CPRE em pacientes com Y-de-Roux

 

A realização de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) em pacientes com anatomia em Y de Roux representa um grande desafio para os endoscopistas.

Na era da epidemia de obesidade, essa situação é encontrada com frequência crescente devido à popularidade da cirurgia de bypass gástrico em Y-de-Roux e à alta prevalência de cálculos biliares nesses pacientes.

Frequentemente, é impossível acessar a papila usando um duodenoscópio padrão devido ao comprimento da alça intestinal que deve ser percorrida. Para superar esses problemas, abordagens não padronizadas, técnicas inovadoras e acessórios especializados foram desenvolvidos para realizar CPRE nesses casos.

Considerações gerais

Antes de realizar a CPRE em pacientes submetidos à reconstrução em Y de Roux, o endoscopista deve obter detalhes sobre a ressecção anatômica, o tipo de reconstrução, o comprimento das alças, os tipos de anastomoses e a presença ou ausência de uma papilotomia prévia.

É importante ainda estar ciente do intervalo de tempo após a cirurgia. No período pós-operatório imediato, devem-se pesar os riscos em relação à ruptura da anastomose contra os benefícios potenciais da CPRE.

Escolhendo a melhor abordagem

Existem várias técnicas disponíveis para realizar CPRE em pacientes com anatomia em Y-de-Roux, cada uma com vantagens e desvantagens Nenhuma abordagem foi identificada como a melhor para todos os pacientes, portanto, o endoscopista deve selecionar a abordagem caso a caso, levando em consideração os seguintes fatores:

  • Comprimento da alça do Y (longa versus curta);
  • Se o paciente tem uma papila virgem ou uma anastomose biliodigestiva, por exemplo;
  • A indicação de CPRE, incluindo a probabilidade de repetir procedimentos e a necessidade de manobras terapêuticas;
  • A experiência do serviço (enteroscopia profunda, radiologia intervencionista, cirurgia);
  • O risco cirúrgico do paciente.

Técnicas

As abordagens transorais envolvem o uso de duodenoscópios, colonoscópios pediátricos ou enteroscópios.

CPRE usando duodenoscópio padrão: o duodenoscópio de visão lateral é o endoscópio ideal para realizar CPRE, particularmente para a canulação de uma papila virgem. Infelizmente, a abordagem apenas com duodenoscópio é frequentemente malsucedida. Portanto, reservamos a abordagem transoral usando um duodenoscópio padrão para pacientes com um alça curta do Y-de-Roux.

duodenoscópio padrão

 

CPRE usando um enteroscópio ou colonoscópio pediátrico: um enteroscópio ou colonoscópio pediátrico pode ser uma opção para realizar uma CPRE quando o uso de um duodenoscópio não for viável.

enteroscópio ou colonoscópio pediátrico

Uma desvantagem dessa abordagem é que a perspectiva de visão frontal e a falta do “elevador” no aparelho tornam a canulação seletiva mais difícil. Além disso, a capacidade de manobra do enteroscópio longo ou colonoscópio pode ser muito limitada devido à formação de alça. A falta de eixo devido à visão frontal desses aparelhos também pode dificultar ou impossibilitar a canulação.

CPRE usando técnicas de enteroscopia profunda: há uma experiência crescente com o desempenho de CPREs usando técnicas de enteroscopia profunda, incluindo enteroscopia de balão duplo (DBE), enteroscopia de balão único (SBE) e espiral enteroscopia.

Embora as técnicas de enteroscopia profunda representem um avanço significativo para a realização de CPRE em pacientes com anatomia alterada cirurgicamente, elas ainda não são amplamente realizadas fora de centros especializados. Além disso, elas têm as mesmas limitações supracitadas inerentes ao uso de enteroscópios para CPRE, incluindo capacidade de manobra restrita, orientação desfavorável da papila, falta de um elevador de instrumento e relativa escassez de acessórios compatíveis com enteroscópio.

CPRE assistida por enteroscópio de duplo balão: relatos de casos e algumas séries mostram que a papila pode ser alcançada em mais de 90% das vezes e a canulação seletiva em mais de 80% dos casos usando a técnica de CPRE assistida por enteroscópio de duplo balão.

Tal como acontece nos casos que usam endoscópios de visualização frontal, a canulação da papila pode ser difícil por essa técnica. Um problema adicional é que há um número limitado de acessórios que são compatíveis com um enteroscópio.

enteroscópio de duplo balão

CPRE assistida por enteroscópio de balão único: desempenho de CPREs assistidas por enteroscópio de balão único em pacientes com Y de Roux foi associada a taxas de sucesso de diagnóstico que variam de 60 a 80%.

enteroscópio de balão único

 

CPRE assistida por enteroscopia em espiral: a enteroscopia em espiral utiliza um overtube rotativo que permite o avanço profundo do aparelho. As vantagens potenciais da CPRE assistida por uma enteroscopia espiral sobre a duplo balão ou balão único incluem relativa facilidade de uso, melhor controle do endoscópio e, talvez, uma curva de aprendizado mais curta.

enteroscopia em espiral

 

Abordagens transorais menos comuns: foi desenvolvida uma técnica que usa a colocação guiada por ecoendoscopia de um stent metálico (LAMS) entre o “pouch” e o estômago excluso para facilitar uma CPRE anterógrada transoral usando um duodenoscópio. A experiência preliminar com essa abordagem em pacientes com anatomia de bypass gástrico em Y de Roux tem sido promissora, com sucesso técnico semelhante e taxas de eventos adversos em comparação com CPRE assistida por laparoscopia e CPRE assistida por enteroscopia.

Abordagens transorais menos comuns

Como citar este artigo

Ruiz R. CPRE em pacientes com Y-de-Roux. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/cpre-em-pacientes-com-y-de-roux

Referências bibliográficas

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  3. Shiffman ML, Sugerman HJ, Kellum JH, et al. Gallstones in patients with morbid obesity. Relationship to body weight, weight loss and gallbladder bile cholesterol solubility. Int J Obes Relat Metab Disord 1993; 17:153.
  4. Lopes TL, Wilcox CM. Endoscopic retrograde cholangiopancreatography in patients with Roux-en-Y anatomy. Gastroenterol Clin North Am 2010; 39:99.
  5. Hintze RE, Adler A, Veltzke W, Abou-Rebyeh H. Endoscopic access to the papilla of Vater for endoscopic retrograde cholangiopancreatography in patients with billroth II or Roux-en-Y gastrojejunostomy. Endoscopy 1997; 29:69.
  6. Elton E, Hanson BL, Qaseem T, Howell DA. Diagnostic and therapeutic ERCP using an enteroscope and a pediatric colonoscope in long-limb surgical bypass patients. Gastrointest Endosc 1998; 47:62.
  7. Wright BE, Cass OW, Freeman ML. ERCP in patients with long-limb Roux-en-Y gastrojejunostomy and intact papilla. Gastrointest Endosc 2002; 56:225.
  8. Aabakken L, Bretthauer M, Line PD. Double-balloon enteroscopy for endoscopic retrograde cholangiography in patients with a Roux-en-Y anastomosis. Endoscopy 2007; 39:1068.
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  10. Itoi T, Ishii K, Sofuni A, et al. Long- and short-type double-balloon enteroscopy-assisted therapeutic ERCP for intact papilla in patients with a Roux-en-Y anastomosis. Surg Endosc 2011; 25:713.
  11. Thomas J. WangChristopher C. ThompsonMarvin RyouGastric access temporary for endoscopy (GATE): a proposed algorithm for EUS-directed transgastric ERCP in gastric bypass patients Surg Endosc 2019

Confira também: CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II




Esôfago de Barrett após gastrectomia vertical (Sleeve)

Artigo publicado na Gastrointestinal Endoscopy em fevereiro de 2021. Trata-se de uma revisão sistemática e metanálise sobre esôfago de Barrett após gastrectomia vertical (Sleeve).

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma das grandes preocupações em pacientes submetidos ao Sleeve. E a DRGE é o maior fator de risco para o esôfago de Barrett, que é sabidamente um precursor do adenocarcinoma de esôfago.

A prevalência de DRGE e hérnia de hiato é maior que o normal nos pacientes obesos, sendo, então, esperado um aumento do esôfago de Barrett nessa população. Apesar disso, uma metanálise de mais de 13.000 pacientes submetidos à endoscopia pré-cirurgia bariátrica relatou um baixo índice de esôfago de Barrett, menor que 1%. No entanto, se os pacientes pioram da DRGE pós-Sleeve, cria-se a hipótese que aumentaria o risco de desenvolver esôfago de Barrett.

De acordo com os guidelines, pacientes cuja prevalência esperada de Barrett é maior que 10% são considerados de alto risco para desenvolver essa condição e devem, portanto, ser rastreados. Avaliar o risco de esôfago de Barrett pós-Sleeve tem importantes implicações clínicas para endoscopistas que realizam endoscopia pré e pós-operatórias desses pacientes, cirurgiões bariátricos que realizam o procedimento, pacientes e clínicos que os acompanham.

Nessa metanálise, o resultado primário avaliado foi a proporção de pacientes que desenvolveram esôfago de Barrett pós-Sleeve, confirmado histologicamente. Eles também avaliaram a prevalência de DRGE e esofagite no seguimento.

Resultados

A pesquisa inicial identificou 4.389 estudos e, após avaliações e exclusões, foram incluídos 10 estudos, totalizando 680 pacientes.

Prevalência do esôfago de Barrett

No geral, 54 dos 680 pacientes apresentaram esôfago de Barrett. Todos os casos foram sem displasia e de novo (sem Barrett na endoscopia pré-cirurgia). Além disso, todos os casos foram observados em estudos com seguimento longo (acima de 3 anos). A prevalência de esôfago de Barrett foi de 11,4 % (IC 95%, 7,7% -16,6%), p< 0,001.

Esôfago de Barrett e sintomas de DRGE

No total, 7 pacientes tinham esôfago de Barrett sem sintomas de DRGE no pós-operatório. A taxa agrupada na metanálise foi de 10,3% (IC 95%, 5%-20%, p< 0,001). A taxa agrupada de Barrett em pacientes com sintomas de DRGE foi 18,2% (IC 95%, 12,4%-26%). Não houve diferença significativa na probabilidade de ter Barrett baseado nos sintomas de DRGE (odds ratio 1,74; IC 95%, 0,52-5, 89; p=0,37).

Apenas 1 estudo relatou a taxa de projeção linear de epitélio colunar no esôfago (como vista endoscopicamente). Nesse estudo, a taxa de epitélio colunar foi alta (50%, n=10). Mas apenas 3 desses pacientes confirmaram por biópsias esôfago de Barrett.

Esofagite pós-Sleeve

Sete estudos relataram esofagite antes e após o Sleeve com vários intervalos de seguimento. Em cinco estudos de seguimento longo (maior que 3 anos), o aumento relativo da taxa de esofagite foi 86% (64%-109%), P < .001, I 2 = 47%, Q = 7.6 (P =0,107). Isso significa que há 86% de aumento no risco de esofagite pós-Sleeve em seguimento de longo prazo.

DRGE pós-Sleeve

Oito estudos relataram a taxa de DRGE pós-Sleeve. A definição de DRGE teve grande variação em cada estudo (consenso de Montreal, aplicação de questionários, presença de pirose, cintilografia, entre outros). Como resultado, foi observada uma heterogeneidade significativa na magnitude da DRGE pós-operatória. No entanto, todos os estudos mostraram estar na mesma direção: um significativo aumento da prevalência do DRGE no pós-operatório com odds rates variando de 1,6 a 49. Quatro estudos relataram DRGE de novo pós-Sleeve. Entre aqueles que não apresentavam sintomas de DRGE antes da cirurgia, a taxa de DRGE no pós-operatório foi de 45% (IC 95%, 35%-55%), p=0,106. Dois estudos relataram aumento do uso de inibidores de bomba de prótons no pós-operatório: de 22% para 76% e de 24% para 76%.

Discussão

Segundo os autores, essa metanálise incluiu todos os estudos existentes. Foi verificado que a prevalência do Barrett pós-Sleeve gástrico é de 11,6%. Além disso, foi visto que o aparecimento do Barrett não foi limitado aos pacientes com sintomas de DRGE somente. Barrett apareceu por volta de 3 anos após o procedimento e continuou a ser detectado 10 anos após a cirurgia.

Implicações clínicas

Há muitas implicações clinicas nesses achados. Primeiro, devido ao aumento de peso da população e da demanda pelo Sleeve, cirurgiões bariátricos, gastroenterologistas e demais médicos que acompanham os pacientes precisam estar cientes desses possíveis resultados. Esses dados justificam uma discussão com os pacientes em relação aos riscos e benefícios do rastreamento para esôfago de Barrett pós-Sleeve. De acordo com o guideline da ASGE, rastreamento para esôfago de Barrett deve ser indicado para os pacientes de uma população em que a prevalência de Barrett é maior que 10%. Observe que 11,6% dos casos foram Barrett de novo, nenhum dos pacientes submetidos ao Sleeve tinham Barrett na endoscopia pré-operatória. Os dados sugerem que o rastreio pode ser mais útil se iniciado cerca de 3 anos após o Sleeve. Mais dados sobre essa questão são necessários antes de tais recomendações serem adotadas em diretrizes clínicas.

Segundo, embora o Barrett possa levar anos para se desenvolver, o risco de esofagite parece aumentar 13% por ano baseado em regressão logística. Muitos pacientes com esôfago de Barrett e esofagite são assintomáticos. Embora esses resultados secundários requeiram investigações adicionais, o resultado da metanálise indica que supressão ácida precoce pós-Sleeve pode ser considerada para atenuar risco de DRGE e, portanto, o risco de esôfago de Barrett e adenocarcinoma de esôfago.

Terceiro, o aumento do risco de esôfago de Barrett devido ao Sleeve deve ser discutido com os pacientes candidatos à cirurgia. Pacientes com aumento do risco para Barrett devem receber a opção de ter um procedimento alternativo. Esses pacientes incluem aqueles com DRGE, esofagite documentada, história familiar de Barrett ou adenocarcinoma de esôfago, homens e fumantes.

Nenhum dos estudos relatou a taxa de progressão para displasia no esôfago de Barrett. Entretanto, não há razão para se presumir que o Barrett pós-Sleeve teria um comportamento diferente que o Barrett em outros pacientes.

Além disso, poderia haver implicações clínicas para gastroplastia endoscópica (endoscopic sleeve gastroplasty – ESG). Embora o ESG mimetize o Sleeve por cirurgia na sua técnica, o efeito do ESG na DRGE, esofagite erosiva e esôfago de Barrett, não está bem estudado. Um estudo retrospectivo com 83 pacientes submetidos à ESG e 54 ao Sleeve cirúrgico mostrou que o risco de refluxo foi menor no grupo ESG, porém o verdadeiro efeito do ESG na DRGE e esofagite erosiva não está bem estabelecido ainda.

Limitações

Uma das limitações do estudo é o relativo tamanho pequeno da amostra. Além disso, o resultado primário foi esôfago de Barrett. Portanto, muitos dos resultados secundários devem ser usados com cautela.

Conclusão

Pacientes submetidos à gastrectomia vertical têm risco aumentado de desenvolver esôfago de Barrett. Mais estudos são necessários para entender a fisiopatologia desse fenômeno. Gastroenterologistas, cirurgiões bariátricos e demais médicos devem estar atentos a esses dados. Uma clara discussão com os pacientes a respeito dos riscos após o procedimento e a avaliação do risco-benefício do rastreamento do esôfago de Barrett após o Sleeve devem ser consideradas.

Como citar este artigo

Arraes L. Esôfago de Barrett após gastrectomia vertical (Sleeve). Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/esofago-de-barrett-apos-gastrectomia-vertical-sleeve/

Referência

Barrett esophagus after sleeve gastrectomy: a systematic review and meta-analysis. Bashar J. Qumseya et al. Gastointestinal Endoscopy. Volume 93, issue 2, P343-353.E2. February 01, 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/j.gie.2020.08.008




Hemostasia com cateter bipolar

Paciente masculino, 78 anos, admitido por HDA. Após condutas para estabilização hemodinâmica, foi submetido à endoscopia digestiva alta. O exame demonstrou na pequena curvatura do corpo gástrico proximal uma grande úlcera com sinais de sangramento recente e coto vascular visível.

 

Nesta situação, quais métodos a serem usados para hemostasia?

A escleroterapia com adrenalina era uma escolha certa. Mas, tendo em vista os melhores resultados com terapia combinada, ficou a dúvida qual o segundo método a ser utilizado. Logo ficou claro que o clipe não seria a melhor opção pois a úlcera era muito grande, com bordas endurecidas e o clipe não iria conseguir aproximar as bordas. Se o clipe fosse usado diretamente no vaso, provavelmente, não ficaria bem aderido pois a base da úlcera estava muito friável e teria o risco de aumentar a ruptura do vaso.

A ideia foi usar algum método térmico, sendo as opções a coagulação com plasma de argônio ou a hemostasia com cateter bipolar. O argônio não funciona bem em superfície que tem líquido, forma muitos debris que aderem ao cateter. Além disso, a coagulação é superficial e seria insuficiente para a hemostasia mais profunda para um vaso como este.

O cateter bipolar (Injection Gold Probe – Boston Scientific) pareceu ser a melhor opção. Esse cateter combina a possibilidade de realizar a escleroteria e a hemostasia térmica com o mesmo acessório. Foi usado através de compressão no foco exato a ser hemostasiado e com potência de 30 W no modo coagulação. O efeito imediato foi muito bom, não precisando ser aplicado novamente.

O tratamento foi complementado com injeção de solução de adrenalina ao redor do vaso rompido. O aspecto foi satisfatório e, após a hemostasia, não houve ressangramento imediato nem tardio.

Eletrocoagulação bipolar

O cateter bipolar e o cateter multipolar geram energia térmica completando um circuito elétrico entre 2 eletrodos na ponta de uma sonda. Em contraste com o eletrocautério monopolar, o circuito é concluído localmente, por isso nenhuma base de aterramento é necessária. Como o tecido-alvo desidrata, há uma diminuição da condutividade elétrica, limitando a temperatura máxima (100 °C), profundidade e extensão da lesão do tecido. O pedal controla a entrega de energia, e a potência de saída é em watts (W). Configurações de potência máxima dependem do gerador usado, mas geralmente não excedem 50 W. A configuração padrão é 20 W.

A sonda bipolar consiste em bandas alternadas de eletrodos que produzem um campo elétrico que aquece a mucosa e o vaso. Os eletrodos são revestidos com ouro para reduzir a adesividade ao tecido. As sondas são rígidas a fim de permitir que uma pressão adequada seja aplicada para comprimir e selar as paredes do vaso sangrante (“coagulação coaptiva”) enquanto a energia do campo elétrico é transmitida. A sonda pode ser usada tangencialmente ou perpendicularmente na fonte de sangramento.

Como citar este artigo:

Salles FP. Hemostasia com cateter bipolar. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/hemostasia-com-cateter-bipolar

Referência bibliográfica

  1. BIANCO, Maria Antonia; ROTONDANO, Gianluca; MARMO, Riccardo; PISCOPO, Roberto; ORSINI, Luigi; CIPOLLETTA, Livio. Combined epinephrine and bipolar probe coagulation vs. bipolar probe coagulation alone for bleeding peptic ulcer: a randomized, controlled trial. Gastrointestinal Endoscopy, [S.L.], v. 60, n. 6, p. 910-915, dez. 2004. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/s0016-5107(04)02232-1.
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  3. PARSI, Mansour A.; SCHULMAN, Allison R.; ASLANIAN, Harry R.; BHUTANI, Manoop S.; KRISHNAN, Kuman; LICHTENSTEIN, David R.; MELSON, Joshua; NAVANEETHAN, Udayakumar; PANNALA, Rahul; SETHI, Amrita. Devices for endoscopic hemostasis of nonvariceal GI bleeding (with videos). Videogie, [S.L.], v. 4, n. 7, p. 285-299, jul. 2019. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.vgie.2019.02.004.
  4. CONWAY, Jason D.; ADLER, Douglas G.; DIEHL, David L.; FARRAYE, Francis A.; KANTSEVOY, Sergey V.; KAUL, Vivek; KETHU, Sripathi R.; KWON, Richard S.; MAMULA, Petar; RODRIGUEZ, Sarah A.. Endoscopic hemostatic devices. Gastrointestinal Endoscopy, [S.L.], v. 69, n. 6, p. 987-996, maio 2009. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.gie.2008.12.251.

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Curiosidades sobre o Helicobacter pylori

Introdução

  • O Helicobacter pylori (HP) acomete aproximadamente metade da população mundial, sendo uma das principais infecções crônicas do ser humano.
  • Detentor de um vasto repertório genético, o HP é capaz de adaptar-se às mais diversas situações impostas pelo hostil ambiente gástrico.
  • Embora intimamente associado aos humanos há muitos séculos, foi descoberto apenas em 1982 por Warren e Marshall, rendendo a eles o prêmio Nobel. [2]
  • Identificado inicialmente como Campylobacter pyloridis, mais tarde fora reclassificado como Helicobacter pylori. [1]
  • A infecção é, geralmente, adquirida na primeira infância com forma de transmissão ainda não estabelecida, mas, provavelmente, fecal-oral e/ou oral-oral. [3]

Características

  • Definido como um bacilo microaerofílico, gram-negativo, de crescimento indolente, mede aproximadamente 3,5 x 0,5 μm.
  • Morfologicamente, apresentam-se sob duas formas, uma bacilar espiralada e outra cocóide. [2]
  • A microscopia eletrônica revela que o HP tem 2 a 7 flagelos munidos de bainha unipolar que aumentam a sua mobilidade por meio de soluções viscosas. Essa propriedade permite que se estabeleça nas porções mais profundas do gel mucoso que reveste a mucosa gástrica, onde as condições de pH são mais favoráveis. [2]
  • O HP coloniza exclusivamente o epitélio gástrico, com a capacidade de fixar-se ao epitélio, porém, em circunstâncias normais, parece não invadir essas células. [3]

Figura 1

Quando submetido a fatores estressores, como escassez de nutrientes, condições desfavoráveis de temperatura, pH e substâncias tóxicas, o HP muda sua conformação habitual bacilar para cocóide. Nesta forma de adaptação, o HP admite um estado viável, mas não cultivável. Essa transição de conformação é responsável, em parte, pela resistência aos antibióticos. [4]

Figura 2

 

  • A capacidade de produzir urease, uma enzima que catalisa a degradação da uréia em amônia e CO2, permite a alcalinização do pH circundante. (Para saber mais sobre o teste da urease confira este post.)
  • O repertório genético determina fatores patogênicos, capazes de facilitar a adesão ao epitélio gástrico, induzir lesão mucosa e evitar as defesas do hospedeiro. [5]

Relação entre HP e inibidor de bomba de próton (IBP)

  • O inibidor de bomba de prótons (IBP) tem potencial efeito bactericida, bacteriostático e reduz a atividade da urease do HP.
  • Os métodos dependentes da quantidade de bactérias (histológico, teste respiratório, antígeno fecal) e da atividade da urease (teste da urease) são negativamente influenciados após o uso do IBP.
  • Por isso, na prática clínica, recomendamos a suspensão dos IBP por 14 dias antes de qualquer teste diagnóstico, exceto sorologia.
  • Da mesma forma, orienta-se a suspensão dos antibióticos e sais de bismuto por 30 dias. [6]

Pesquisa do HP pelo método histológico

Em busca do melhor ambiente para desenvolver-se, o HP, normalmente, inicia seu ciclo de vida no antro, onde condições de pH e nutrientes são mais favoráveis, e, eventualmente, migra para o corpo. Essas formas de acometimento são, atualmente, atribuídas ao somatório de fatores ambientais, de virulência e do hospedeiro.

  1. Disposição predominante antral, hipergastrinemia, hipersecreção de ácido e predisposição a úlcera duodenal.
  2. Migração do antro para o corpo gástrico, redução da produção ácida, evolução com gastrite atrófica, metaplasia intestinal, úlcera gástrica e câncer.

A utilização do método histológico com apenas uma biópsia do antro é razoável para a maioria dos casos. Entretanto, nos pacientes com atrofia e metaplasia, devemos associar com biópsia do corpo gástrico. Por isso, de forma geral realizamos biópsias do corpo e do antro.

A realização de duas biópsias do corpo e duas do antro confere um aumento de positividade das biópsias entre 10–15%, entretanto, não há estudos comprovando se essa prática é custo-efetiva. [7]

Como citar este artigo:

Júnior EAA. Curiosidades sobre o Helicobacter pylori. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/curiosidades-sobre-o-helicobacter-pylori

Referências

  1. Warren JR. Helicobacter: the ease and difficulty of a new discovery (Nobel lecture). ChemMedChem. 2006;1(7):672-85.
  2. Goodwin CS, Worsley BW. Microbiology of Helicobacter pylori. Gastroenterology clinics of North America. 1993;22(1):5-19
  3. Cover TL, Blaser MJ. Helicobacter pylori in health and disease. Gastroenterology. 2009;136(6):1863-73.
  4. Kadkhodaei, Sara; Siavoshi, Farideh; Akbari Noghabi, Kambiz (2019). Mucoid and coccoid <i>Helicobacter pylori</i> with fast growth and antibiotic resistance. Helicobacter, (), –. doi:10.1111/hel.12678 
  5. Amieva MR, El-Omar EM. Host-bacterial interactions in Helicobacter pylori infection. Gastroenterology. 2008;134(1):306-23.
  6. Coelho LGV, Marinho JR, Genta R, Ribeiro LT, Passos MCF, Zaterka S, Assumpção PP, Barbosa AJA, Barbuti R, Braga LL, Breyer H, Carvalhaes A, Chinzon D, Cury M, Domingues G, Jorge JL, Maguilnik I,
  7. Marinho FP, Moraes Filho JP, Parente JML, Paula-e-Silva CM, Pedrazzoli Júnior J, Ramos AFP, Seidler H, Spinelli JN, Zir JV. IVth Brazilian Consensus Conference on Helicobacter pylori infection
  8. Calvet, Xavier (2015). Diagnosis of Helicobacter pylori Infection in the Proton Pump Inhibitor Era. Gastroenterology Clinics of North America, (), S0889855315000473–. doi:10.1016/j.gtc.2015.05.001
  9. Ierardi, Enzo; Losurdo, Giuseppe; Mileti, Alessia; Paolillo, Rosa; Giorgio, Floriana; Principi, Mariabeatrice; Di Leo, Alfredo (2020). The Puzzle of Coccoid Forms of Helicobacter pylori: Beyond Basic Science. Antibiotics, 9(6), 293–. doi:10.3390/antibiotics9060293

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CORPO ESTRANHO IMPACTADO NA GARGANTA: VOCÊ SABE AVALIAR?

“Doutor, estava comendo peixe e engoli uma espinha! Estou sentindo ela presa aqui na minha garganta!”

Todo endoscopista que faz plantão de sobreaviso já passou por essa situação.

Espinha de peixe e espículas de frango são os mais terríveis, pois têm grande chance de ficar impactados em algum local do trajeto (hipofaringe, esôfago, etc).

Quando pensei em escrever sobre esse assunto, o principal objetivo era familiarizar o endoscopista com o exame e a anatomia das estruturas supraglóticas, visto que, para nós, essa é uma região apenas “de passagem”. Mas também vamos recapitular o que os guidelines orientam sobre o melhor momento de realizar esse exame.

Em alguns serviços existe uma discussão a respeito de quem deveria atender a esses pacientes: endoscopistas ou os otorrinos? Já deixo aqui a minha opinião:

  • Exame físico dedicado com o otorrinolaringologista deveria ser a conduta padrão, pois é simples de realizar, pode resolver o problema rapidinho e não exige sedação;
  • Caso o otorrino não encontre a espinha impactada em nenhum lugar acessível, o exame endoscópico estaria indicado;

Mas nem sempre temos o melhor dos mundos a nosso favor e, tendo a suspeita de corpo estranho impactado “na garganta”, não podemos omitir socorro ao paciente, ok?

Então, vamos lá!

O que diz o guideline da ASGE sobre ingestão de objetos pontiagudos?

Objetos pontiagudos (agulhas, ossos, palitos de dente)

  • Laringoscopia direta é uma opção para remover objetos acima do cricofaríngeo;
  • Objeto pontiagudo impactado no esôfago é uma emergência médica e deve ser retirado imediatamente;
  • A maioria dos objetos pontiagudos passam pelo TGI sem incidentes. No entanto, a chance de complicação pode chegar até 35%. Portanto, objetos pontiagudos no estômago ou duodeno proximal devem ser retirados por endoscopia.

Clique aqui para ver o guideline.

O guideline não fala a respeito de jejum em cada situação, mas deixo aqui a minha opinião:

  • Suspeita de impactação acima do cricofaríngeo: melhor esperar jejum (ou fazer com anestesia tópica, mas nem sempre o paciente colabora);
  • Suspeita de impactação no esôfago: emergência médica! Exame imediato!
  • Sem suspeita de impactação no esôfago: exame assim que completar o jejum.

Anatomia da laringe

Figura 1: visão endoscópica da laringe. Epiglote parcialmente visualizada.

Exame endoscópico

Paciente jovem, feminina, refere ingestão de corpo estranho (osso de frango) há 2 dias. Refere dor na garganta e suspeita que o osso de frango está impactado em algum lugar. 

Para ser honesto, com essa história arrastada de 2 dias e poucos sintomas, meu palpite era que eu não iria achar nada no local. Mesmo assim, procedemos com o exame cuidadoso.

 

Figura 2: exame do esôfago e coto gástrico normal.

Figura 3: laringe, seio piriforme esquerdo e direito.

Figura 4: epiglote, pilar amigdaliano direito e tonsila direita.

 

Até agora, nada. Porém, cumpre lembrar que a endoscopia digestiva alta não é o exame adequado para estudar essa região. O relaxamento da musculatura, devido à sedação e ao posicionamento do paciente, dificulta o exame adequado. Por isso, sempre recomendamos realizar um exame com auxílio de um cap acoplado à extremidade do aparelho antes de concluir que está tudo bem.

 

Figura 5: exame com auxílio de cap. Visualização da epiglote e da valécula (região atrás da epiglote).

Figura 6: exame da tonsila esquerda como auxílio de cap e identificação de corpo estranho.

Figura 7: vista ampliada do “danado”.

Figura 7: vista ampliada do “danado”.

Figura 8: retirada do corpo estranho com pinça de biópsia.

Figura 8: retirada do corpo estranho com pinça de biópsia.

 

Como viram, devemos procurar com muita atenção um possível corpo estranho nessa região, realizando exame da orofaringe e hipofaringe com muito cuidado e lembrar sempre do uso do cap. Cuidado com conclusões precipitadas!

Como citar este artigo:

Martins BC. CORPO ESTRANHO IMPACTADO NA GARGANTA: VOCÊ SABE AVALIAR?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/corpo-estranho-impactado-na-garganta-voce-sabe-avaliar

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Barrett, endoscopia e as inúmeras possibilidades de abordagem/manejo

1. Introdução

O esôfago de Barrett é a única lesão pré-maligna identificável do adenocarcinoma esofágico. Dados epidemiológicos dos EUA revelaram uma incidência de 18.174 casos de câncer de esôfago em 2014, sendo 60% por adenocarcinoma, com uma sobrevida em 5 anos de apenas 15–20%. [1,2]

A terapêutica endoscópica mudou o manejo dos pacientes com Barrett, possibilitando tratamento eficaz e minimamente invasivo.

2. Indicações de tratamento endoscópico

De uma forma geral, está indicado no paciente com Barrett com displasia ou com adenocarcinoma intramucoso.

Abaixo, a tabela expõe as últimas recomendações das principais sociedades americanas e europeias sobre as estratégias de vigilância e manejo dos pacientes com Barrett:

Antes de indicar o tratamento endoscópico nos pacientes com Barrett com displasia, recomenda-se confirmação do diagnóstico histológico por pelo menos 1 patologista especialista ou por um grupo de patologistas. Uma vez observado que a revisão histológica por 1 especialista acarretou mudança no resultado do AP em 55% (maior parte das vezes em downgrading). [3]

Estratégias de tratamento

As estratégias se dividem em 2, a depender da presença ou não de lesão endoscopicamente visível:

  • Barrett com displasia sem lesão visível: terapia ablativa;
  • Barrett com displasia e com lesão visível: ressecção endoscópica da lesão visível, seguida da terapia ablativa do Barrett remanescente.

A ressecção das lesões visíveis fornece um correto estadiamento histológico e, consequentemente, direciona o correto intervalo de vigilância, com mudança no AP inicial em 39% (maior parte das vezes em upgrading na displasia/neoplasia). [3]

Ressecção endoscópica da lesão visível, seguida da terapia ablativa do Barrett remanescente

Técnicas de ressecção endoscópica

As principais técnicas são a mucosectomia com multibandas (multiband mucosectomy) e a mucosectomia com auxílio do Cap (Cap technique). Ambas apresentam eficácia e segurança semelhantes. Estudo com 2.513 mucosectomias em pacientes com Barrett demonstrou taxa de sangramento de 1,2%, estenose 1%, e nenhuma perfuração. [4]

A seguir link com vídeo da técnica de ressecção com multibandas: CLIQUE AQUI

Papel da dissecção endoscópica da submucosa (ESD)

Para os casos específicos de Barrett, o estadiamento histológico e de profundidade parecem ser os parâmetros mais importantes para guiar o manejo dos pacientes. Diferentemente de outras condições neoplásicas, não há necessidade absoluta de obtenção de margens laterais livres no Barrett. Alguns estudos demonstraram a eficácia da técnica de mucosectomia no Barrett comparado à ESD [5]:

  • ESD vs EMR;
  • > taxas de R0 (ressecção com margens laterais livres);
  • Tempo de procedimento mais prolongado;
  • Maior taxa de eventos adversos;
  • Mesma taxa de remissão de neoplasia.

A ESD tem sido reservada para os casos de lesões com componente luminal significativo, o que dificulta a apreensão pelo sistema de bandas e pelo Cap, e para as lesões com suspeita de invasão da submucosa, uma vez que se tem observado uma boa evolução dos pacientes com Barrett com adenocarcinoma com invasão da submucosa até 500 µm, tumor bem ou moderadamente diferenciado, após ESD com margens livres e ausência de invasão angiolinfática. [5]

Terapia endoscópica ablativa

A ablação por radiofrequência é o método de eleição, por sua alta segurança, eficácia e por já ter sido extensivamente validado na literatura e prática médica. Outras opções são: terapia fotodinâmica, crioterapia e ablação com plasma de argônio.

A ablação com radiofrequência (Sistema Barrx® RFA; Medtronic) promove destruição do tecido-alvo pelo calor por meio de cateteres endoscópicos com uso de gerador elétrico conectado a matrizes de eletrodos bipolares (faixa de RF: 450-500 kHz). A ablação acomete profundamente até a muscularis mucosae (500–1000 µm), a submucosa não é atingida (↓risco de hemorragia, fibrose e estenose).

Ablação com radiofrequência do esôfago de Barrett.

Ablação com radiofrequência do esôfago de Barrett.

O sucesso da terapia ablativa é definido pela erradicação completa da displasia, bem como da metaplasia intestinal, no esôfago tubular. Com estudos demonstrando taxas de sucesso de 98% após 1 ano do tratamento de pacientes com Barrett com displasia e/ou adenocarcinoma intramucoso. [6]

Eventos adversos foram observados na literatura em 8,8% dos casos, sendo o principal estenose 5,6%, seguido por sangramento 1% e perfuração 0,6%. [7]

A ablação por radiofrequência (ARF) permite a destruição do tecido-alvo desejado pelo calor. É um tratamento amplamente utilizado para a arritmia cardíaca, câncer, varizes e sangramento uterino. Quando disponível, a ARF tornou-se o tratamento padrão para o esôfago de Barrett displásico.

3. Vigilância

A vigilância deve ser empregada pois observa-se taxa de recorrência de cerca de 20% em 2 a 3 anos após sucesso. Na recorrência, observou-se que 25% apresentaram displasia e que em > 95% dos casos o tratamento endoscópico pode ainda ser estabelecido.

O intervalo de vigilância depende do grau de displasia observado antes do tratamento.

  • Displasia de alto grau/adenocarcinoma: endoscopia com biópsias (nos 4 quadrantes a cada 1 cm) de 3 em 3 meses no primeiro ano, de 6 em 6 meses no segundo ano e, depois, anualmente. [8]
  • Displasia de baixo grau: endoscopia com biópsias (nos 4 quadrantes a cada 1 cm) de 6 em 6 meses no primeiro ano e anualmente após [8]; ou endoscopia com biópsias (nos 4 quadrantes a cada 1 cm) 1 vez no ano por 2 anos e, depois, a cada 3 anos. [9]

Referências

  1. Rubenstein JH. Gastroenterology 2015.
  2. Hur C. Cancer. 2013
  3. Wani S. GIE 2018.
  4. Tomizawa Y. Am J Gastroenterol 2013.
  5. Weusten B. Endoscopy 2017.
  6. Gondrie JJ. Endoscopy 2008.
  7. Qmseya BJ. Clin Gastroenterol Hepatol 2016.
  8. Shaheen NJ. Am J Gastroenterol 2016.
  9. Wani S. Gastroenterol 2016.

Como citar este artigo:

Franco M. Barrett, Endoscopia e as inúmeras possibilidades de abordagem/manejo. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/barrett-endoscopia-inumeras-possibilidades-de-abordagem-manejo

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O que o endoscopista deve fazer para que esta história tenha um final feliz?

Homem, 42 anos, chega à emergência do hospital às 22 horas de um sábado, referindo que durante o jantar, há cerca de 40 minutos, ingeriu algum alimento que o deixou com dificuldades de engolir a própria saliva, tendo que cuspi-la dentro de um recipiente, de tempos em tempos. Ao exame físico, o paciente apresentava-se em bom estado geral, eupneico ao ar ambiente, sem dificuldades respiratórias. Nega história de asma, alergias ou perda de peso.

endoscopia

 

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Diagnóstico moderno da DRGE: o Consenso de Lyon

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma doença complexa, de elevada prevalência mundial, que gera um alto custo na sua investigação diagnóstica e tratamento.

Com o objetivo de determinar a indicação dos testes esofágicos para avaliação da DRGE e rever seus critérios diagnósticos, especialistas em DRGE de vários países iniciaram, em 2014, um processo de discussão e revisão da literatura, cujas constatações foram adaptadas para a prática clínica do gastroenterologista, que culminaram na elaboração deste consenso recentemente publicado.

O Consenso de Lyon avaliou os testes diagnósticos da DRGE, categorizando seus resultados como conclusivos, contrários ou inconclusivos para confirmação de DRGE. Quando os testes diagnósticos são limítrofes ou inconclusivos, parâmetros adicionais de apoio são sugeridos para complementá-los.

Em seguida, serão apresentadas suas principais conclusões.

Nota: o Consenso de Lyon foi atualizado em 2023 e você pode conferir essa atualização neste post do Gastropedia: Atualizações no diagnóstico de DRGE: Consenso de Lyon 2.0. No entanto, encorajamos a continuar a leitura deste artigo, visto que fornece a base para entendimento da sua atualização. 

Diagnóstico da DRGE

História clínica:

Os sintomas típicos de refluxo não são sensíveis nem específicos, quando comparados à evidência objetiva de DRGE definida por pHmetria ou endoscopia (sensibilidade 70%; especificidade 67%), ainda que a história seja realizada por gastroenterologista ou por meio de questionários padronizados.

Teste com inibidor da bomba de prótons (IBP):

O teste empírico com IBP em pacientes com sintomas típicos tem sensibilidade de 71% e especificidade de 44%, em comparação com a combinação de endoscopia e pHmetria para o diagnóstico de DRGE. Com sintomas atípicos, as taxas de resposta do IBP são muito mais baixas do que com sintomas típicos, diminuindo assim a utilidade dessa abordagem para o diagnóstico.

Na prática clínica, apesar da baixa especificidade e alta resposta placebo, a abordagem diagnóstica da DRGE baseada na avaliação dos sintomas e no tratamento empírico com IBP é menos dispendiosa do que testes diagnósticos e é endossada por diretrizes das sociedades de gastroenterologia.

Testes diagnósticos:

As indicações para os testes incluem falha do tratamento, incerteza diagnóstica e tratamento ou prevenção de complicações da DRGE, e sua principal função é distinguir os pacientes com carga patológica de refluxo, de hipersensibilidade mediada por refluxo e síndromes funcionais.

Endoscopia e biópsia:

Os achados da endoscopia podem ser clinicamente importantes e específicos para a DRGE, mas a endoscopia tem baixa sensibilidade diagnóstica (apenas 30% dos pacientes com pirose não tratados têm esofagite erosiva).

Critérios endoscópicos conclusivos para DRGE:

  • Esofagite de grau C ou D;
  • Esôfago de Barrett comprovado por biópsia;
  • Estenose péptica.

O grau A de LA é considerado inespecífico sendo encontrado entre 5% a 7,5% dos controles assintomáticos. Esofagite grau B LA fornece evidência adequada para o início do tratamento da DRGE, entretanto, os problemas com a variabilidade interobservadora tornam necessária a evidência adicional com pHmetria antes da indicação de cirurgia antirrefluxo.

As biópsias podem ter valor na diferenciação de DRGE não erosiva (com pHmetria positiva), da hipersensibilidade ao refluxo e pirose funcional quando avaliadas usando um protocolo histopatológico adequado. Entretanto, a ampla adoção do exame histopatológico para lesão da DRGE é dificultada pelo protocolo trabalhoso e necessidade de um patologista experiente, tendo sua aplicabilidade clínica limitada.

Monitorização ambulatorial do refluxo:

A monitorização ambulatorial do refluxo pode fornecer evidências confirmatórias de DRGE em pacientes com endoscopia normal, sintomas atípicos e/ou quando se considera cirurgia antirrefluxo.

  • A monitorização da impedâncio-pH é o padrão ouro para detecção e caracterização dos episódios de refluxo, mas é dispendiosa, não está amplamente disponível e sua interpretação é demorada.
  • Recomenda-se a monitorização do refluxo sem IBP em casos de DRGE “não comprovada” e com IBP em casos de “DRGE comprovada” (esofagite anterior de grau C ou D, Esôfago de Barrett comprovado por biópsia, estenose péptica ou Tempo de exposição ácida –TEA > 6%).
  • Quando a monitoração de refluxo é indicada em uso de IBP, a impedâncio-pH deve ser realizada, pois a maioria dos refluxos nessa situação são não ácidos.
  • Quando a monitoração de refluxo é indicada sem uso IBP, a escolha entre o monitoramento de pH baseado em cateter, o monitoramento de pH sem fio e o monitoramento por impedâncio-pH depende do custo e da disponibilidade.
  • Um TEA <4% é normal e um TEA> 6% é anormal (independentemente do tipo de monitorização do refluxo e se o estudo foi realizado com ou sem IBP).
  • Os episódios de refluxo >80/24 horas são anormais e <40 são fisiológicos na impedâncio-pHmetria realizada com ou sem IBP. O número de episódios de refluxo é uma métrica adjunta a ser usada quando o TEA é limítrofe ou inconclusivo.
  • Associação do sintoma: a combinação de um IS positivo e uma PAS (probabilidade de associação de sintoma) positiva fornece a melhor evidência de associação clinicamente relevante entre episódios de refluxo e sintomas, e pode predizer uma melhor resposta ao tratamento quando presente.
  • A medição da impedância basal da mucosa, que reflete a permeabilidade da mucosa, (usando um dispositivo por endoscopia ou durante a monitoração ambulatorial da impedâncio-pH) é uma medida adjunta para o diagnóstico de DRGE.
  • O índice de PSPW (onda peristáltica induzida pela deglutição pós-refluxo) reflete a integridade do peristaltismo primário do esôfago e, assim como a impedância basal, é uma métrica que pode aumentar o valor diagnóstico da impedâncio-pHmetria, especialmente discriminando os pacientes com DRGE daqueles com pirose funcional.

Manometria esofágica de alta resolução:

A manometria de alta resolução (MAR) é comumente indicada para o adequado posicionamento dos cateteres de pH ou impedâncio-pHmetria. Também é usada para avaliar o peristaltismo e detectar distúrbios motores que contraindiquem a cirurgia antirrefluxo.

A MAR não é útil para o diagnóstico da DRGE, mas pode fornecer informações adicionais:

  • Avaliação da função de barreira da JEG incluindo sua morfologia (tipo I a III) e de seu vigor contrátil (CI –JEG: padronização a ser estabelecida) (Figura 1);
Figura 1. Morfologia da junção esofagogástrica como descrita na MAR. Com a morfologia do tipo 1, o componente do diafragma crural (CD) é completamente sobreposto ao componente do esfíncter esofágico inferior (LES). Com a morfologia tipo 2, há separação parcial dos constituintes do EEI e CD.

  • Avaliação da função motora do corpo esofágico (contratilidade normal, ineficaz, fragmentada ou ausente) que se correlaciona com a carga de refluxo esofágico;
  • Testes adjuntos devem ser incluídos no protocolo de MAR: para avaliar a resposta contrátil (múltiplas deglutições rápidas) em pacientes com motilidade esofagiana ineficaz; para avaliar a obstrução da JEG (teste ingestão rápida de água) (Figura 2).
Figura 2. Métricas de manometria de alta resolução utilizadas na classificação motora da DRGE após uma série de deglutições repetidas (múltiplas deglutições rápidas – MRS), o DCI (contração distal integrada) aumenta em relação ao DCI médio das deglutições isoladas quando há reserva de contração.

O Consenso de Lyon sugere que todo estudo de MAR seja acompanhado por, pelo menos, um desses testes provocativos e que a classificação descrita seja destinada a ser usada em conjunto com a Classificação de Chicago.

Em resumo, uma vez que história clínica e a resposta à terapia antissecretora são insuficientes para estabelecer um diagnóstico conclusivo da DRGE isoladamente, o Consenso de Lyon propôs um modelo de análise dos testes esofágicos que serve como guia para o manejo da doença (Figura 3).

Figura 3. Interpretação dos resultados dos testes esofágicos no contexto da DRGE. Figura 3. Interpretação dos resultados dos testes esofágicos no contexto da DRGE. *EIC – espaço intercelular; MNBI – impedância basal noturna média.

Otimizando os testes de DRGE:

O Consenso de Lyon opina que o teste inicial ótimo para não respondedores ao IBP sem demonstração de DRGE por endoscopia ou pHmetria prévia é a monitorização do pH ou da impedâncio-pH realizada sem terapia antissecretora. O objetivo dessa estratégia é descartar a DRGE e redirecionar o tratamento para o desmame dos IBPs, usando neuromoduladores e/ou terapia comportamental cognitiva, conforme apropriado.

Por outro lado, o teste ideal em pacientes pouco responsivos com diagnóstico prévio da DRGE é a combinação de EDA, MAR e monitoramento de impedâncio-pH em uso de terapia com IBP duas vezes ao dia. Essa combinação de testes serve tanto para redirecionar a terapia para diagnósticos alternativos quanto para identificar os pacientes com baixa depuração esofágica, episódios excessivos de refluxo e hipersensibilidade, cada um dos quais podendo desencadear opções específicas de tratamento.

Considerações finais:

Por fim, o Consenso de Lyon constata que a DRGE tem um perfil de sintomas heterogêneo, com base patogênica multifacetada que desafia um simples algoritmo diagnóstico. E, apesar de reconhecer as limitações dos testes esofágicos atuais, propõe o modelo apresentado acima. Sugere ainda que o objetivo da avaliação na DRGE deva buscar a definição de fenótipos da doença para facilitar um tratamento individualizado.

Como citar este artigo:

Fernandes LDD. Diagnóstico moderno da DRGE: o Consenso de Lyon – o que o endoscopista precisa saber. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/diagnostico-moderno-da-drge-o-consenso-de-lyon-o-que-o-endoscopista-precisa-saber/

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Confira também: DRGE é fácil de ser diagnosticada?




Paciente jovem, diarreia crônica, distensão abdominal e as imagens abaixo. Será que você acerta essa?

Paciente do sexo feminino, 17 anos de idade, relata queixa de diarreia há cerca de dois meses acompanhada por sintomas dispépticos e distensão abdominal, além de perda de 5 kg no período. Ao exame físico, apresenta-se pouco desidratada, com abdome levemente distendido e doloroso à palpação.

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Síndrome pós-polipectomia

 

A realização de polipectomias faz parte do dia a dia do colonoscopista, como parte de procedimentos de rotina, exames diagnósticos etc. As principais complicações evidenciadas incluem ressecção incompleta da lesão, sangramento e perfuração. A síndrome pós-polipectomia é uma complicação pouco frequente e menos conhecida que as demais, no entanto, de extrema relevância. Sobre ela comentamos:

Confira mais sobre a síndrome pós-polipectomia

A síndrome de coagulação pós-polipectomia (post-polypectomy coagulation syndrome – PPCS) foi descrita por J. Waye ao observar pacientes que apresentaram quadro de dor abdominal de forte intensidade, sinais de peritonismo, taquicardia e febre após polipectomia com uso de corrente elétrica, porém, que não apresentavam evidência de perfuração colônica nos exames de imagem.

O diagnóstico dessa síndrome é de exclusão, sendo imprescindível avaliar e descartar a presença de pneumoperitôneo.

O principal sintoma é dor abdominal após colonoscopia, o que pode ocorrer nas primeiras 12h após o procedimento, porém são descritos casos tardios, após até 5–7 dias.

Considera-se que a síndrome decorre de lesão transmural secundária à corrente diatérmica, com preservação da serosa, não havendo, portanto, pneumoperitôneo.

A incidência é baixa, sendo estimada entre 0,5 e 1,2%, porém de grande relevância, pois faz diagnóstico diferencial com perfuração colônica pós-polipectomia.

Exames de imagem (tomografia computadorizada com contraste) evidenciam: ausência de pneumoperitôneo, espessamento da parede colônica com infiltrado inflamatório adjacente e presença de líquido na camada muscular do cólon.

O tratamento é conservador, baseado em internamento hospitalar, jejum, antibioticoterapia e vigilância. Não há necessidade de intervenção cirúrgica.

É importante ressaltar que a etiologia da lesão está associada à queimadura de camadas profundas do cólon. A evolução destes casos, via de regra, é satisfatória. Havendo intercorrências ou evolução insatisfatória, a possibilidade de perfuração tardia ou diagnóstico inicial equivocado (falha nos exames de imagem) deve ser suspeitado, sendo crucial a reavaliação do caso com o cirurgião.

Alguns autores usam o termo transmural burn syndrome ou simplesmente coagulation syndrome (CS) para incluir pacientes submetidos a ressecções endoscópicas por mucosectomia (EMR) ou dissecção endoscópica da submucosa (ESD), que apresentam quadro clínico semelhante a PPCS.

Embora não haja relato de perfuração tardia em PPCS, há descrição de perfuração tardia após CS (caso de ESD), indicando a importância de manter o paciente em internamento hospitalar e vigilância.

Bacteremia transitória pode ocorrer após procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, correspondendo à translocação de bactérias da flora do próprio paciente para a corrente sanguínea. De acordo com a ASGE, a incidência após colonoscopia com ou sem polipectomia é de aproximadamente 4%, porém raramente associadas a casos de infecção propriamente dita, como endocardite ou peritonite.

Referências:

  1. CT findings of post-polypectomy coagulation syndrome and colonic perforation in patients who underwent colonoscopy polypectomy. Shin et al. Clinical Radiology 2016;e1-e7
  2. Features of electrocoagulation syndrome after endoscopic submucosal dissection for colorectal neoplasm. Yamashina et al Gastroenterology and Hepatology 2016; 31:615–620
  3. Coagulation syndrome: Delayed perforation after colorectal endoscopic treatments. Hirasawa et al. World J Gastrointest Endosc  2015: 7(12): 1055-1061
  4. What Is Different  between Postpolypectomy Fever and  Postpolypectomy Coagulation Syndrome? Hyung Wook Kim.  Clin Endosc  2014;47:205-206

Como citar este artigo:

Ferreira F. Síndrome pós-polipectomia. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-pos-polipectomia/

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