Caso Clínico – Pancreatite induzida por corpo estranho

A ingestão de corpos estranhos (CE) é um problema clínico comum. A maioria (80%) dos CE ingeridos passa pelo trato gastrointestinal (TGI) sem intercorrências dentro de uma semana, sendo a perfuração um evento raro, que ocorre em menos de 1% dos pacientes. Os ossos de peixe (espinhas) são os objetos mais comumente ingeridos e a causa mais frequente de perfuração do TGI.

CASO CLÍNICO

O caso a seguir é de uma paciente do sexo feminino, com 63 anos de idade, que procurou a urgência do nosso hospital com queixas de dor em “barra” no andar superior do abdome associada a náuseas há 24h. Os exames laboratoriais evidenciaram: leuco 11.500/mm3, PCR 13,02 mg/dL e lipase 230 U/L. Realizou Tomografia Computadorizada (TC) de abdome para avaliar possível pancreatite, que demonstrou um corpo estranho radiopaco, linear, transfixando o antro gástrico e atingindo a cabeça do pâncreas, ocasionando aumento focal deste.

 
Em virtude dos achados, a paciente foi referenciada à Endoscopia Digestiva para realização de EDA de urgência, que evidenciou espinha de peixe impactada na pequena curvatura da região pré-pilórica antral, medindo cerca de 3cm. Realizada retirada endoscópica com auxílio de pinça de corpo estranho sem intercorrências.

 
Após a confirmação do CE se tratar realmente de espinha de peixe, a paciente foi indagada e confirmou ingestão de peixe há 3 dias, no entanto, sem recordar de qualquer eventualidade durante a alimentação. Evoluiu com resolução completa da dor abdominal e normalização de todos os exames laboratoriais, recebendo alta hospitalar após 72h com boa aceitação alimentar e sem intercorrências.

DISCUSSÃO

CE não metálicos, especialmente espinhas de peixe e outros fragmentos ósseos, representam um problema singular no diagnóstico da perfuração do TGI. As ocasiões onde esses objetos podem ser engolidos são numerosas e subnotificadas. A ingestão de espinhas de peixe é especialmente frequente em culturas (por exemplo, chinesa) onde o peixe inteiro é uma iguaria culinária. Os ossos são ingeridos frequentemente de maneira acidental e esquecidos. As manifestações clínicas decorrentes da perfuração do TGI tem amplo espectro de apresentação e o intervalo tempo entre a ingestão e o início dos sintomas pode ser agudo ou crônico, alcançando meses ou até mesmo anos, o que torna um evento difícil de diagnosticar no pré-operatório.
A perfuração induzida por CE ocorre em todos os segmentos do TGI, embora tende a ocorrer em regiões de angulação acentuada, como as junções ileocecal e retossigmoideana. Outros locais possíveis de perfuração são os sacos herniários, divertículo de Meckel e o apêndice. Quando a perfuração segue um curso mais insidioso pode mimetizar uma série de patologias diferentes, de acordo com o local anatômico, conforme a tabela abaixo:

H.E. Williams et al. / International Journal of Surgery Case Reports 5 (2014) 437–439

 
A radiografia não é confiável para diagnóstico da perfuração por espinha de peixe. Este problema foi ilustrado em estudos de ingestão de ossos de peixes, mostrando que o grau de radiopacidade do osso varia de acordo com as espécies. Em contraste, os ossos de frango são quase sempre radiopacos. Mesmo quando os ossos dos peixes são suficientemente radiopacos para serem visualizados nas radiografias, grandes massas de tecido mole e líquido podem obscurecer o conteúdo mínimo de cálcio do osso, particularmente em pacientes obesos. A TC tem sido útil na detecção de perfuração por CE não-metálicos. A perfuração ocasionada por espinha de peixe tipicamente aparece na TC como uma lesão calcificada linear, cercada por uma área de inflamação. Apesar de sua superioridade sobre a radiografia no diagnóstico da perfuração por espinha de peixe, a TC tem potenciais limitações na detecção de ossos de peixe intra-abdominais.
A pancreatite induzida por corpo estranho é infrequente e, quando ocorre, geralmente é decorrente de inflamação da papila duodenal maior ou de impactação com obstrução do ducto biliar. A pancreatite causada por traumatismo direto de uma espinha de peixe ingerida é evento extremamente raro. A TC é útil para fazer um diagnóstico precoce.
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  1. Chiu YH, How CK, Chen JD. Fish Bone-Induced Pancreatitis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2010;8(3):e27.
  2. Goh BKP, Tan YM, Lin SE, et al. CT in the preoperative diagnosis of fish bone perforation of the gastrointestinal tract. Am J Roentgenol. 2006;187(3):710–714.
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  5. Pereira B, Santos A, Pereira E, Banhudo A. Letters To the Editor. Rev Esp Enferm Dig. 2013;105(7):439–40.

 




Sobre litíase biliar é incorreto afirmar:




Manometria esofágica de alta resolução: principais vantagens em relação à convencional e uma breve interpretação da classificação de Chicago

Recentemente, a manometria de alta resolução (MAR) tornou-se disponível para a avaliação da motilidade esofágica. O cateter da MAR é composto por vários sensores de pressão estreitamente espaçados (≤1 cm de intervalo nas regiões do esfíncter e 1 a 2 cm de intervalo nas regiões do corpo esofágico), registrando a pressão esofágica sem lacunas significativas dos dados ao longo do comprimento de todo o esôfago. As pressões obtidas são representadas graficamente e depois transformadas em imagens espaço-temporais das pressões esofágicas codificadas por cores (“Clouse plots”) (Fig. 1). A MAR aumentou substancialmente a resolução espacial comparada à manometria convencional com 8 sensores de pressão. Além disso, a apresentação dos dados manométricos através das “Clouse plots” revela a anatomia funcional da junção esofagogástrica (JEG) de maneira visualmente intuitiva (Fig. 2).

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Figura 1. À esquerda, observa-se a disposição do cateter de MAR ao longo do comprimento do esôfago. No centro, nota-se a representação gráfica das curvas pressão x tempo. À direita, nota-se a representação espaço-temporal dos traçados da manometria de alta resolução codificada por cores (“Clouse plots”)

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Figura 2. Identificação dos marcos anatômicos através da MAR: esfíncter superior do esôfago (ESE), ponto de inversão da pressão (PIP) e esfíncter inferior do esôfago (EEI)

As principais vantagens da MAR em relação à manometria convencional são:

–   Permite localização mais fácil e imediata de marcos anatômicos como os esfíncteres superior e inferior;

–   É possível aquisição simultânea de dados referentes ao esfíncter superior, corpo esofágico e esfíncter inferior do esôfago;

–   Proporciona maior conforto ao paciente devido ao tempo reduzido de exame e pela ausência de necessidade de tração do cateter a cada centímetro;

–   Não sofre influência de artefatos de movimento.

–  Identificação de fenótipos clinicamente relevantes, como os subtipos de acalásia, que possuem respostas terapêuticas distintas. (Fig. 3)

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Figura 3. Subtipos de acalásia. Em A, tipo I, com ausência de contratilidade; em B, tipo II, com panpressurização esofágica e, em C, tipo III, com contrações prematuras. Nos três casos, observa-se prejuízo do relaxamento da JEG.

A avaliação da peristalse esofágica e do relaxamento do esfíncter inferior do esôfago (EIE) é feita através da identificação de diferentes variáveis, conforme proposto pela Classificação de Chicago. Este sistema foi desenvolvido para facilitar a interpretação dos estudos de alta resolução, concomitante à adoção generalizada desta tecnologia para prática clínica. No último ano, o Grupo de Trabalho  Internacional em MAR publicou a terceira versão da classificação (CC v.3.0). As principais medidas consideradas são demonstradas a seguir (Tab. 1).

Tabela 1. Medidas utilizadas na Classificação de Chicago v. 3.0

De acordo com os achados manométricos, são inferidos os distúrbios funcionais e os respectivos diagnósticos clínicos. Esta etapa deve obedecer a um fluxograma hierárquico, que classifica as desordens sequencialmente por ordem de prioridade, a saber (Fig. 4):

1) Desordens que obstruem o fluxo da JEG: caracterizadas por IRP acima do limite superior de normalidade. Dividem-se entre os subtipos de acalásia (I, II e III) e obstrução da via de saída da JEG.

2) Desordens maiores da peristalse: nunca encontradas em indivíduos sadios. Compreendem peristalse ausente, espasmo esofageano distal e Jackhammer esophagus.

3) Desordens menores da peristalse: caracterizadas por prejuízo da depuração esofágica. Incluem a motilidade esofágica ineficaz e a peristalse fragmentada.

Figura 4. Análise hierárquica da motilidade esofágica: CC v 3.0. As desordens que obstruem o fluxo da JEG estão representadas em vermelho, as desordens maiores da peristalse em laranja e as desordens menores da peristalse em amarelo.

Referências

  1. Fox MR, Bredenoord AJ. Oesophageal high-resolution manometry: moving from research into clinical practice. Gut. 2008;57(3):405-23.
  2. Kahrilas PJ, Bredenoord AJ, Fox M, Gyawali CP, Roman S, Smout AJ, Pandolfino JE; International High Resolution Manometry Working Group. The Chicago Classification of esophageal motility disorders, v3.0. Neurogastroenterol Motil. 2015;27(2):160-74.
  3. Bredenoord AJ, Fox M, Kahrilas PJ, Pandolfino JE, Schwizer W, Smout AJ; International High Resolution Manometry Working Group. Chicago classification criteria of esophageal motility disorders defined in high resolution esophageal pressure topography. Neurogastroenterol Motil. 2012;24 Suppl 1:57-65.
  4. Kahrilas PJ, Ghosh SK, Pandolfino JE. Esophageal motility disorders in terms of pressure topography: the Chicago Classification. J Clin Gastroenterol. 2008;42(5):627-35.

 

 

 




QUIZ! – Qual a alternativa correta nesse caso?

TO, feminina, 54 anos, há cerca de 2 anos com episódios de pancreatite aguda recorrente (ao menos 4 episódios), com necessidade de internação e comprovada elevação de enzimas pancreáticas. Paciente foi submetida a colecistectomia há 1 ano, porém voltou a apresentar mais 2 ataques de pancreatite após a cirurgia. Nega tabagismo e etilismo. Foi submetida a colangiopancreatografia por ressonância magnética (imagens abaixo):




Caso Clínico – Endometriose de Reto

A endometriose é definida como tecido endometrial fora do útero. O envolvimento colorretal da endometriose ocorre em 5 a 10% dos casos, acometendo mais freqüentemente a região retossigmoidiana.

A endometriose do reto pode ser confundida com carcinoma retal, uma vez que os sintomas e sinais podem se assemelhar.

Os principais sintomas referidos da endometriose intestinal são dor em cólica no abdome inferior, constipação e diarréia. Outros sintomas que também podem ser relatados incluem tenesmo, alternância do hábito intestinal com defecação dolorosa, enterorragia, sintomas de oclusão parcial do intestino e dispareunia.

A colonoscopia identifica sinais específicos de endometriose intestinal em 50% dos casos, como o achado de abaulamentos e lesões subepiteliais na parede colorretal. Na maioria dos casos a mucosa encontra-se íntegra, e em 5% pode-se observar sinais de infiltração, como enantema, edema, friabilidade, irregularidade da superfície e altearações no padrão de vascularização.

A RNM deve ser o exame inicial para o diagnóstico de endometriose. Sendo o ultrassom transretal um importante exame na avaliação dos casos de endometriose intestinal, pois apresenta maior sensibilidade e especificidade na determinação da extensão da infiltração na parede intestinal, quando comparado com a RNM, além de possibilitar a realização de punções para análise histológica nos casos necessários.

A ressecção cirúrgica laparoscópica é o tratamento habitual dos casos de endometriose intestinal sintomática.

Caso Clínico

Mulher 38 anos, com queixa de abdominal crônica, porém relata alteração do hábito intestinal há 8 meses, de 1 a 2 vezes ao dia para uma vez a cada 3 a 4 dias, com afilamento das fezes, puxo e tenesmo. Nesse período também houve piora das dores abdominais, em cólica, difusa, que se intensificam no período menstrual, e associada à sangramento vermelho vivo nas fezes. Antecedente familiar: Mãe diagnosticada com câncer colorretal  aos 54 anos.

Realizada colonoscopia (imagens abaixo) que evidenciou abaulamento na parede anterior do reto médio, com área de mucosa com irregularidade e friabilidade, cujas biópsias demonstraram endometriose.

Tenesmo Tenesmo Tenesmo Tenesmo Tenesmo

 

 

Referências:

1. Rossini LG, Ribeiro PA, Rodrigues FC, et al. Transrectal ultrasound – Techniques and outcomes in the management of intestinal endometriosis. Endosc Ultrasound. 2012;1(1):23-35.

2. Guerra GMLSR, Monteiro EP, Souza HFS, et al. Endometriose de Reto – Relato de de Caso. Rev Bras Coloproct, 2004; 24(4):354-357.




Pneumoperitônio após gastrostomia endoscópica – O que você faria neste caso?

 

Paciente de 78 anos com sequela de AVC, internada em unidade de terapia intensiva.  Foi submetida à gastrostomia endoscópica sem intercorrências. No dia seguinte ao procedimento foi obtida a radiografia acima.

A paciente é não comunicante, estava hemodinamicamente normal, com abdome flácido e sem sinais de dor a palpação. A sonda de gastrostomia estava na mesma posição em que havia sido fixada no dia do procedimento (2,5 cm).  Qual seria a sua conduta em relação à este achado?




Manejo endoscópico da Síndrome de Mallory Weiss

A síndrome de Mallory-Weiss (SMW) é caracterizada por hemorragia digestiva alta (HDA) associada a presença de laceração mucosa na região da junção esofagogástrica (laceração de Mallory-Weiss). Usualmente associada a vômitos repetidos, SMW é uma causa comum de sangramento digestivo, podendo representar até 15% do total de casos de HDA.

Figura 1. Laceração de Mallory-Weiss em transição esofagogástrica com prolongamento em pequena curvatura

A patogênese da síndrome de Mallory-Weiss não é completamente entendida, tendo sido proposto que o aumento súbito de pressão intra-abdominal possa levar a formação de lacerações na transição esofagogástrica e lesão do plexo venoso e/ou arterial local.

Entre algumas das situações comumente associadas a SMW, cita-se: abuso de álcool, vômitos de repetição, tosse intensa, convulsões, trauma abdominal fechado, prática esportiva de levantamento de peso, passagem de sonda nasogástrica e realização de procedimentos de endoscopia digestiva alta.

Casos de laceração de Mallory Weiss iatrogênicos durante endoscopia digestiva alta tem sido relatados com incidência estimada entre 0.007 % a 0.49 % do total de procedimentos.

A manifestação clínica mais comum é hematêmese,  que pode ser acompanhada por dor epigástrica. Na maioria dos casos, há relato de náuseas com esforço de vômito, episódios eméticos sem sangue associado ou tosse intensa antecedendo o quadro.

O manejo inicial se dá com a estabilização clínica do paciente, suporte, reposição volêmica quando necessária, e introdução de inibidor de bomba de próton venoso, duas vezes ao dia.

O estabelecimento diagnóstico da SMW se dá com a realização de endoscopia digestiva alta com evidência de laceração localizada na junção esofagogástrica. As lacerações de Mallory-Weiss são usualmente únicas e longitudinais, contudo, lacerações múltiplas são descritas em até 27% dos casos.

Figura 2. Apresentação de laceração de Mallory-Weiss em seu local mais comum (parede lateral direita).

Na endoscopia, a laceração aparece como uma lesão longitudinal avermelhada na mucosa, algumas vezes estendendo-se até a muscular da mucosa. Presença de coágulos, ou mesmo sangramento ativo, podem ser evidenciados.

Tratamento endoscópico Síndrome de Mallory Weiss:

A terapia endoscópica é indicada no tratamento de sangramento ativo das lacerações de Mallory-Weiss. Entre os recursos potencialmente utilizados cita-se: injeção endoscópica, coagulação térmica, hemoclipes e ligadura com banda elástica. A utilização de pós hemostáticos  (Hemospray) é descrita com sucesso na SMW em séries de caso.

  • Injeção endoscópica

A terapêutica por injeção é simples, facilmente aplicável e relativamente barata como primeira linha. A adrenalina é a solução mais comumente usada e melhora os resultados em termos de taxa de ressangramento, tempo de hospitalização e necessidade de transfusão, quando comparada a realização de medidas de suporte isoladas. Possui efeito hemostático por induzir vasoconstricção, por compressão vascular associado ao volume de injeção, e por induzir agregação plaquetária.

O efeito hemostático da adrenalina como terapia de injeção isolada na SMW é controverso. Alguns estudos têm demonstrado que a injeção de adrenalina, em casos de sangramento ativo, pode levar a um aumento das taxas de ressangramento quando comparada a hemostasia mecânica ou terapia combinada.

  • Eletrocoagulação

A eletrocoagulação promove controle hemostático pela aplicação de calor e pressão por contato ao sítio de sangramento de forma simultânea. Contudo, em vigência de sangramento ativo, a dissipação rápida do calor no sangue pode levar a maior dificuldade técnica. A eletrocoagulação multipolar parece melhorar a hemostasia de modo significativo, reduzindo risco de cirurgia em pacientes com SMW.  O uso de coagulação agrega risco, no entanto, associado a possibilidade lesão térmica transmural e perfuração do órgão.

O plasma de argônio também tem seu uso descrito em SMW, com a vantagem de ter bom poder hemostático associado com menor dano térmico e consequentemente menor risco de perfuração.

  • Hemoclipe

A aplicação de hemoclipes é um procedimento simples para tratar lesões em tecido não fibrótico como na SMW e nas lesões de Dieulafoy. Contudo, a aplicação de hemoclipes na transição esofagogástrica agrega dificuldade técnica.  Em um estudo japonês com uso de hemoclipes metálicos para SMW iatrogênica, e de outras naturezas, foi demonstrada hemostasia inicial de 100% e baixas taxas de ressangramento (Shimoda et al, 2009).

Figura 3. Aplicação de hemoclipe em laceração de Mallory-Weiss.

  • Ligadura elástica

A principal vantagem da ligadura elástica por banda é a facilidade técnica comparada com outros procedimentos endoscópicos hemostáticos. O uso do cap de ligadura propicia uma boa visualização tangencial da lesão e, ao tocar e realizar leve compressão da laceração, leva a imobilização, permitindo uma adequada terapêutica.

Figura 4. Realização de ligadura elástica em laceração de Mallory-Weiss.

Poucos estudos realizam comprações diretas entre as técnicas hemostáticas. Um dos trabalhos de maior representatividade, realizada de forma retrospectiva em 168 pacientes com laceração de Mallory-Weiss, a terapia baseada em hemoclipes e a ligadura elástica apresentaram maior taxa de sucesso na prevenção do ressangramento comparado com a terapia por injeção isolada (96, 89 e 71%, respectivamente)(Lee et al, 2016).

Considerações finais:

SMW é uma importante causa de sangramento digestivo alto, com boa parte do casos cessando de forma espontânea. Nos pacientes com sangramento ativo, as técnicas endoscópicas mais frequentes são: injeção de adrenalina, coagulação com plasma de argônio, hemoclipes e banda elástica.  A seleção da melhor estratégia hemostática depende da habilidade do executor do procedimento e do contexto clínico apresentado. A realização de terapia injetora isolada deve ser evitada.

A maioria dos pacientes com sangramento ativo durante a endoscopia podem ser controlados endoscopicamente com taxa de ressangramento de até 7%. Diante do ressangramento, nova endoscopia com hemostasia pode ser tentada. Caso haja falha endoscópica, o uso da arteriografia com embolização ou mesmo a abordagem cirúrgica podem ser opcões técnicas.

Referências:

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  7. Shimoda R, Iwakiri R, Sakata H, et al. Endoscopic hemostasis with metallic hemoclips for iatrogenic Mallory-Weiss tear caused by endoscopic examination. Dig Endosc 2009; 21:20.
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  12. Lee S, Ahn JY, Jung HY, et al. Effective endoscopic treatment of Mallory-Weiss syndrome using Glasgow-Blatchford score and Forrest classification. J Dig Dis 2016; 17:676.



QUIZ – Assinale a alternativa correta

Mucosect dois

Paciente de 62 anos, masculino, submetido a colonoscopia de triagem. Durante exame foi evidenciada doença diverticular em todos segmentos do cólon e pólipo em cólon ascendente, o qual foi removido após injeção submucosa de solução de adrenalina (1:20.000) e alça diatérmica, sem intercorrências. Durante recuperação pós anestésica teve desconforto abdominal o qual cedeu após uso de dimeticona oral e analgesia com buscopam endovenoso. Recebeu alta cerca de 40 minutos após a colonoscopia.

No dia seguinte ao exame, o paciente entrou em contato com a equipe médica referindo náuseas e dor abdominal de forte intensidade, que não cedeu após uso de buscopam composto. O mesmo retornou a clínica, e durante exame físico evidenciava-se hidratado, corado, eupnéico, taquicárdico (98bpm), PA:130x80mmHg, com dor abdominal de forte intensidade localizada em quadrante superior direito, com dor a descompressão brusca apenas nesta região.

Baseado no caso exposto, podemos afirmar sobre o diagnóstico provável e terapêutica:




Artigo Comentado – Ecoendoscopia na hipertensão portal e no seguimento de pacientes após terapia com ligadura elástica

As recomendações atuais para profilaxia secundária após hemorragia varicosa são a terapia endoscópica com ligadura elástica associada ao uso oral de betabloqueadores. Apesar do tratamento endoscópico ser efetivo na erradicação das varizes, a recidiva das varizes esofágicas é frequente no primeiro ano de acompanhamento. Motivo pelo qual está indicado um seguimento endoscópico para detecção precoce da recidiva das varizes esofágicas. Entretanto, somente a análise endoscópica não é capaz de predizer esse desfecho e quais pacientes irão apresentar novo episódio de sangramento.

Uma vez que as varizes esofágicas são apenas a porção endoscopicamente visível da circulação colateral portossistêmica, a ecoendoscopia pode fornecer imagens anatômicas de alta resolução dos vasos colaterais ao redor do esôfago. Alguns estudos prévios correlacionaram alterações de estruturas vasculares paraesofágicas com a recidiva de varizes esofágicas, sendo as mais estudadas: a veia ázigos, o ducto torácico e as varizes paraesofágicas.

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Desenho esquemático da anatomia paraesofágica  na hipertensão portal.

O estudo a ser comentado foi publicado na revista Gastrointestinal Endoscopy em Setembro de 2016 e foi originado da minha tese de doutorado na faculdade de medicina de São Paulo (USP) que teve como orientador Dr Fauze Maluf.

Metodologia e Objetivo

  • Estudo prospectivo em pacientes cirróticos, acima de 18 anos e após o primeiro episódio de hemorragia digestiva por varizes esofágicas;
  • A profilaxia secundária instituída foi terapia endoscópica com ligadura elástica e uso de betabloqueador por via oral;
  • Utilização da ecoendoscopia na análise do diâmetro máximo de três estruturas paraesofágicas: veia ázigos, ducto torácico e varizes paraesofágicas;
  • As análises ecoendoscópicas foram realizadas em 2 momentos: antes da terapia com ligadura elástica e após a erradicação das varizes esofágicas;
  • Correlacionar os diâmetros máximos destas estruturas com a recidiva de varizes esofágicas após 1 ano de seguimento endoscópico trimestral.

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Visão esquemática de imagem ecoendoscópica da anatomia paraesofágica

 

Resultados

  • Foram encaminhados 317 pacientes para terapia endoscópica das varizes esofágicas. Dos quais, um total de 30 foram inclusos no estudo e acompanhados com endoscopia trimestral por um período de 1 ano.

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Fluxograma dos pacientes do estudo

Com o seguimento endoscópico, foi identificada recidiva das varizes esofágicas em 17 (57%) pacientes; e não houve caso de ressangramento. Sendo os pacientes divididos em dois grupos:

  • recidivantes
  • não recidivantes das varizes esofágicas

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Paciente recidivante. A: Visão endoscópica após a erradicação das varizes esofágicas; Imagem ecoendoscópica; – B: Ducto torácico (2,1 mm); C: Veia ázigos (7 mm); D: Varizes paraesofágicas (7,8 mm)

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Paciente não recidivante. A: Visão endoscópica após a erradicação das varizes; Imagem ecoendoscópica – B: Ducto torácico (4,2 mm); C: Veia ázigos (7,8 mm); D: Varizes paraesofágicas

(3,1 mm)

  • Após análise estatística, foi observado que não houve correlação entre os diâmetros máximos da veia ázigos e do ducto torácico com a recidiva das varizes esofágicas.
  • Entretanto, o diâmetro máximo das varizes paraesofágicas foi um fator preditivo na recidiva das varizes em ambos os momentos de avaliação, antes (p17) e após (p 0.004) a terapia com ligadura elástica.

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  • Para determinar os melhores valores de corte para estes parâmetros, foi realizada uma curva ROC. Os valores de corte obtidos foram: 6,3 mm antes (52% de sensibilidade e 92,3% de especificidade) e 4 mm após a terapia com ligadura elástica (70,6% de sensibilidade e 84,6% de especificidade).

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Curva ROC para determinação dos melhores valores de corte para o diâmetro máximo das varizes paraesofágicas

Discussão

  • Alterações vasculares encontradas nos pacientes com hipertensão portal podem estar relacionadas a recidiva das varizes esofágicas. Desta forma, talvez seja possível individualizar o seguimento destes pacientes de acordo com estes achados.
  • O diâmetro máximo das varizes paresofágicas apresentou correlação estatística com a recidiva das varizes esofágicas em ambos os momentos de estudo. Entretanto, a análise ecoendoscópica após a terapia com ligadura elástica foi um melhor preditor, devido a um menor valor de corte (4 mm), a uma maior sensibilidade e a uma maior área sob a curva na curva ROC (AUC 0,801 vs 0,749).
  • Na maioria dos estudos prévios, não de pôde determinar qual o melhor período para avaliação ecoendoscópica. O diferencial deste estudo foi a realização de duas análises ecoendoscópicas.
  • Apesar das varizes paraesofágicas terem sido preditoras em ambos os períodos, foi sugerido que após a terapia com ligadura elástica seja um melhor momento para avaliação.
  • Outro aspecto importante desse trabalho foi que um tratamento individualizado visando especificamente as varizes paraesofágicas poderia ser proposto:
    1. Caso uma avaliação ecoendoscópica antes da terapia com ligadura elástica evidenciasse varizes paraesofágicas maiores que 6,3 mm, uma terapia combinada de ligadura elástica e escleroterapia poderia ser proposta ao invés de ligadura elástica isolada.
    2. Caso uma avaliação ecoendoscópica após a terapia com ligadura elástica evidenciasse varizes paraesofágicas maiores que 4 mm, uma escleroterapia ecoguiada diretamente nas varizes paraesofágicas poderia ser considerada. Procedimento que já foi demonstrado factível em trabalho prévio realizado no Brasil pelo Dr Gustavo Andrade de Paulo.

 

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Quiz! – Qual seria sua hipótese para esse achado na mucosa retal?

 

Homem, 55 anos, hipertenso, com hábito intestinal normal, submetido a colonoscopia para rastreamento de câncer colorretal.

Mucosa retal apresenta o seguinte aspecto:

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