ele representa o tumor pancreático mais comum em pacientes com CET (7).

Referências

  • Portocarreo LKL, Quental KN, Samorano LP, et al. Tuberous Sclerosis Complex: review based on new diagnostic criteria. An Bras Dermatol. 2018;93:323-331.
  • Au KS, Williams AT, Roach ES, et al. Genotype/phenotype correlation in 325 individuals referred for a diagnosis of tuberous sclerosis complex in the United States. Genet Med 2007; 9:88.
  • Curatolo P, Bombardieri R, Jozwiak S. Tuberous sclerosis. Lancet 2008; 372:657.
  • Lyczkowski DA, Conant KD, Pulsifer MB, et al. Intrafamilial phenotypic variability in tuberous sclerosis complex. J Child Neurol 2007; 22:1348.
  • Mizuguchi M, Takashima S. Neuropathology of tuberous sclerosis. Brain Dev 2001; 23:508.
  • Kopadze S, Shoshiashvili I, Dumbadze A, et al. Neuroendocrine pancreatic tumor in a patient with dual diagnosis of tuberous sclerosis complex and basement membrane disease: A case report and review of the literature. Radiol Case Rep 2021;16:3581-3588.
  • Larson AM, Hedgire SS, Deshpande V, et al. Pancreatic neuroendocrine tumors in patients with tuberous sclerosis complex. Clin Genet 2012;82:558-563.
  • Mowrey K, Northrup H, Rougeau P, et al. Frequency, Progression, and Current Management: Report of 16 New Cases of Nonfunctional Pancreatic Tumor in Tuberous Sclerosis Complex and Comparison with Previous Reports. Front Neurol 2021;12:627672

Como citar este artigo

Retes FA. Alteração pancreática em paciente portador de complexo da esclerose tuberosa Endoscopia Terapeutica 2023 Vol 2. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/alteracao-pancreatica-em-paciente-portador-de-complexo-da-esclerose-tuberosa/




Mais vale uma mucosectomia de cólon em piecemeal (EPMR) bem feita, do que uma tentativa de mucosectomia en-bloc (EMR) frustrada – Dicas para realizar sem receios!

Caso da vida real, que encontramos durante as agendas de Colonoscopia:

Homem, 60 anos, previamente hígido, sem comorbidades ou histórico familiar relevante para neoplasias do trato gastrointestinal, foi submetido a primeira colonoscopia para fins de rastreamento/prevenção do câncer colorretal obtendo o seguinte achado:

– Lesão plano-elevada de crescimento lateral (LST), do tipo granular homogênea (LST-G-H),  com superfície e vasculatura regulares à cromoscopia virtual com NBI, medindo cerca de 4cm, localizada no ceco (Paris 0-IIa / JNET 2A).

Lesão plano-elevada de crescimento lateral, do tipo granular homogênea (LST-G-H) do ceco com 4cm

Superfície regular com padrão dendrítico
Distribuição regular e uniforme dos vasos com um padrão reticular bem ordenado

Diante de uma lesão deste tamanho é natural que surjam dúvidas acerca do tratamento ideal a ser oferecido ao paciente, especialmente naqueles que não dominam as técnicas avançadas de ressecção endoscópica, sobretudo a Dissecção Endoscópica da Submucosa (ESD).

Classificação das LST

  • O termo LST foi originalmente proposto por Kudo et al e descreve um padrão de crescimento de tumores colorretais de diâmetro ≥10 mm, que tendem a se espalhar lateralmente com um menor eixo vertical. As LSTs podem ser classificadas em dois tipos: LST tipo granular (LST-G), com grânulos e nódulos na superfície do tumor, e LST tipo não granular (LST-NG), com superfície plana e lisa. A primeira pode ser subclassificada em duas: LST-G tipo homogênea (LST-G-H), com grânulos ou nódulos distribuídos de maneira uniforme na superfície do tumor, e LST-G tipo nodular mista (LST-G-M), com nódulos grosseiros e de tamanhos diferentes na superfície; a segunda também é subclassifcada em duas: LST-NG tipo pseudodeprimida (LST-NG-PD), quando há uma depressão no centro da lesão, e tipo LST-NG plano-elevada (LST-NG- F), sem depressão, ou seja, totalmente plana.

saiba mais sobre classificação macroscópica nesse post: clique aqui

Prevalência e localização das LST

  • A frequência estimada das LSTs entre todos os tumores colorretais epiteliais, excluindo carcinomas avançados, varia na literatura, ficando em média 4,5%, porém, estudos mais recentes com maior casuística apontam para uma prevalência que pode alcançar até 12,3%.
  • As LST-G são as mais prevalentes, respondendo por cerca de 65-70% de todas as LSTs. Enquanto as LST-G-H tendem a se localizar mais no cólon proximal, as LST-G-M acometem mais o reto e usualmente alcançam maiores diâmetros. Já as LST-NG são mais comumente encontradas no cólon transverso.

LST x risco de malignidade

  • Cada subtipo tem características diferentes e únicas, o que requer uma decisão sobre a política de tratamento de forma individualizada.
  • Mais da metade das lesões LST-G-H são adenomas, sendo rara a presença de carcinoma, ainda que atinjam grande diâmetro, porém, mesmo quando presente, tende a ser restrita a mucosa (Tis – intramucoso).
  • Quanto as LST-NG, embora ambas, LST-NG-F e LST-NG-PD, sejam consideradas como subtipo, a segunda possui maior taxa de invasão submucosa mesmo em tamanhos pequenos, cuja natureza tende a ser multifocal, inclusive é o subtipo de maior risco entre todas as LSTs. Já as LST-NG-F apresentam baixo risco de invasão submucosa, e nos poucos casos presentes, tende a ser focal.

LST x escolha do tratamento endoscópico

  • A ESD é amplamente utilizada no trato gastrointestinal superior, no entanto, devido às diferenças anatômicas e histológicas entre o cólon e o estômago, não é estabelecida como a técnica terapêutica padrão para tumores colorretais. Ademais, é fundamental levar em consideração, mesmo apesar dos avanços nos últimos anos, que a técnica de ESD ainda é bastante escassa na maior parte dos centros médicos, de forma que a escolha da técnica de tratamento endoscópico não pode causar mais dificuldades do que o problema em si.
  • Quase todas as LST-G-H não invadem a submucosa. Apesar de maior comparada à ESD, quando bem executada, a taxa de recorrência após EPMR é baixa, sem preocupações clínicas relevantes, visto que quando ocorre é geralmente unifocal, diminuta e facilmente tratada em uma única sessão. Portanto, neste tipo morfológico, EMR e EPMR podem ser adotadas como primeira opção, sobretudo pelo seu maior perfil de segurança.
  • Pelo fato das LST-NG-PD possuírem a maior taxa de invasão submucosa, mesmo em tamanhos pequenos, com uma natureza invasiva mais multifocal e com tendência de maior profundidade, independentemente se observada apenas em um local, a ressecção em bloco, principalmente por ESD, deve sempre ser considerada a primeira opção para permitir uma avaliação patológica mais fidedigna.
  • Quanto as LST-G-M, a maioria das invasões submucosas acontecem abaixo do maior nódulo, porém, em até 17,1% delas ocorrem também focos de invasão fora do nódulo dominante (invasão multifocal). Como este tipo morfológico é o que alcança os maiores diâmetros, a ressecção em bloco por EMR é frequentemente considerada difícil. Por essas razões, quando se optar por realizar EPMR, faz-se necessário garantir a ressecção do nódulo dominante em peça única ou proceder ESD, a fim de obter diagnósticos patológicos precisos. Convém lembrar que as grandes LST-G-M se localizam mais frequentemente no reto, onde tanto o perfil de segurança quanto os desdobramentos de um tratamento endoscópico não curativo por impossibilidade de avaliação histológica (colostomia definitiva) favorecem a realização de ESD em detrimento da EPMR.
  • As LST-NG-F apresentam risco bem menor de invasão submucosa quando comparadas às LST-NG-PD, em algumas séries até comparáveis ao risco das LST-G-H, logo, várias daquelas lesões podem ser curadas por tratamento endoscópico com EMR ou EPMR. No entanto, como o tamanho deste tipo morfológico está associado a uma maior possibilidade de invasão da submucosa, especialmente quando maiores que 30 mm de diâmetro, a ressecção em bloco por ESD também pode ser adotada se forem difíceis de remover em bloco por EMR.

Dicas de ouro para realizar uma EPMR

1. Gastar tempo suficiente avaliando a lesão a ser tratada.

Certifique-se de inspecionar a lesão a ser ressecada. Faça questão de passar tempo suficiente avaliando a morfologia da lesão de acordo com a classificação de Paris, bem como os padrões vasculares e glandulares. Não é perda de tempo, na verdade, você ganhará tempo decidindo a melhor forma de abordar a lesão! Preste atenção nas margens, pois elas podem se estender além da prega. Inspecione a lesão com luz branca de alta definição e cromoscopia convencional ou virtual. Uma avaliação minuciosa pode identificar lesões com possível invasão da submucosa e consequentemente aqueles pacientes que se beneficiarão da ressecção em peça única.

2. Não subestimar a relevância da posição da lesão.

Tenha uma boa posição com o aparelho retificado e relaxado. Posicione a lesão entre 5 e 6 horas no campo endoscópico. O aparelho e o acessório devem responder “um para um” aos movimentos das mãos, dos dedos e também das rodas. Trabalhar na melhor posição é extremamente eficaz em minimizar os riscos e maximizar o resultado da ressecção. Se um endoscópio de rigidez variável estiver sendo usado, aproveite o potencial de retroflexão da ponta. Posicione o paciente de forma que qualquer fluido ou pedaços ressecados se acumulem longe da lesão, para que o campo de trabalho seja mantido limpo e a visão ideal esteja preservada em caso de complicação.

3. Escolher bem a alça.

Dependendo da morfologia ou tamanho do pólipo, selecionar a alça mais adequada pode fazer a diferença no sucesso do procedimento e, portanto, nos resultados. Alças rígidas pequenas (10–20 mm) ou grandes (25–33 mm) que possuem fio trançado devem ser preferidas para EPMR e EMR em bloco, respectivamente. Por outro lado, alças monofilamentares podem ser a melhor opção para capturar lesões que possuem dificuldade em elevar, como recorrência após EMR ou situações que já houve tentativa de ressecção prévia. Use o aparelho como uma extensão de sua mão, colocando-o paralelo à parede. Adapte o corte ao plano da lesão, fragmento por fragmento. Quanto mais ângulo você criar entre a alça e a parede, maior a probabilidade de envolver a muscular própria. Feche bem a alça para manter a lesão no lugar antes de ressecá-la. Esteja ciente da possibilidade de fibrose submucosa resultante da coleta de biópsias anteriores, tentativas de ressecção prévia e LST-NG, pois nestas situações a apreensão da alça pode ser difícil, eventualmente necessitando de técnicas alternativas para a remoção da lesão

4. Não seja guloso!

Uma vez escolhida a técnica de EPMR, tenha em mente que o objetivo deve ser a remoção completa da lesão com a maior segurança possível. Para isso, a estratégia correta é fundamental: não faça a bolha submucosa toda de uma vez, em vez disso, faça injeções sucessivas seguidas do corte, preferencialmente no sentido proximal-distal; sempre que disponível, dê preferência a soluções viscosas, que garantam uma maior patência da bolha; utilize uma alça de menor tamanho (10-15 mm) para apreender a bolha formulada, além de facilitar, diminui o risco de perfuração quando se tenta apreender toda a lesão de forma inadvertida.

5. Não entrar em pânico com sangramento.

Quando ocorrer sangramento intraprocedimento (IPB), não entre em pânico – é apenas um sangramento. Embora seja verdade que só a experiência prática pode deixá-lo confiante perante o IPB, esteja preparado para abordá-lo sistematicamente, como faria com qualquer outro procedimento endoscópico. Antes de iniciar o procedimento você deve se certificar que seu conjunto de endoscopia está totalmente equipado e capaz de lidar com todos os tipos de IPB. Faça uso consciente de tudo o que puder, sem entrar em pânico. Use a bomba de lavagem para remover o sangue do tecido alvo e limpar o ponto em que você precisa intervir. Se você julgar que o vaso é pequeno (até cerca de 2 mm), você pode coagulá-lo de imediato com a ponta da alça em modo de “soft coagulation”. Por outro lado, se o vaso é maior que 2 mm, a utilização de uma pinça de coagulação é uma estratégia mais efetiva. Enquanto aguarda o acessório, caso esteja usando um cap acoplado a ponta do aparelho, utilize-o como um “dedo” e faça pressão sobre o vaso. Quando estiver pronto com seu dispositivo, use a bomba de água novamente para limpar a área, abra a pinça e apreenda o vaso, tracionando-o em sua direção (e para longe da parede) antes da coagulação. O uso de coagulação com plasma de argônio (APC) durante EMR deve ser minimizado, da mesma forma com os clipes hemostáticos, que devem ser utilizados quando você já tentou de tudo e o sangramento continua.

Diante do exposto, para o caso exemplificado acima, foi optado pela ressecção através da técnica de EPMR, tanto pelo tipo morfológico (LST-G-H) e características da superfície da lesão (JNET 2A), como também pela localização (ceco), que apresenta um risco maior de complicações.

Referências

  1. Papparella L et al. Efficacy and safety of endoscopic resection techniques of large colorectal lesions: experience of a referral center in Italy. Eur J Gastroenterol Hepatol 2022; 34: 375–381.
  2. Ishigaki T et al. Treatment policy for colonic laterally spreading tumors based on each clinicopathologic feature of 4 subtypes: actual status of pseudo-depressed type. Gastrointest Endosc 2020; 92: 1083-94.
  3. Auriemma F and Repici A. Mistakes in endoscopic resection and how to avoid them. UEG Education 2017; 17: 27–29.

Como citar este artigo

Brasil G. Mais vale uma Mucosectomia de cólon em Piecemeal (EPMR) bem feita, do que uma tentativa de Mucosectomia En-bloc (EMR) frustrada – Dicas para realizar sem receios! Endoscopia Terapêutica 2023, Vol 2. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/mais-vale-uma-mucosectomia-de-colon-em-piecemeal-epmr-bem-feita-do-que-uma-tentativa-de-mucosectomia-en-bloc-emr-frustrada-dicas-para-realizar-sem-receios/




Em até quantas horas deve ser realizada uma endoscopia numa HDA?

O momento ideal para a realização de uma endoscopia no sangramento gastrointestinal agudo há muito tempo vem sendo objeto de debate, seja em estudos ou mesmo nas ligações noturnas entre emergencistas e endoscopistas.

Já é bem definido que a endoscopia deve ser realizada em até 24 horas da entrada do paciente no hospital, entretanto os resultados eram conflitantes com relação ao benefício da endoscopia em até 6 horas.

Imagine um caso de um paciente hígido, que chegou ao PS às 22h apresentando relato de hematêmese de pequena monta após ingestão de carne e vinho, com sinais vitais e hemograma estáveis. O que devemos fazer?

Muitos endoscopistas já passaram por essa situação. Claro que o paciente deve ser prioridade. No entanto, os hospitais, especialmente os pequenos, não têm pessoal e equipamentos suficientes disponíveis 24 horas por dia. Qual é a conduta adequada nesta situação?

Até agora o estudo mais aceito para responder essa pergunta foi publicado no New England Journal of Medicine em 2020, por um grupo de Hong Kong que produziu um ensaio clínico randomizado com 516 pacientes (referência 1).

Os pacientes que apresentavam sinais evidentes de sangramento gastrointestinal alto agudo (hematêmese, melena ou ambos) e que apresentavam alto risco de ressangramento ou morte (Glasgow-Blatchford ≥12) foram elegíveis para o estudo. 

Tradicionalmente a intervenção endoscópica é indicada numa pontuação ≥ 7, sendo que numa pontuação ≥ 12, atrasos na endoscopia (em teoria) aumentariam significativamente a mortalidade do paciente.

Figura 1: escala de Glasgow Blatchford

Foram excluídos pacientes com menos de 18 anos, incapazes de assinar o termo de consentimento, grávidas ou com doença terminal. Também não foram incluídos pacientes com choque hipotensivo refratário, os quais necessitavam de intervenção urgente.

Resultados

Os pacientes foram randomizados em dois grupos:

  • grupo endoscopia urgente: realizou o procedimento dentro de 6 horas
  • grupo endoscopia precoce: foi submetido a endoscopia na manhã seguinte e dentro de 24 horas após a avaliação no PS.

Ambos os grupos receberam infusão intravenosa de inibidores da bomba de prótons (IBP) e tratamento endoscópico adequado quando necessário.

Comparando os grupos endoscopia urgente e endoscopia precoce não foram encontradas diferenças significativas com relação a mortalidade (8,9% x 6,6%, IC 95% = -2,3% a 6,9%) ou na taxa de ressangramento (10,9% X 7,8%, IC 95% = -1,9 a 8,1). 

No grupo da endoscopia urgente, foram observados mais casos de úlceras com sangramento ativo e estigmas importantes de sangramento (66,4% X 47,8%), o que resultou em um tratamento endoscópico mais frequente. No entanto, essa maior frequência de terapia endoscópica não se traduziu em uma redução na incidência de ressangramento ou de morte.

Por outro lado, o grupo da endoscopia precoce recebeu supressão ácida durante a noite, o que reduziu o número de úlceras com sangramento ativo e estigmas importantes de sangramento. Isso sugere que a supressão ácida antes da endoscopia pode diminuir a necessidade de tratamento endoscópico.

Discussão

Entretanto este estudo apresenta algumas limitações, além do fato de não incluir pacientes com choque hipotensivo persistente, o serviço tem disponível 24 horas por dia um endoscopista em treinamento e um endoscopista sênior. Outra particularidade desse estudo é baixo número de casos de sangramento de origem varicosa, assim os resultados podem não ser reprodutíveis em outras localidades com alto índice de varizes esofagogástricas.

Em suma, este estudo não encontrou evidências de que a endoscopia urgente (≤ 6 horas) reduza a mortalidade e ressangramento em pacientes com HDA, estáveis hemodinamicamente, mesmo nos casos de alto risco (Glasgow–Blatchford ≥ 12). 

Portanto, a realização da endoscopia dentro de 24 horas após a avaliação inicial continua sendo a abordagem recomendada e pensando especialmente na nossa realidade em que a realização de um procedimento fora do horário tradicional pode trazer dificuldades extras, em especial pela falta de recursos adequados (equipe de apoio habituada a procedimento endoscópicos por exemplo) corrobora ainda mais essa conduta. 

No entanto devemos sempre ter em mente que esses resultados não são generalizáveis para pacientes com choque hipotensivo refratário, os quais requerem intervenção urgente, e eventualmente em algum subgrupo ainda não estudado.

Pontos-chave

  • Não foram encontradas diferenças significativas na mortalidade e ressangramento na endoscopia em 6 horas X 24 horas
  • Tratamento clínico (IBP) diminui a necessidade de terapia endoscópica
  • HDA com choque hipotensivo persistente e na suspeita de sangramento varicoso a endoscopia ainda deve ser realizada imediatamente

Quer saber mais sobre o tema?

Referências

  1. Lau JYW, Yu Y, Tang RSY, Chan HCH, Yip HC, Chan SM, Luk SWY, Wong SH, Lau LHS, Lui RN, Chan TT, Mak JWY, Chan FKL, Sung JJY. Timing of Endoscopy for Acute Upper Gastrointestinal Bleeding. N Engl J Med. 2020 Apr 2;382(14):1299-1308. doi: 10.1056/NEJMoa1912484. PMID: 32242355.
  2. Lau JYW. Management of acute upper gastrointestinal bleeding: Urgent versus early endoscopy. Dig Endosc. 2022 Jan;34(2):260-264. doi: 10.1111/den.14144. Epub 2021 Oct 11. PMID: 34551156.
  3. Kusano C. Can we find a precise timing for endoscopic intervention in gastrointestinal bleeding? Dig Endosc. 2022 May;34(4):750-752. doi: 10.1111/den.14265. Epub 2022 Feb 24. PMID: 35199391.

Como citar este artigo

Oliveira JFD. Em até quantas horas deve ser realizada uma endoscopia numa HDA? Endoscopia Terapêutica 2023 Vol 2. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/em-ate-quantas-horas-deve-ser-realizada-uma-endoscopia-numa-hda/




Como melhorar sua taxa de detecção de adenoma com técnicas não-tecnológicas

A colonoscopia é o exame padrão ouro para detecção e prevenção do câncer colorretal (CCR). Quanto maior a taxa de detecção de adenoma (ADR – adenoma detection rate) do endoscopista, menor a taxa do CCR de intervalo. As técnicas empregadas pelo endoscopista durante a realização da colonoscopia estão relacionadas com sua ADR. Endoscopistas com altas ADR possuem técnicas minuciosas para realização do exame, especialmente durante a retirada do aparelho. 

Em maio de 2023, foi publicado no World Journal of Gastrointestinal Endoscopy um artigo interessante que resumiu as evidências de técnicas simples durante a colonoscopia e seus efeitos na ADR: tempo mínimo de retirada do aparelho, mudar o paciente de posição e retrovisão no cólon direito. Ei-las:

Tempo de retirada do aparelho

O tempo de retirada é o tempo que o endoscopista leva para avaliar a mucosa do ceco ao canal anal após a intubação cecal. Uma boa técnica de retirada envolve inspeção cuidadosa atrás de dobras e flexões, distensão adequada da luz do cólon, lavagem da mucosa e aspiração de todo excesso de líquido e resíduo fecal. Endoscopistas que realizam colonoscopias de alta qualidade provavelmente levam mais tempo realizando essas manobras – o que aumenta seu tempo de retirada. 

Atualmente, o tempo mínimo para retirada do aparelho em programas de rastreamento é 6 minutos, que é suficiente para detectar adenomas avançados. Um estudo sugeriu que aumentar esse tempo para 6 – 10 minutos pode aumentar a detecção de adenomas menores e lesões do cólon direito. As lesões adenomatosas do cólon direito são mais difíceis de detectar. Elas podem ser mais planas e progridem mais rapidamente para CCR. Passar mais tempo avaliando a mucosa durante a retirada, porém sem realizar manobras como exames repetidos dos segmentos do cólon e distensão adequada da luz do órgão podem não aumentar a ADR. 

Lesões serrilhadas sésseis, por sua própria aparência, são mais difíceis de detectar. A maioria dos estudos que avaliaram o tempo mínimo de retirada não abordaram a detecção de lesões serrilhadas sésseis. Porém dois estudos relataram que a taxa de detecção destas lesões também aumenta com o aumento do tempo de retirada. 

Uma meta-análise recente mostrou um aumento na ADR com tempo de retirada de 9 minutos, quando comparado a retirada de 6 – 9 minutos. Porém, aumentar o tempo de retirada somente, sem adoção de outras técnicas para melhorar a avaliação da mucosa, provavelmente não será tão eficaz no aumento da ADR.

Será que o tempo de retirada é uma técnica que aumenta a ADR ou endoscopistas com boas técnicas de colonoscopia (o que aumenta a ADR) levam mais tempo para retirar o aparelho?

Mudar o paciente de posição

Uma manobra essencial na técnica de colonoscopia é a adequada distensão da luz durante a retirada do aparelho. Mudar o paciente de posição neste momento leva o ar para uma posição mais alta, movimentando o líquido e facilitando a distensão. Porém a mudança de decúbito do paciente na retirada não é uma técnica realizada de rotina, ficando comumente a critério do endoscopista. 

A mudança de posição dinâmica durante o exame é realizada da seguinte maneira: decúbito lateral esquerdo para avaliação do ceco, cólon ascendente e ângulo hepático; posição supina para o cólon transverso; e decúbito lateral direito para o ângulo esplênico, cólon descendente e cólon sigmoide. 

Um estudo controlado, randomizado e multicêntrico com 1.072 pacientes – o maior até agora comparando a posição dinâmica com manter o paciente na mesma posição durante a retirada – mostrou significativo aumento na ADR na posição dinâmica (42,4%) quando comparado com o grupo na posição decúbito lateral esquerdo (33%). Este estudo mostrou ainda que os endoscopistas com uma ADR mais baixa (<35%) tiveram um aumento significativo em sua ADR com a posição dinâmica em comparação com endoscopistas com ADR mais altas (>35%). 

Um outro estudo que randomizou 776 pacientes para “mudança de posição que o endoscopista realiza habitualmente” ou para posição dinâmica não mostrou aumento na ADR dos endoscopistas. Este estudo foi único pois, ao contrário dos outros, a retirada do grupo controle não ficava limitada somente ao decúbito lateral esquerdo – e sim à mudança que o endoscopista julgasse necessária.

Um meta-análise recente mostrou que a mudança de posição dinâmica durante a retirada aumenta a ADR. As recomendações da meta-análise para adoção da mudança de posição foram: decúbito lateral esquerdo para o cólon direito, supina para o cólon transverso e decúbito lateral direito para o cólon esquerdo.

A mudança de posição dinâmica durante a colonoscopia pode melhorar a ADR dos endoscopistas – porém com evidências ainda conflitantes.

Retrovisão no cólon direito

Acredita-se que a retrovisão no cólon direito aumente a detecção de pólipos em pontos cegos. A colonoscopia deixa de detectar mais lesões no cólon direito que esquerdo, possivelmente porque estes pólipos não são vistos atrás das pregas e flexuras. Há ainda o fato que os endoscopistas tem dificuldade de detectar lesões serrilhadas sésseis, que são mais comuns no cólon direito. 

A retrovisão no cólon direito é uma manobra fácil de realizar, com taxa de sucesso variando de 82 a 96% e baixo índice de complicação. 

Em um estudo controlado e randomizado, 850 pacientes foram randomizados para uma segunda avaliação no cólon direito na visão frontal ou na retrovisão. Não houve diferença significativa na ADR entre as duas formas no segundo exame. 

Um outro estudo observacional com 1.020 pacientes avaliou a retirada de 3 examinadores no cólon direito: 2 em visão frontal e um terceiro em retrovisão. Houve aumento estatisticamente significativo na ADR na retirada em retrovisão em comparação com as retiradas em visão frontal combinadas. Porém os examinadores fizeram uso de cap no colonoscópio, sendo este então um fator confundidor. 

Um outro estudo controlado, randomizado e multicêntrico com 692 pacientes que repetiram a avaliação do cólon direito em visão frontal e retrovisão não mostrou diferença significativa entre os tipos de retirada. Houve aumento na detecção de lesões serrilhadas sésseis no segundo exame, também sem diferença significativa entre a visão frontal e a retrovisão. Esse estudo corrobora as evidências que uma segunda avaliação do cólon direito aumenta a ADR, qualquer que seja a forma de retirada adotada – visão frontal ou retrovisão.

Uma meta-análise recente mostrou que a detecção adicional de adenomas foi menor em retrovisão em 4 estudos controlados e randomizados do que na visão frontal. Esta meta-análise mostrou ainda que, em 6 estudos observacionais, a ADR foi maior em exames cominados com retrovisão (duas avaliações: visão frontal e retrovisão) que em uma única retirada em visão frontal ou ainda dupla avaliação em visão frontal.

As evidências sugerem que o endoscopista deve considerar uma segunda avaliação do cólon direito durante a colonoscopia. Mais informações são necessárias antes que se recomende que a segunda avaliação deva ser feita em retrovisão.

Referências:

Rajivan R, Thayalasekaran S. Improving polyp detection at colonoscopy: Non-technological techniques. World J Gastrointest Endosc 2023; 15(5): 354-367

DOI: https://dx.doi.org/10.4253/wjge.v15.i5.354

Como citar este artigo

ARRAES L. Como melhorar sua taxa de detecção de adenoma com técnicas não-tecnológicas Disponível em: Endoscopia Terapeutica 2023, vol. 1. endoscopiaterapeutica.net/pt/como-melhorar-sua-taxa-de-deteccao-de-adenoma-com-tecnicas-nao-tecnologicas/