CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE COM ULCERAÇÃO: SERÁ QUE É FÁCIL CARACTERIZAR?

 

A definição de Câncer gástrico precoce inclui lesões que acometem as camadas mucosa e submucosa independente do acometimento linfático. Alguns problemas surgem à partir daí:

  • A definição de câncer gástrico precoce leva em conta a possibilidade de metástase linfática;
  • O tratamento endoscópico está indicado para lesões com risco zero ou risco negligenciável de metástases linfáticas (Figura 1);
  • Vários autores sugerem uma espécie de “redefinição” do conceito de câncer gástrico precoce levando em consideração as crescentes indicações de tratamento endoscópico;
  • Sabe-se que a presença de ulceras é um dos fatores que impacta nas taxas de metástases linfáticas e, portanto, nas indicações de tratamento endoscópico para o câncer gástrico precoce;
  • Será que é fácil diagnosticar e caracterizar ulcerações nas lesões gástricas precoces?

FIGURA 1. INDICAÇÕES CLÁSSICAS E EXPANDIDAS PARA O TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DO CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE

 

De acordo com as diretrizes japonesas existem quatro fatores que impactam nas indicações de tratamento endoscópico para o câncer gástrico precoce: tamanho, diferenciação, profundidade e presença de ulcerações (FIGURA 1).  Três desses fatores (tamanho, profundidade e presença de ulceração) são usualmente determinados durante o exame endoscópico.

No estudo original de Gotoda, no ano 2000, as ulcerações foram definidas com base na avaliação patológica de espécimes cirúrgicos de acordo com a presença de convergência de pregas, fibrose na submucosa ou deformidade de camada muscular própria, e não em alterações descritas durante o exame endoscópico das lesões.

Nas rotinas de avaliação dos pacientes portadores de lesões gástricas precoces, a definição da presença ou não de ulceração é feita durante o exame de endoscopia que antecede o tratamento do paciente, seja ele endoscópico ou cirúrgico. Fica a dúvida se a caracterização inadequada dessas ulcerações poderia conduzir os pacientes a tratamentos mais agressivos e, por vezes, desnecessários.

Sung Park e colaboradores conduziram um estudo muito interessante, publicado no periódico Clinical Endoscopy no ano de 2017,  para avaliar se os endoscopistas eram capazes de diagnosticar a presença de ulceração durante a caracterização de uma lesão gástrica precoce. Endoscopistas receberam um questionário via e-mail com sete imagens endoscópicas de lesões bem diferenciadas tratadas cirurgicamente (FIGURA 2). Em quatro delas (imagens A, B, E e G) havia ulceração descrita durante a análise histopatológica (fibrose em camada submucosa ou muscular própria).

A conclusão dos autores foi que a definição da presença ou não de ulceração variou bastante entre os endoscopistas, principalmente para as lesões que não apresentavam ruptura da integridade mucosa e nem convergência de pregas (FIGURA 3).  A presença de ulceração foi superestimada nos grupos com menor experiência endoscópica, o que levaria esse grupo a indicar tratamentos mais “agressivos” para um grupo de pacientes que poderia se beneficiar do tratamento endoscópico.

FIGURA 3. RESUMO DAS RESPOSTAS AOS QUESTIONÁRIOS (Adaptada do artigo original de Park, SM et al. Clinical Endoscopy 2017)

 

A maior parte dos endoscopistas ficou mais à vontade para diagnosticar ulcerações quando haviam depressões e rupturas da integridade da mucosa (nas figuras A,B,C e G). A presença de convergência de pregas não foi valorizada como um aspecto associado à presença de ulcerações. Cerca de 64% dos endoscopistas diagnosticaram a lesão E como sem ulceração, quando na verdade a presença de convergência de pregas traduz a presença de fibrose em submucosa ou em camadas mais profundas, ou seja, significa ulceração.

Os autores deixam a mensagem que o diagnóstico de ulceração no câncer gástrico precoce ainda envolve muitos questionamentos e dificuldades e que treinamento e experiência do endoscopista  são fundamentais para melhorar as indicações de tratamento endoscópico.

Um ponto interessante levantado por esse estudo foi que toda a fundamentação das indicações de tratamento endoscópico foi feita há cerca de 20 anos com base em espécimes cirúrgicos e com base na definição histopatológica da presença de ulcerações, e não com base em aspectos endoscópicos. Os equipamentos endoscópicos evoluíram bastante nesse período e hoje a maior parte dos serviços dispõe de equipamentos com alta definição de imagem e recursos de cromoscopia. Estudos que reforçam as indicações de tratamento endoscópico com base em critérios endoscópicos que sejam de fácil reconhecimento para o endoscopista se fazem necessários.

Além disso, uma informação prática e de grande importância para os endoscopistas, é que a presença de ruptura da integridade da mucosa e a convergência de pregas são aspectos importantes que definem a presença de ulcerações nas lesões gástricas precoces.

REFERÊNCIAS:

  1. Park SM, Kim BW, Kim JS et al. Can EndoscopicUlcerationsin Early Gastric Cancer Be Clearly Defined before EndoscopicResection? A Survey among Endoscopists. Clin Endosc. 2017 Sep;50(5):473-478.
  2. Barreto SG, Windsor JA. Redefining earlygastric cancer. Surg Endosc. 2016 Jan;30(1):24-37.
  3. Lee HL. Identificationof Ulcerationin Early Gastric Cancer before Resection is Not Easy: Need for a New Guideline for Endoscopic Submucosal Dissection Indication Based on Endoscopic Image. Clin Endosc. 2017 Sep;50(5):410-411.
  4. Gotoda T, Yanagisawa A, Sasako M et al. Incidence of lymph node metastasis from early gastric cancer: estimation with a large number of cases at two large centers. Gastric Cancer. 2000Dec;3(4):219-225.



QUIZ! H. pylori e lesões gástricas




QUIZ! – chicken skin ou white spots adjacente a um pólipo

 




EUS-guided ethanol ablation for pancreatic cystic lesions

 
(Ablação de cisto de pâncreas com álcool guiada por EUS)
 
For the management of pancreatic cystic lesions (PCLs), the traditional approach is watch and see, or resection based on the risk of malignancy. However, there is unmet need due to the indolent behavior of pancreatic cystic lesions. Currently, EUS-guided ethanol ablation therapy (EUS-EA) has been considered to solve the unmet need for management of pancreatic cystic lesions.
 
EUS-EA for PCLs was accomplished using the following protocol (Video).

  1. The longest diameter was measured
  2. 80% of the cystic fluid was aspirated, after which 99% ethanol was injected and stored in the cyst for 1 min
  3. Step number 2 was repeated twice, but retention time was prolonged to 3~5min
  4. All injected ethanol and remnant cystic fluid was aspirated

 
 

 
 
Although many studies about EUS-guided ablation therapy recently reported certain level of complete response (CR) rate 9-85%) and epithelial ablation (0-100%) (1-3), there are some limitations in this therapy as following: existence of Non-responder; existence of severe complications; difficulty in the confirmation of histological CR via imaging study; difficulty in imaging surveillance of malignancy; uneven effect in the ablation of epithelium; difficulty in operation after failure.
 
In our single-center retrospective study, we compared the clinical outcomes of EUS-guided ethanol ablation with those of the natural course of PCLs. Between 84 matched pairs of both groups, there were no significant differences in overall survival (194.12 ± 5.60 vs 247.54 ± 12.70 months, p = 0.235) (4). The surgical resection rate (4.8% versus 26.2%, p < 0.001) was significantly lower in the EUS-EA group. CR was observed only in the EUS-EA group and the CR rate was 32.1%. Although EUS-EA for PCLs with low risk of malignancy might not obtain a survival benefit, expect the better quality of life through the avoidance of unnecessary surgical resection and the lower surveillance cost by certain level of CR rate.
 
In conclusion, roles of EUS-EA are avoidance of unnecessary surgery or surgical complications and reduction of imaging follow-up as surveillance. EUS-EA could be considered a useful treatment option, but careful application is needed because of the limited effects in some type of PCLs.
Therefore, tentative candidates can be suggested as followings:

  • cystic lesion without high risk stigmata,
  • uni- or oligolocular cystic lesion,
  • cyst larger than 2cm in size,
  • slowly growing cyst,
  • reluctant or high-risk surgical patients.

 
 

Reference
  1. Bartel MJ, Raimondo M. Endoscopic Management of Pancreatic Cysts. Dig Dis Sci. 2017;62(7):1808-15.
  2. Caillol F, Poincloux L, Bories E, Cruzille E, Pesenti C, Darcha C, et al. Ethanol lavage of 14 mucinous cysts of the pancreas: A retrospective study in two tertiary centers. Endosc Ultrasound. 2012;1(1):48-52.
  3. Gomez V, Takahashi N, Levy MJ, McGee KP, Jones A, Huang Y, et al. EUS-guided ethanol lavage does not reliably ablate pancreatic cystic neoplasms (with video). Gastrointestinal endoscopy. 2016;83(5):914-20.
  4. Choi JH, Lee SH, Choi YH, Kang J, Paik WH, Ahn D-W, et al. Clinical outcomes of endoscopic ultrasound-guided ethanol ablation for pancreatic cystic lesions compared with the natural course: a propensity score matching analysis. Therapeutic Advances in Gastroenterology. 2018;11:1756284818759929.



QUIZ!! Tratamento endoscópico do Esôfago de Barrett.

Paciente de 55 anos, sexo masculino, tabagista, obeso (IMC 38 kg/m2), com doença do refluxo gastrointestinal (DRGE) de longa data. Vem em acompanhamento de devido ao achado anterior de esôfago de Barrett (C3M5), cuja a biópsia tinha revelando displasia de baixo grau. Foi submetido à duas terapias ablativas com radiofrequência. Abaixo as fotos do terceiro exame, que demonstrou redução significativa da epitelização colunar em esôfago distal, restando apenas uma pequena área de cerca de 1 cm pela parede anterior junto à TEG. Realizada a terceira sessão de ablação com radiofrequência com um cateter de ablação focal.

Exame com NBI evidenciando área de epitelização colunar em esôfago distal.

Ablação com radiofrequência do esôfago de Barrett.

Aspecto pós-ablação com radiofrequência.

 

 




Mucosectomia de Esôfago com Duette

 
Paciente masculino, 74 anos, encaminhado para realização de endoscopia digestiva alta (EDA) de rotina para acompanhamento de esôfago de Barrett.
A endoscopia revelou esôfago de Barrett curto, porém com área nodular avermelhada não corada com ácido acético.
 

 
Biópsia: adenocarcinoma tubular bem diferenciado, ocorrendo em área de displasia de alto grau em esôfago de Barret com metaplasia intestinal incompleta.
Ecoendoscopia: espessamento da mucosa, porém sem sinais de invasão da submucosa profunda ou da muscular própria. Ausência de acometimento linfonodal. Estadiamento T1a N0 Mx
Foi então indicado a mucosectomia para melhor análise da lesão. (Digo melhor análise, pois até este ponto não sabemos se a ressecção endoscópica pode ser curativa ou não.)
 

 
Anatomopatológico após a ressecção:

  • adenocarcinoma bem diferenciado medindo 0,6 cm,
  • Invasão de submucosa medindo 0,2 cm
  • Presença de invasão perineural.

 
A magnitude da invasão submucosa neste caso, extrapola os critérios considerados adequados para ressecção endoscópica segundo a sociedade europeia de endoscopia (ESGE – clique para ler esse guideline).
Segundo esse guideline, o tratamento endoscópico da neoplasia superficial do Barrett é a primeira opção caso a neoplasia seja restrita a mucosa (T1a).
Em neoplasias com invasão da submucosa (T1b), a ressecção endoscópica pode ser uma alternativa à cirurgia se atender aos seguintes critérios histopatológicos:

  • neoplasias com invasão na submucosa inferior a 500µm
  • histologia bem ou moderadamente diferenciada
  • ausência de invasão vascular e linfática
  • margens livres

 
Quanto à técnica de ressecção, a mucosectomia e a ESD parecem ser igualmente eficazes. O artigo abaixo é um estudo prospectivo randomizado muito bem conduzido que ilustra bem essa situação:
A randomised trial of endoscopic submucosal dissection versus endoscopic mucosal resection for early Barrett’s neoplasia. Gut. 2017 May;66(5):783-793. Terheggen G et al.
“CONCLUSIONS:  In terms of need for surgery, neoplasia remission and recurrence, ESD and EMR are both highly effective for endoscopicresection of early BO neoplasia. ESD achieves a higher R0 resection rate, but for most BO patients this bears little clinical relevance. ESD is, however, more time consuming and may cause severe AE.”
 
Para fechar essa discussão, é importante ressaltar que no caso dos pacientes que já desenvolveram adenocarcinoma ou displasia de alto grau no EB, a ablação do epitélio remanescente deve ser realizada. Isso pode ser feito através de radiofrequência – tecnologia recentemente incorporado em nosso meio – ou através do APC híbrido (não é a técnica de argônio comum!!!). Clique aqui para ver um vídeo desse procedimento.
Copio trecho do guideline da ESGE:
After endoscopic resection of visible abnormalities containing any degree of dysplasia or neoplasia, complete eradication of all remaining Barrett’s epithelium should be strived for, preferably with RFA. (After endoscopic resection of visible abnormalities, recurrence rates between 15 % in 5 years and 30 % in 3 years have been reported for patients in whom the remaining BE is left untreated.)
 




QUIZ! Lesão na cauda do pâncreas

Mulher, 40 anos, obesa (IMC 30,5 kg/m²), previamente hígida, com queixas de dor abdominal inespecífica e recorrente de leve/moderada intensidade há 3 meses. Nega DM, HAS ou perda de peso neste intervalo de tempo. Não é tabagista ou etilista, tampouco fazia uso regular de quaisquer medicamentos.

Exames laboratoriais todos normais, exceto por: AST 51 (até 31 U/L), ALT 62 (até 31 U/L), FA 110 (35-104 U/L), GGT 69 (8-41 U/L).

Ressonância magnética de abdome 

Pâncreas com imagem nodular de contornos lobulados, com sinal heterogêneo, havendo pequenas áreas císticas em seu interior, apresentando realce periférico e septal ao meio de contraste, sem evidente comunicação com o ducto pancreático, medindo cerca de 3,3 x 2,3cm, localizada na cauda do pâncreas.

Ecoendoscopia

Presença de lesão predominantemente sólida, com áreas císticas de permeio, arredondada, hipoecóica, heterogênea, com limites bem definidos, medindo 26 x 22 mm, localizada na transição corpo-caudal, sem fluxo ao Doppler e sem comunicação com o ducto pancreático, que apresenta calibre normal.

 

Foram realizadas punções ecoguiadas com agulha de 22G sem intercorrências e com obtenção de material representativo, que foi enviado para análise por cell-block.

 Diante da apresentação clínica e dos achados nos exames de imagem, qual o diagnóstico mais provável?




Divertículo de Meckel na enteroscopia

 

O divertículo de Meckel (DM) é um divertículo congênito verdadeiro que se desenvolve a partir de um ducto onfalomesentérico patente. O seu revestimento é por mucosa ileal, e pode conter tecido heterotópico em 30 a 40% das vezes: tecido gástrico, duodenal ou colônico, além de resquícios pancreáticos, originados de células multipotentes dentro da parede do ducto onfalomesentérico. Estima-se que afeta 1 a 2 % da população geral, com um risco de 4 a 6% de evolução com sintomas durante a vida1. Embora o DM represente um achado clinicamente silencioso de uma anomalia congênita em até 85% dos casos, quando os sintomas ocorrem, usualmente incluem melena e/ou hematoquezia provenientes de um vaso sangrante ou dor abdominal decorrente de intussuscepção ou aderências. A confirmação do diagnóstico recai sobre a identificação de um divertículo verdadeiro, geralmente localizado dentro de 100 cm proximalmente a partir da válvula ileocecal. Qualquer paciente adulto jovem que se apresente com sangramento documentado no trato gastrointestinal inferior, associado a achados negativos em endoscopia digestiva alta e colonoscopia, deve ter o diagnóstico de DM sintomático aventado.

 

CASUÍSTICA DO SERVIÇO

Entre janeiro de 2007 e Agosto de 2018, 144 pacientes realizaram enteroscopia por duplo balão (EDB) no Hospital Nossa Senhora das Graças (Curitiba, Brasil). A suspeita clínica de DM foi aven-tada em pacientes jovens com história de sangramento digestivo obscuro e investigação imaginoló-gica preliminar negativa, incluindo cintilografia com tecnésio marcado e/ou cápsula endoscópica. O diagnóstico foi confirmado em 6 pacientes, incluindo 5 com sangramento retal, hematoquezia e 1 com dor abdominal, com idade variando entre 16 e 38 anos. O diagnóstico foi feito por EDB por via retrógrada (via retal) em todos os pacientes. O achado endoscópico típico de DM nestes casos con-sistiu na precisa identificação do óstio diverticular e da luz ileal ao lado.

Divertículo de Meckel

 

Divertículo de Meckel

Imagem do divertículo de Meckel a aprox. 90 cm da válvula íleo cecal, por enteroscopica de duplo balão, em paciente de 29 anos com quadro de enterorragia recorrente desde os 15 anos de idade.

 

 

Diverticulo de Meckel a aprox. 90 cm da valvula ileo cecal, por enteroscopia de duplo balão, com lesão ulcerada na sua extremidade proximal, possível causa do sangramento.

 

Todas as formações diverticulares foram observadas aprox. entre 70 e 90 cm da válvula ileocecal. Em todos os casos, foi realizada injeção submucosa de tinha nanquim (tatuagem) na região peridi-verticular, no intuito de facilitar a sua identificação transoperatória.

 

Todos os pacientes foram submetidos ao tratamento cirúrgico, com ressecção do diverticulo por via laparoscópica.

Imagem de diverticulo de Meckel durante laparoscopia

 

DISCUSSÃO SOBRE O DIVERTÍCULO DE MECKEL NA ENTEROSCOPIA

O DM é de diagnóstico difícil e permanece como grande desafio na pratica médica. A maioria dos exames complementares evidencia alterações decorrentes das complicações como, diverticulite, obstrução da luz intestinal, hemorragia ou perfuração. Uma observação de Charles Mayo 2 , apesar de antiga, ainda se torna atual nos dias atuais: o DM é frequentemente suspeitado, frequentemente procurado e raramente encontrado.

Paciente com quadro de abdome agudo, dor fossa ilíaca direita. Ultrassonografia evidenciou aspectos compatíveis com diverticulite. Paciente foi submetido a cirurgia o qual confirmou diagnóstico (Foto gentilmente cedida pelo Dr. Marcus Trippia).

 

A cintilografia com tecnésio 99 (T99) é o método mais utilizado para diagnóstico de DM, sendo um teste não invasivo valioso, no qual o marcador radioativo é utilizado para localizar tecido gástrico ectópico funcionante.

Área de hiperconcetração do radiotraçador sugestiva de Divertículo de Meckel

Cintilografia com pertecnetato de sódio -99m Tc demonstrando área de hiperconcentração do radiotraçador na projeção da fossa ilíaca direita, de aparecimento simultâneo ao da mucosa gástrica, e com grau de captação crescente no decorrer do estudo, compatível com divertículo de Meckel. Observa-se também atividade na bexiga devido a eliminação por via urinária do radiotraçador. Fotos gentilmente cedidas pelo CERMEN.

 

O exame tem sensibilidade de 90% em pacientes pediátricos. Porém na faixa etária de adultos, apresenta sensibilidade menor, cerca de 60%, e acurárica de 46%, devido a reduzida frequência de mucosa gástrica diverticular heterotópico nesse grupo.

De  uma maneira geral os exames radiológicos ajudam pouco no diagnóstico, com baixas taxas de sensibilidade, sendo útil no diagnóstico de suas complicações, como: abscesso intra-abdominal, obstrução, perfuração e  tumores. Mais recentemente, novos métodos de tomografia, como a enterotomografia, com ingestão de grande quantidade de contraste oral, tem melhorado a sensibilidade3 .

A angiografia mesentérica é uma outra modalidade diagnóstica disponível. No entanto, tem utilidade somente em casos de sangramento ativo, quando há contraindicação para a cintilografia. A taxa de sangramento mínima usualmente necessária para o diagnóstico é de 0,5 ml por minuto, embora sangramentos menores possam ser detectados quando a técnica de subtração digital é aplicada. O procedimento possibilita o tratamento de vasos sangrantes via embolização, requerendo, neste caso, cateterização superseletiva das artérias ileais mais distais.

Em relação a  videocápsula endoscópica,  tem sido relatado somente relato de casos de diagnostico de DM, com valor preditivo positivo incerto. Mais recentemente, Krstic e colaboradores demonstraram melhores resultados com valor preditivo positivo de 84,6%, o que é superior a todos os outros métodos descritos. Porém, existe risco de retenção da cápsula dentro da formação diverticular. Dessa forma, há uma tendência de não utilizar essa ferramenta de forma rotineira no diagnóstico do DM 4. A enteroscopia de duplo balão (EDB), tem sido utilizado para o diagnóstico do DM.  Até recentemente, inúmeros relatos da literatura tem demonstrado diagnóstico por este método, porém em séries com pequena quantidade de pacientes5,6,7 . Entretanto, em estudo recente com maior número de pacientes, He e colaboradores encontraram acurácia diagnóstica do DM com EDB de 86%. Os resultados foram comparados com a capsula endoscópica, que demonstrou taxa de diagnóstico de 7,7%. Este é o maior estudo de DBE e diagnóstico de DM, com 74 pacientes 8. Fukushima e colaboradores9, baseados em sua experiência com 10 pacientes, recomendam que a enterotomografia seguida pela EDB retrógrada sejam aplicadas para pacientes estáveis como manejo diagnóstico inicial na suspeita de DM. A EDB pode, ainda, representar um método minimamente invasivo de tratamento do DM sintomático. Casos bem-sucedidos de polipectomia intradiverticular e  ressecção de DM invertido, já foram relatados10.

 

CONCLUSÃO

Apesar dos resultados ainda baseados em dados limitados, a EDB pode estar indicada como modalidade diagnóstica em pacientes adultos jovens, com suspeita de DM e avaliação imaginológica previamente negativa.

 

AUTORES:

Rafael W Noda
Eduardo A Bonin
Eduardo Carboni

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Soltero MJ, Bill AH. The natural history of Meckel´s Diverticulum and its relation to incidental removal. A study of 202 cases of diseased Meckel´s Diverticulum found in King Country, Washington, over a fifteen year periodo. Am J Surg 1976; 132: 168-173.
  2. Kussumoto H, Yoshida M, Takahashi I, Anai H, Maehara Y, Sugimachi K. Complications and diagnosis of Meckel’s diverticulum in 776 patients. Am J Sur. 1992;164:382-3.
  3. Paulsen SR, Huprich JE, Fletcher JG, et al. CT enterography as a diagnostic tool in evaluating small bowel disorders: review of clinical experience with over 700 cases. RadioGraphics 2006; 26:641–657
  4. Capsule endoscopy is useful diagnostic tool for diagnosing Meckel’s diverticulum. Kristin, SN, Martinov JB, et. al. Eurojgh 2016;28:702-707.
  5. Sumer A, Kemik O, Olmez A, et.al. Small Bowel Obstruction due to Mesodiverticular Band of Mecke’l Diverticulum: A Case Report
  6. Fukushima M, Kawanami C, Inoue S, Okada A, Imai Y, InokumaT. A case series of Meckel’s diverticulum: usefulness of double balloon enteroscopy for diagnosis. BMC Gastroenterol 2014; 14:155.
  7. Gomes GF, Bonin EA, Noda, RW et. al. Ballon-assisted enteroscopy for suspected Meckel’s diverticulum and indefinite diagnostic imaging. WJGE 2016;16 8(18):679-683.
  8. He Q, Zhang YL, Xiao B, Jiang B, Bai Y, Zhi FC, Double-balloon enteroscopy for diagnosis of Meckel´s diverticulum: comparison with operative findings and capsule endoscopy. Surgery 2013; 153: 549-554.
  9. Fukushima M, Kawanami C, Inoue S, Okada A, Imai Y, Inokuma T. A casa series of Meckel´s diverticulum: usefulness of double-balloon enteroscopy for diagnosis. BMC Gastroenterol 2014; 14: 155.
  10. Konomatsu K, Kuwai T, Yamaguchi T, Imagawa H, Yamaguchi A, Kouno H, Kohno H. Endoscopic full-thickness resection for inverted Meckel´s diverticulum using double-balloon enteroscopy. Endoscopy 2017; 49: 66-67.



QUIZ! Teste seus conhecimentos sobre pólipos gástricos!

 

 

Você acha que sabe bastante sobre os pólipos gástricos? Então responda a este Quiz!

 

 

 

 




Síndrome de Plummer-Vinson

Dificuldade em engolir ou disfagia é um sintoma comum. Membranas esofágicas, apesar de infrequentes, podem ocorrer em associação com anemia por deficiência de ferro e disfagia. Esta tríade clínica foi denominada de diversas formas: “Síndrome de Plummer–Vinson” (SPV) e “Síndrome de Paterson–Brown–Kelly”. O primeiro termo foi derivado dos nomes de dois médicos americanos da Mayo Clinic (Henry Stanley Plummer e Porter Paisley Vinson), e o segundo por dois otorrinolaringologistas ingleses (Donald Ross Paterson e Adam Brown-Kelly).

A tríade típica da SPV não é vista em todos os pacientes com membrana esofágica. Disfagia e anemia por deficiência de ferro são as características mais comuns, embora alguns pacientes não apresentem uma membrana claramente demonstrável. Da mesma forma, nem todos os pacientes com anemia e membrana esofágica apresentam disfagia.

A Síndrome de Plummer-Vinson (SPV) é uma condição rara e que continua a ser enigmática, apesar de transcorrido um século desde a sua primeira descrição. A literatura disponível sobre sua patogênese, tratamento e história natural é limitada a relatos de casos e série de casos retrospectivas. Apesar de raros relatos em crianças e adolescentes, a maioria dos pacientes acometidos é de meia-idade (47 anos). A raça branca parece ser mais afetada que a negra, bem como as mulheres são muito mais afetadas que os homens (8:1), de tal forma que, em determinado momento, a SPV foi considerada uma doença exclusivamente feminina. Esta notável preponderância feminina pode ser atribuída, pelo menos em parte, a uma maior prevalência de anemia ferropriva entre as mulheres, devido à menor ingestão dietética, perda de sangue menstrual e gravidez.

Patogênese

A patogênese exata da SPV ou da formação da membrana esofágica não é clara porque, pelo menos em parte, tais estudos são difíceis de conduzir devido à natureza infrequente dessa condição. Vários mecanismos foram propostos, como fatores genéticos, nutricionais, autoimunes e infecciosos. No entanto, a anemia ferropênica é único fator aceito por unanimidade para desempenhar um papel. Sabe-se que o trato gastrointestinal é susceptível à ferropenia, dada sua elevada taxa de renovação celular com enzimas dependentes de ferro. Dessa forma, é possível que tal alteração promova degradação da mucosa e formação de membranas, bem como alteração na contração muscular por degradação progressiva dos músculos da faringe devido à redução de enzimas oxidativas ferro-dependentes.

Tratamento

O tratamento dos pacientes com Síndrome de Plummer-Vinson tem por objetivo a correção da anemia, bem como da disfagia.

A reposição com ferro por via oral é eficaz no tratamento da maioria dos pacientes com anemia ferropriva, entretanto, em algumas situações específicas, nas quais a terapia por via oral é insuficiente, a administração de ferro por via parenteral é uma alternativa eficaz.

A dilatação endoscópica através dos dilatadores de Savary-Gilliard ou de balão é bastante eficaz e segura. É recomendada utilização da “regra dos 3”, que consiste em três diâmetros consecutivos de dilatadores em cada sessão, tendo como alvo um diâmetro final de 15mm. Normalmente são necessárias poucas sessões, eventualmente apenas uma, para alcançar resolução da disfagia, com eventos adversos em torno 1-3%.

O desfecho em curto prazo é geralmente favorável porque a disfagia e a anemia podem ser tratadas de forma eficaz. Alguns pacientes podem recidivar, principalmente por causa da descontinuação
de tratamento e menos comumente após uma melhora clínica que parecia estável. As taxas de recorrência variaram entre 14% e 30% e ocorrem geralmente no seguimento a longo prazo.

Outras opções terapêuticas descritas são coagulação com plasma de argônio ou YAG laser, especialmente em casos de múltiplas recorrências.

A Síndrome de Plummer-Vinson está associada a um alto risco de transformação maligna (3% -30%) e por isso é considerada uma lesão pré-cancerosa, principalmente para carcinoma de células escamosas da hipofaringe ou do esôfago superior. Portanto, o acompanhamento a longo prazo desses pacientes é necessário. A vigilância através de endoscopia digestiva alta anual para detecção precoce de neoplasia é recomendada por muitos autores, contudo a eficácia desta recomendação não está confirmada definitivamente.

Caso clínico de exemplo:

Mulher, 45 anos, com queixas de disfagia alta (cervical) progressiva, predominantemente para sólidos, há cerca de um ano e meio.

Nega DM, HAS ou perda de peso neste intervalo de tempo. Não é tabagista ou etilista, tampouco possui histórico de neoplasias nos antecedentes clínicos. Como única intervenção cirúrgica, submeteu-se à gastroplastia redutora à Capella há 7 anos para tratamento de obesidade, sem relato de reganho de peso.

Exames laboratoriais revelaram Hb 9,1g/dL (12-16g/dL), Ht 28,5%,  Ferro sérico 20µg/dL (37-145 µg/dL), Transferrina 80 µg/dL (250-380 µg/dL), Sat. Ferro 19% (20-40%).

No caso em questão, a EDA revelou curto segmento de estenose no esôfago proximal, imediatamente abaixo do cricofaríngeo, composto por finas membranas esbranquiçadas, que ocupavam metade da circunferência local cada e conferiam leve/moderada resistência à passagem do gastroscópio (9,8mm).

As biópsias da área de estenose evideciaram esofagite crônica leve, sem sinais de especificidade. Concomitante à reposição de ferro procedeu-se dilatação endoscópica através de sondas termoplásticas (Savary-Gilliard) até 17mm, obtendo-se excelentes resultados em sessão única:

 

Referências Bibliográficas

1. Goel A, Bakshi S, Soni N, Chhavi N. Iron deficiency anemia and Plummer–Vinson syndrome: current insights. Journal of Blood Medicine. 2017:8 175-184.

2. Goel A, Lakshmi CP, Bakshi SS, Soni N, Koshy S. Single-center prospective study of Plummer-vinson syndrome. Dis Esophagus. 2016;29(7):837–841

3. Bakari G, Benelbarhdadi I, Bahije L, Essaid A. Endoscopic treatment of 135 cases of Plummer-Vinson web: a pilot experience. Gastrointest Endosc. 2014; 80(4):738-741.

…………………………………………………………………………………………………………..
Como citar esse artigo:
Brasil G. Síndrome de Plumer-Vinson. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-de-plummer-vinson/